Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0161/14
Data do Acordão:04/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A infracção das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final, devendo ainda o tribunal, na decisão que declare a incompetência, indicar o tribunal que considera competente (cf. arts. 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e 13.º do CPTA).
II - Em regra, a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito (arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, no art. 280.º, n.º 1, do CPPT).
III - Para aferir da competência do tribunal em razão da hierarquia há que atender aos fundamentos do recurso, que devem constar das conclusões: se, em face destas, se verifica que as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto.
IV - O juízo sobre a presunção (judicial) de que o juiz lançou mão para concluir pela gerência de facto com base na gerência de direito, quer no que respeita à sua validade, quer quanto à sua ilisão, constitui, essencialmente, um juízo de facto, pois para o formular é necessário utilizar regras da vida e da experiência comum e não a apreciação directa ou indirecta de qualquer norma jurídica ou aplicação da sensibilidade ou intuição jurídica.
Nº Convencional:JSTA00068652
Nº do Documento:SA2201404090161
Data de Entrada:02/10/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCAN
Decisão:INCOMPETÊNCIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - IVA - IRS
Legislação Nacional:ETAF02 ART26 B ART38 A ART5 N2.
CPPTRIB99 ART280 N1.
CPTA02 ART13.
CCIV66 ART350 ART351.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0189/10 DE 2010/04/21; AC STA PROC0738/09 DE 2009/12/16
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA - MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG502.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 815/10.1BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 A……………. (adiante Oponente ou Recorrente) deduziu oposição à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), reverteu contra ele por ter sido considerado pelo órgão da execução fiscal responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou a oposição improcedente.

1.3 Inconformado com a sentença, o Oponente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, recurso que foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 O Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1) No âmbito da LGT, para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se a demonstração de que os mesmos exerceram tal gerência de modo efectivo ou de facto.

2) É sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.

3) Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

4) Do artigo 11.º do Código de Registo Comercial não resulta qualquer presunção legal do exercício da gerência, mas apenas que é gerente de direito aquele que consta como gerente do registo comercial.

5) Analisada a factualidade dada como assente na douta sentença recorrida, constata-se não ter sido dado como provado qualquer facto que consubstancie o exercício efectivo dos poderes de gerência parte do Oponente.

6) O Oponente não pode ser responsabilizado pelas dívidas tributárias ao abrigo do disposto no artigo 24.º da LGT, por não resultar provado nos autos que tenha exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária nos períodos a que se reportam tais dívidas, sendo, pois, parte ilegítima na execução fiscal

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, julgando-se procedente a oposição à execução, com todas as legais consequências».

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e indicou como tribunal competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido a requerimento do Recorrente.

1.7 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

1.8 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.9 A questão a apreciar e decidir é, como procuraremos demonstrar, a da competência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Atenta a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

A) Com base nas certidões de fls. 2, 84, 86, 87, 89, 91 e 93 do apenso, foi instaurada contra B……………, Lda, a execução fiscal n.° 3050200701091158 e apensos, para cobrança das dívidas provenientes de:

i) IVA do ano de 2007 e respectivos juros, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 15/11/2007;

ii) IRS retido na fonte e respectivos juro, do ano de 2008, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20/03/2008;

iii) IRS retido na fonte e respectivos juros, do ano de 2008, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20/0212008;

iv) IRS retido na fonte e respectivos juros, do ano de 2007, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 21/02/2008;

v) IRS retido na fonte e respectivos juros, do ano de 2007, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20/01/2008;

vi) IVA e correspondentes juros, do ano de 2008, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 15/05/2008; e

vii) IVA e correspondentes juros, do ano de 2007, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 15/02/2008.

