Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0583/14
Data do Acordão:10/09/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:AUTARQUIA LOCAL
CONTENCIOSO ELEITORAL
PRAZO DE CADUCIDADE
INÍCIO DO PRAZO
Sumário:I - O «prazo de caducidade» que é previsto no artigo 98º, nº2, do CPTA, deve considerar-se iniciado com o conhecimento pelos autores, membros do órgão em que ocorreu a eleição e aí presentes nesse momento, do resultado da eleição para vogais da junta de freguesia, independentemente da aprovação ou não da acta respectiva.
II - Isto significa, no caso, que tendo ocorrido essa eleição, com a presença dos autores, no dia 06.11.2013, no dia 18.11.2013, data em que foi intentada a «intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias», o prazo de propositura da «acção urgente de contencioso eleitoral» já tinha caducado, pelo que a convolação para o meio próprio é juridicamente inviável.
Nº Convencional:JSTA00068939
Nº do Documento:SA1201410090583
Data de Entrada:09/01/2014
Recorrente:FREGUESIA DE VITORINO DAS DONAS E OUTROS
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPTA02 ART59 ART98 N2 N3.
CPA91 ART27 ART122.
L 169/99 DE 1999/09/18 ART8 ART9.
L 5-A/02 DE 2002/01/11.
L 75/13 DE 2013/09/12 ART57.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 10ED PAG257.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. FREGUESIA DE VITORINO DAS DONAS e outros, devidamente identificados nos autos, interpõem recurso de revista do acórdão em que o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE[TCAN] decidiu conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto por A…………. e B………….., e, nessa conformidade, revogar a sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA [TAF/Braga] «no segmento em que considerou ocorrer impossibilidade de convolação da impugnação por intempestividade da sua dedução» e «determinar a remessa dos autos ao TAF para prosseguimento com a devida instrução/apreciação dos autos em conformidade com o julgado, se a tal nada entretanto obstar».

Concluem as suas alegações de «revista» formulando as seguintes conclusões:

1- A admissão do presente recurso de revista justifica-se quer pela sua relevância jurídica, quer pela necessidade de uma melhor aplicação do direito;

2- Trata-se de matéria relacionada com prazo de caducidade para dedução do processo urgente de contencioso eleitoral previsto no CPTA, cuja resolução é necessária para esclarecer dúvidas que subsistem quanto a determinar o momento relevante para o início da respectiva contagem, contribuindo para a segurança e a certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito Democrático, para os aplicadores legais, operadores judiciários e interessados que procuram tutela junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

3- Está em causa uma questão de correcta interpretação e aplicação da lei, de compatibilização da solução consagrada no artigo 98°, nº2, do CPTA, com as disposições do CPA, da Lei das Autarquias Locais e da Lei nº75/2013, de 12.09, sendo que, tanto quanto se saiba, a mesma não foi ainda objecto de apreciação, sendo que coloca problemática que ultrapassa os limites do interesse do caso concreto, já que será certamente suscitada em inúmeros casos concretos de teor análogo e que, por isso, é de todo o interesse esclarecer e clarificar;

4- O assunto reveste-se de importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica e social, desde logo pelo facto de a solução aplicada ao presente pleito poder facilmente conduzir a um bloqueio total do funcionamento das autarquias e respectivos órgãos, maxime, das freguesias, e por ter repercussão directa na vida das populações e nos respectivos direitos eleitorais;

5- A natureza deste tema engloba um conjunto de questões e conceitos de grande importância e complexidade e enorme relevância jurídica, que relevam para a certeza ou determinabilidade do direito e se encontram directamente relacionados com interesses especialmente importantes da comunidade, sendo que em casos anteriores em que se discutia matéria eleitoral e questões ligadas ao funcionamento dos órgãos eleitorais este STA decidiu encontrarem-se preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revista previstos no artigo 150º do CPTA;

6- O acórdão recorrido assenta em «erro nos pressupostos de facto», uma vez que a respectiva decisão se baseou no facto de considerar que não existiam elementos que permitissem aferir se e quando a acta da reunião de 06.11.2013, na qual o acto impugnado fora praticado, havia sido aprovada, sendo que o prazo de impugnação do mesmo se desencadearia com tal aprovação;

7- Conforme se vê da acta da reunião de 06.11.2013, a mesma foi lida e assinada por todos os eleitos presentes no final da reunião, ou seja, dos presentes após o abandono da mesma pelos membros eleitos pelas listas do PPD/PSI e do Movimento 51, o que significa que a mesma foi elaborada no final da reunião, lida e assinada por todos os presentes, que a aprovaram, assim, por unanimidade, o que os mesmos quiseram efectivamente;

8- A regra é que as actas dos órgãos das autarquias locais devem ser lavradas e aprovadas no final da respectiva sessão ou reunião;

9- A elaboração/aprovação da acta constitui requisito da eficácia dos actos praticados por órgão colegial de forma oral, e não requisito da sua existência ou validade;

10- A acta de 06.11.2013 foi aprovada na reunião realizada nessa mesma data, e de que os actos nela praticados, particularmente da eleição dos vogais da Junta de Freguesia, à qual os recorridos assistiram, tornaram-se eficazes nessa mesma ocasião [artigo 57º, nº4, do Anexo I à Lei nº75/2013, de 12.09], desencadeando, simultaneamente o início do prazo de impugnação previsto no artigo 98º nº2 do CPTA;

11- Os próprios recorridos assim o entenderam, face aos processos judiciais por eles mesmos instaurados e ainda pendentes em que questionam a validade dos actos praticados na reunião de 06.11.2014;

12- A decisão proferida pelo TCAN está eivada de erro de julgamento e viola a lei substantiva, na parte em que considerou que o acto impugnado apenas adquiriria eficácia com a aprovação da acta da reunião na qual ele teve lugar, e que apenas nesse momento começaria a correr o prazo previsto para a sua impugnação através da acção de contencioso eleitoral [artigo 98º nº2 do CPTA];

13- O acto eleitoral ora impugnado tornou-se imediatamente eficaz, independentemente da sua«aprovação em acta», pelo que o prazo de impugnação se iniciou com o simples conhecimento, pelos interessados, maxime, os recorridos, ou seja, nesse mesmo momento;

14- A tese do acórdão do TCAN não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência, sendo que o citado artigo 98º nº2 do CPTA não deixa margem para dúvidas quando estabelece expressamente que o referido prazo se conta a partir «da data em que seja possível o conhecimento do acto ou da omissão»;

