Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0761/17
Data do Acordão:03/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
INCENTIVOS
PROVISÃO
Sumário:I - Não tendo o impugnante contabilizado como provisão o “incentivo de implementação” instituído pela Recorrida em 1988 e não se traduzindo o pagamento do “incentivo de implementação” por parte da Recorrida numa mera eventualidade de montante incerto, mas antes num acontecimento que, sendo de verificação futura, se materializava anualmente, à medida que o trabalhado era prestado, estamos em presença de um custo de projecção económica plurianual e não em presença de uma provisão.
II - Constituindo o recurso jurisdicional um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo no que respeita às questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Nº Convencional:JSTA00070581
Nº do Documento:SA2201803070761
Data de Entrada:06/26/2017
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC88 ART18 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0652/14 DE 2015/01/28
Referência a Doutrina:RUI MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC PÁG119-120.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A Fazenda Pública recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 10 de Outubro de 2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade……… - SA (agora, A………., S.A.), com os sinais dos autos, contra a liquidação adicional de IRC n.º 8 310 000 032, relativa ao exercício de 1990, no valor de € 32.960,01, apresentando para tal as seguintes conclusões:

I - Em causa está a liquidação adicional de imposto que materializou as correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária do custo registado no exercício de 1990 referente a “incentivos de implementação”, atribuídos pela Impugnante aos seus quadros de pessoal, constituídos em 1988, com obrigação de pagamento a ocorrer até ao ano de 1991.

II - Em termos de registo contabilístico, a Impugnante registou semelhantes valores em contas de terceiros (Outros credores/incentivos de implementação) e numa conta a amortizar (Contas a amortizar/Incentivo de implementação) debitou o mesmo valor.

III - Os DSPIT consideram o valor inscrito em resultados do exercício como uma provisão não aceite fiscalmente nos termos do art.º 33º do CIRC, qualificação que não mereceu acolhimento por parte do douto Tribunal a quo, o qual, considerou que tais valores, por não envolverem qualquer risco para a Impugnante, determinou, em consequência, pela anulação da liquidação adicional de imposto.

IV - Ora, dissente-se, ressalvado melhor entendimento, da tese segundo a qual, o valor inscrito como resultados do exercício para o ano de 1990, não é passível de ser qualificado como provisão, posto que in casu sempre estaria envolvido um determinado risco, ainda que mínimo na atribuição dos referidos benefícios, atendendo a que estes apenas seriam contratualmente pagos não no ano da sua constituição mas a posteriori.

V - Porém, ainda que assim não se entenda, importa considerar, em termos fácticos que a Impugnante começou a reintegrar em 1989, um custo futuro que só teve expressão contabilística em 1991, apesar de, partindo do pressuposto de que se tratava de um elemento reintegrável, tal só poder efectuar-se a partir da data em que tais benefícios poderiam ter sido reconhecidos como custos do exercício e nunca nos anteriores, pelo que, com fundamento na violação do princípio da especialização dos exercícios (art.º 18º do CIRC), sempre deveria a presente impugnação ser dada como improcedente.

VI - Não obstante, importa ter ainda presente que em bom rigor, o custo em causa nem tão pouco seria amortizável/reintegrável, posto que do disposto no nº 1 do artº 27º do CIRC e no nº 1 do art.º 1º do DL nº 2/90 de 12/01, se conclui que apenas podem ser objecto de reintegração ou amortização os elementos do activo imobilizado corpóreo sujeitos a deperecimento, pelo que, atenta a natureza dos “incentivos de implementação” em causa, estes sempre estariam excluídos do âmbito de incidência daqueles diplomas legais, motivo pelo qual, também com este fundamento, a impugnação sempre deveria ser qualificada de improcedente.

VII - Ora, em homenagem ao princípio da prevalência da substância sobre a forma, ainda que se pudesse qualificar como menos própria a qualificação que pelos DSPIT foi feita do reconhecimento contabilístico dos “incentivos de implementação” efectuado para o ano de 1991, no que não se concede, o certo é que este não cumpria as condições legais para poder ser aceite como custo, motivo pelo qual o seu desreconhecimento para efeitos fiscais sempre se imporia por violação do princípio da especialização dos exercícios e pela impossibilidade legal de semelhantes bens poderem ser objecto de amortização/reintegração.

