Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01238/16
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRS
COEFICIENTE DE PONDERAÇÃO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Sumário:Na aplicação dos coeficientes previstos nas als. a) a c) do nº 1 do art. 31º do CIRS não há que efectuar a distinção entre o valor dos materiais incorporados na obra e o valor da mão-de-obra, se a actividade desenvolvida se traduz numa única actividade de prestação de serviços.
Nº Convencional:JSTA00070032
Nº do Documento:SA22017021501238
Data de Entrada:11/04/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRS01 ART31 N1 B N2 ART33-A
CIVA08 ART3 N1 ART4 N2 C N6
L 30-G/2000 DE 2000/12/29.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0379/16 DE 2016/11/16.
Aditamento:
Texto Integral: 1-Relatório:

A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença proferida pelo TAF de Viseu que julgou procedente a impugnação que A………. deduziu contra as liquidações adicionais de IRS relativas ao ano de 2001 e de parte do ano de 2002 no montante global de 22.951,15 Euros.

Conclusões da alegação de recurso da FP a fls.210 e seguintes:

«- Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2001 e 2002, esta na parte referente ao regime simplificado de tributação, apuradas em ação inspetiva e com base na qual foram detetadas irregularidades que determinaram a realização de correções de natureza meramente aritmética da matéria tributável;

- O julgador alicerça a procedência da presente impugnação no facto de estarmos perante vício de violação de lei em função de as correções efetuadas pela AT terem considerado a totalidade das receitas declaradas pelo impugnante como prestação de serviços e consequente alteração do rendimento líquido, do que discordamos;

- No caso em apreço o impugnante encontrava-se coletado apenas pela atividade de “Construção de Edifícios” (CAE 045211), estando enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento coletável;

- Nos anos de 2001 e 2002 o impugnante declarou a título de rendimentos comerciais a quantia global de € 61.326,56 e € 108.984,82, respetivamente, tendo, no anexo B da declaração de rendimentos modelo 3, considerado a totalidade das receitas como vendas de mercadorias e produtos no ano de 2001 e no ano de 2002 uma percentagem como vendas e outra enquanto prestação de serviços;

- As correções meramente aritméticas levadas a efeito pela AT prendem-se com a consideração de que, consistindo a atividade desenvolvida pelo impugnante na prestação de serviços de construção civil com aplicação de materiais, todos os rendimentos auferidos constituem, na sua globalidade, rendimentos de prestações de serviços, a que se aplica o coeficiente de 0,65;

- Atente-se que no Anexo B (regime simplificado) da declaração de rendimentos modelo 3 do exercício de 2001 o impugnante declarou, a título de vendas, € 61.326,56, não tendo declarado prestação de serviços e no ano de 2002 declarou de vendas € 58.567,71 e de prestação de serviços € 50.417,11, a que corresponde a aplicação dos coeficientes de 0,20 e 0,65, respetivamente, para determinação do rendimento coletável;

- Ora, a atividade para a qual o impugnante se encontra coletado consubstancia a prestação de serviços de construção civil (CAE 045211), nunca tendo procedido à alteração da atividade exercida no sentido de se registar para o exercício de uma atividade de venda de material, nem tão pouco estava registado, em simultâneo, para a realização de duas atividades - uma de prestação de serviços e outra de venda de material;

- No caso dos autos, não estamos claramente perante atividade de transmissão de bens, mas prestação de serviços, embora com incorporação de material, o que em nada retira o caráter de prestação de serviços à atividade exercida, conforme decorre do CIVA, art.° 4º, nº. 2, c) e n.º 6 e art. 3°, n°. 1.

