Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0354/11
Data do Acordão:10/26/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:SISA
ISENÇÃO
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:O prazo de prescrição conta-se, salvo o disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 1 do art. 48º da LGT) e não a partir da data da declaração da revogação da isenção dos impostos.
Nº Convencional:JSTA00067208
Nº do Documento:SA2201110260354
Data de Entrada:04/07/2011
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL / DIR FISC - SISA
Legislação Nacional:CIMSISD91 ART11 N3 ART13-A ART16 N1 ART92 ART180 N1 NA REDACÇÃO DO DL 472/99 DE 1999/11/08
LGT98 ART8 N2 ART11 ART45 N1 ART46 N1 N2 B C ART48 N1
CCIV66 ART306 N1 N4 ART326 ART329
CCI63 ART111
CPCI63 ART27
CPTRIB91 ART34
CIS03 ART48 N2 I N3 N4
CIMT03 ART18 N1 N2 ART26
L 26/2003 DE 2003/07/30 ART38
CCA88 ART101 F
CIMI03 ART9 N1 E N2 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC383/10 DE 2010/09/22; AC STA PROC1029/06 DE 2007/01/24; AC STA PROC174/11 DE 2011/06/08; AC STA PROC14844 DE 1996/04/17 IN AP-DR DE 1998/05/18 PAG1098; AC STA PROC21813 DE 1997/10/22 IN AP-DR DE 2001/03/30 PAG2704; AC STAPLENO PROC873/09 DE 2010/02/24; AC STA PROC1113/03 DE 2003/11/26; AC STA PROC424/03 DE 2003/05/28; AC STA PROC425/03 DE 2003/05/28
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG44
BENJAMIM RODRIGUES A PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG287
DIOGO LEITE DE CAMPOS APLICAÇÃO NO TEMPO DA TAXA DA SISA
IMT IN BOA N28 PAG28 PAG29
NUNO SÁ GOMES TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO 2004 PAG142 - PAG148
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Mma. Juíza do TAF de Leiria, julgou improcedente a oposição que deduziu contra a execução fiscal nº 2089200901096192 para cobrança de dívida proveniente de liquidação de sisa.
1.2. A recorrente remata as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
1. Os arts. 48° e 49° da Lei Geral Tributária, contêm a disciplina completa, que o legislador considerou adequada, para a prescrição em direito fiscal.
2. A prescrição, em direito fiscal, constitui uma garantia dos contribuintes e, por isso, está sujeita a reserva de lei nos termos do art. 103°, n° 2, da Constituição Portuguesa.
3. No caso em apreço, não existe qualquer lacuna, dado que, os factos interruptivos e suspensivos da prescrição que o legislador achou por bem consagrar, estão previstos nos arts. 48° e 49° da LGT.
4. Mas, mesmo que alguma lacuna existisse, a mesma não seria susceptível de integração analógica, de acordo com o art. 11°, n° 4 da LGT e o art. 103°, n° 2 da CRP.
5. Dispõe o art. 48°, n° 1, que “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (...)”.
6. Mas a douta sentença recorrida louvando-se em normas do Código Civil respeitantes à prescrição e à caducidade e em norma do CSIMSD respeitante à caducidade teve a seguinte leitura da norma “no que respeita à prescrição da correspondente dívida tributária, o prazo para o efeito é de oito anos em face do disposto no art. 48°, da LGT, contado a partir do facto equivalente ao facto tributário (incumprimento da obrigação de revenda no prazo de três anos), dado o imposto ser de obrigação única”, o que constitui integração analógica não permitida pelo legislador e em todo o caso injustificada, uma vez que não existe lacuna no regime dos arts. 48° e 49° da LGT, dado que é um regime completo, que representa o “plano” do legislador fiscal que considerou no seu regime as suspensões e interrupções que entendeu necessárias e adequadas.
7. Assim sendo, deve entender-se que o prazo de prescrição se iniciou em 7.09.2000, data da escritura de compra, e se completou em 6.09.2008, por entretanto não se ter verificado qualquer facto suspensivo ou interruptivo da prescrição.