VIII - E neste contexto, atendendo à substância do registo contabilístico em causa e, independentemente da qualificação que do mesmo foi feita no relatório inspectivo, ressalvada melhor opinião, sempre o mesmo seria de qualificar como não tendo qualquer sustentação legal e, em consequência, também sempre se imporia a respectiva correcção.

IX - Ao decidir de modo contrário, ressalvada a devida vénia, a douta sentença a quo violou o disposto nos artºs 18º, 23º e 41º do CIRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

2 - Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:

1.ª O presente recurso foi deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 8310000032, respeitante ao exercício de 1990, no valor de 10.484.092$00 (€ 52.294,43);

2.ª É manifesta a improcedência do presente recurso;

3.ª As conclusões das alegações do Ilustre Representante da Fazenda Pública, que delimitam o âmbito e o objeto do recurso, não encerram qualquer discordância relativamente à matéria de facto, não sendo invocado qualquer erro ou omissão quanto à factualidade dada como provada e não provada e quanto ao julgamento emitido em face da mesma;

4.ª Ora, neste contexto em que a matéria de facto controvertida no processo está estabilizada e apenas o direito se mantém em discussão, o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo o Tribunal Central Administrativo Sul incompetente para o seu conhecimento e competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT;

5.ª Assim, requer-se que seja declarada a incompetência do Tribunal Central Administrativo Sul para a apreciação do presente recurso, com as demais consequências legais;

6.ª Invoca o Ilustre Representante da Fazenda Pública que “(…) não se pode concordar, ressalvado o devido respeito pela decisão expressa na douta sentença a quo, que o valor inscrito como resultados do exercício para o ano de 1990, não se possam qualificar como provisão, dado que se entende que sempre estaria envolvido um determinado risco, ainda que mínimo, posto que os benefícios apenas seriam contratualmente pagos, não no ano da sua constituição mas a posteriori”. (cf. página 4 das alegações de recurso);

7.ª Não pode proceder tal entendimento;

8.ª Com efeito, e desde logo, a Recorrida registou os valores sob análise numa conta de amortizações e não numa conta de provisões [cf. alínea b) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

9.ª Trata-se de facto que não foi colocado em causa pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso e que, por conseguinte, não pode deixar de se ter por firmado, com as demais consequências legais;

10.ª Face à inexistência no Plano de Contas das Empresas de Seguros então em vigor de uma rubrica contabilística de âmbito semelhante à conta 272 do Plano Oficial de Contabilidade (“Acréscimos e Diferimentos”), que lhe permitisse periodificar corretamente o custo plurianual correspondente àquela obrigação, à medida que o direito ao benefício se fosse consolidando, a Impugnante, ora Recorrida, viria a inscrever o correspondente valor numa “conta a amortizar”, reconhecendo, em cada um dos três exercícios seguintes, numa conta de amortizações, a quota-parte do custo com o incentivo de implementação ao mesmo imputável [cf. alíneas c) a e) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

11.ª Assim, não tendo a Recorrida constituído qualquer provisão com referência aos valores sob análise, nunca poderia a administração tributária ter fundamentado a correção do lucro tributável na violação do disposto no artigo 33.º do Código do IRC, então em vigor;

12.ª Nestes termos, estando demonstrado que a Recorrida não constituiu qualquer provisão com referência ao exercício de 1990, é evidente a improcedência do fundamento vertido nas conclusões do relatório de inspeção, pelo que bem andou o Tribunal quando determinou a anulação da liquidação sub judice por manifesta ilegalidade;

13.ª Acresce ainda que, não só não foi constituída qualquer provisão, como as quantias em apreço não têm natureza de provisão, o que facilmente se atesta atendendo-se ao conceito de provisão;