B) Em 24/08/2010, foi proferido o projecto de despacho de reversão, contra o ora oponente, da dívida referida na alínea antecedente, de fls. 44 a 51 do apenso, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:

«B………… Lda., NIPC: …………., melhor identificada no processo à margem referenciado, até à presente data não procedeu ao pagamento das dívidas constantes no processo principal e seus apensos supra indicados.
Ora, nos termos do disposto no art. 24.º da LGT refere que “Os administradores, directores, e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda, que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si”. Sendo, assim, uma vez que as dívidas em causa provem de factos ocorridos nos anos 2007 e 2008 é de observar o regime da responsabilidade subsidiária. Tal responsabilidade é de reportar tanto ao momento do facto gerador do imposto, como ao da cobrança voluntária da respectiva dívida.
Assim, face ao exposto há que fundamentar tanto as liquidações das dívidas a reverter como a responsabilidade subsidiária da gerência, a saber

Da Fundamentação da liquidação:

Do IVA:

1) O processo de execução fiscal n.º 3050200701091158 foi instaurado em 23 Dezembro de 2007 contra a sociedade devedora originária, com base na certidão de dívida 2007/331654, no valor, de 5.800,00 € por dívida de IVA, relativo ao exercício de 2007/09t (pagamentos em falta), cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 15 de Novembro de 2007. A dívida aqui certificada resultou do facto de as declarações periódicas previstas nos arts. 27.º e 41.º do Código do IVA, remetida para o período acima referido, não ter sido acompanhada do respectivo meio de pagamento, nem ter sido recebido, no prazo de cobrança voluntária, qualquer outro pagamento que pudesse ser associada a essa declaração
Assim, e uma vez que os impostos liquidados não foram pagos, foram extraídas certidões de dívida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 88.º do C.P.P.T., tendo dado origem ao processo de execução fiscal acima identificado. Refere-se que, neste data, ao valor da liquidação acrescem juros de mora vencidos, no montante de 1.914,00 €, e custas no valor de 151,07 €. A dívida total, presentemente, ascende a 7865,07 €, conforme se pode verificar com a impressão abaixo:
(…)
2) O processo de execução fiscal n.º 3050200801021427 foi instaurado em 28 de Março de 2008 contra a sociedade devedora originária, com base na certidão de dívida 2008/133108 no valor, de 5.000,00 € por dívida de IVA, relativo ao exercício de 2007/12t (pagamentos em falta), cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 15 de Fevereiro de 2008.
Assim, e uma vez que os impostos liquidado não foram pagos, foram extraídas certidões de dívida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 8.º do C.P.P.T., tendo dado origem ao processo de execução fiscal acima identificado. Refere-se que, nesta data, ao valor da liquidação acrescem juros de mora vencidos, no montante de 1.500,00 €, e custas no valor de 130,69 €. A dívida total, presentemente, ascende a 6.630,69 €, conforme se pode verificar com a impressão abaixo:
(…)
3) O processo de execução fiscal n.º 3050200801064070 foi instaurado em 8 de Julho de 2008 contra a sociedade devedora originária, com base na certidão de dívida 20081175419 no valor, de 840,24 € por dívida de IVA relativo ao exercício de 2008/031 (pagamentos em falta), cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 15 de Fevereiro de 2008.
Assim, e uma vez que os impostos liquidados não foram pagos, foram extraídas certidões de dívida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 88.º do C.P.P.T., tendo dado origem ao processo de execução fiscal acima identificado. Refere-se que, nesta data, ao valor da liquidação acrescem juros de mora vencidos, no montante de 226,80 €, e custas no valor de 23,51 €. A dívida total, presentemente, ascende a 1.090,55 €, conforme se pode verificar com a impressão abaixo:
(…)

Do IRS:

4) O processo de execução fiscal n.º 3050200801010599 foi instaurado em 08 Março de 2008, contra a sociedade devedora originária, com base na certidão de dívida 2008/206554, no valor de 325,42 € por dívida de IAS, cuja data limite de pagamento ocorreu em 20 de Janeiro de 2008, conforme quadro abaixo indicado, print retirado da aplicação informática de fluxos financeiros - retenção na fonte - IRS:
(…)
Por outro lado, pela não entrega do imposto nos cofres do Estado são devidos juros de mora, nos termos dos arts. 44.º da LGT e 86.º do CPPT. Refere-se que, nesta data, ao valor da liquidação acrescem juros de mora vencidos, no montante de 100,75 € e custas no valor de 10,39 €. A dívida total, presentemente, ascende a 436,56 €, como se pode comprovar com a impressão abaixo:
(…)
5) O processo de execução fiscal n.º 3060200801024566 foi instaurado em 10 de Abril de 2008, contra a sociedade devedora originária, com base nas certidões de dívida 2008/279090 e 2008/265313 no valor global de 338,84 € por dívida de IRS, cujas datas limites de pagamento ocorreram respectivamente em 20 e 21 de Fevereiro de 2008 conforme quadros abaixo indicados, retirados da aplicação informática de fluxos financeiros - retenção na fonte - IRS:
(…)
Por outro lado, pela não entrega do imposto nos cofres do Estado são devidos juros de mora, nos termos dos arts. 44.º da LGT e 86.º do CPPT. Refere-se que, nesta data, ao valor da liquidação acrescem juros de mora vencidos, no montante global de 101,40 € e custas no valor global de 10,73 €. A dívida total presentemente, ascende a 450,97 €, como se pode comprovar com a impressão abaixo:
(…)
6) O processo de execução fiscal n.º 3050200801026860 foi instaurado em 6 de Maio de 2008, contra a sociedade devedora originária, com base na certidão de dívida 2008/342664, no valor de 225,42 € por dívida de IRS, cuja data limite de pagamento ocorreu em 20 de Março de 2008, conforme quadros abaixo indicados, retirados da aplicação informática de fluxos financeiros - retenção na fonte - IRS:
(…)
Por outro lado, pela não entrega do imposto nos cofres do Estado são devidos juros de mora, nos termos dos arts. 44.º da LGT e 86.º do CPPT. Refere-se que, nesta data, ao valor da liquidação acrescem juros de mora vencidos, no montante de 65,25 € e custas no valor de 7,84 €. A dívida total, presentemente, ascende a 298,51 €, como se pode comprovar pela impressão abaixo:
(…)
Da reversão das dívidas:

Dos factos:

Conforme resulta dos autos, a originária devedora é executada neste serviço em vários processos de execução fiscal.
A sociedade executada iniciou a actividade em 14 de Fevereiro de 1969, tendo havido cessação de actividade em IVA em 10 de Outubro de 2006 (art. 33.º, n.º 1, al. b) do CIVA - redacção anterior), conforme se pode verificar pela cópia de síntese cadastral da sociedade em causa.
Pela consulta da aplicação informática do CEAP (cadastro electrónico de activos penhoráveis) e património, verifica-se a inexistência de quaisquer activos penhoráveis, conforme o previsto no art. 236.º do C.P.P.T.
Face aos elementos constantes do processo, verifica-se que os activos penhoráveis da originária devedora são inexistentes e, actualmente, a dívida total já ascende a 16.772,35 € (incluindo juros de mora e custas processuais). Sem juros e custas a dívida cifra-se no valor de 12,529,92 €.
(…)
Verifica-se, ainda, que não são conhecidos responsáveis solidários, pelo que poderá a execução reverter contra os responsáveis subsidiários.
A nosso ver, a gerência de facto que justifica a responsabilidade subsidiária e a reversão decorre dos comportamentos da referida gerentes [sic] de direito em relação à sociedade em causa.
Nomeadamente, verifica-se a existência de declarações de rendimentos a título de IRC (modelo 22) assinadas pelo gerente C………… (declarações relativas aos exercícios de 1999, 2000, 2001 e de 2002 conforme docs. extraídos do referido processo individual) bem como a sua assinatura consta nas declarações anuais de IRC IRS - IVA, com os anexos A - IRC, L - IVA e J - IRS, referentes aos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002 (conforme docs. extraídos do referido processo individual). Por fim existe uma certidão de citação do Serviço de Finanças de Coimbra-2 referente ao ano de 2008 assinado pelo gerente supra citado (doc. extraídos do referido processo individual).
Neste caso, parece claro que a utilização dos referidos poderes se verifica.