- A incorporação de material não pode ser encarada de forma autónoma para efeitos de aplicação dos coeficientes do regime simplificado e do desempenho da atividade do impugnante, uma vez que esses materiais apenas são acessórios em relação à obra a executar;

- A douta decisão judicial, salvo melhor entendimento, labora em erro, pois que, para poder operar-se a tributação nos termos aí definidos, pressupunha que o impugnante estivesse inscrito/coletado por duas atividades — uma de prestação de serviços e outra de venda de material a terceiros, o que não sucede no caso dos autos;

- Não se pode descurar que o impugnante estava coletado nos exercícios em questão por uma atividade de prestação de serviços (de construção civil), uma vez que apenas realiza obras (prestação de serviços), para as quais compra material para nelas ser utilizado, mas sem que tal facto transforme esses materiais em vendas de mercadorias, até porque tal qualificação não tem suporte legal, considerando que o impugnante não desempenhava uma qualquer atividade de venda de materiais;

- O que redunda na conclusão de que, desempenhando o impugnante uma atividade de prestação de serviços, embora com incorporação de material estritamente necessário à execução das obras, todas as faturas emitidas e proveitos obtidos têm de qualificar-se como prestação de serviços;

- Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.° 31° do CIRS e art.° 3° e 4°, ambos do CIVA.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provado, o vício de violação de lei imputado às liquidações impugnadas, com as legais consequências.»

Não foram apresentadas contra alegações.

O recurso foi interposto para o TCA Norte, que por acórdão a fls. 232 a 240 veio declarar-se incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso e declarou competente, para esse efeito a secção do Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo

O Ministério Público emitiu parecer a fls. 147 com o seguinte teor:

«1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Viseu, exarada a fls. 183 e seguintes, que julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada contra os atos de liquidação de IRS relativos aos anos de 2001 e 2002, no valor de € 22.951,15 euros.

Considera a Recorrente que o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação do disposto nos artigos 31° do CIRS, e 3° e 4° do CIVA.

Alega para o efeito que o impugnante e aqui recorrido estava coletado apenas pela atividade de prestação de serviços e não simultaneamente de venda de materiais a terceiros. E embora incorpore materiais nessa atividade de prestação de serviços, tal facto não implica a consideração da existência de duas atividades para efeitos de tributação.

E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue improcedente a ação de impugnação judicial e mantenha as liquidações impugnadas.

2. Na decisão recorrida deu-se como assente que no âmbito de ação inspetiva levada a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária, estes fizeram constar do respetivo relatório que nos anos de 2001 e 2002 o impugnante estava coletado pela atividade de “Construção de Edifícios — CAE 45211” e não possuía contabilidade organizada, sendo abrangido pelo regime simplificado. E que na declaração relativa ao ano de 2001 considerou a totalidade das receitas como vendas de materiais e da declaração de 2002 considerou uma percentagem para vendas e outra para prestação de serviços.

No mesmo relatório os SIT consideraram que o sujeito passivo infringiu o disposto no artigo 31° do CIRS, tendo proposto correções meramente aritméticas à matéria tributável, no sentido de incluir todas as receitas na rubrica “Outras prestações de serviços e outros rendimentos “ e obter o rendimento líquido pela aplicação do coeficiente de 0,65. E que ainda no decurso da ação o sujeito passivo regularizou a situação, com a apresentação de declarações de substituição nos termos propostas. E que na sequência dessa ação foram emitidas liquidações de IRS no valor global de €22.951,15 euros.

Mais se deram como reproduzidas diversas faturas e cópias do “livro de registo de compras de matérias-primas, subsidiárias e de consumo”.

Na parte da discussão da matéria de facto e de direito considerou o tribunal “a quo” que «compulsadas as faturas emitidas e registadas pelo impugnante, verifica-se que nelas se encontram individualizados o montante de “mão-de-obra” e o montante do material, constando da listagem de lançamentos as mercadorias adquiridas [cfr. fls. 86 a 84 e 92 e 93 a 108 dos autos], Verificou-se ainda que as compras de material encontram-se devidamente escrituradas».

E de seguida conclui o tribunal “a quo” da seguinte forma: «…revendo posição anterior, consideramos que o facto de o sujeito passivo apenas se encontrar coletado para o exercício de “Construção de Edifícios” ou “Compra e Venda de Bens Imobiliários”, não o impede de realizar vendas de mercadorias. E sendo certo que prestou serviços relacionados com a construção civil, na modalidade de empreitadas, com aplicação de material, nada obsta a que, tendo o material sido adquirido e pago pelos clientes, encontrando-se devidamente discriminado nas faturas emitidas e dispondo o impugnante de documentos de aquisição de materiais, seja aplicado o coeficiente correspondente à venda de mercadorias.