15- A ratio legis subjacente ao preceito, tendo em conta que se trata de processo urgente, é a de permitir acorrer, no mais breve lapso temporal possível, a situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos fundamentais salvaguardados pela CRP, o que precisamente pode justificar um aligeiramento das formalidades/requisitos exigidos nos processos não urgentes, em detrimento da celeridade processual necessária à protecção de interesses de extrema relevância, e à rápida resolução de situações cuja estabilidade há que assegurar evitando bloqueios de funcionamento de órgãos, situações de incerteza e desprotecção dos membros da comunidade, maxime dos eleitores;

16- Não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que «não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», ainda que imperfeitamente expresso, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9º nºs 2 e 3 do CC], deve entender-se que a única interpretação juridicamente admissível do artigo 98º, nº2, do CPTA, é a de que o prazo neste consagrado se inicia quando os interessados na impugnação do acto o possam conhecer, e isto independentemente de quaisquer condições adicionais, como requisitos integrativos de eficácia, como a alegada aprovação em acta;

17- Tratando-se de um processo de impugnação urgente, e por isso sujeito a regime especial, as disposições que constam dos artigos 97º a 99º CPTA prevalecem sobre as disposições gerais que regem os processos de impugnação não urgentes, maxime, as dos artigos, 51º, 54º nº1 b), e 59º nº3 c), CPTA, pelo que, havendo uma norma que estabelece uma solução específica para o processo urgente, como o artigo 98º nº2 do CPTA, deve tal solução prevalecer sobre as regras gerais dos processos impugnatórios não urgentes;

18- A posição adoptada pelo TCAN corresponde a paradigma ultrapassado e que não encontra actualmente enquadramento legal no CPTA, desde logo porquanto o critério actual em questão de impugnabilidade de actos administrativos é o da «eficácia externa», isto é, na produção de efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e particulares, por forma a que o interessado tenha interesse em remover os efeitos que projecta na sua esfera jurídica, através da respectiva declaração de nulidade ou anulação -artigo 51º do CPTA e 268º nº4 da CRP;

19- Da aplicação das normas invocadas pelo TCAN [artigos 51º, 54º nº1 b), e 59º nº3 c), do CPTA] resulta que, constituindo o acto eleitoral em apreço um acto com eficácia externa, e face a uma situação de efectiva ameaça de lesão, o início do prazo para interpor a acção de contencioso eleitoral iniciou-se com o conhecimento do acto, tornando-se passível de impugnação imediata, ainda que se considerasse, que não se concede, que o mesmo teria de ser sujeito a aprovação em acta, como condição da sua eficácia;

20- No caso, não está em causa qualquer deliberação, mas sim uma eleição, sendo certo que o acto eleitoral não configura qualquer tipo de deliberação carecida de aprovação em acta para produzir efeitos, não lhe sendo portanto aplicável o artigo 57º nº4 da Lei nº75/2013 invocado pela 2ª instância;

21- Trata-se de caso especial, cujo regime deve ser analisado em conjugação com disposições aplicáveis da Lei nº169/99 [na versão actualizada de acordo com a referida Lei 75/2013]–artigos 9º nº5, 11º nº1 e 79º - das quais resulta que o acto eleitoral impugnado adquiriu eficácia externa, traduzida no conhecimento por parte dos interessados, uma vez que o conteúdo se tornou efectivamente obrigatório, na medida em que seus efeitos se começaram a produzir na data da sua emissão;

22- Das disposições referidas decorre que a intenção do legislador foi a de evitar bloqueios no funcionamento dos órgãos, o que determinou que o mesmo adoptasse soluções que implicam que os actos que pudessem perturbar o funcionamento da Assembleia de Freguesia produzam efeitos imediatos, independentemente de qualquer outro requisito ou condição integrativa de eficácia;

23- Porque o intérprete deverá reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico [artigo 9º nº1 do CC], a solução da eficácia imediata com o conhecimento do acto a que se refere o artigo 98º nº2 do CPTA para efeitos de início de contagem do prazo de 7 dias é a única legalmente adequada e admissível, enquanto aquela que concretiza a ratio legis subjacente à norma;

24- Solução contrária pode conduzir a resultado que o legislador pretendeu evitar, de completo bloqueio do funcionamento dos órgãos da autarquia, maxime, Assembleia de Freguesia, e com repercussões inaceitáveis, designadamente para todos os que, democraticamente, elegeram os seus representantes, produzindo consequências gravosas na vertente social, atendendo aos efeitos no meio em que ocorre e à alteração que pode significar à decisão dos eleitores ou às regras legais da substituição;

25- Tendo-se o prazo de caducidade previsto no artigo 98º nº2 do CPTA iniciado a 06.11.2013, data da reunião da Assembleia de Freguesia onde foi praticado e onde os recorridos tomaram conhecimento do acto aqui impugnado, e tendo sido interposta a intimação no dia 18.11.2013, o prazo de sete dias previsto tinha já decorrido na totalidade, o que obsta à convolação oficiosa para a forma processual adequada;

26- Salvo devido respeito, o acórdão recorrida não fez uma correcta aplicação do direito, tendo violado, pois, as disposições previstas nos artigos 98º nº2, 51º, 54º nº1 b), e 59º nº3 c), 97º a 99º do CPTA, 9º do CC e 57º nº4 do Anexo I à Lei nº75/2013, de 12.09.

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido bem como a procedência da questão da caducidade do direito de acção dos ora recorridos.

2. Os recorridos apresentaram contra-alegações, formulando as conclusões que seguem:

1- Os aqui recorridos, vêm apresentar as suas contra-alegações, após terem sido notificados do recurso interposto pelos recorrentes, dentro do prazo e tendo legitimidade;

2- Após o acórdão do TCAN, que veio revogar parcialmente a sentença do TAF, e ordenou a convolação da acção em contencioso eleitoral, por legalmente e tempestivamente instaurada no prazo de 7 dias previsto no 98º do CPTA;

3- Os recorridos apresentaram a presente acção, a qual o TCAN ordenou a convolação acção de contencioso eleitoral, que corre termos nestes autos, na qual invocam: a ilegalidade e invalidade da convocatória para o acto de eleição do funcionamento da Assembleia de Freguesia; a ilegalidade e invalidade da eleição dos vogais da Junta de Freguesia; a ilegalidade e invalidade acta referente à eleição dos vogais da Junta de Freguesia do dia 06.11.2013;

4- Todos estes actos praticados pelos recorrentes são contínuos e interligados, não podendo ser impugnados de forma autónoma, porquanto a aplicação dos princípios da impugnação unitária e da aquisição progressiva dos actos;