8. E não se venha dizer que tal solução resulta injusta para a AT pois esta (es)teve anos sem proceder à liquidação podendo fazê-lo.
9. E, quando a fez, teve ainda cerca de dois anos e meio para proceder à citação da oponente sendo que, se o tivesse feito em cerca de 1 ano e quatro meses, teria ocorrido, então sim, interrupção da prescrição.
Termina pedindo que a sentença seja revogada e substituída por outra, que declarando a verificação da prescrição, julgue a oposição procedente.
1.3. Contra-alegando, a Fazenda Pública formulou as Conclusões seguintes:
1. A Recorrente interpôs recurso, da decisão proferida que julgou não verificada a prescrição da dívida exequenda, originada pelo não pagamento do imposto de SISA dentro do prazo legal, de um prédio por si adquirido em 7/9/2000, tendo, na sua tese, a referida prescrição ocorrido em 6/9/2008, uma vez que a citação foi efectivada em 9/11/2009.
2. Estamos perante uma transmissão onerosa de imóvel, celebrada por escritura pública em 7/9/2000, consequentemente, sujeita a SISA nos termos do disposto no art. 11° n° 3 do Cód. SISA aplicável à época.
3. Também o mesmo código isentava as transmissões por compra e venda de prédios para revenda, no prazo de 3 anos, no seu art. 13°-A.
4. A Recorrente não revendeu o imóvel objecto da escritura de compra e venda (prédio rústico inscrito na matriz predial sob o art. 47 secção D, da freguesia de Pombalinho, concelho de Santarém, celebrada no Cartório Notarial da Golegã, registado a fls. 61 do Livro 206-A), no prazo atrás referido - 3 anos.
5. Logo, foi liquidada SISA em 21/3/2007, atenta a falta de transmissão do imóvel no prazo que lhe fora concedido para a isenção que se considera “... concedida a título provisório e só se consolida no caso da verificação da condição resolutiva da revenda no prazo de três anos, caducando quando tal não aconteça.” (como bem refere a sentença sob censura), e efectuada notificação pessoal à Recorrente a 30/4/2007.
6. Assim, tendo caducado o direito à isenção de SISA em 7/9/2003, tinha a AT legitimidade para proceder à liquidação do referido imposto, como o fez; isto é, findo o prazo do benefício automático previsto no art. 130 n° 3 do Código da SISA.
7. Nos termos do art. 45° da LGT, a AT tem 4 anos para proceder à liquidação e correspondente notificação do imposto ao sujeito passivo, o que se verificou no caso presente.
8. O decurso do prazo de prescrição da dívida que lhe corresponde, nos termos do art. 48° da LGT, conta-se a partir do facto equivalente ao facto tributário uma vez tratar-se de um imposto de obrigação única.
9. Sendo certo que o decurso do prazo prescricional terminaria a 7/9/2011, a Recorrente, foi porém, citada a 9/11/2009, o que provocou a interrupção do prazo da prescrição, atento o preceituado no art. 49° n° 1 da LGT, que teve por efeito a inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido nos termos do estatuído pelo art. 326° do CC.
10. A aplicação das normas do Código Civil, têm aplicação em sede de direito tributário, subsidiariamente aplicáveis, por força da alínea e) do art. 2° do CPPT.
11. Concluindo-se pela ausência de fundamento legal para a prescrição da dívida exequenda.
12. Nestes termos deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença do Tribunal a quo, que nenhuma censura merece atento os elementos probatórios constantes dos autos.
Termina pedindo que o recurso seja julgado improcedente e se mantenha a decisão recorrida.
1.4. O Exmo. PGAdjunto emitiu Parecer nos termos seguintes:
«O recurso parece ser de improceder, face à previsão constante do art. 45º nº 1 da LGT, em cuja parte final se ressalva que o prazo de prescrição é o aí previsto “quando a lei não fixar outro”.
Nos termos em que se decidiu, no sentido de ser ainda a lei aplicável a constante do art. 92º do Cód. Do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações, na redacção do art. 4º do Dec. Lei nº 472/99, de 8/11 vem-se pronunciando a jurisprudência do STA – assim, acórdãos de 15-5-02, 2-6-10 e 22-9-2010, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 026481, 01240/09 e 0383/10, acessíveis em www.dgsi.pt.