De Direito:

A gerência de facto pressupõe que o gerente “use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um Órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros”- In Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2.ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139.
São deveres dos gerentes, nos termos do disposto no art. 64.º do C.S.C., o dever de cuidado e de lealdade o que pressupõe a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse sentido a diligencia de um gestor criterioso e ordenado, o que no caso concreto, não foi cumprido, uma vez que os gerentes tinham a obrigação de cumprir com as obrigações fiscais da referida sociedade e não o fizeram, deixando que a sociedade acumulasse uma elevada quantia em dívida, inclusivamente nem sequer foram diligentes ao ponto de não entregarem as declarações fiscais e entregarem o imposto devido no prazo legalmente exigível — IVA e IRS –, o que evidencia, claramente, que estamos perante gerentes imprudentes, que praticaram uma gestão desordenada e nada cuidada.
Por outro lado, estabelece o disposto no art. 64.º do C. S C que “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular” o que, no caso concreto vem reforçar a ideia que os actos praticados pelos gerentes em geral, e em particular pelos gerentes em causa, exteriorizam a vontade da sociedade comercial, existindo certos actos que são da responsabilidade exclusiva do gerente quando essa actuação pressuponha a personalidade singular como é o caso de não apresentar as declarações fiscais e não entregar os Impostos em causa nestes autos.
Assim, face ao exposto, e atendendo ao registo comercial, consideramos que se encontra provada a gerência de facto e de direito por parte dos responsáveis subsidiários da sociedade originária devedora acima identificada.
Quanto ao IRC em dívida deverá efectuar-se a reversão das dívidas em causa contra quem exerceu funções de gerência nos termos do art. 24.º n.º 1, al. b) LGT, sendo responsável subsidiária, por exercício de funções de administração/gestão, nos períodos a que dívida tributaria respeita e foi exigível o pagamento ou entrega da dívida em causa, as pessoas abaixo indicadas:
(…)
Nome: A……………….
NIF: ………………….
Residência: (...)
Cargo: Gerente da devedora originária desde o início da actividade da firma até à presente data.
Assim, face ao exposto, atendendo à certidão permanente da sociedade originária devedora, onde se constatam os potenciais revertidos como gerentes de direito desta sociedade, não tendo até hoje renunciado à mesma e também face às provas existentes nestes autos, documentos que foram extraídos do processo individual da sociedade originária e juntos ao presente processo de execução fiscal principal, verificando-se o período em que os gerentes acima identificados exerceram funções de gerência, conclui-se que são responsáveis por todas as dívidas identificadas nos itens 1 a 6 deste projecto de decisão.
Considerando que estamos perante um projecto de decisão em que os interessados, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), têm o direito do princípio de participação na formação das decisões que lhes digam respeito e ainda ao princípio do inquisitório estatuído no artigo 58.º do mesmo diploma, notifiquem-se o(a)s interessado(a)s, para, no prazo de 12 dias exercerem o direito de audição por escrito.
Nos termos do disposto no art. 101.º n.º 2 do CPA informa-se que poderá consultar o processo no SERVIÇO DE FINANÇAS DE COIMBRA 2, sito na Rua Avenida Fernão Magalhães, 437, 1º-2.º, Coimbra 3000-177 Coimbra, em qualquer dia útil, entre as 9:00 h e as 16:00 h. Assim sendo, tendo em conta o disposto nos artigos 22.º, 23.º, 24.º n.º 1 al. b) da LGT, artigos 153.º n.º 2 e 159.º do CPPT, prepare-se a reversão, contra os responsáveis acima referidos, das dívidas acima descritas, ou seja, IRS e IVA dos anos supra indicados, devendo observar-se o que, para o efeito, estatui o n.º 3 do artigo 160.º do CPPT.
Adverte-se, ainda, que, caso a firma devedora originária possua algum bem susceptível de ser penhorado, deverão os gerentes acima identificados informarem este Serviço de Finanças de tal facto, apresentando provas da existência de tais bens.
(…)».