5- O acto eleitoral dos vogais da Junta de Freguesia começou com a convocatória, passando pelo acto eleitoral de votação e apenas termina com a aprovação da acta, o que não aconteceu, conforme se pode verificada pela acta de dia 06.11.2013, que apenas «foi lida e assinada», sem que diga sequer «aprovada»;

6- Além disso, um novo facto: na reunião de 30.12.2014, os recorridos e os contra-Interessados reprovaram a acta da reunião de assembleia de freguesia de 06.11.2014, pela maioria de 4 votos de 7 votos no total;

7- A sentença do TAF veio, sem mais e oficiosamente, julgar liminarmente indeferida a presente acção de intimação de direitos, liberdades e garantias, decidindo «erro na forma do processo»;

8- Nesses termos, a douta sentença, decidiu ocorrer erro na forma de processo, impossibilidade de convolação por caducidade do direito de acção no âmbito do processo de contencioso eleitoral, indeferindo liminarmente a petição inicial apresentada, da qual os aqui recorridos interpuseram recurso de apelação para o TCAN;

9- Com efeito, pronunciando-se em concreto sobre a questão do termo inicial de contagem do prazo de impugnação de acto eleitoral relativo à eleição dos vogais de Junta de Freguesia, mormente, se o mesmo se inicia com o conhecimento da «prática do acto» ou com a aprovação da acta da reunião em que teve lugar a eleição;

10- Sustentando-se com uma decisão do TCAN de 09.06.2010, reiterando também aqui este entendimento, válido igualmente face ao que se preceitua actualmente no artigo 57º, nº4, ao Anexo I à Lei nº75/2013, de 12.09 [que veio estabelecer, nomeadamente, o regime jurídico das autarquias locais, revogando em parte a Lei nº169/99 – seus artigos 3º e 4º] temos que os autos, face aos elementos nele disponíveis naquele momento liminar, não habilitavam ou legitimavam a conclusão retirada na e pela decisão judicial recorrida porque se desconhecia à data quando havia sido aprovada e se havia sido aprovada sequer a acta relativa à reunião realizada em 06.11.2013;

11- Daí que se o nº2 do artigo 98º do CPTA tem que ser interpretado em conjugação com os artigos 51º, 54º, nº1 b), 59º, nº3 c), do mesmo Código, então, como foi referido supra, o conhecimento que faz desencadear o prazo de impugnação pressupõe que o início da contagem do prazo de impugnação previsto no nº2 do artigo 98º do CPTA não poderá ter lugar pelo simples conhecimento do acto eleitoral mas sim quando se mostrar aprovada a acta relativa à reunião na qual foi ou teve lugar o acto eleitoral em questão;

12- Ora tal realidade não se mostrava, nem se mostra como consensual e apurada nos autos, pelo que a decisão judicial recorrida que assim não cuidou e julgou não poderá manter-se, impondo-se a sua revogação nesse segmento dado o juízo de impossibilidade de convolação do meio de impugnação subjudice por intempestividade da dedução carecer de ser devidamente instruído, instrução essa a realizar pelo TAF;

13- Pelo exposto, o TCAN julgou parcialmente procedente o recurso jurisdicional, impondo-se a parcial revogação da decisão judicial recorrida, determinando a remessa dos autos ao TAF de Braga para prosseguimento com devida instrução/apreciação dos autos em conformidade com o ora julgado, se a tal nada entretanto obstar;

14- Os recorrentes recorrem para este STA, nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão do TCAN, alegando, em abono da admissão da revista, que se colocam nos presentes autos questões jurídicas que entende decididas pelo acórdão recorrido com manifesta violação de lei processual;

15- Ora, o artigo 150º nº1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo TCA possa haver excepcionalmente recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão da recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito»;

16- Na situação subjudice, e à luz da orientação jurisprudencial enunciada, entendemos que não se justifica a admissão da revista, considerando o nº2 do 98º tem que ser interpretado em conjugação com os artigos 51º, 54º nº1 b), 59º nº3 c), todos do CPTA, donde resulta que o conhecimento que faz desencadear o prazo de impugnação pressupõe, em princípio, que o acto tenha eficácia externa e interna;

17- A interpretação e solução jurídicas acolhidas pelo acórdão recorrido estão, aliás, de acordo com jurisprudência anterior deste STA sobre tal matéria, contrário à tese dos recorrentes, tem a jurisprudência o STA decidido relativamente aos actos eleitorais carecidos de homologação [ver Acs. de 02.07.98, Rº39233, de 08.07.99, Rº38.228, de 21.06.2001, Rº46.739, e de 13.02.2008, Rº0984/07];

18- A decisão recorrida, do TCA, não apresenta características de invulgaridade ou afastamento dos parâmetros comuns na decisão da questão da representação de pessoa colectiva, nem aspectos que imponham como necessária a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito, isto é, não se impõe claramente um juízo de prognose no qual a apreciação da questão apresente características capazes de se repercutir numa melhor administração da justiça;

19- Por esta razão não deverá ser admitida a revista, com os fundamentos expostos, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo artigo 150º n°1 do CPTA;

20- Quanto à questão dos autos, da convolação da acção de intimação de direitos, liberdade e garantias para acção de contencioso eleitoral, por tempestiva e dentro do prazo de sete dias, conforme o disposto no artigo 98º do CPTA, o STA e o TCA já tomaram as seguintes posições, no sentido do douto acórdão recorrido:

21- No Acórdão do STA de 02.07.98, Rº39233, de 08.07.99, Rº38228: Como é o caso, só com o acto homologatório se permitindo que se tornem efectivos os efeitos previstos ou derivados do acto principal – ver AC do STA, de 02.07.98, Rº39233 e AC do STA, de 21.06.2001, Rº46739. Assim, há-de questionar-se da sua lesividade, porque antes da homologação aprovação, a decisão que dela necessita não constitui um acto lesivo porquanto, carecendo de executoriedade, não é ainda susceptível de se repercutir na esfera jurídica do interessado e, portanto, não é ainda um acto contenciosamente recorrível, qualidade que só adquire com a homologação –ver AC do STA de 12.12.2003, Rº512/02 [ver no mesmo sentido: AC do STA, de 04.12.2003, Rº727/03, AC do STA/Pleno, de 12.05.99, AC do TCA de 10.04.2003... o acto eleitoral é um, mas só quando o processo eleitoral finda, com a homologação, é que surte efeito;