Ante o exposto, impõe-se concluir pela procedência do invocado vício de violação de lei, que determina a anulação da liquidação de 2001 e da de 2002, na parte referente ao regime simplificado de tributação, ...».

3. A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento ao ter determinado a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2001 e 2002, na parte referente ao regime simplificado, com o fundamento de que ao valor dos materiais incorporados nas obras realizadas pelo sujeito passivo se aplica o coeficiente correspondente à venda de mercadorias.

Atenta a matéria de facto dada como assente, afigura-se-nos que o presente caso é similar ao objeto de apreciação no recurso n° 0379/16, que correu termos neste tribunal e no qual foi proferido o recente acórdão de 16/11/2016, tendo por objeto sentença do mesmo tribunal “a quo”.

Com efeito, em ambas as situações se configura o exercício por parte do sujeito passivo de atividade de prestação de serviços na qual se incorporam materiais: No caso do recurso n° 0379/16, a atividade de “construção civil (acabamentos) — CAE 045450”, e no caso dos autos, a atividade de “Construção de Edifícios — CAE 45211”. E nessa medida vamos seguir de perto o parecer que ali emitimos e cujo sentido foi acolhido no acórdão do STA.

Ora, independentemente do fato de na atividade desenvolvida pelo sujeito passivo serem incorporados materiais, não subsistem quaisquer dúvidas que, em face da matéria de fato assente na sentença recorrida e designadamente das faturas juntas aos autos, a atividade consiste na prestação de serviços de construção civil e não de venda de materiais de construção civil. É certo que concomitantemente com a atividade de prestação de serviços pode ser desenvolvida uma atividade conexa de venda de materiais de construção, mas não é esse o caso dos autos, sendo certo que o sujeito passivo está enquadrado na atividade “Construção de Edifícios — CAE 45211” que não compreende a venda de materiais. Sendo certo que os materiais discriminados nas faturas e demais documentação são os materiais normalmente utilizados na prestação de serviços em causa. O valor faturado em cada uma das faturas respeita aos serviços prestados e não à venda de materiais de construção e prestação de serviços.

Como decorre do n°1 do artigo 3º do CIVA, “considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”. Ora, no caso concreto o que foi faturado pelo sujeito passivo não foi a transmissão de materiais, mas sim o resultado final decorrente da prestação de serviços. E a tal conclusão não obsta o facto de o sujeito passivo ter discriminado nalgumas faturas valores referentes a “mão-de-obra” e “materiais aplicados”. Sendo certo que não se alcance em que elementos da matéria de facto assente se baseou o tribunal “a quo” para concluir que “o material foi adquirido e pago pelos clientes” (linhas 8/9 da pág.8 da sentença).

Assim e para efeitos de aplicação dos coeficientes previstos no n°2 do artigo 31° do CIRS, na redação então em vigor, o que releva é a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, que no caso concreto é a de prestação de serviços, sendo irrelevante para essa qualificação que nessa prestação sejam incorporados materiais fornecidos pelo prestador dos serviços (neste sentido o acórdão do STA de 16/11/2016).

Entendemos, assim, que sentença padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual deve o recurso deve ser julgado procedente e concomitantemente ser a sentença recorrida revogada e substituída por decisão que julgue a impugnação improcedente nesta parte.

Para além da questão da ilegalidade das correções à matéria tributável, o impugnante insurgiu-se igualmente contra a liquidação dos juros compensatórios, mas nesta parte não assacou a esta liquidação vício autónomo, mas fez decorrer a sua ilegalidade da ilegalidade das liquidações do imposto por ser conexa. Daí que concluindo-se pela improcedência da ilegalidade desta última liquidação, há que julgar igualmente improcedente o vício assacado à liquidação dos juros compensatórios.

Em face do exposto, afigura-se-nos que se impõe a revogação da sentença recorrida e a manutenção dos atos tributários, julgando-se improcedente a ação de impugnação judicial.»

2- FUNDAMENTAÇÃO: matéria de facto dado como provada pelo TAF de Viseu a fls. 183 e seguintes:

1. O Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, de âmbito parcial (IRS e IVA) que incidiu sobre os anos de 2001 e 2002.— cfr. fls. 131 dos autos.

