Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0923/08
Data do Acordão:02/24/2010
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JORGE LINO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
NULIDADE
INCIDENTE
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:A citação em processo de execução fiscal é um acto processual de comunicação ao executado, sendo que o conhecimento e sanação da nulidade por falta de citação se traduz na prática de acto ou actos processuais que ao órgão da execução fiscal cabe realizar, ao abrigo da 1.ª parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nº Convencional:JSTA00066316
Nº do Documento:SAP201002240923
Data de Entrada:10/07/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC 2 SECÇÃO DE 2009/03/25 - AC STA PROC1244/04 DE 2005/06/08.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART10 N1 F ART149 ART151 N1 ART166 N1 ART276.
DL 433/99 DE 1999/10/26 ART6 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC452/07 DE 2007/09/26.
Referência a Doutrina:JOAQUIM FREITAS DA ROCHA LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 3ED PAG280.
MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG176.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VIII PAG36 PAG37.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…, S.A.” vem recorrer do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 25-3-2009, proferido neste recurso n.º 923/08 (constante de fls. 143 a 150 dos autos), com fundamento em oposição com o acórdão também desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 8-6-2005, proferido no recurso n.º 1244/04.
1.2 Em alegação, a recorrente apresenta as seguintes conclusões.
1. Entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, conforme supra identificados, existe oposição de soluções jurídicas, para a mesma questão de Direito.
2. O fundamento jurídico do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento é o mesmo, dado que a tese jurídica equacionada para os solucionar passa pelo estudo e análise das mesmas questões e problemas de Direito.
3. De realçar que não se verificou qualquer alteração da regulamentação jurídica entre os diplomas que sustentam as decisões proferidas em tais acórdãos que justifique a oscilação jurisprudencial que a contradição de julgados supra referida denuncia.
4. Tanto o Acórdão Recorrido como o Acórdão Fundamento qualificam a arguição de nulidade, com fundamento na falta de citação para o processo executivo, como um verdadeiro e próprio incidente,
5. E nos termos do disposto no artigo 151.º do CPPT, compete aos Tribunais Tributários de 1.ª Instância decidir sobre os incidentes do processo executivo.
6. Sendo que no Acórdão Fundamento se decide que, precisamente nos termos do mesmo artigo 151.º do CPPT, a competência para conhecer do referido incidente cabe ao Tribunal Tributário de 1.ª instância.
7. Ao passo que no Acórdão Recorrido se desaplica o artigo 151.º do CPPT e se decide que a competência para conhecer do referido incidente é do Chefe de Finanças, alegadamente com fundamento nos artigos 97.º n.º 2 da LGT e 276.º do CPPT (que não atribuem essa competência ao Chefe do Serviço de Finanças).
8. O certo, e expresso em ambos os Acórdãos, é que estamos na presença de um incidente, sendo igualmente certo que o artigo 151.º do CPPT atribui ao Tribunal Tributário de 1.ª instância a competência para decidir os incidentes.
9. Assim, por inferência lógica, compete aos Tribunais Tributários de 1.ª Instância decidir sobre a nulidade, com fundamento na falta de citação para o processo executivo, enquanto incidente do próprio processo executivo.
10. Entendimento que a mais autorizada doutrina acompanha.
11. Devendo por isso manter-se a posição do Acórdão Fundamento e alterar-se a decisão do Acórdão Recorrido em conformidade.
12. Cumpre, ainda, referir que a citação é o primeiro acto processual, destinado a chamar ao processo o seu interessado, sendo, por isso, um acto basilar e pressuposto da existência legal de todo o processo.
13. Se esse acto for inexistente será nulo todo o processo (cf. artigo 165.º, n.º 1 a) e n.º 2 do CPPT).
14. O Acórdão Recorrido, que perfilha e mantém a decisão do TTL, no âmbito da qual este Tribunal se declara materialmente incompetente para conhecer da nulidade por falta de citação do executado para o processo executivo, enferma, ainda, do vício de nulidade por não especificar os fundamentos de Direito que suportam o entendimento de que a competência para o conhecimento da arguição de nulidade por falta de citação é do Chefe do Serviço de Finanças.