14.ª De facto, e conforme resulta do parecer não publicado de ANTÓNIO DA GAMA LOBO XAVIER junto à petição inicial, “(…) as provisões são deduções operadas sobre os resultados de um exercício, com vista a fazer face a ulteriores perdas ou encargos cuja fonte pode ser precisada com nitidez e cuja efetivação surge como provável devido a acontecimentos verificados no decurso desse exercício.” (cf. pág. 14 do parecer junto com a petição inicial), estando subjacente ao conceito de provisão, assim, uma eventualidade de verificação incerta;

15.ª Sucede que, na situação sub judice, o incentivo de implementação não se consubstancia numa mera eventualidade de verificação incerta, mas, ao invés, num incremento remuneratório cuja obrigação a Recorrida assumiu no âmbito de uma deliberação societária [cf. alínea a) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

16.ª Trata-se, pois, de um custo efetivamente incorrido pela empresa, respeitante a uma obrigação de pagamento que só não ocorrerá por vontade dos respetivos beneficiários;

17.ª Nesta medida, contrariamente ao que sucede com as provisões, em que o princípio ou o evento de que derivarão os encargos antecipados é provável, mas incerto, no caso do incentivo de implementação sub judice, como conclui ANTÓNIO DA GAMA LOBO XAVIER, “(…) no momento do encerramento de cada exercício, o facto de que depende a obrigação de entregar as acções aos trabalhadores já se produziu (já foi prestado o trabalho)(…) em cada ano, o valor contabilizado a este título tem “uma vocação irresistível para se transformar em encargo efectivo – uma vocação tão irresistível quanto é certo que não está na disponibilidade da empresa qualquer acto que conduza à redução, modificação ou extinção das obrigações em causa. Ao fim ao cabo, o valor contabilizado anualmente correspondia a uma dívida certa (…)” (cf. págs. 17 e 18 do parecer junto com a petição inicial);

18.ª Trata-se da posição que é acolhida, e bem, na sentença recorrida, quando se refere que “(…) a constituição de provisões deve estar associada apenas a situações a que estejam associados riscos e em que não se trate de uma simples estimativa de um passivo certo (…)”, assim como que “No caso dos autos a verificação e reconhecimento do custo com a aquisição das acções no ano em que ocorreu constituiu o reconhecimento de uma obrigação a que não está associado o grau de incerteza, dependendo a sua verificação apenas e exclusivamente da vontade dos beneficiários, já que foram constituídas como um direito complementar à retribuição acordada, como incentivo aos destinatários que adquirem esse direito à medida que prestam o seu trabalho (…)” (cf. páginas 6 e 7 da sentença recorrida);

19.ª Atendendo ao exposto, é pois evidente que o montante sub judice não possui a natureza de provisão;

20.ª Pelo que, também com este fundamento, bem andou o Tribunal quando determinou a anulação da liquidação sub judice por manifesta ilegalidade, devendo manter-se a douta sentença recorrida;

21.ª Invoca ainda o Ilustre Representante da Fazenda Pública que “(…) o reconhecimento contabilístico efectuado pela Impugnante, no que tange aos denominados «incentivos de implementação», enferma de uma dupla ilegalidade, porquanto: à uma, não eram passíveis de reintegração ou amortização, nos termos do n.º 1 do art.º 27.º do CIRC e do n.º 1 do art.º 1.º do DL 2/90 de 12/01; à outra, ainda que porventura fossem amortizáveis ou reintegráveis – o que não se concede – ainda assim, sempre seriam de reputar como ilegais por força da violação do princípio da especialização dos exercícios, atento o facto de afectação dos benefícios apenas se ter efectivamente verificado no ano de 1991” (cf. páginas 5 e 6 das alegações de recurso);

22.ª Trata-se de fundamentos que, como reconhece o Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, não integraram o relatório de inspeção tributária e que não constituíram, assim, a fundamentação em que assentou o ato tributário sub judice;

23.ª Como bem se decidiu na sentença recorrida, e resulta do disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e no artigo 36.º do CPPT, a fundamentação deve ser contemporânea da emissão do ato, não podendo ser aceite qualquer fundamentação a posteriori;