Por tal integrar fundamento diferente do considerado na sentença recorrida, é de notificar a recorrente do presente parecer, a fim de se assegurar o contraditório, o que se promove.»
1.5. Ordenada a notificação do Parecer do MP, apenas a recorrente veio pronunciar-se, em termos discordantes, alegando, em síntese, que veio invocar, na presente oposição, a prescrição e não a caducidade, sendo que o art. 92° do CIMSISD trata apenas da caducidade e não da prescrição, do mesmo modo que o art. 45°, n° 1 da LGT (também mencionado no parecer) se refere também à caducidade e não à prescrição (cujo regime está previsto nos arts. 48° e 49° da mesma Lei.)
E apesar de o acórdão do STA, proferido no proc. 0383/10, ter considerado que “Os prazos de caducidade do direito de liquidar e de prescrição da dívida tributária, no caso do Imposto de Sisa, apenas se iniciam a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda no prazo de três anos”, equiparando, assim, neste ponto, os regimes da caducidade e da prescrição, entende a recorrente que, reconhecendo, embora, que possa ser difícil entender que a lei não tenha previsto para a prescrição regime idêntico ao que prevê para a caducidade nos termos dos arts. 92° do CIMSISD em conjugação com o art. 45°, n° 1 da LGT, tal regime não pode ser aplicável por analogia à prescrição, a tal se opondo a proibição de integração analógica, que resulta do art. 11°, n° 4 da LGT em conjugação com o art. 103°, n° 2 da CRP, uma vez que o instituto da prescrição constitui uma garantia do contribuintes.
1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Contra o oponente foi instaurado em 30 de Outubro de 2009, no Serviço de Finanças (SF) de Santarém, o processo de execução fiscal n° 2089200901096192, relativo ao Imposto Municipal de SISA e acréscimos legais, referente ao prédio rústico, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 47, da Secção D, da freguesia de Pombalinho, no montante de € 19.024,62 (fls. 2, 3, 13, 14 e 15);
2. A liquidação do Imposto Municipal ocorreu em 21 de Março de 2007 (fls. 29);
3. Tendo o executado e ora oponente sido notificado pessoalmente em 30 de Abril de 2007 (fls. 36);
4. O oponente foi citado em 9 de Novembro de 2009 (fls. 16);
5. O imposto em causa respeita à aquisição de um prédio rústico, celebrada por escritura pública no Cartório Notarial de Golegã, exarada a fls. 61, do Livro 206-A, em 7 de Setembro de 2000;
6. O referido prédio não foi revendido no prazo de três anos contados da referida aquisição.
3.1. Em face desta factualidade e do fundamento de oposição (prescrição da dívida) invocado pela oponente, a sentença veio a considerar que a dívida não se encontra prescrita, com a fundamentação seguinte:
O art. nº 3 do art. 11º do CSisa, vigente à data dos factos, isentava as transmissões por compra e venda de prédios para revenda, no prazo de 3 anos, ao abrigo do disposto no art. 13°- A, do mesmo diploma legal.
Mas esta isenção caduca no caso de os prédios não serem revendidos no dito prazo de 3 anos, ou seja, trata-se de uma isenção que se encontra sujeita a condição resolutiva (art. 270°, do CC), e daí que só com a não verificação desta se produzem todos os efeitos fiscais concretizados na transmissão.
No caso, tendo a aquisição do prédio ocorrido em Setembro de 2000, não foi revendido até Setembro de 2003.
E assim, se por um lado o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto de sisa devido só pode começar a contar-se a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda no prazo de 3 anos, uma vez que só a partir dessa data aquele direito de liquidar podia ser exercido pela AT (art. 329º do CCivil), também, por outro lado, o início do prazo de prescrição (que no caso, face ao disposto no art. 48º da LGT, é o de 8 anos, contado a partir do facto equivalente ao facto tributário – o incumprimento da obrigação de revenda no prazo de 3 anos) apenas se inicia, atento o disposto no art. 306º do CCivil, com a verificação do incumprimento da obrigação de revenda no prazo de 3 anos, dado que estamos perante imposto de obrigação única.