2. No âmbito da referida ação inspetiva, em 31.01.2005, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, constante de fls. 131 a 134 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:

(…)

S.P.A.

NOME: A………….

NIF: ……………

A) IRS - CATEGORIA B

É sujeito passivo de IRS, colectado no 1.º Serviço de Finanças de Penalva do Castelo, pela actividade de Construção de Edifícios, CAE 45211, tendo iniciado a mesma em 1976/11/05.

De acordo com o que foi possível averiguar, a actividade efectivamente exercida pelo s.p. tem sido a execução de empreitadas de construção civil, mais concretamente a prestação de serviços com aplicação de materiais.

Não possui contabilidade organizada e, relativamente aos exercícios de 2001 e 2002 encontra-se no Regime Simplificado.

(…)

III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1 IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES

III-1.1 REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO – ENQUADRAMENTO

No quadro seguinte encontram-se os valores declarados pelo s.p. relativamente aos rendimentos comerciais de 2001 e 2002:

Após ver dos documentos de suporte, concluiu que:

Apesar do s.p. estar enquadrado pela actividade de construção de edifícios, na prática o mesmo exerce a actividade de construção civil na modalidade de empreitadas, ou seja, actividade de prestação de serviços que, no caso do s.p. objecto de análise, inclui a aplicação de materiais. Nas facturas emitidas não efetua a separação do valor de mão de obra da dos materiais aplicados.

Exercendo uma actividade de prestação de serviços, deveria o mesmo incluir o total de receitas na rubrica de “Outras Prestações de Serviços e Outros Rendimentos “, do anexo B das M/3 dos anos de 2001 e 2002, a fim de ser obtido um rendimento líquido resultante da aplicação do coeficiente de 0,65 àqueles valores.

Na modelo 3 do ano de 2001, considerou a totalidade das receitas como vendas de mercadorias e produtos e na do ano de 2002 uma percentagem para vendas e outra para prestação de serviços, infringindo assim, o disposto no Artigo, 31º do CIRS.

Perante o exposto nos parágrafos anteriores, conclui-se que os montantes totais de receitas deveriam ter sido considerados na totalidade como Prestação de Serviços, verificando-se uma correcção ao rendimento líquido de € 27.596,95, relativamente ao exercício de 2001 e € 26.355,47 relativamente ao exercício de 2002, conforme quadros seguintes:

(…)

IV REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO S.P. NO DECURSO DA ACÇÃO INSPECTIVA

VI. 1) IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES CATEGORIA B

S.P.A.

O S.P. procedeu à regularização das situações descritas no capítulo III.

Para tal procedeu à entrega das declarações de substituição da M/3, em 2005/01/28, declarando os seguintes valores

(…)

3. As correções à matéria tributável propostas no Relatório de Inspeção Tributária foram sancionadas superiormente. — cfr. fls. 130 dos autos.

4. Pela Administração Tributária foram emitidas as liquidações de IRS referentes aos anos de 2001 e 2002, no montante global de 22 951,15 €. — cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.

5. O Impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações, que foi autuada sob o n.º 2607200594000140. — cfr. fls. 1 do processo de reclamação graciosa apenso.

6. Por despacho datado de 03.04.2006, foi a reclamação totalmente indeferida — cfr. fls. 101 do processo de reclamação graciosa apenso.

7. Constam dos autos, mais concretamente, de fls. 58 a 74 cópias das faturas n.ºs 11 a 26, emitidas pelo Impugnante no ano de 2001, cujo teor se tem por reproduzido.

8. Constam dos autos, mais concretamente, de fls. 82 a 84 e 92 a 93, 97 e 108 dos autos cópias do “Livro de Registo de Compras de Matérias-primas, Subsidiárias e de Consumo”. - cujo teor se tem por reproduzido.

3- DO DIREITO:

É exacto que:

As correcções efectuadas pela Administração Tributária se prendem com a consideração da totalidade das receitas declaradas pelo Impugnante como prestação de serviços e consequente alteração do rendimento líquido.