24.ª Deste modo, não integrando os argumentos acima enunciados a fundamentação que subjazeu à emissão do ato tributário sub judice (cf. quadro de motivos inserto no mapa de apuramento da Modelo DC 22 notificado conjuntamente com a nota de liquidação que constitui fls. 2, 68 e 78 dos autos), os mesmos não podem ser apreciados, pelo que deve ser julgado improcedente, nesta parte, o recurso apresentado pela Fazenda Pública;

25.ª Ainda que assim não fosse, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre deveriam tais fundamentos ser julgados improcedentes;

26.ª Com efeito, tratando-se de um custo com reflexão plurianual, com referência aos exercícios de 1989, 1990 e 1991, é manifesto que a sua contabilização deve efetuar-se de forma repartida por aqueles exercícios, em obediência ao princípio da especialização dos exercícios;

27.ª Afigura-se assim que, ao proceder à imputação, ao exercício de 1990, do valor correspondente ao incentivo de implementação, a Recorrida mais não fez do que aplicar de forma criteriosa e consciente o citado princípio contabilístico e fiscal da especialização dos exercícios;

28.ª Com efeito, uma das regras básicas em matéria de imputação temporal dos custos consiste exatamente no princípio segundo o qual as remunerações ao pessoal, assim como os encargos da conta da empresa com as mesmas relacionados, são custos do período em que foi prestado o trabalho que está na sua base, ainda que o respetivo vencimento se verifique em momento posterior ao fim daquele;

29.ª Pelo que, se a ora Recorrida se constituiu, por mero efeito da deliberação da atribuição do incentivo de implementação, na obrigação de efetuar determinada prestação em determinado termo certo, e destinando-se essa prestação a premiar a continuação dos respetivos beneficiários ao serviço da empresa durante o período que medeou a sua deliberação e a sua efetivação, e durante o qual é sedimentado o direito à sua perceção por parte daqueles, é inequívoco que o correspondente trabalho é prestado, sem que haja notícia da sua qualificação como provisão;

30.ª Assim, resulta evidente que bem andou a Recorrida no procedimento adotado, razão pela qual deve julgar-se improcedente o recurso apresentado, mantendo-se a douta sentença recorrida;

31.ª Por último, também devem ser julgados improcedentes os argumentos suportados na alegada impossibilidade de amortização nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 28.º e seguintes do Código do IRC e do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro;

32.ª Com efeito, como já se aludiu, a circunstância de o montante sub judice afetar os resultados do exercício em uma conta de amortizações decorre apenas do facto de o Plano de Contas não possuir, ao tempo, qualquer outra rubrica contabilística que permitisse periodificar corretamente os custos de caráter plurianual;

33.ª A relevação contabilística conferida não altera, porém, a natureza dos encargos em apreço, os quais configuram, em substância, custos com remunerações pagas em espécie, dedutíveis para efeitos do apuramento do resultado fiscal nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea d), do Código do IRC, na redação à data aplicável;

34.ª Mas ainda que assim não fosse, e se deslocasse a questão da admissibilidade do custo em apreço em função do seu enquadramento enquanto amortização, sempre se dirá, no entanto, que, contrariamente ao que se afirma na douta contestação, não é verdade que apenas possam ser amortizáveis ou reintegráveis para efeitos fiscais os ativos imobilizados corpóreos;

35.ª Efetivamente, de acordo com o disposto no artigo 17.º do citado Decreto-Regulamentar n.º 2/90, são ainda amortizáveis fiscalmente, para além dos referidos ativos, todo um conjunto de elementos do ativo imobilizado incorpóreo que, pela sua natureza, tal como o incentivo de implementação, devam afetar os resultados da empresa em mais do que um exercício, dispondo ainda o n.º 4 do citado preceito legal que, embora não sendo imobilizações, devem, contudo, ser consideradas como custos, em partes iguais, em mais do que um exercício, durante um período mínimo de três anos, as despesas ou encargos de projecção económica plurianual;