E tendo o incumprimento ocorrido em 7/9/2003, o decurso desse prazo prescricional que terminaria, em princípio, a 7/9/2011, foi interrompido pela citação do oponente em 9/11/2009, nos termos do n° 1, do art. 49°, da LGT, dessa forma inutilizando todo o tempo anteriormente decorrido (artigo 326°, do CC).
A dívida exequenda não está, portanto, prescrita.
3.2. A discordância da recorrente com o decidido assenta, no essencial, na alegação de que a sentença procede a uma integração analógica (que, no caso, é proibida por lei dado que estamos perante matéria de garantia dos contribuintes) ao considerar que o prazo de prescrição (oito anos, face do disposto no art. 48°, da LGT) se conta a partir do facto equivalente ao facto tributário (incumprimento da obrigação de revenda no prazo de três anos), sendo que tal integração analógica também não se justifica pois que não existe lacuna no regime dos arts. 48° e 49° da LGT, que é um regime completo. Por isso, deve entender-se que o prazo de prescrição se iniciou em 7/9/2000, data da escritura de compra, e se completou em 6/9/2008, por entretanto não se ter verificado qualquer facto suspensivo ou interruptivo da prescrição.
A questão a decidir é, portanto, a de saber se a dívida exequenda se encontra prescrita.
Vejamos.
4. Diga-se desde já, que apesar de o MP ter invocado que o recurso deverá improceder, face à previsão constante do art. 45º nº 1 da LGT, em cuja parte final se ressalva que o prazo de prescrição é o aí previsto “quando a lei não fixar outro”, sendo que a jurisprudência do STA se vem pronunciando no sentido de a lei aplicável ser a constante do art. 92º do CSisa, na redacção do art. 4º do DL nº 472/99, de 8/11, a questão não deve ser colocada nesse âmbito.
Com efeito, como, aliás, sustenta a recorrente quando se pronunciou sobre tal questão (a fls. 85/86), o fundamento de oposição que a oponente invoca é o da prescrição da dívida exequenda e não o da caducidade da liquidação, sendo que o apontado art. 92° do CSisa trata apenas da caducidade e não da prescrição, do mesmo modo que o art. nº 1 do art. 45° da LGT se refere à caducidade e não à prescrição (cujo regime está previsto nos arts. 48° e 49° da mesma LGT).
5.1. Passemos, então, à apreciação da questão do recurso.
Como bem se diz na sentença recorrida, citando o ac. deste STA, de 22/9/2010, no rec. nº 0383/10, a isenção de sisa de que goza a aquisição de prédios para revenda, caduca se estes não forem revendidos no prazo de 3 anos (arts. 11º nº 3 e 16º, nº 1 do CSisa), o que significa que essa isenção se encontra sujeita a uma condição resolutiva – art. 270º do CCivil – e que, assim, só com a sua não verificação se produzem todos os efeitos fiscais concretizados na transmissão – cfr., igualmente, no mesmo sentido, o ac. de 24/01/07, rec. nº 1029/06, deste STA, ali citado.
No caso vertente, a dívida reporta-se a sisa referente a transmissão de imóvel efectuada por escritura pública de 7/9/2000, a qual ficou isenta de tal imposto, nos termos do nº 3 do art. 11º e do art. 13º-A do CSisa, em virtude da compra se destinar a revenda (cfr. Probatório).
Mas, tal prédio acabou por não ser revendido, tendo a recorrente sido notificada para proceder ao pagamento da sisa devida e, não o tendo feito, foi instaurada a respectiva execução para cobrança da quantia correspondente.
Não vem controvertido que o prazo de prescrição aqui aplicável é o de 8 anos (aliás, seria este o prazo aplicável.