E que o regime simplificado, instituído pela Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro, constitui um sistema indiciário de determinação do rendimento que aceitando um menor rigor na determinação da matéria colectável tem como contrapartida uma redução dos deveres de cooperação dos sujeitos passivos, nomeadamente no que diz respeito a obrigações contabilísticas.

O qual se caracteriza por ser: a) opcional uma vez que os contribuintes por ele, potencialmente abrangidos podem escolher apurar o seu lucro segundo o regime normal da contabilidade organizada; b) provisório, na medida em que a determinação do rendimento resultará da aplicação de indicadores objetivos de base técnico-científica para os diferentes setores da atividade económica, a serem aprovados por portaria, o que ainda não sucedeu [cfr. artigo 31°, n.º 1 do CIRS) implica uma presunção de custos; d) presunção de um rendimento mínimo tributável (cfr. artigo 31.°, n.º 2, in fine); e) dispensa de algumas obrigações acessórias, na medida em que o contribuinte não é obrigado a dispor de contabilidade organizada, devendo apenas possuir alguns registos de natureza contabilística [RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 2.ª Edição, Almedina, págs. 94 e ss.].

O artigo 31.º, n.º 2 do CIRS, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, dispunha:

Artigo 31.º

Regime simplificado

1 - A determinação do rendimento colectável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica.

2 - Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento colectável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,65 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção, com o montante mínimo igual a metade do valor anual do salário mínimo nacional mais elevado.

3 - O rendimento colectável é objecto de englobamento e tributado nos termos gerais.

4 - Em lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças são determinados os indicadores a que se refere o n.º 1 e, na ausência daqueles indicadores, são estabelecidos, pela mesma forma, critérios técnicos que, ponderando a importância relativa de concretas componentes dos custos das várias actividades empresariais e profissionais, permitam proceder à correcta subsunção dos proveitos de tais actividades às qualificações contabilísticas relevantes para a fixação do coeficiente aplicável nos termos do n.º 2.

5 - Para os efeitos do disposto no n.º 2, aplica-se às actividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas o coeficiente de 0,20. (Redacção dada pelo Decreto-Lei DL 198/2001, de 3 de Julho)

6 - Aos rendimentos da categoria B obtidos por quem aufira rendimentos de outras categorias objecto de englobamento, que não ultrapassem metade do valor dos restantes rendimentos brutos englobados do próprio ou do agregado, são aplicáveis as regras de determinação do rendimento previstas no artigo 30.º desde que, no respectivo ano, não ultrapassem qualquer um dos seguintes limites:

a) Metade do valor anual do salário mínimo nacional mais elevado, tratando-se dos rendimentos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 3.º e outros rendimentos referidos nas alíneas a) a g) do n.º 2 do mesmo artigo;

b) O valor anual do salário mínimo nacional mais elevado, tratando-se de vendas, isoladamente ou em conjunto com os rendimentos referidos na alínea anterior.(N.º aditado pelo Decreto-Lei DL 198/2001, de 3 de Julho)

(corresponde ao art.º 33.º -A na redacção anterior à revisão do articulado efectuada pelo DL 198/2001, de 3 de Julho)

E, o dito artº 33-A estabelecia:

Artigo 33.º - A

Regime simplificado

(Aditado pela Lei 30-G/00, de 29 de Dezembro)

1 - A determinação do rendimento colectável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de actividade económica.

2 - Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento colectável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,65 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção, com o montante mínimo igual a metade do valor anual do salário mínimo nacional mais elevado.

3 - O rendimento colectável é objecto de englobamento e tributado nos termos gerais.

4 - Em lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças são determinados os indicadores a que se refere o nº 1 e, na ausência daqueles indicadores, são estabelecidos, pela mesma forma, critérios técnicos que, ponderando a importância relativa de concretas componentes dos custos das várias actividades empresariais e profissionais, permitam proceder à correcta subsunção dos proveitos de tais actividades às qualificações contabilísticas relevantes para a fixação do coeficiente aplicável nos termos do nº 2.

5 - Para os efeitos do número anterior aplica-se às actividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas o coeficiente de 0,20 indicado no nº 2.

Quid Júris?