36.ª E é exatamente esta natureza que assiste ao designado incentivo de implementação;

37.ª Trata-se, na verdade, de um custo plurianual, com reflexo em mais do que um exercício, devendo a sua contabilização observar, como se fez, um princípio de competência económica ou especialização sob pena de se impedir uma tradução fiel dos resultados da empresa nos diferentes exercícios de duração do plano e, em particular, naquele em que o desembolso tivesse de ser reconhecido na sua totalidade;

38.ª Pelo que, igualmente bem andou a ora Recorrida ao optar por, na falta de outra rubrica contabilística especialmente vocacionada para o efeito, fazer refletir o diferimento do custo em apreço numa rubrica de amortização de ativos incorpóreos;

39.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, também com este fundamento deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.

3 – Por Decisão Sumária do Relator do Tribunal Central Administrativo Sul de 31 de Maio de 2017 – de fls. 96 a 110 dos autos –, este veio a declarar-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e competente para o efeito o STA, para quem os autos foram remetidos precedendo requerimento da recorrente nesse sentido (fls. 117 e 118 dos autos).

4 – O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 121/122 dos autos, concluindo no sentido do provimento do recurso porquanto “não resultam dúvidas que aos ditos incentivos dizem respeito as ações relativamente às quais se deliberou em reunião de acionistas-fundadores que fossem transmitidas a administradores e quadros só em 1991, ou ainda antes, conforme melhor consta na al. A) da matéria de facto.

É certo que os mesmos não foram contabilizados em provisões, mas em conta de terceiros por contrapartida de conta a amortizar, conforme consta ainda da al. B).

Contudo, é de considerar que apenas a dita transferência concorre para a formação do resultado do respetivo exercício.

A contabilização anterior de “contrapartidas” não terá obedecido ao P.O.C. contrariamente ao invocado na sentença, conforme aliás, a recorrida refere na resposta apresentada.

Embora nesta se defenda ser de admitir a contabilização efetuada na falta de norma contabilística própria e por tal estar de acordo como o previsto quanto a amortizações, afigura-se não estar tal correto, com o devido respeito com o que se defende a esse respeito no parecer junto quanto a ser tendencial considerar tal.

Com efeito, apenas a dita transferência de ações tem como consequência inevitável a subtração de lucros da sociedade e a sua distribuição aos sócios, ou seja, a constituição de “perdas”.

E, por outro lado, a constituição anterior destas não reflete adequadamente a situação, em que apenas pela dita transferência são afetados negativamente capitais próprios.

Tal o que tem sido considerado quase unanimemente pela doutrina, pelo menos quanto à “participação dos trabalhadores nos lucros” em sentido impróprio – assim, se conclui na tese de mestrado de Luís António Ramos Correia Araújo, A Participação dos Trabalhadores nos Lucros das Sociedades Comerciais, Porto, 2011, acessível na NET, citando vários autores como Vasco da Gama Lobo Xavier, Maria Ângela Coelho, Tarso Domingues e Evaristo Mendes.

Concluindo:

O recurso é de proceder, sendo de manter a liquidação adicional com fundamento na violação do art. 18.º do C.I.R.C.”.

5 – Sobre o parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto pronunciou-se a recorrida, formulando para tal a seguinte exposição:

1.º Invoca-se no douto parecer que “A contabilização anterior de “contrapartidas” não terá obedecido ao P.O.C. contrariamente ao invocado na sentença, conforme aliás, a recorrida refere na resposta apresentada” (cf. página 1 do Parecer).

2.º Conclui-se, assim, naquele Parecer que “O recurso é de proceder, sendo de manter a liquidação adicional com fundamento na violação do art. 18.º do CIRC” (cf. página 2 do Parecer).

3.º Sucede que, salvo o devido respeito, não assiste razão ao invocado naquele douto Parecer.

