Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0132/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ANULATÓRIA
TÍTULO EXECUTIVO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:I - É o título executivo que delimita o alcance e extensão da execução (artº 45º nº 1 do CPC).
II - Não se referindo a sentença que serve de título executivo a juros, com base nela não podiam ser arbitrados os juros indemnizatórios peticionados.
III - O artº 43º da LGT embora admita interpretação extensiva não opera no caso dos autos em que está em causa um recurso de contra-ordenação onde se obteve a sentença que agora se pretende executar visando-se não a impugnação de qualquer acto tributário de liquidação, mas sim a anulação de um despacho que fixou uma coima à ora recorrente. A interpretação extensiva do preceito admitida, supra referida, e ainda que o mesmo artigo se pudesse aplicar ao caso dos autos, não podia ir tão longe que pudéssemos considerar estar nele prevista a anulação do dito despacho administrativo, por não ter na lei um mínimo de correspondência verbal (artº 9º nº 2 do CC).
V - O artº 100º da LGT ao estabelecer a obrigatoriedade de pagamento de juros indemnizatórios, também para os recursos, não se aplica ao caso dos autos em que está em causa um recurso de contra-ordenação no qual foi decidido anular o despacho que fixou uma coima, desde logo porque o RGIT não remete para a LGT sendo certo que os recursos ali referidos são as reclamações do órgão de execução fiscal, originariamente previstos no artº 355º do CPT.
VI - No caso a recorrente só poderá obter indemnização por juros indemnizatórios se procurar fazer valer os seus eventuais direitos por responsabilidade civil extracontratual no foro próprio.
Nº Convencional:JSTA00067229
Nº do Documento:SA2201111160132
Data de Entrada:02/17/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2010/11/02 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO
Legislação Nacional:LGT98 ART43 N1 ART100
CCIV66 ART483 ART562 ART563 ART564
CPC96 ART45 N1
RGIT01 ART3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1003/08 DE 2009/02/11; AC STA PROC350/06 DE 2006/05/03
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 - RELATÓRIO
A……, veio instaurar acção executiva contra a Fazenda Pública pedindo que a Administração Tributária fosse condenada a pagar a quantia de Eur. 2.461,78 acrescida de juros compensatórios à taxa de 4% desde a data do seu pagamento, 22/12/2003 até integral restituição.
Por decisão judicial de 02/11/2010 foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao pedido de condenação da Administração Tributária ao pagamento de Eur. 2.461,78 e improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado.
Não se conformando recorreu para este STA apresentando alegações com as seguintes conclusões:
a) A douta decisão recorrida incorre em erro de julgamento e viola o disposto nos artigos 43° e 100° da Lei Geral Tributária, em matéria de juros indemnizatórios;
b) A Recorrente foi arguida no Processo de Contra-Ordenação n° 3107- 02/600976.0 no âmbito do qual lhe foi aplicada coima no valor de 26.587,00 €; por alegada entrega de declaração de periódica de IVA relativa ao mês de Setembro de 2001 sem meio de pagamento suficiente para a totalidade do imposto apurado;
c) A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Tributário de Lisboa, que correu termos na 2ª Unidade Orgânica sob o n.° de Proc. 1419/06.9 BELSB, o qual mereceu provimento por sentença datada de 12/05/2009, que anulou a coima fixada;
d) Entretanto, a Recorrente foi notificada para pagar, no âmbito do mesmo processo de contra-ordenação, a quantia de 2.461,78 €, paga em 22/12/2003, e a quantia de 24.169,72€, paga em 17/11/2005;
e) Ficou demonstrado em juízo que a Recorrente, em 27/12/2002, regularizou a sua situação fiscal relativa àquele imposto ao abrigo do regime excepcional de regularização de dívidas do DL 248-A/2002, de 14 de Novembro, tendo naquela data pago o imposto devido e coima no valor de 2.461,78 €;
f) A decisão de fixação de coima foi anulada porque se demonstrou que o montante de 2.461,78 €, genericamente designado por «taxa de justiça» engloba, em bom rigor, as custas devidas (1% da quantia exequenda: 1.230,89 €) e a coima devida com beneficio da redução de 10% do mínimo legal cominado (10%), ou seja, 1.230,89 € (1 %), nada mais sendo devido pela Recorrente;
g) A designação de "taxa de justiça" foi inscrita pela Administração Tributária, não sendo imputável à Recorrente, que se limitou a liquidar os montantes que por esta lhe foram apresentados;
h) Foram restituídas à Recorrente a quantia de 24.169,72 € paga em 17/11/2005 quatro anos após o pagamento, isto é, em 29/10/2009, e a quantia de 2.461,78 € paga em 22/12/2003, sete anos após o pagamento, isto é, em 30/04/2010.