C) O oponente foi notificado para o exercício de audiência prévia a coberto de correio registado no dia 27/08/2010 - fls. 55 e 56 do apenso.

D) Da notificação do oponente para audiência prévia constava o seguinte:

«PROJECTO DE REVERSÃO

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/2 da LGT).
Dos administradores, directores, ou gerentes ou outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo [art. 24º/n.º 1/b) LGT].
Conforme documento anexo
(…)».

E) O oponente foi sócio constituinte da sociedade executada principal e, juntamente com outros dois sócios, logo nomeado gerente daquela – fls. 5 a 8 do apenso.

F) Para obrigar a sociedade, eram necessárias as assinaturas de dois gerentes – fls. 6 do apenso.

G) Por despacho de fls. 63 a 71 do apenso, que se dá por integralmente reproduzido, a execução foi revertida contra o ora oponente.

*
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos».

*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A presente oposição, deduzida por quem foi chamado à execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário, foi julgada improcedente porque a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na parte da sentença que ora nos interessa considerar e em ordem a averiguar da verificação dos pressupostos legais para a reversão ao abrigo do disposto no art. 24.º da LGT, concluiu que o Oponente exerceu de facto a gerência da sociedade originária devedora.
Essa conclusão extraiu-a a Juíza por presunção judicial, como resulta da sentença recorrida, onde, depois de referir que «inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções», expressamente ficou dito:
«[…] vem sendo entendido pelos tribunais superiores que, não obstante a inexistência de qualquer presunção legal do exercício da gerência, resulta da nomeação como gerente de direito uma presunção natural ou judicial do exercício das correspondentes funções, baseada na experiência comum, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade.
Tal presunção pode ser afastada mediante a mera contraprova, nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil, segundo o qual «salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova».
Na situação vertente, está demonstrado que o oponente foi nomeado gerente logo na data da constituição da sociedade executada principal, cargo a que, até à data da reversão, não havia renunciado; por ser natural que quem é nomeado para um cargo o exerce de facto e sendo necessárias duas assinaturas para obrigar a sociedade aceita-se, por presunção natural ou judicial, que o oponente exerceu o cargo para que foi nomeado. Acresce que, de um lado, o oponente, em momento algum, nega o exercício da gerência e, de outro lado, não produziu qualquer prova destinada a tornar duvidoso o seu exercício da gerência, quando nada o impedia de o fazer. Nesta conformidade, deve prevalecer a presunção natural do exercício da gerência que decorre da nomeação do oponente para aquele cargo».
Inconformado com a sentença, o Oponente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, questionando que possa ser considerado gerente de facto, pois «[a]nalisada a factualidade dada como assente na douta sentença recorrida, constata-se não ter sido dado como provado qualquer facto que consubstancie o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte do Oponente» e sustentado que não pode ser responsabilizado pelas dívidas exequendas «por não resultar provado nos autos que tenha exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária nos períodos a que se reportam tais dívidas».
O Tribunal Central Administrativo Norte julgou verificada a sua incompetência em razão da hierarquia para conhecer do recurso. Para tanto e em síntese, após enunciar as regras que regulam a distribuição da competência em razão da hierarquia para conhecer dos recursos jurisdicionais, considerou que as questões suscitadas pelo Recorrente eram exclusivamente de direito. Assim, atento o disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, entendeu que a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso é do Supremo Tribunal Administrativo.
Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo, mediante requerimento do Recorrente, cumpre, antes do mais, ajuizar da competência, questão que é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra (cf. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro). Cumpre, designadamente aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. art. 16.º do CPPT).

2.2.2 DA COMPETÊNCIA DESTE STA EM RAZÃO DA HIERARQUIA

2.2.2.1 Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» (art. 38.º, alínea a), do ETAF).
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (Vide, entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo com o n.º 738/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2052/2057, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/faa144134d6efbf5802576a30041135b?OpenDocument;
– de 21 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 189/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 670/674, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8445188eb602055b80257711005292ba?OpenDocument.).