E, na verdade, o encurtamento do prazo de prescrição (de 10 para 8 anos) das dívidas por imposto de sisa, não se verificou, como para a generalidade dos impostos, no dia 1/1/1999 (data da entrada em vigor da LGT), mas apenas em 13/11/1999, data da entrada em vigor do DL nº 472/99, de 8/11, que adaptou os vários códigos tributários à Lei Geral Tributária e cujo art. 4º deu nova redacção, designadamente, ao nº 1 do art. 180º do CSisa, passando este a dispor que «1. O imposto municipal de sisa e o imposto sobre as sucessões e doações prescrevem nos termos dos artigos 48º e 49º da lei geral tributária.» (e, aliás, também em termos de prazo de caducidade aquele mesmo art. 4º alterou a redacção do art. 92º do CSisa, no sentido de que «Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre sucessões e doações nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes e, quanto ao restante, no artigo 46º da lei geral tributária»).
Assim, dúvidas não restam de que, no caso, é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos (constante do nº 1 do art. 46º da LGT), já que a escritura de compra e venda teve lugar em 7/9/2000, isto é, depois da alteração introduzida no art. 180º do CSisa, pelo referido art. 4º do DL 472/99.
A questão resume-se, portanto, à de saber se o termo inicial desse prazo de prescrição da dívida (8 anos) é, como pretende a recorrente, o dia 7/9/2000, data da escritura de compra, e se este se completou em 6/9/2008, por entretanto não se ter verificado qualquer facto suspensivo ou interruptivo da prescrição, ou se, como julgou a sentença recorrida, o termo inicial desse prazo é o dia 7/9/2003, dado que, sendo o incumprimento da obrigação de revenda no prazo de 3 anos o facto aqui equivalente ao facto tributário, o prazo de prescrição apenas se pode iniciar, atento o disposto no art. 306º do CCivil, com a verificação de tal incumprimento.
5.2. Sobre esta questão se debruçaram os acs. deste STA, de 22/9/2010 e de 8/6/2011, nos recs. nºs. 0383/10 e 0174/11, respectivamente, e ambos no sentido de que o prazo de prescrição só poderá começar a contar-se a partir da constatação do não cumprimento das condições a que ficou subordinada a concessão da isenção, ou seja, o incumprimento da obrigação de revenda no prazo de três anos.
Todavia, repensando a questão e revendo a posição, afigura-se-nos ser outro o entendimento que decorre da lei.
5.2.1. Como se escreve no ac. de 17/4/1996, rec. nº 014844 (in Apêndices ao DR, de 18/5/1998, pp. 1098 a 1104) «O facto tributário gerador da obrigação do imposto da sisa, talqualmente foi conformado pela lei, consiste na transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis (artºs. 1º e 2º do C.S.I.S.D.), estando a sujeição passiva imputada àqueles para quem se transmitirem os bens (art. 7º).
A obrigação de imposto, como obrigação ex lege, nasce com a ocorrência, na prática da vida, dos eventos naturais ou jurídicos que se ajustem aos pressupostos predeterminados, de forma geral e abstracta, pela lei de tributação: logo que se verifique o preenchimento do quadro dos pressupostos pré-estabelecidos na lei, a obrigação de imposto irrompe na Ordem Jurídica.
Mas esta eficácia constitutiva do facto tributário definido pela norma tributária material pode ser paralisada pela previsão legal de um outro facto que impede a produção dos efeitos jurídicos daquele ou seja, do nascimento da obrigação de imposto.
Estamos, então, perante uma isenção, perante um facto impeditivo autónomo e originário, independente do facto tributário em cuja conformação ele não entra, distinguindo-se, assim, dos elementos que o possam delimitar negativamente.
Entre as isenções do imposto em causa previstas na lei contava-se precisamente aquela de que beneficiou o recorrente: as aquisições de prédios para revenda, nos termos do art. 13º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no art. 111º do Código da Contribuição Industrial, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda (art. 11º, nº 3 C.S.I.S.D.).
Mas esta isenção não estava definida em termos absolutos ou definitivos, em termos de ficar irrevogavelmente definida a situação do sujeito passivo do imposto quanto ao não despoletamento da eficácia constitutiva do facto tributário e, consequentemente, quanto, a jamais, poder ser devedor de imposto.