i) As coimas e respectivos pagamentos tiveram lugar apenas por erro imputável à Administração Tributária;
j) O entendimento do Ilustre Tribunal "a quo" sobre a (in)aplicabilidade do regime do artigo 43° da LGT não se mostra consentâneo com o disposto na sua redacção nem com os princípios gerais de direito;
k) Afigura-se redutor o entendimento de que no processo principal não está em causa uma divida tributária, pois a acção executiva em que foi proferida a douta sentença ora recorrida, resulta de uma sequência de actos que tiveram origem numa dívida tributária da Recorrente;
l) Acresce que a alínea b) do artigo 43° da LGT estatui a obrigatoriedade de pagamento de juros em caso de anulação do acto tributário, devendo entender-se que na previsão da norma cabem também os casos em que a anulação resulta de sentença proferida em juízo;
m) Não surgem dúvidas de que houve erro imputável à Administração Fiscal na fixação da(s) coima(s), pois se assim não fosse, nunca a decisão de aplicação da coima teria sido revogada, como foi, acrescendo que é a própria Administração Tributária a reconhecer, por escrito, que a Recorrente foi notificada por erro do sistema;
n) Ainda que não se entenda ser aplicável o artigo 43° da LGT, estatui o artigo 100° do mesmo diploma que em caso de procedência de recurso, deve ser reposta a legalidade da situação, pagando juros indemnizatórios, se for caso disso;
o) O efeito directo do facto (danoso) gerador de responsabilidade civil é a obrigação de indemnização - artigo 483° do Código Civil - sendo indemnizáveis, não só os prejuízos sofridos, como os benefícios que se deixaram de obter;
p) Em função do erro Administração Fiscal, ficou a Recorrente desprovida dos mesmos exactos fundos que disponibilizou para pagar a coima que lhe foi indevidamente aplicada, sem deles poder dispor e dos frutos civis que poderiam ter gerado;
q) A sentença que anula a decisão de aplicação de coima deve servir de título executivo para o efeito jurídico nela visado: a reposição da situação anterior ao pagamento - indevido - da coima, com a necessária devolução/restituição pela administração tributária do que houver sido prestado e respectivos juros indemnizatórios;
r) A não ser assim, estaremos perante uma sentença de anulação do despacho que manda aplicar a coima coarctada de parte substancial do seu conteúdo e efeito útil, verdadeiramente inócua face à situação material controvertida;
s) A decisão recorrida padece assim de erro de julgamento e viola, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigo 43°, n.° l e 100° da LGT, e bem assim o disposto nos artigos 483°, 562°, 563° e 564° do Código Civil, que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar que a anulação da decisão de aplicação de coima por erro imputável à Administração Tributária implica necessariamente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios;
Termos em que, nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que, considerando ter havido erro da Administração Tributaria na aplicação à Recorrente das coimas referidas, ordene o prosseguimento da acção executiva tendo por objecto o pagamento coercivo de juros indemnizatórios à Recorrente, à taxa legal aplicável, sobre a quantia de 24.169,72 € entre a data do seu pagamento, 17/11/2005, e a data da sua restituição, 29/10/2009, e ainda sobre a quantia de 2.461,78 €, desde a data do seu pagamento, 22/12/2003 e a data da sua restituição, 30/04/2010, no montante, respectivamente, de 3.822,13 € e 626,44 €, com o que farão a costumada Justiça!
Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:
A - A título de taxa de justiça e de coima, em 22/12/2003 a ora Recorrente Jurisdicional pagou a quantia de 2 461,78 €, a qual lhe foi devolvida em 30/04/2010, pois esse valor já fora anteriormente pago e para os mesmos fins.
B - A título de coima, em 17/11/2005 a ora Recorrente Jurisdicional pagou a quantia de 24 159, 72 €, a qual lhe foi devolvida em 29/10/2009, pois esse valor não era devido.
C - Em consequência e porque a ora Recorrente Jurisdicional foi reembolsada da quantia de 2 461,78 €, em 30/04/2010, restam os pedidos residuais correspondentes à actualidade e que consistem em: C. l - Pagamento dos juros compensatórios incidentes sobre a quantia de 2 461, 78 €, à taxa de 4%, desde 22/12/2003 até 30/04/2010;
C. 2 - Pagamento dos juros compensatórios incidentes sobre a quantia de 24 169, 72 € à taxa de 4%, desde 17/11/2005 até 29/10/2009.
D - Da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo extrai-se, em síntese, o seguinte:
D. l - A ora Recorrente Jurisdicional foi arguida num processo de contra-ordenação em que lhe foi aplicada uma coima no valor de 26 587,00 €; todavia e como desfecho de subsequente recurso para o Tribunal Tributário de Lisboa, este anulou aquele despacho de fixação de coima;
D. 2 - A ora Recorrente Jurisdicional foi reembolsada de todas aquelas quantias;
D. 3 - Porque a Administração Tributária não foi condenada no pagamento de qualquer quantia, mas apenas à devolução das quantias pagas indevidamente a título de coima e de taxa de justiça, mostra-se cumprida a Sentença objecto da execução originadora destes autos, não sendo devidos quaisquer juros indemnizatórios; isto porque, segundo consta de fls. 4 da Sentença objecto do presente Recurso Jurisdicional, "apenas há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios quando se determine em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial (tendo por objecto a liquidação de imposto) que se verificou um erro imputável aos serviços da Administração Fiscal num acto de liquidação dum tributo e que do mesmo resulte o pagamento indevido duma prestação tributária (liquidação de imposto) ...". E - Com efeito, o caso sub judice não se subsume à interpretação conjugada dos art.s 43° n° 1 e 100°, ambos da LGT, uma vez que:
E. 1 - Não se está perante um Imposto, nem na fase da determinação da matéria tributável, nem na fase de liquidação e, de igual modo, nada ocorreu em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial;
E. 2 - Tratou-se apenas, da impugnação duma coima em que o Tribunal determinou a anulação do respectivo acto sancionatório, o que acarreta, como consequência, a devolução dos quantitativos pagos a título de coima e a título de taxa de justiça.
F - Perante isto, a douta Sentença recorrida só poderia terminar duma única forma, conforme veio a acontecer, efectivamente: a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nada existindo contra aquela, porquanto a mesma se limitou a aplicar a lei. Em face do exposto, deverá:
- Negar-se total provimento ao presente Recurso Jurisdicional, porque totalmente carecida de qualquer apoio legal.
E, em consequência,
- Manter-se integralmente a Sentença recorrida, com as necessárias consequências jurídicas.
O Exmo Procurador Geral Adjunto, neste STA, não emitiu parecer no entendimento de que não estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores referidos no artº 9º nº 2 CPTA (artº 146º nº 1 in fine CPTA):
Foram colhidos os vistos legais.
2 - Fundamentação:
A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos:
1. A ora exequente foi arguida no processo de contra-ordenação n.° 3107-02/600976.0 instaurado pelo serviço de finanças de Lisboa - 8, no qual foi decidida a aplicação de coima no valor de EUR 26.587,00 (cf. autos de recurso de contra-ordenação apensos, designadamente a fls. 88-89 onde consta a decisão de condenação ao pagamento de contra-ordenação).