4.º Com efeito, e desde logo, estando em causa um contencioso tributário de anulação, e sendo certo que a correção sub judice não foi efetuada pelos serviços de inspeção tributária com fundamento no disposto no artigo 18.º do Código do IRC, mas com fundamento no disposto no artigo 33.º do mesmo Código, não pode ser determinada a sua manutenção na ordem jurídica com fundamento na alegada violação de uma norma que não lhe serviu de fundamento.

5.º De facto, e como resulta do disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e do artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fundamentação deve ser contemporânea da emissão do ato, não podendo ser aceite qualquer fundamentação a posteriori.

6.º Tanto quanto entende a Recorrida, e salvo o devido respeito, refere-se o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Parecer a argumentos que não subjazeram à fundamentação que serviu de base à correção efetuada.

7.º Com efeito, estando demonstrado que a correção sub judice foi efetuada com fundamento na violação do disposto no artigo 33.º do Código do IRC, então em vigor, e estando assente nos autos que a Recorrida não constituiu qualquer provisão com referência aos valores sob análise, é evidente a improcedência do fundamento vertido nas conclusões do relatório de inspeção, pelo que bem andou o Tribunal a quo quando determinou a anulação da liquidação sub judice.

8.º Razão pela qual deve improceder o que vem invocado no douto parecer do Ministério Público”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

6 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado que o reconhecimento contabilístico do “Incentivo de Implementação” efectuado pela Recorrida em 1990 não se consubstancia, materialmente, numa provisão, tratando-se de um custo aceite para efeitos fiscais que não se encontra excepcionado pelo disposto no artigo 33.º do Código do IRC.

7 – É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:

A) Em 30/8/1988 em reunião dos accionistas-fundadores da Impugnante foi deliberado transmitir aos seus administradores e quadros, acções que integravam a sua estrutura inicial decorrido o primeiro mandato que ocorreria em 1991, em data anterior caso cessassem funções antes – cf. fls. 57 verso dos autos;

B) À medida que adquiriu as mencionadas acções, registou em conta de terceiros – CR Outros credores/incentivos de implementação a obrigação referida em A) por contrapartida da conta a amortizar DB Contas a Amortizar/incentivos de implementação debitando-a pelo mesmo valor – cf. fls. 60 dos autos;

C) A Impugnante passou a reconhecer como custo, em cada ano de duração da obrigação assumida, uma parte do valor do incentivo identificado em A) considerando como custo do exercício de 1988 Esc. 10.000.000$00 e em 1989 o valor de Esc. 35.000.000$00 – cf. fls.

D) Em 1991 a Impugnante procedeu à distribuição do benefício acordado através da entrega aos seus trabalhadores de acções no valor de Esc. 41.372.248$00 (a que correspondem € 206.363,90) sobre o qual efectuou retenções na fonte de IRS, categoria A – trabalho dependente – cf. fls. 78 dos autos;

E) No ano de 1991 após o débito do valor identificado na alínea anterior, a conta CR Outros credores/incentivos de implementação permaneceu com o saldo de Esc. 3.627.752$00 (a que correspondem € 18.095,15) – cf. fls. 78;

F) Em acção de exame à escrita da Impugnante, efectuada pela Administração Fiscal, foram desconsiderados os custos registados em 1990 respeitantes a Esc. 16.458.000$00 (a que correspondem € 82.092,16) e inscrito o referido valor em resultados do exercício como uma provisão não aceite fiscalmente nos termos do artigo 33.º do CIRC, só podendo ser contabilizado como custo, integralmente, no ano em que foi efectivamente atribuído – cf. fls. 78;

G) Em consequência de tal acção inspectiva foi emitida a liquidação adicional n.º 8310000032 – cf. fls. 2 e 68 dos autos;

H) De tal liquidação a Impugnante deduziu a presente impugnação – cf. fls. 2 dos autos.

8 – Apreciando

8.1. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 111 a 118 dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida pela ora Recorrida contra a liquidação adicional de IRC n.º 8 310 000 032, relativa ao exercício de 1990, no valor de € 32.960,01, no entendimento de que o reconhecimento contabilístico do “Incentivo de Implementação” efectuado pela Recorrida naquele exercício não se consubstanciou, materialmente, numa provisão, tratando-se de um custo aceite para efeitos fiscais.