2.2.2.2 Foi isso que fez o Tribunal Central Administrativo Norte no acórdão por que se julgou incompetente em razão da hierarquia: considerou que no recurso se suscitava unicamente uma questão de direito, declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso.
Salvo o muito e devido respeito, não concordamos. Vejamos:
De acordo com as palavras do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no caso sub judice está em causa «a questão do ónus da prova quanto ao exercício da gerência (de facto), a par do reconhecimento de uma presunção natural/judicial do exercício da gerência que decorreria do acto de nomeação do oponente para aquele cargo e da concomitante necessidade de produção de contraprova. E competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsável subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência». Mais considerou aquele acórdão que «[a]s apontadas questões consubstanciam questões de direito, que se resolvem mediante a interpretação das normas aplicáveis, aliás enunciadas pelo tribunal a quo».
Mas, na situação sub judice está em uso de uma presunção judicial, pois, como expressamente ficou dito na sentença e reconhece o Tribunal Central Administrativo Norte, o exercício do gerência de facto por parte do Oponente foi estabelecido por presunção judicial, com base na nomeação para o cargo, na não renúncia ao mesmo e no facto de serem necessárias duas assinaturas (dos três gerentes) para obrigar a sociedade.
Ora, considerando o Recorrente que não resulta provado dos autos que tenha exercido a gerência de facto, afigura-se-nos manifesto que está a por em causa a presunção judicial que serviu de base ao estabelecimento pela sentença recorrida da gerência de facto enquanto pressuposto da responsável subsidiária.
Ora, as presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência, são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos» (Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 502.) (cf. arts. 350.º e 351.º do CC). São regras de julgamento que permitem que o julgador, com base em factos provados conhecidos e mediante a utilização das regras práticas da experiência, dar como provados outros factos alegados ou do conhecimento oficioso.
A nosso ver, o juízo sobre a presunção (judicial) de que o juiz lançou mão para concluir pela gerência de facto com base na gerência de direito, quer no que respeita à sua validade, quer quanto à sua ilisão, implica, essencialmente, um juízo de facto, pois para o formular é necessário utilizar regras da vida e da experiência comum e não a apreciação directa ou indirecta de qualquer norma jurídica ou aplicação da sensibilidade ou intuição jurídica.
Nesta perspectiva, o presente recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, motivo por que a competência em razão da hierarquia para dele conhecer pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Norte, como se decidirá a final e ao qual serão remetidos os autos, pois foi a esse Tribunal que o Recorrente endereçou o recurso.
Note-se, finalmente, que nos casos como o presente, de existência de decisões divergentes sobre a questão da competência, prevalece a do tribunal superior, por força do disposto no art. 5.º, n.º 2, do ETAF Existindo, no mesmo processo, decisões divergentes sobre questão de competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior».).

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A infracção das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final, devendo ainda o tribunal, na decisão que declare a incompetência, indicar o tribunal que considera competente (cf. arts. 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e 13.º do CPTA).
II - Em regra, a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito (arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, no art. 280.º, n.º 1, do CPPT).
III - Para aferir da competência do tribunal em razão da hierarquia há que atender aos fundamentos do recurso, que devem constar das conclusões: se, em face destas, se verifica que as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto.
IV - O juízo sobre a presunção (judicial) de que o juiz lançou mão para concluir pela gerência de facto com base na gerência de direito, quer no que respeita à sua validade, quer quanto à sua ilisão, constitui, essencialmente, um juízo de facto, pois para o formular é necessário utilizar regras da vida e da experiência comum e não a apreciação directa ou indirecta de qualquer norma jurídica ou aplicação da sensibilidade ou intuição jurídica.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, declarar incompetente este Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso e declarar que a competência para o efeito é do Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário).


Sem custas.

Após o trânsito em julgado, remeta os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, a quem o Recorrente endereçou o recurso.

Lisboa, 9 de Abril de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.