2. Da decisão de aplicação da contra-ordenação a ora exequente interpôs recurso para o Tribunal tributário de Lisboa, tendo o mesmo corrido termos naquele Tribunal sob o n.° 1419/06.9 BELSB, no qual pediu, a final, a anulação da decisão que aplicou a coima no montante de EUR 26.587,00 e a anulação dos termos subsequentes do processo, assim como a aceitação do "pagamento da coima, já efectuado como totalidade da dívida" (cf. requerimento inicial do recurso, a fls. 92-104 dos autos de recurso de contra-ordenação apensos).
3. Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 25 de Maio de 2009 e transitada em julgado, o recurso de contra-ordenação n.° 1419/06.9 BELSB foi julgado procedente, tendo sido anulado o despacho de fixação de coima recorrido, resultando da matéria de facto provada que em 27 de Dezembro de 2002 a ora exequente procedeu ao pagamento do montante de EUR 2.461,78 referentes a "taxa de justiça", mais resultando da fundamentação de direito que desse montante a quantia de EUR 1.230,89 corresponde, ao montante devido a título de coima pelo pagamento extemporâneo de IVA do período de Setembro de 2001, atenta a redução de 10% prevista no art. 3°, n.° 2 do DL 248- A/2002, mais se concluindo que "a coima fixada no despacho recorrido foi paga em 27 de Dezembro de 2002, nos termos do regime excepcional de regularização de dívidas fiscais regulado no DL 248-A/2002, de 14 de Novembro, pelo que o mesmo deve ser anulado" (cf. sentença a fls. 194-203 dos autos de recurso de contra-ordenação apensos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 30 de Abril de 2010, a Administração tributária efectuou o reembolso da quantia de EUR 2.461,78 à ora exequente (cf. fls. 61, dos autos).
5. O requerimento inicial do presente processo de execução deu entrada no Tribunal em 18 de Março de 2010 (cf. carimbo aposto a fls. 2, dos autos).
3 - DO DIREITO:
Para se decidir pela extinção da instância, considerou a decisão recorrida o seguinte:
“(…)Vem a impugnante pedir que a Administração tributária seja condenada a pagar-lhe a quantia de EUR 2.461,78 acrescida de juros compensatórios à taxa de 4% desde a data do seu pagamento, em 22/12/2003, até integral restituição, e juros compensatórios sobre a quantia de EUR 24.169,72, entre a data do seu pagamento, em 17/11/2005, e a data da sua restituição, em 29/10/2009.
Cumpre apreciar e decidir.
No processo principal apenso aos presentes autos, estava em causa a apreciação do despacho que aplicou à ora exequente uma contra-ordenação no montante de EUR 26.587,00, por pagamento extemporâneo do IVA respeitante ao período de Setembro de 2001, tendo a mesma sido anulada por se considerar que a coima tinha já sido paga em 27 de Dezembro de 2002.
Assim sendo, e ao contrário do que alega a exequente, a Administração tributária não foi condenada ao pagamento de qualquer quantia, e muito menos foi apreciada a bondade de qualquer decisão de liquidação de imposto, o que, aliás não se revelaria adequado ao meio processual em causa.
Ainda que se considere que da decisão proferida decorria a necessidade de reembolso pela Administração tributária à exequente da quantia de EUR 2.461,78, o facto é que tal quantia foi já restituída em 30 de Abril de 2010, como resulta provado nos presentes autos.
Assim sendo, e porque no processo principal não estava em causa o pagamento de qualquer dívida tributária, não há lugar à aplicação do disposto nos arts. 43°, n.° l e 100.°, ambos da LGT, devendo considerar-se cumprido o ordenado na sentença cuja execução ora se pretende, não sendo devidos os juros indemnizatórios peticionados pela exequente.
De facto, apenas há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios quando se determine em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial (tendo por objecto a liquidação de imposto) que se verificou um erro imputável aos serviços da Administração Fiscal num acto de liquidação de um tributo e que do mesmo resulte o pagamento indevido de uma prestação tributária (liquidação de imposto), como aliás resulta da interpretação jurisprudencial constante efectuada ao disposto no art. 43°, n.° l, da LGT pelo STA (cf. neste sentido designadamente, acórdãos proferidos em 20-10-2010, no proc. 0495/10, e em 03-05-2006, no proc. 0350/06, ambos in www.dgsi.pt/jsta).(...)”.