Para assim julgar, considerou a sentença recorrida que a constituição de provisões ocorre nas situações a que estejam associados riscos e em que não se trate de uma simples estimativa de um passivo certo, como aconteceu no caso sub judice, em que o reconhecimento dos custos não envolveu qualquer risco para a Recorrida. Assim, e no entender do Tribunal a quo, no caso dos autos a verificação e reconhecimento do custo com a aquisição das acções no ano em que ocorreu constituiu o reconhecimento de uma obrigação a que não está associado o grau de incerteza, dependendo a sua verificação apenas e exclusivamente da vontade dos beneficiários, já que foram constituídas como um direito complementar à retribuição acordada, como incentivo aos destinatários que adquirem esse direito à medida que prestam o seu trabalho.

Discorda do decidido a Recorrente, alegando que o “incentivo de implementação” inscrito nos resultados do exercício de 1990 deve ser qualificado como provisão, uma vez que se encontrava envolvido um determinado risco, ainda que mínimo, na respectiva atribuição, atendendo a que o incentivo apenas seria contratualmente pago não no ano da sua constituição mas a posteriori, tratando-se de uma provisão não aceite fiscalmente nos termos do art.º 33.º do Código do IRC.

Ainda que assim não se entendesse, a Recorrente alega que se impõe o não reconhecimento daquele custo para efeitos fiscais por força da violação do princípio da especialização dos exercícios – atento o facto de o pagamento do “incentivo de implementação” apenas se ter efectivamente verificado no ano de 1991 – e pela violação das regras fiscais aplicáveis às depreciações e reintegrações – por se tratar de um activo imobilizado incorpóreo não sujeito a deperecimento –.

Contra-alega a Recorrida, sustentando que não só não constituiu qualquer provisão com referência ao “incentivo de implementação” sob análise, como as quantias registadas como custo no exercício de 1990 não tinham a natureza de provisão, uma vez que o incentivo não se consubstancia numa mera eventualidade de verificação incerta mas, ao invés, num incremento remuneratório cuja obrigação a Recorrida assumiu no âmbito de uma deliberação societária, tratando-se de um custo efectivamente incorrido pela empresa, respeitante a uma obrigação de pagamento que só não ocorreria por vontade dos respectivos beneficiários. Nesta medida, a administração tributária nunca poderia ter fundamentado a correcção do lucro tributável na violação do disposto no artigo 33.º do Código do IRC, então em vigor.

Adicionalmente, e no que concerne às alegações respeitantes à violação do princípio da especialização dos exercícios e das regras fiscais respeitantes às depreciações e reintegrações, alega a Recorrida que se tratam de fundamentos que não integraram o relatório de inspecção tributária e que não constituíram a fundamentação em que assentou o ato tributário sub judice, razão pela qual o recurso deve ser julgado improcedente nesta parte ao abrigo do disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e no artigo 36.º do CPPT.

O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos, pronuncia-se pelo provimento do recurso, considerando que apenas a transferência de ações tem como consequência inevitável a subtração de lucros da sociedade e a sua distribuição aos sócios, ou seja, a constituição de “perdas”. A contabilização de “contrapartidas” do incentivo de implementação em 1990 não terá obedecido ao P.O.C., sendo que a sua constituição nesse exercício não reflete adequadamente a situação, em que apenas pela dita transferência são afetados negativamente capitais próprios.

A Recorrida exerceu o seu direito de contraditório, defendendo que estando em causa um contencioso tributário de anulação, e sendo certo que a correção sub judice não foi efetuada pelos serviços de inspeção tributária com fundamento no disposto no artigo 18.º do Código do IRC, mas com fundamento no disposto no artigo 33.º do mesmo Código, não pode ser determinada a sua manutenção na ordem jurídica com fundamento na alegada violação de uma norma que não lhe serviu de fundamento, por força do disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e do artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Vejamos.