22- O acórdão do STA de 13.02.2008, Rº0984/07: Com efeito, tem procedência sobre a segunda questão, apurar se a tempestividade da acção deve ser aferida pela data de homologação do acto eleitoral… e a aludida questão está ligada à decisão sobre a impugnabilidade dos actos postos em causa na acção, … as leis portuguesas empregam a palavra homologação, é como parece claro, a homologação é um acto que se inclui na categoria de actos integrativos, ou seja, «aqueles cujo conteúdo consiste na atribuição de uma qualidade nova a outro acto» [Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo 1, página 286] «que completam actos administrativos anteriores» [Freitas do Amaral, Lições, III volume, página 139]. Foi também esta a orientação seguida pela Secção de contencioso administrativo deste STA, nos acórdãos de 02.07.98, Rº39.233, 08.07.99, Rº38.228 e 21.06.2001, Rº46.739 [in ap. ao DR de 24.5.2002, de 8.7.99 e 8.8.03, respectivamente], em situações paralelas;

23- No acórdão nº01564/06 do STA, 11.05.2006: Nos processos do contencioso eleitoral, que são processos urgentes, vigora o princípio da impugnação unitária o que significa que as ilegalidades do procedimento de formação e constituição do processo eleitoral podem ser impugnadas, aquando do ataque do acto final de homologação da eleição;

24- No Acórdão do TCAS de 08.10.2009, Rº0882/ 09: Na verdade, o facto de no artigo 97º do CPTA se referir a impugnação de actos administrativos em matéria eleitoral não significa que nesta matéria não vigore o princípio da impugnação unitária sem prejuízo de serem impugnáveis os actos intermédios do processo eleitoral, ou destacáveis tal como acontece nos outros procedimentos administrativos [ver nºs 1 e 3 do artigo 51º do CPTA aplicáveis por força do nº1 do seu artigo 97º e artigo 98º nº3 também do CPTA]. O que acontece e que estes actos só podem ser impugnados através da impugnação do acto final, tanto mais que o disposto nos artigos 97º a 99º do CPTA por um lado, não afasta as regras gerais de impugnação de actos administrativos, nem são com as mesmas incompatíveis, como resulta da remissão que na lei se faz para essas regras, nem, por outro, a exigência da homologação viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº4, da CRP, e no artigo 2º do CPTA, já que tal como acontece com os demais actos administrativos, se tomaria totalmente inútil a impugnação de um acto eleitoral não homologado, que assim careceria de eficácia. Em sentido idêntico ver Acs. deste TCA de 09.06.05, Rº00736/05 e de 11.05.06, Rº01564/06 e ainda Ac. do STA de 02.07.98, Rº039233. É que tal como se pronunciou o sumário do ora referido Ac. do STA de 02.07.98;

25- No Acórdão do TCAN de 17.01.2014, Rº02189/13.OBEPRT: A questão central a decidir relaciona-se com a procedência da excepção de caducidade do direito de acção que conduzia à absolvição da entidade demandada e dos contra-interessados da instância. Estamos no âmbito de uni processo de contencioso eleitoral, processo esse urgente no nosso regime jurídico-administrativo e previsto nos artigos 97º e seguintes do CPTA. Todavia, uma coisa é certa. A aptidão para produzir efeitos ocorre apenas a partir do momento em que a Recorrente toma conhecimento do total conteúdo do acto. Ora, assentando o acto revogatório impugnando numa alegada irregularidade na substituição do Sr. Presidente da Junta da Freguesia da Hora na reunião lectiva de 22.05.2013 e tendo só em 25.07.2013 a recorrente tido acesso ao documento [acta], então, tal como advoga, só nessa data tem a Recorrente os elementos que lhe permitem impugnar graciosa e/ou contenciosamente o acto revogatório. Tem assim razão a Recorrente quando argumenta que, de outro modo, seria forçada a impugnar [administrativa ou contenciosamente] algo cujos elementos essenciais/integrativos desconhecia;

26- No Acórdão do TCAN de 09.06.2010: O nº2 do artigo 98º prescreve que o prazo de sete dias para a propositura da acção impugnatória conta-se «da data em seja possível o conhecimento do acto ou da omissão». Afixação do termo a quo da contagem do prazo a partir da possibilidade de conhecimento do acto eleitoral, à primeira vista, pode legitimar a impugnação de um acto ineficaz. Assim ocorre com as deliberações dos órgãos colegiais, que têm os efeitos comprometidos enquanto não for aprovada a acta da reunião onde foram tomadas [ver artigos 27º, nº4, 122º, nº2, 129º, alínea c) do CPA e artigo 92º, nº4 do DL nº169/99]. Sendo a acta uma condição de eficácia, enquanto as deliberações tomadas na reunião não forem reduzidas a escrito jamais poderão produzir os seus efeitos directos. Deste modo, o nº2 do artigo 98º tem que ser interpretado em conjugação com os artigos 51º, 54º, nº1, nº1, 59°, nº3, alínea c), donde resulta que o conhecimento que faz desencadear o prazo de impugnação pressupõe, em princípio, que o acto tenha eficácia externa e interna: eficácia externa, porque o interessado dele teve conhecimento e eficácia interna, porque o seu conteúdo se tornou obrigatório, na medida em que seus efeitos se começaram a produzir [sobre a distinção, ver Colaço Antunes, Anulação administrativa ou nulla annullatio sine juditio, in CJA, nº79, páginas 4 e seguintes]. Neste sentido tem a jurisprudência o STA decidido relativamente aos actos eleitorais carecidos de homologação [ver Acs. de 02.07.98, Rº39233, de 08.07.99, Rº38.228, de 21.06.2001, Rº46.739, e de 13.02.2008, Rº00984J07];

27- Como resulta da Lei, nomeadamente do CPA, os órgãos só podem deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros, e sempre tem de ser lavrada uma acta, só podendo ser elabora acta em minuta se o órgão assim o deliberar, e só a partir da aprovação é que a acta e o seus actos adquirem eficácia – ver artigos 22º, 25º, 27º;

28- E, a Lei nº75/2013, de 12.09, dispõe que de cada sessão ou reunião é lavrada ata, a qual contém um resumo do que de essencial nela se tiver passado, indicando, designadamente, a data e o local da sessão ou reunião, os membros presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e deliberações tomadas e a forma e o resultado das respectivas votações e, bem assim, o facto de a ata ter sido lida e aprovada, sendo que as atas ou o texto das deliberações mais importantes podem ser aprovadas em minuta, no final das sessões ou reuniões, desde que tal seja deliberado pela maioria dos membros presentes, e só a partir daí adquirem eficácia – ver artigo 57º;