É que a lei – art. 16º, nº 1º, na redacção original do C.S.I.S.D., tuteladora da situação -, tendo em conta a realização dos interesses que prosseguia com a concessão da isenção, que era a de evitar uma dupla tributação quando fosse de todo evidente que as aquisições dos prédios se inseriam no exercício da actividade comercial e industrial de aquisições de prédios para revenda, estabeleceu condições para tal isenção, sujeitando-a à não verificação de certos eventos futuros que constituiriam justificação legal da inexistência daqueles interesses: os beneficiários perderiam a isenção logo que os prédios adquiridos para revenda não fossem transaccionados dentro do prazo de dois anos ou o fossem novamente para revenda.
Quer dizer: a isenção estava sujeita a uma condição resolutiva cuja verificação, implicando que deixasse de existir obstáculo à produção dos efeitos constitutivos do facto tributário, determinava a imediata constituição da obrigação do imposto.»
5.2.2. Assim sendo, coloca-se, então, a questão de saber se, sobrevindo a caducidade da isenção, o termo inicial do prazo de prescrição da dívida que, porventura, resulte da consequente liquidação da sisa (actualmente, do IMT) devida é o da data da aquisição ou o da data em que operou a dita caducidade da isenção.
Ora, como refere o Cons. Jorge de Sousa (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª ed. 2010, pp. 44 e sgts.) enquanto nas obrigações civis o prazo da prescrição não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido (cfr. art. 306º, nº 1, do CCivil) sendo que se a dívida for ilíquida o prazo só se inicia após o seu apuramento (nº 4 do mesmo normativo), já nas obrigações tributárias decorrentes de impostos não é assim: nestas, salvo lei especial, a prescrição começa a correr a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única (nº 1 do art. 48º da LGT, na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30/12.
Isto, independentemente de estar ou não já liquidada a obrigação tributária pois a prescrição refere-se directamente ao facto tributário, pelo que pode ter lugar sem que tenha ocorrido a respectiva liquidação (cfr. neste sentido, o Cons. Benjamim Rodrigues, A Prescrição no Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pág. 287, bem como, na jurisprudência, o ac. do STA, de 22/10/1997, rec. nº 21.813, in Apêndice ao DR, de 30/3/2001, pp. 2704 a 2707).
E que o afastamento da regra prevista no nº 1 do citado art. 306º do CCivil, parece ter sido representado pelo legislador resulta, igualmente, do facto de, para efeitos de caducidade do direito à liquidação, a al c) do nº 2 do art. 46º da LGT prever que o respectivo prazo se suspende «Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal de cumprimento da condição», ao passo que, para efeitos de prescrição da obrigação tributária, o art. 49º da LGT nada prescreve a respeito dessa mesma situação, sendo que, no entanto, há outras situações em que, relativamente ao IMT e ao Imposto do Selo, se prevêem termos iniciais especiais, como actualmente sucede no âmbito do IMT e do CIS. (No âmbito do IMT, se for desconhecida a quota do co-herdeiro alienante, para efeitos do art. 26° do CIMT, ao prazo de prescrição acresce o tempo por que o desconhecimento tiver durado (nº 2 do art. 40° do CIMT); no âmbito do Imposto do Selo, se forem entregues ao ausente quaisquer bens por cuja aquisição não tenha ainda sido liquidado imposto (cfr. nº 2 do art. 48º do CIS), o prazo de prescrição conta-se a partir do ano seguinte ao da entrega dos bens; se forem outorgados actos ou contratos celebrados por documento particular autenticado, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, o prazo de prescrição conta-se a partir da data da promoção do registo predial (n° 4 do art. 48° do CIS, aditado pela Lei n° 64-A/2008, de 31/12); e se for desconhecida a quota do co-herdeiro alienante, para efeitos do art. 26° do CIMT, ou tiver sido suspenso o processo de liquidação, nos termos dos arts. 34° e 35° do CIS, ao prazo de prescrição acresce o tempo por que o desconhecimento ou a suspensão tiver durado (art. 48°, n° 3, do CIS).)