Cabe em primeiro lugar a observação de que a situação factual dos presentes autos, ressalvada a distinção de, respeitar, em parte, a período diverso de tributação é no essencial idêntica nos seus termos (não quantitativos), àquela que já foi analisada pelo Ac. deste STA de 16/11/2016, tirado no rec. nº 0379/16, que passaremos a seguir de perto.

No caso em apreço, como resulta do quadro probatório, à data dos factos, o Impugnante encontrava-se colectado pela actividade principal de Construção de Edifícios (CAE 45211) exercendo a actividade de execução de empreitadas de construção civil, mais concretamente a prestação de serviços com aplicação de materiais. O mesmo, não possuía contabilidade organizada nos anos de 2001 e 2002, e estava enquadrado no regime simplificado.

No anexo B da declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano de 2001, o Impugnante considerou a totalidade das receitas como vendas, e na do ano de 2002 uma percentagem para vendas e outra para prestação de serviços.

A Administração Tributária considerou que, sendo a actividade desenvolvida pelo contribuinte a prestação de serviços de construção civil com aplicação de materiais, todos os rendimentos constituem na sua totalidade rendimentos de prestações de serviços, aplicando-lhes o coeficiente de 0,65.

E, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação, com fundamento em que: “compulsadas as faturas emitidas e registadas pelo Impugnante, verifica-se que nelas se encontram individualizados o montante de “mão-de-obra” e o montante do material, constando da listagem de lançamentos as mercadorias adquiridas [cfr. fls. 86 a 84 (sic) e 92 e 93 a 108 dos autos].

Verificou-se ainda que as compras de material, se encontram devidamente escrituradas.

Ora, a Administração Tributaria não põe em causa a realidade constante das faturas emitidas pelo Impugnante, apenas considera que a actividade exercida é apenas a de prestação de serviços e não de transmissão de bens.

No entanto, revendo posição anterior, consideramos que o facto de o sujeito passivo apenas se encontrar coletado para o exercício da atividade de “Construção de Edifícios” ou “Compra e Venda de Bens Imobiliários”, não o impede de realizar vendas de mercadorias. E sendo certo que prestou serviços relacionados com a construção civil, na modalidade de empreitadas, com aplicação de material, nada obsta a que, tendo o material sido adquirido e pago pelos clientes, encontrando-se devidamente discriminado nas faturas emitidas e dispondo o Impugnante de documentos de aquisição de materiais, seja aplicado o coeficiente correspondente à venda de mercadorias.

Ante o exposto, impõe-se concluir pela procedência do invocado vício de violação de lei, que determina a anulação da liquidação de 2001 e da de 2002, na parte referente ao regime simplificado de tributação(…)”.,

Do que discorda a Fazenda Pública nos termos das conclusões de recurso, supra destacadas, sustentando em suma que, não estando o sujeito passivo inscrito/colectado por duas actividades - uma de prestação de serviços e outra de venda de material a terceiros, não estamos perante actividade de transmissão de bens, mas, tão só, perante actividade de prestação de serviços, ainda que com incorporação de material, o que em nada retira o carácter de prestação de serviços à actividade exercida, conforme decorre do CIVA, art. 4º, nº 2, c) e nº 6 e art. 3º, nº 1.

Quid Júris?

A questão que se coloca nos presentes autos foi devidamente equacionada no parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA e consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento ao ter determinado a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2001 e 2002, na parte referente ao regime simplificado, com o fundamento de que ao valor dos materiais incorporados nas obras realizadas pelo sujeito passivo se aplica o coeficiente correspondente à venda de mercadorias.

Segundo se dispunha então (cfr. o art. 33º-A do CIRS, aditado pelo art. 2º da Lei nº 30-G/2000, de 29/12), a determinação do rendimento colectável em sede de IRS resultava da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica e até à aprovação de tais indicadores, ou na sua ausência, o rendimento colectável era o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,65 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção, com o montante mínimo igual a metade do valor anual do salário mínimo nacional mais elevado.

Devendo o rendimento colectável ser objecto de englobamento e tributado nos termos gerais.