29- O nº2 do artigo 98º CPTA prescreve que o prazo de sete dias para a propositura da acção impugnatória conta-se «da data em seja possível o conhecimento do acto ou da omissão». A fixação do termo a quo da contagem do prazo a partir da possibilidade de conhecimento do acto eleitoral, à primeira vista, pode legitimar a impugnação de um acto ineficaz;

30- Assim ocorre com as deliberações dos órgãos colegiais, que têm os efeitos comprometidos enquanto não for aprovada a acta da reunião onde foram tomadas [ver artigos 27º, nº4, 122º, nº2, 129º, alínea c), do CPA, e artigo 92º, nº4, do DL nº169/99], sendo a acta uma condição de eficácia, enquanto as deliberações tomadas na reunião não forem reduzidas a escrito jamais poderão produzir os seus efeitos directos, e nestas situações, o acto apenas «pode» ser impugnado, desde que «seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos»;

31- Deste modo, o nº2 do artigo 98º tem que ser interpretado em conjugação com os artigos 51º, 54º, nº1 b), 59°, nº3 c), donde resulta que o conhecimento que faz desencadear o prazo de impugnação pressupõe, em princípio, que o acto tenha eficácia externa e interna: eficácia externa, porque o interessado dele teve conhecimento e eficácia interna, porque o seu conteúdo se tornou obrigatório, na medida em que seus efeitos se começaram a produzir [sobre a distinção ver Colaço Antunes, Anulação administrativa ou «nulla annullatio sine juditio», in CJA, nº79, páginas 4 e seguintes];

32- Neste sentido tem a jurisprudência o STA decidido relativamente aos actos eleitorais carecidos de homologação, sem a aprovação da acta, o processo eleitoral não está findo;

33- O acto eleitoral dos vogais da Junta apenas termina com a aprovação da acta, o que não aconteceu, conforme se pode verificada pela acta de dia 06.11.2013, que apenas «foi lida e assinada», sem que diga sequer «aprovada»;

34- E, que os recorridos apenas tiverem conhecimento da acta e do que se lá passou, uma vez que se ausentaram no momento da votação dos vogais da junta de freguesia, no dia 12.11.2013, com a notificação pelo Senhor Presidente da Junta, após requerimento de 08.11.2013, apenas podia iniciar o prazo de impugnação de 7 dias de contencioso eleitoral a contar dessa data;

35- Inexistindo assim qualquer excepção de caducidade ou sequer intempestividade do prazo para acção de contencioso eleitoral, unia vez que a acção pode ser convolada por ter sido interposta no dia 18.11.2013, dentro do prazo de 7 dias previsto no artigo 98° do CPTA;

36- Além disso, um novo facto: na reunião de 30 de Dezembro, os recorridos e os contra-interessados reprovaram a acta da reunião de assembleia de freguesia de 06.11.2013, pela maioria de 4 votos de 7 votos no total.

Terminam pedindo a confirmação do acórdão recorrido.

3. O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 13.09.2013, nos termos seguintes:

[…]

«3. A questão da determinação do termo a quo do prazo de propositura das acções de contencioso eleitoral, designadamente da interpretação da disposição especial da parte final do nº2 do artigo 98º do CPTA e da sua harmonização com a imposição de formalidades relativas à eficácia das deliberações dos órgãos colegiais, ou quando a lei imponha a prática de actos integrativos da eleição, é uma questão juridicamente complexa. O Supremo Tribunal Administrativo não teve ainda oportunidade de se pronunciar sobre a contagem desse prazo relativamente a actos eleitorais do género daquele que está em causa [eleição dos vogais da junta de freguesia pela assembleia de freguesia], sendo discutível que deva transpor-se a jurisprudência relativa a outro tipo de actos eleitorais de perfeição dependente de actos integrativos cuja função parece não ser a mesma daquela formalidade [aprovação da acta] que no acórdão se exigiu [designadamente, de actos homologatórios].

Por outro lado, as questões relativas ao contencioso do tipo de acto em causa -constituição dos órgãos das autarquias locais- apresentam inegável repercussão comunitária, quer pela relevância na organização do poder político democrático, quer pelo reflexo na regularidade de funcionamento das instituições administrativas do poder local.

Assim, reconhecendo-se às questões suscitadas nos autos importância fundamental, pela relevância jurídica e social, justifica-se a admissão do recurso excepcional.

Pelo exposto, decide-se admitir a revista.»

4. O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º, nº1, do CPTA, pronunciou-se pelo provimento da revista.

Os recorridos reagiram, defendendo a tese vertida nas contra-alegações.

Sem «vistos» por se tratar de processo «urgente» [artigo 36º, nº2, do CPTA], importa decidir a revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos dados como provados pelas instâncias:

1- Em 18.11.2013, os recorrentes instauraram os presentes autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias ao abrigo do disposto nos artigos 109º e seguintes do CPTA nos termos e pelos fundamentos aduzidos na petição inicial de folhas 2 a 42 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e na qual peticionaram a «...intimação dos requeridos a anular/repetir todos os actos pelos mesmos praticados em 06.11.2013, nomeadamente a eleição dos vogais da junta de freguesia de Vitorino das Donas, e demais actos posteriores e, consequentemente, a substituir tais actos por outros que procedam à devida reunião de eleição dos vogais da junta e eleição da mesa da assembleia de freguesia, e demais actos posteriores, nos termos da legislação aplicável, em prazo a fixar pelo Tribunal, com a cominação de aplicação de sanção pecuniária compulsória...» e de «...intimação dos requeridos a absterem-se de qualquer comportamento até à nova reunião de eleição de vogais da junta de freguesia e da eleição da mesa da assembleia de freguesia…».

2- Conclusos os autos, neles veio a ser proferida, a 20.11.2013, a decisão judicial aqui sindicada com o teor, no que releva, seguinte:

«... Alegam, para tanto e em síntese, que a primeira reunião da assembleia de freguesia e a eleição dos vogais da Junta de Freguesia de Vitorino das Donas ocorridas em 06.11.2013 violaram o disposto no artigos 8º, 9º, nº1, 17º, nº1, alínea a), e 24º, nº2, da Lei nº169/99, os artigos 54º, nºs 1 e 2, 55º e 57º da Lei nº75/2013, os artigos 10º, 17º, 18º, 48º, 109º, 117º e 239º da Constituição, o artigo 4º, nº1, alínea b), da Lei nº29/87 [eleitos locais] e os artigos 7º...da Lei nº27/96 [Lei da Tutela], pois a lista proposta pelo 2º réu havia sido rejeitada em reunião anterior, tendo sido realizada a votação da mesma através de boletim de voto apenas contendo «SIM», considerando a eleição assim realizada. Invocam, para o efeito, a sua qualidade de titulares de mandato de Eleito Local na Assembleia de Freguesia de Vitorino das Donas, das últimas eleições autárquicas de 29 de Setembro de 2013.