Por outro lado, como se salienta no ac. do Pleno desta Secção do STA, de 24/2/2010, rec. nº 0873/09, de acordo com o disposto na al. a) do nº 2 do art. 8º da LGT, «estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária “a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade”», daqui decorrendo que «as características da prescrição das obrigações tributárias estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal», ou seja, «todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica (cfr. art. 11º da LGT). Daí ressalta que vigora, nas relações jurídico-tributárias, o princípio de tipicidade fiscal, segundo o qual a tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto. (…)
Daqui se extrai que as referidas leis tributárias sempre fixaram, como momento a atender para a contagem do início do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário e não ao despacho que declarou a caducidade dos benefícios fiscais e muito menos a sua notificação ao contribuinte, salvo o disposto em lei especial. Por isso, por imposição do princípio da legalidade, a declaração da revogação da isenção dos impostos como o “dies a quo” a que se deve atender para início da contagem do prazo de prescrição só será admissível se existir norma que o autorize.
Ora, no caso em apreço, a lei não o prevê, nomeadamente para “as situações em que por força da atribuição de uma isenção de imposto se impediu a norma de incidência de operar e se obstruiu a eclosão imediata da obrigação tributária”, como bem se anota no voto de vencido de fls. 145 e 146.
Aliás e como se salienta no Acórdão desta Secção do STA de 26/11/03, in rec. nº 1.113/03, em que Relator é o mesmo, “cabe notar que, mesmo no regime geral, ao contrário do que acontece no que concerne ao prazo de caducidade do direito à liquidação, que se suspende por força da concessão de benefícios fiscais susceptíveis de caducar, ao mesmo facto não confere a lei relevância quanto ao decurso do prazo de prescrição – vd. Artigos 46º nº 2 alíneas b) e c) e 49º nºs 1 e 3 da LGT, bem como os revogados artigos 27º do Código de Processo de Contribuições e Impostos e 34º do Código de Processo Tributário”.
No mesmo sentido, pode ver-se, ainda, os acórdãos desta secção do STA de 28/5/03, in recs. nºs 424/03 e 425/03.
Sendo assim, referindo-se a prescrição à obrigação tributária, podemos concluir que o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPCI ou do CPT ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT.»
Ora, não obstante a realidade factual subjacente à pronúncia deste aresto se reportar a uma situação de isenção de IA, IVA e direitos aduaneiros, relativos à introdução no consumo de um veículo automóvel, a argumentação dele constante não deixa de ser aplicável ao presente caso.
5.2.3. Não se desconhece, também, que para alguns autores, o facto tributário, no caso de isenção prevista no nº 3 do art. 11º do CSisa, ocorre na data da caducidade da isenção, por ser nessa data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e o integra na sua esfera patrimonial (cfr. Diogo Leite de Campos, Aplicação no tempo da taxa da sisa/IMT, in Boletim da Ordem dos Advogados, n° 28, Setembro/Outubro, de 2003, pp. 28/29; e Nuno Sá Gomes, Tributação do Património, Lições Proferidas no 1° Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (2004), Almedina, 2004, pp. 142 a 148).
Partindo do princípio de que tal isenção se reconduz a uma verdadeira delimitação negativa da incidência (exclusão tributária) e não a uma isenção em sentido próprio, considera-se, então, que também o facto tributário ocorrerá na data da caducidade da isenção, por ser nessa data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e o integra na sua esfera patrimonial. Ou seja, nos casos de aquisição de imóveis para revenda, o adquirente encara o imóvel como mercadoria, como bem que não é contabilizado no imobilizado, como “mercadoria” para venda; e, assim sendo, o facto tributário (rectius a “transmissão”) só tem lugar quando o imóvel passa a fazer parte do imobilizado da empresa pela caducidade da chamada “isenção” (a qual não é – neste entendimento - uma verdadeira isenção). Assim, só quando o imóvel passou a integrar o imobilizado da empresa por força da caducidade referida, é que o contribuinte passou a revelar capacidade contributiva para adquirir imóveis e só nessa data, verdadeiramente, adquiriu aquele imóvel (até aí, apenas teve capacidade financeira de gerir a sua actividade comercial até à venda do imóvel, que não teve lugar no prazo de três anos). Daí que, sendo nessa data que o contribuinte passa a ser adquirente «de facto» e verdadeiro proprietário do imóvel, será também nessa data que o legislador entende que nasce o facto tributário, entendimento que se coaduna, quer com o actualmente disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 18º do CIMT (bem como com o disposto no art. 38º da Lei n° 26/2003, de 30/7, que aprovou o CIMI e o CIMT), ao disporem que o «imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário» e que «se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data de liquidação», quer com o que já decorria do disposto na al. f) do nº 1 do art. 10º do Código da Contribuição Autárquica, quer, finalmente, com o que também se dispõe na al. e) do nº 1 do art. 9º do CIMI, pois que todos estes normativos configuram aquelas situações como delimitações negativas da incidência, uma vez que o imposto respectivo só é devido a partir do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que o prédio tenha passado a figurar no activo circulante de uma empresa que tenha por objecto a sua venda (sendo que, de acordo com o estabelecido nos nºs. 2 e 3 do mesmo art. 9º do CIMI, caso ao prédio seja dada diferente utilização, o imposto é liquidado por todo o período decorrido desde a sua aquisição e é devido a partir do ano, inclusive, em que a venda do prédio tenha sido retardada por facto imputável ao respectivo sujeito passivo).