DECIDINDO NESTE STA
No presente caso, uma vez que já tinham sido devolvidas à recorrente as quantias indevidamente pagas a título de coima e custas, entendeu a decisão recorrida que ocorria inutilidade superveniente da lide o que determinou a declaração de extinção da presente instância. Mais, julgou improcedente o pedido de juros.
Para aquilatar da bondade da decisão recorrida está em causa saber se como defende a recorrente a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e viola, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigo 43°, n.° l e 100° da LGT, e bem assim o disposto nos artigos 483°, 562°, 563° e 564° do Código Civil .
Cremos que não lhe assiste razão, como procuraremos demonstrar.
Em primeiro lugar, devemos atentar que estamos no âmbito de uma acção executiva interposta pela ora recorrente contra a Fazenda Pública em 18/03/2010 depois de obter a seu favor, em 25/05/2009, sentença em recurso de decisão de aplicação de coimas onde se decidiu: “Pelo exposto: Julgo o presente recurso procedente, pelo que anulo o despacho de fixação de coimas recorrido” .
Lembramos que estava em causa o despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto que aplicara à ora exequente a coima de 26.587 Euros por a mesma não ter enviado meio de pagamento suficiente para pagamento do IVA autoliquidado na declaração periódica de Setembro de 2001 e que no âmbito do respectivo processo (processo de contra-ordenação 3107-02/600976,0) a arguida pagara a título de custas, em 22/12/2003, a quantia de 2.461,78 Euros- conf. Fls. 5 dos autos). Ao caso aplica-se o RGIT (Regime Jurídico das Infracções Tributárias) aprovado pela Lei 15/2001 de 05/06.
Imediatamente verificamos que o título executivo base da presente acção não contém qualquer condenação da fazenda Pública em juros.
Logo, sendo exacto que é o título executivo que delimita o alcance e extensão da execução (artº 45º nº 1 do CPC) com base nele não podiam ser arbitrados os juros peticionados pelo singelo motivo de que o título não se refere aos mesmos.
Por aqui falece razão à recorrente.
Mas será que decorre da lei, por si própria, e considerando os contornos fácticos do caso, qualquer dever de a Administração Tributária pagar juros os invocados “juros compensatórios” agora pedidos pela exequente relativos às quantias que entretanto reembolsou à ora recorrente na sequência da decisão judicial, supra referida, que anulou o despacho de fixação de coimas recorrido?
Previamente se dirá que, atenta a referência da exequente a “Juros compensatórios” devemos precisar que a entendemos como referindo-se a “juros indemnizatórios” os quais tendo idêntica natureza, à dos juros compensatórios (a de uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual) no rigor dos conceitos divergem, correspondendo os juros compensatórios à indemnização que é devida pelo sujeito passivo à Administração, enquanto que os juros indemnizatórios equivalem à indemnização que esta deve pagar ao contribuinte. Tal divergência não obsta a que se entenda, com o necessário suprimento, o alcance do pedido de juros efectuado pela ora recorrente.
Efectuado este reparo impõe-se responder à questão equacionada.
Cremos que, no caso concreto, não assiste à recorrente o direito, derivado da lei, de receber os peticionados juros indemnizatórios sobre os quais o título executivo não se pronunciou.
Em causa está saber se deve acolher-se a interpretação proposta pela recorrente relativamente aos ditos artºs 43º nº 1 e 100 da LGT, impondo-se ainda questionar da própria aplicabilidade dos preceitos.