Prevendo o nº1 do artigo 110º do CPTA, a apresentação do requerimento inicial ao juiz, impõe- se uma apreciação liminar por parte do mesmo, sendo a petição indeferida «[...] quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente [ver nº1 do artigo 59º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA].

O erro na forma de processo existe sempre que se constate, em face da pretensão formulada pelo autor, que o meio processual por ele empregue não é idóneo à obtenção da pretensão que deduziu. A este propósito, escreve Alberto dos Reis que a forma de processo a utilizar, em cada caso concreto, é-nos dada através da petição inicial pois é nesta que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina. «A questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo. «Há que atender ao pedido formulado pelo autor e pô-lo em equação com o fim a que segundo a lei, o processo especial se destina. Se os fins coincidem [o fim concretamente visado pelo autor e o fim abstractamente figurado pela lei], a aplicação é correta». Porque susceptível de conduzir à nulidade do processo, trata-se de uma excepção dilatória cuja procedência, como tal, importa a absolvição da instância [ver artigos 195º, 577º, alínea b), e 578º, todos do CPC].

No caso, a pretensão deduzida pelos requerentes reconduz-se à anulação e repetição da eleição dos vogais da junta de freguesia de Vitorino das Donas, ocorrida em 06.11.2015, bem como à intimação dos requeridos a absterem-se de qualquer actuação até ocorrer a referida repetição do ato em conformidade com as normas legais aplicáveis, que entendem terem sido violadas.

Assim, dúvidas não há de que os requerentes pretendem impugnar actos administrativos em matéria eleitoral, concretamente o ato de eleição para os vogais da junta de freguesia, pretensão essa que deve ser deduzida em sede de processo de contencioso eleitoral, previsto nos artigos 97º e seguintes do CPTA, não sendo adequado o meio processual utilizado de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos artigos 109º e seguintes do CPTA.

Atento o referido, ocorre erro na forma de processo adoptada pelos requerentes.

Nos termos do nº1 do artigo 193º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, «O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei». No sentido da convolação no meio processual adequado militam também os artigos 7º, 87º, nº1, alínea a), e 88º, nºs 1, 2 e 3, do CPTA.

Acontece que a convolação dos presentes autos de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias em contencioso eleitoral no caso concreto não é possível em virtude de, à data da apresentação da petição inicial – 18.12.2013 - haver já decorrido o prazo legal para propor acção de contencioso eleitoral, pois que o mesmo é de sete dias a contar da data em que seja possível o conhecimento do ato [ver nº2 do artigo 98º do CPTA], tendo esta ocorrido em 06.11.2013, dado que os requerentes afirmam na petição inicial que estiveram presentes na reunião desse dia. Assim, por ocorrer caducidade do direito de acção no âmbito do processo de contencioso eleitoral, fica inviabilizada a convolação dos presentes autos e, assim, o aproveitamento da petição inicial apresentada.

Pelo exposto, decide-se julgar verificado o erro na forma de processo e, atenta a impossibilidade de convolação na forma processual adequada, indeferir liminarmente a petição inicial apresentada…».

III. De Direito

1. Tanto os 2 autores da actual «impugnação de contencioso eleitoral» como os 7 particulares nela demandados foram eleitos para a Assembleia de Freguesia de Vitorino das Donas, concelho de Ponte de Lima, nas eleições autárquicas de 29.09.2013.

Em 06.11.2013 a nova Assembleia de Freguesia reuniu para efeitos de eleição, por escrutínio secreto, dos vogais da Junta de Freguesia de Vitorino das Donas e do presidente e secretários da mesa da Assembleia de Freguesia.

Dessa reunião da Assembleia de Freguesia de Vitorino das Donas foi lavrada a «acta» que consta de folhas 92 a 94 dos autos, assinada pelos membros eleitos ainda presentes no final da mesma, uma vez que os 2 autores, ora recorridos, já a tinham abandonado.

Os autores começaram por intentar uma «intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias» no TAF de Braga, pedindo a intimação da «Freguesia de Vitorino das Donas», e dos 7 particulares demandados, a anular todos os actos praticados em 06.11.2013, a substituir esses actos por outros que procedam à devida reunião de eleição dos vogais da junta e da mesa da assembleia, e ainda a absterem-se de qualquer comportamento até essa substituição.

O TAF de Braga considerou haver «erro na forma de processo» por a pretensão dos autores dever ser tramitada como «impugnação de contencioso eleitoral», e considerou como «impossível» a convolação por estar caducado o direito dos mesmos a intentar a impugnação devida aquando da propositura da intimação.

Esta decisão do TAF, no que concerne à «caducidade do direito de acção», teve por base o entendimento de que o prazo de 7 dias previsto no artigo 98º, nº2, do CPTA, para propor a acção urgente de contencioso eleitoral, teve, no caso, como termo inicial de contagem, o dia 06.11.2013, dia em que os ora autores conheceram, ou tiveram possibilidade de conhecer, o «acto» impugnado.

Apreciando recurso jurisdicional interposto desta decisão do TAF pelos autores, o TCAN confirmou a ocorrência de «erro na forma de processo», mas, quanto à «caducidade do direito de acção eleitoral», entendeu que ainda não dispunha de elementos seguros para concluir pela sua ocorrência, e mandou «baixar os autos à 1ª instância para devida instrução».

A decisão do acórdão do TCAN baseou-se no entendimento de que o prazo de 7 dias que é previsto no artigo 98º, nº2, do CPTA, para propor «acção urgente de contencioso eleitoral», não poderá iniciar a sua contagem sem que a acta da 1ª reunião da Assembleia de Freguesia tenha sido aprovada, e desconhece-se se o foi ou quando o foi.

É desta decisão sobre a caducidade do direito de acção urgente eleitoral, e com esta concreta fundamentação, que discordam os demandados na acção, que, ora na qualidade de recorrentes da «revista», lhe imputam erro de julgamento de direito.