Trata-se, porém, de entendimento que nem se coaduna com a reafirmada natureza de uma isenção sujeita a condição resolutiva, nem com a consideração de que o facto de um prédio adquirido para revenda não ter sido vendido no prazo de 3 anos, não significa que o adquirente o tenha que inscrever, imperativamente, no activo imobilizado, por o mesmo ter deixado de ser mercadoria: na verdade, o adquirente pode continuar a pretender revender o prédio e este pode vir a ser revendido em qualquer ano posterior.
Portanto, para além da relevância fiscal que a não revenda naquele prazo de 3 anos implica (em termos da liquidação da respectiva sisa – ou, actualmente, do IMT), não se vê que deva apelar-se também ao decurso desse prazo para efeitos de o considerar como factor determinativo da capacidade contributiva para a aquisição do imóvel e, por essa via, como factor determinativo da verdadeira transmissão, em ordem a considerar esta última data como momento da verificação do facto tributário.
5.2.4. Acresce, como se disse, que, (i) não prevendo a lei a suspensão do prazo de prescrição no caso de benefícios fiscais de natureza condicionada (ao contrário do que sucede com o prazo de caducidade da liquidação do imposto – al. c) do nº 2 do art. 46º da LGT), (ii) integrando a matéria da prescrição da obrigação tributária (quer os pressupostos da prescrição, quer os pressupostos relativos ao regime do respectivo prazo) o âmbito das garantias dos contribuintes e (iii) fixando a LGT, como momento relevante para o termo inicial do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário (sendo este o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária), não pode interpretar-se a norma contida no nº 1 do art. 48º da LGT com outro sentido que não seja o de que, no caso, o prazo de prescrição da sisa devida (imposto de obrigação única) se inicia a partir da data em que ocorreu o facto tributário substanciado na transmissão (aquisição por parte do sujeito passivo respectivo) e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu.
Assim, no caso, tendo a aquisição operado por escritura de 7/9/2000 e devendo atender-se, para definição do termo inicial daquele prazo de prescrição, apenas à data do facto tributário, não relevando o momento da caducidade da isenção do imposto, temos que concluir que a prescrição se verificou em 7/9/2008, dado que até essa data não ocorreu nenhuma causa de suspensão ou de interrupção do respectivo prazo (pois que a execução fiscal nº 2089200901096192, da qual a presente oposição é dependente, foi instaurada apenas em 30/10/2009, e a oponente veio a ser citada apenas em 9/11/2009 (cfr. Probatório): ou seja, não ocorreu nenhuma das causas de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição, previstas no art. 49º da LGT que a sentença recorrida teve por aplicáveis.
Procedem, portanto, as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos e com estes fundamentos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição, por prescrição da dívida tributária, julgando, consequentemente, extinto o respectivo processo executivo.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 26 de Outubro de 2011. – Casimiro Gonçalves (relator) – António Calhau (vencido, de acordo com o entendimento expresso no Ac. 174/11, de 8/6/11, de que fomos relator) – Isabel Marques da Silva.