Dispõem estes preceitos, respectivamente, o seguinte:
«São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
E
“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
A interpretação do primeiro dos preceitos não levanta dificuldades de monta e sobre a mesma já se debruçou este STA, por exemplo no acórdão de 03/05/2006 tirado no recurso nº 0350/06, disponível no site da DGSI, onde se escreveu:
“Ora, como se alcança da predita disposição legal o erro de facto ou de direito, imputável aos serviços, terá de ser determinado, na apreciação e decisão dos processos de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, nos termos precisos do cit. nº 1 do artº 43º da LGT, na medida em que estiver em discussão a (i)legalidade de uma liquidação.
Aliás, é isto mesmo que nos ensina o Ilustre Conselheiro Jorge Sousa na obra supra citada (vide cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5ª edição).
Na verdade e muito embora o mesmo refira que as expressões “reclamação graciosa” e “impugnação judicial” não devam ser interpretadas literalmente, como referências aos tipos de processos tributários que têm essas designações, mas sim extensivamente, por forma a abranger outros meios processuais, a verdade é que acrescenta, também, que “parece que as ditas referências a reclamação graciosa e a impugnação judicial não deverão ser interpretadas como reportando-se aos processos tributários que têm essa designação, mas como referência aos meios administrativos e contenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para impugnação dos actos de liquidação” (ob. cit. pág. 301)”.
É exacto e objectivo que com o recurso de contra-ordenação onde se obteve a sentença que agora se pretende executar visou-se não a impugnação de qualquer acto tributário de liquidação, mas sim a anulação de um despacho que fixou uma coima à ora recorrente. A interpretação extensiva do preceito tolerada, supra referida, ainda que se admitisse a aplicabilidade do preceito ao caso dos autos, nunca poderia ir tão longe que pudéssemos considerar estar nele prevista a anulação do dito despacho administrativo, por não ter na lei um mínimo de correspondência verbal (artº 9º nº 2 do CC).
Por aqui nunca podia ser concedida razão à contribuinte.
Mas será que o artº 100º da LGT autoriza a pretensão da recorrente?
O artº 100º da LGT ao estabelecer a obrigatoriedade de pagamento de juros indemnizatórios a partir do termo do prazo de execução da decisão, também para os recursos, tem um campo de aplicação distinto do caso dos autos, em que na génese do presente pedido de execução de julgados está um recurso de contra-ordenação ganho pela exequente. Tal campo de aplicação é o da reclamação dos actos do órgão de execução fiscal que teve a sua sede originária no artº 355º do CPT onde se lia em epígrafe “Recurso das decisões da administração fiscal”. Ora, no nosso caso temos um recurso de contra-ordenação prevista e punida pelo RGIT, regulamento que não prevendo em si próprio a atribuição de juros indemnizatórios em caso de anulação da coima, também não nos remete para a LGT, (vide artº 3º do RGIT) o que acarreta por consequência e, não se pondo em causa que em sede de princípio geral quem sofre um dano tem direito à reposição da situação que existiria se esse dano não se tivesse verificado (artºs 483°, 562°, 563° e 564° do Código Civil), que a recorrente a ter tido o dano que invoca só possa ter direito a indemnização por juros indemnizatórios se procurar fazer valer os seus eventuais direitos por responsabilidade civil extracontratual no foro próprio.
Aqui chegados não importa sequer esclarecer a expressão algo equívoca do preceito quando refere “ (…) compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão” sobre a qual este STA já teve oportunidade de se pronunciar, no Ac. de 11/02/2009 tirado no recurso nº 01003/08.
Com este entendimento de não aplicabilidade, designadamente do artº 100º da LGT, ao caso dos autos, que resulta da confrontação do teor artº 3º do RGIT o qual estabelece:
São aplicáveis subsidiariamente:
a) Quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar;
b) Quanto às contra-ordenações e respectivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social;
c) Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar;
d) Quanto à execução das coimas, as disposições do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Acolhemos pois, os considerandos em que se baseou a decisão recorrida para julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, (relativamente à impetrada quantia de 2.461,78 Euros que foi paga na pendência do processo) e julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado a qual é de confirmar, com a presente fundamentação, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
4-DECISÃO:
Pelo exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. - Ascensão Lopes(relator) - Valente Torrão - António Calhau.