2. Vejamos os regimes jurídicos e normas legais aplicáveis ao caso concreto.

Os artigos 8º e 9º da Lei nº169/99, de 18.09, na redacção que aos mesmos foi dada pela Lei nº5-A/2002, de 11.01, tratam da instalação da «nova assembleia de freguesia», na sequência do «apuramento definitivo dos resultados eleitorais autárquicos» [artigo 8º], e da «primeira reunião» dessa nova assembleia [artigo 9º].

Diz esse artigo 8º, além do mais, que quem procede à instalação «…designa, de entre os presentes, quem redige o documento comprovativo do acto, que é assinado, pelo menos, por quem procedeu à instalação e por quem o redigiu»[nº2].

E diz esse artigo 9º, no seu nº1, que «Até que seja eleito o presidente da assembleia compete ao cidadão que tiver encabeçado a lista mais votada ou, na sua falta, ao cidadão sucessivamente melhor posicionado nessa mesma lista presidir à primeira reunião de funcionamento da assembleia de freguesia que se efectua imediatamente a seguir ao acto de instalação, para efeitos de eleição, por escrutínio secreto, dos vogais da junta de freguesia, bem como do presidente e secretários da mesa da assembleia de freguesia».

O artigo 57º da Lei nº75/2013, de 12.09, sobre as actas das sessões e reuniões dos órgãos das autarquias locais, prescreve assim: «1- De cada sessão ou reunião é lavrada acta, a qual contém um resumo do que de essencial nela se tiver passado, indicando, designadamente, a data e o local da sessão ou reunião, os membros presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e deliberações tomadas, e a forma e o resultado das respectivas votações e, bem assim, o facto de a acta ter sido lida e aprovada. 2- As actas são lavradas, sempre que possível, por trabalhador da autarquia local designado para o efeito e são postas à aprovação de todos os membros no final da respectiva sessão ou reunião ou no início da seguinte, sendo assinadas, após aprovação, pelo presidente e por quem as lavrou. 3- As actas ou o texto das deliberações mais importantes podem ser aprovadas em minuta, no final das sessões ou reuniões, desde que tal seja deliberado pela maioria dos membros presentes, sendo assinadas, após aprovação, pelo presidente e por quem as lavrou. 4- As deliberações dos órgãos só adquirem eficácia depois de aprovadas e assinadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas, nos termos dos números anteriores».

Também a lei geral de procedimento administrativo, ou seja, o CPA, prescreve no seu artigo 27º, sobre a acta da reunião de órgãos colegiais da Administração Pública, o seguinte: «As deliberações dos órgãos colegiais só podem adquirir eficácia depois de aprovadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas nos termos do número anterior»[nº4 do referido artigo, sendo que o seu nº3 estipula que «Nos casos em que o órgão assim o delibere, a acta será aprovada, em minuta, logo na reunião a que disser respeito»].

E prescreve no seu artigo 122º, sobre a forma dos actos, que «A forma escrita só é obrigatória para os actos dos órgãos colegiais quando a lei expressamente o determinar, mas esses actos devem ser sempre consignados em acta, sem o que não produzirão efeitos»[nº2].

O artigo 98º, nº2, do CPTA, sobre as «impugnações urgentes de contencioso eleitoral», estipula que «Na falta de disposição especial, o prazo de propositura de acção é de sete dias a contar da data em que seja possível o conhecimento do acto ou da omissão».

3. A «questão jurídica» colocada nesta revista reconduz-se a saber se, no caso, o prazo de caducidade de 7 dias previsto no artigo 98º, nº2, do CPTA, começou a contar a partir de 06.11.2013, data da reunião da Assembleia de Freguesia de Vitorino das Donas, ou apenas poderá começar a contar após se ter apurado a data em que foi aprovada e assinada a acta da mesma. É uma questão jurídica directamente ligada ao tema da «caducidade do direito de acção».

Vejamos.

A ratio decidendi do acórdão recorrido a este propósito é a seguinte:

- O nº2 do artigo 98º do CPTA tem de ser interpretado no sentido de que pressupõe que o acto tenha eficácia externa e interna, pelo que sem a aprovação da acta o processo eleitoral não se mostrará findo. Assim, o início da contagem do prazo de impugnação previsto no nº2 do artigo 98º do CPTA não decorrerá do simples conhecimento do acto eleitoral, mas sim quando se mostrar aprovada a acta relativa à reunião na qual teve lugar o acto eleitoral em questão, sem o qual esse acto não tem eficácia;

- Não há elementos, no estado actual do processo para decidir se e quando foi aprovada a acta da reunião de 06.11.2013.

Deste modo, a 1ª questão a resolver consiste em saber se este entendimento -que faz depender da aprovação da respectiva acta o termo inicial do prazo de impugnação de actos eleitorais que ocorram em reuniões de órgãos administrativos colegiais- é compatível com o inciso do nº2 do artigo 98º do CPTA que dispõe que tal prazo se conta «da data em que seja possível o conhecimento do acto ou da omissão». Com efeito, é incontroverso que os recorrentes, como membros do órgão presentes na reunião na fase em que ocorreu a votação e apuramento – ver nºs 46 e 47 da petição inicial, onde o assumem -, não podiam deixar de tomar conhecimento, nesse mesmo instante, do acto cuja legalidade impugnam. E por aplicação linear do nº2 do artigo 98º do CPTA a impugnação seria intempestiva, como decidiu o tribunal de 1ª instância.

Assim, face à clareza aparente do texto legal, importa averiguar se há elementos de ordem sistemática ou teleológica que imponham que, a mais do conhecimento ou possibilidade de conhecimento do acto, se faça depender o desencadeamento do prazo de outros requisitos integrativos de eficácia, designadamente, da aprovação da acta respectiva, nos termos do regime geral decorrente do artigo 27º, nº4, do CPA, replicado no artigo 57º, nº4, do regime jurídico das autarquias locais, aprovado pela Lei nº75/2013, de 12.09.

4. Este prazo regra de 7 dias para intentar os processos do contencioso eleitoral – e relativamente ao acto em causa outro não está especialmente previsto – justifica-se, em primeira linha, pela necessidade de rápida estabilização da situação que tais actos definem. Destinando-se a eleição a determinar a composição de órgãos administrativos, o legislador entendeu que se impõe um regime de tramitação processual e prazos de impugnação que permitam a rápida determinação de quem definitivamente os deva integrar, em ordem a assegurar o seu regular funcionamento que pode ser posto em crise pela prolongada incerteza acerca da regularidade da escolha. A indicação expressa do termo a quo do prazo, a partir, não apenas do efectivo conhecimento, mas da mera possibilidade de conhecimento do acto, indicia bem esta preocupação com a rápida estabilização do resultado dos actos eleitorais, evitando bloqueios de funcionamento.