No caso vertente, como se viu, a AT, considerando que a actividade do recorrido era a de construção de edifícios (CAE 45211), exercendo a actividade de empreitadas de construção civil (prestação de serviços com incorporação de materiais) entendeu ser de aplicar, para efeitos de determinação dos rendimentos tributáveis do exercício de 2001, o coeficiente de 65% à totalidade do montante declarado como vendas de mercadorias no montante 61.326,56 Eur que corrigiu para igual montante de prestação de serviços a que aplicou o coeficiente de 0,65 encontrando como rendimento líquido corrigido o valor de 39.862,26 Eur. E no exercício de 2002 no qual o contribuinte havia declarado 58.567,71 Eur de venda de mercadorias e 50.417,11 Eur de serviços prestados a administração tributária considerou ser de acrescer a este último montante aquele valor indicado como sendo de venda de mercadorias a que aplicou o coeficiente de 65% resultando o rendimento líquido de 70.840,13 Euros, sendo certo que no decurso da acção inspectiva o contribuinte procedeu à regularização da suas anteriores declarações e que em relação ao ano de 2001 indicou os valores corrigidos pela AT e que em relação ao ano de 2002 indicou como prestação de serviços e outros rendimentos o montante de 128.948,82 Eur aos quais sendo aplicado o coeficiente de 0,65 resultou um rendimento líquido de 83.840,13 Eur.

A sentença entendeu serem de anular as liquidações resultantes das correcções efectuadas (liquidações nºs 2055000053056 e 20055000054040 por considerar, como se disse, que vindo provado que o contribuinte prestou serviços relacionados com a construção civil, na modalidade de empreitadas, nada obstava a que, encontrando-se devidamente discriminado nas facturas emitidas o material incorporado e dispondo o Impugnante de documentos de aquisição de materiais fosse aplicado o coeficiente de 0,20 correspondente à venda de mercadorias.

Mas cremos que não se mostra, no caso concreto, acertado o julgamento. Independentemente do facto de na actividade desenvolvida pelo sujeito passivo serem incorporados materiais, não subsiste dúvida que, em face da matéria de facto assente na sentença recorrida e designadamente das facturas juntas aos autos, a actividade consiste na prestação de serviços de construção civil e não de venda de materiais de construção civil. Sendo que, não obstante poder ser desenvolvida, simultaneamente com a actividade de prestação de serviços, uma actividade conexa de venda de materiais de construção, não é esse o caso dos autos: o sujeito passivo está enquadrado na atividade CAE supra referida que não compreende a venda de materiais, acrescendo que os materiais não são discriminados nas facturas onde apenas se refere “ Material” e o respectivo valor a seguir (vide fls. 58 a 74 dos autos) ainda que no livro de registo de compras com cópias a fls. 82 a 84 se surpreenda a entidade a quem foram adquiridos materiais sendo perceptível que são os normalmente utilizados na prestação de serviços em causa porque adquiridos em casas de tintas de extracção de areias etc.

Não olvidando que, nos termos do disposto no nº 1 do art. 3º do CIVA, se considera, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, no caso que nos ocupa o que foi facturado pelo sujeito passivo não foi a transmissão de quaisquer dos materiais constantes das especificadas fichas de obra, mas sim o resultado final decorrente da prestação de serviços: ou seja, o valor facturado em cada uma das ditas facturas respeita aos serviços prestados e não à venda de materiais de construção e prestação de serviços sendo irrelevantes para este efeito, os valores que o sujeito passivo discriminou como relativos a “ Material”.

Daí que, como igualmente aponta o Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, para efeitos de aplicação dos coeficientes previstos no apontado nº 2 do art. 31º do CIRS (na redacção então em vigor), releve a dita actividade desenvolvida pelo sujeito passivo (prestação de serviços), não influenciando essa qualificação, face aos factos provados, a circunstância de serem incorporados materiais fornecidos pelo prestador dos serviços, pois que estamos perante verdadeira prestação de serviços, ainda que com incorporação de bens previamente adquiridos.

E, portanto, subsumível à previsão da al. b) do nº 1 do art. 3º do CIRS.

Em suma, a decisão recorrida enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, carecendo, por isso, de ser revogada.

4-DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em, conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

Custas pelo recorrido, apenas em 1ª instância.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2016. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Casimiro Gonçalves.