Sobre a noção de provisão, ensina Rui Duarte Morais (Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, págs. 119-120) que “as provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto”, razão pela qual “A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade”: o princípio da prudência e o princípio da especialização dos exercícios.

Também no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 2015, rec. n.º 0652/14, se consignou: “as provisões destinam-se, no essencial, em criar uma conta onde se reservam determinadas quantias, de acordo com o princípio da prudência, para fazer face a despesas ou perdas cuja ocorrência futura é certa e conhecida, mas cujo quantum não é possível determinar com precisão, sendo por isso incerto. // Portanto, o que determina a necessidade das empresas constituírem provisões, não é a incerteza da ocorrência futura de despesas ou perdas, mas antes a incerteza da sua exacta quantificação, ou seja, é a impossibilidade de determinar num dado exercício fiscal, aquele em que teve conhecimento da ocorrência da perda, despesa ou encargo –princípio da especialização dos exercícios –, o montante exacto dessa mesma despesa, perda ou encargo, que apenas será determinado e concretizado no(s) exercício(s) fiscal(is) seguinte(s), “…(a) provisão é uma conta em que se inscreve a verba destinada a fazer face a encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante indeterminado…”, cfr. J.J. Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3684, pág. 84”.

No caso dos autos, formalmente, não existe dúvida de que não foi registada uma provisão nas contas da Recorrida – cfr. as alíneas B) e C) do probatório fixado. E em termos materiais, e como resulta da factualidade provada e não contestada, o “incentivo de implementação” instituído pela Recorrida em 1988 consubstanciou-se num incentivo laboral aos administradores e aos trabalhadores dos quadros, aos quais seriam atribuídas acções da Empresa no ano de 1991 (data de término do primeiro mandato) ou em data anterior (caso os administradores ou os trabalhadores dos quadros cessassem funções antes).

Ou seja: o pagamento do “incentivo de implementação” por parte da Recorrida não se traduzia numa mera eventualidade de montante incerto, mas antes num acontecimento que, sendo de verificação futura, se materializava anualmente, à medida que o trabalhado era prestado.

Com efeito, concluindo-se pela permanência daqueles colaboradores na esfera da empresa no final de cada exercício, materializava-se na esfera da Recorrida um custo certo, cujo montante podia ser quantificado de forma proporcional ao período de tempo decorrido desde a criação do incentivo, a ser pago futuramente por esse exacto valor.

Assim, considerando que a aquisição do direito ao benefício em referência se verificava por causa da prestação de trabalho e à medida em que essa prestação era realizada, estamos em presença de um custo de projecção económica plurianual e não em presença de uma provisão.

De facto, e como bem se refere na sentença recorrida, a verificação e reconhecimento de um custo em 1990 constituiu o reconhecimento de uma obrigação a que não estava associado qualquer grau de incerteza, uma vez que essa obrigação foi constituída como um direito complementar à retribuição acordada com os administradores e os trabalhadores, isto é, como um incentivo aos destinatários que adquiriram esse direito à medida que prestaram o seu trabalho.

Este procedimento não merece censura, uma vez que os proveitos e os custos devem ser reconhecidos no momento em que são obtidos ou incorridos, independentemente de esse momento corresponder, ou não, ao efectivo recebimento ou pagamento das importâncias.

Ao contrário do que alega a Recorrente, é esta conclusão que decorre do princípio da especialização dos exercícios previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC (na redacção em vigor à data dos factos), nos termos do qual “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.

Ademais, como bem diz a recorrida, constituindo o recurso jurisdicional um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo no que respeita às questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Como tal, não pode ser apreciada nesta sede a alegada violação das regras fiscais previstas para as amortizações e as reintegrações em vigor no exercício de 1990, pois que, para além do mais, não foi esse o fundamento da correcção operada que esteve na origem da liquidação sindicada.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.


- Decisão -

9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Sem custas, porque a recorrente delas estava isenta à data da instauração da impugnação.

Lisboa, 7 de Março de 2018. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Pedro Delgado.