Com isso, a lei afasta a aplicação supletiva de exigências mais garantísticas, tal como as que respeitam à eficácia externa dos actos, designadamente, aquelas que constam do artigo 59º do CPTA. Mas também não há razão para fazer depender o início do prazo das exigências gerais de eficácia dos actos dos órgãos colegiais, designadamente da elaboração da acta da respectiva reunião. Na verdade, na perspectiva da possibilidade de defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não se vê obstáculo a que o interessado invoque o seu conhecimento pessoal, mormente nos casos em que esteja oficialmente presente no apuramento dos resultados, pois que com o apuramento do resultado da votação – não importa agora curar dos actos anteriores que a lei excepciona do princípio da impugnação unitária [artigo 98º, nº3, do CPTA] – o acto eleitoral fica perfeito. A elaboração da acta é uma formalidade superveniente à prática do acto lesivo, não lhe acrescentando qualquer elemento susceptível de contribuir para a sua validade. Como é correntemente afirmado a função típica da acta é a de informar da existência da deliberação [documento ad probationem], não se assumindo como elemento constitutivo da mesma [documento ad substantiam]. A acta não é a forma escrita do acto.

Deste modo, face ao texto legal e às razões que materialmente o justificam não se vê razão para fazer acrescer à verificação do facto a que o texto do nº2 do artigo 98º do CPTA, com natureza de lexspecialis, atribuiu o efeito de desencadear o decurso do prazo de impugnação, um outro requisito retirado da conjugação do regime geral de eficácia dos actos administrativos dos órgãos colegiais com os requisitos gerais de impugnabilidade de actos administrativos.

O legislador não pode recusar impugnabilidade a actos administrativos que assumam eficácia externa ou impor a impugnação onde faltem elementos essenciais de cognoscibilidade do acto ou das ilegalidades que o afectam. Mas não é arbitrário ou materialmente infundado, face às referidas razões, desencadear o prazo de impugnação de um acto eleitoral independentemente do completamento dos requisitos gerais de eficácia.

5. Este entendimento em nada conflitua com a jurisprudência deste Supremo Tribunal que tem admitido que o prazo de impugnação de certas eleições se conte a partir de actos integrativos legalmente exigidos [por exemplo AC STA de 13.02.2008, Rº0984/07]. Nesse tipo de casos, depara-se um procedimento complexo em que a escolha que cabe ao colégio eleitoral apenas fica perfeita com a homologação, que corresponde ao exercício de um poder ou competência administrativa autónoma e que constitui o acto final do procedimento eleitoral.

Mesmo para quem tenha reservas à aceitação, com valor universal, da interpretação acima defendida do nº2 do artigo 98º do CPTA como determinando, por si só, o modo de fixação do dies a quo do prazo das acções do contencioso eleitoral, a solução propugnada é seguramente válida no domínio específico do contencioso eleitoral do órgãos das autarquias locais, mais precisamente da eleição dos vogais da junta de freguesia.

Com efeito, é a própria lei que especialmente reconhece eficácia interna a esse acto eleitoral, assim o subtraindo à exigência geral da prévia aprovação da acta da reunião onde ocorreu como condição desse tipo de eficácia.

Na verdade, o artigo 9º da Lei nº169/99, de 18.09, determina que à eleição dos vogais da junta de freguesia se proceda na primeira reunião da assembleia de freguesia a ter lugar imediatamente após o acto de instalação desta. E determina que a substituição dos membros da assembleia que deixam de lhe pertencer, por passarem a integrar o órgão executivo da freguesia – o presidente e os vogais – se siga imediatamente à eleição dos vogais, procedendo-se depois à verificação da identidade e legitimidade dos substitutos e à eleição da mesa. A lei disciplina, assim, numa sequência rigorosa de actos, que necessariamente prescindem da aprovação da acta final da reunião, a recomposição dos órgãos autárquicos. Por efeito da eleição dos vogais – rectius da aceitação da eleição - os membros do órgão executivo deixam de integrar o órgão deliberativo da freguesia, são chamados a integrar este último órgão os substitutos correspondentes e procede-se à eleição da mesa.

Vale por dizer que a lei especial reconhece ao acto de eleição dos vogais da junta imediata eficácia interna – a vertente da eficácia externa é determinada pela possibilidade de conhecimento do resultado do acto eleitoral nos termos do nº2 do artigo 98º do CPTA – não fazendo depender a virtude de produção de efeitos desse acto da aprovação da acta ou da elaboração de qualquer minuta intermédia. A lei quis que a eleição dos vogais da junta, com que verdadeiramente culmina o processo de recomposição dos órgãos autárquicos iniciado com a marcação do sufrágio directo, produzisse um efeito regulador imediato no seio da pessoa colectiva e das relações interorgânicas.

E também esta solução é uma opção legislativa razoável e justificada, não só pelo imediato interesse do regular funcionamento dos órgãos da administração local como por razões mais gerais, e justifica que, também para efeitos contenciosos, o início do prazo curto de 7 dias ou a impugnabilidade do acto não dependa da aprovação da acta da reunião. Na verdade, o acto eleitoral é idóneo para produzir todos os seus efeitos, importando assegurar a utilidade das sentenças judiciais e a protecção eficaz dos interessados. No domínio da administração autónoma tem valor reforçado a consideração de que «a resolução das questões eleitorais, em regra, não só exige, como sobretudo não se compadece com a demora normal dos processos: as sentenças de provimento não teriam a sua utilidade normal, pois que, em virtude da impossibilidade prática de reconstituição da situação hipotética, raramente seriam susceptíveis de execução específica» [Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, (Lições), 10ª edição, página 257].

6. Em suma, o prazo de caducidade previsto no nº2 do artigo 98º do CPTA, deve considerar-se iniciado com o conhecimento pelos Autores, membros do órgão em que ocorreu a eleição e aí presentes nesse momento, do resultado da eleição para vogais da junta de freguesia na reunião de 06.11.2013, independentemente da aprovação ou não da acta respectiva. O que significa que no dia 18.11.2013, data em que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi instaurada, o prazo de propositura da acção de contencioso eleitoral tinha caducado, pelo que a convolação para o meio próprio é juridicamente inviável.

Tanto basta para que o acórdão recorrido não deva manter-se, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas.


Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento ao recurso de revista, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido, ficando a subsistir a decisão do TAF de Braga que indeferiu liminarmente a petição apresentada.

Custas pelos recorridos.

Notifique.

Lisboa, 9 de Outubro de 2014. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.