15. A única norma invocada pelo Acórdão Recorrido, a este propósito, é o artigo 97.º n.º 2 da LGT.
16. Norma que se limita a prever que “A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.
17. Nada acrescentando quanto ao “meio processual mais adequado” em cada caso concreto.
18. Muito menos que, no caso em apreço, tal meio seria um requerimento dirigido ao Chefe do competente Serviço de Finanças.
19. O que estaria, aliás, em manifesta contradição com o disposto no artigo 151.º n.º 1 do CPPT.
20. Não colhe, ainda, a invocação do artigo 276.º do CPPT, que prevendo a reclamação para os Tribunais de decisões do órgão da execução fiscal, nada diz que leve a entender a previsão da obrigação de arguição necessária das questões de nulidade perante o órgão da execução fiscal, como condição prévia da respectiva sindicância perante os Tribunais.
21. Mais, quando é certo que a apreciação da nulidade por falta de citação para o processo executivo, enquanto decisão de um incidente, reveste carácter jurisdicional (cf. artigo 151.º n.º 1 do CPPT e artigos 20.º e 202.º da CRP).
22. Assim, a decisão do Acórdão Recorrido, além de padecer de falta de fundamentação de direito (por não indicar a norma ou normas das quais alegadamente decorre a competência do Chefe do Serviço de Finanças para conhecer do incidente em causa), é ilegal, por violação expressa do artigo 151.º do CPPT – que expressamente atribui competência para a decisão de incidente ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância – e em consequência por violação do princípio constitucional da jurisdicionalidade, consagrado no artigo 202.º da CRP.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e uniformizada a jurisprudência no sentido de considerar que compete aos Tribunais Tributários de 1.ª Instância decidir sobre a nulidade por falta de citação, enquanto incidente do processo executivo e, consequentemente, ser anulada a decisão recorrida, ordenando-se a decisão da questão controvertida.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer que deve ser sufragada a doutrina acolhida no acórdão fundamento, julgando-se procedente o recurso – apresentando a seguinte fundamentação.
Tal como no acórdão fundamento, e não obstante a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal Administrativo em sentido contrário, entendemos que o incidente de nulidade por falta de citação no processo de execução fiscal reveste carácter jurisdicional e deve ser apreciado pelo juiz do tribunal tributário.
Com efeito, e na esteira de Alberto dos Reis, deve entender-se por incidente qualquer ocorrência que perturbe o normal andamento do processo.
Neste sentido serão incidentes a arguição de nulidades processuais e a invocação de excepções, uma vez que se não incluem na tramitação normal do processo.
Ora do n.º 1 do art.º 151.º do CPPT resulta que só as questões de natureza jurisdicional levantadas no processo é que serão decididas pelos tribunais, entendendo-se os incidentes, ali expressamente referidos, como questões jurisdicionais.
Por outro lado decorre do art.º 103.º da Lei Geral Tributária que o processo de execução fiscal tem natureza judicial sem prejuízo da participação dos órgãos de execução fiscal nos actos que não tenham natureza jurisdicional, ou seja actos materialmente administrativos.
E como bem refere a recorrente a apreciação de nulidades reveste carácter jurisdicional.
Aliás o próprio acórdão recorrido reconhece expressamente que a arguição de nulidades constitui um incidente.
Como também equaciona a premissa legal de que decorre do art.º 151.º do CPPT, ou seja de que compete aos tribunais tributários de 1.ª instância decidir os incidentes.
Porém, como bem refere a recorrente, num silogismo imperfeito, conclui que se se tratar de incidente de arguição de nulidade por omissão da prática de um acto que deveria ter sido praticado, deverá entender-se que não se está ainda perante a prática de uma questão controvertida pelo que a sua prática deverá ser requerida ao órgão de execução fiscal.
Ora nada na redacção do preceito nos autoriza a concluir que, sendo a arguida de nulidade por falta de citação no processo de execução fiscal um incidente, a sua decisão não assume carácter jurisdicional e será da competência de um órgão de execução fiscal.
O preceito refere-se expressamente a matérias que pela sua natureza, revestem na execução fiscal, carácter jurisdicional, como é o caso dos incidentes, não sendo legítimo fazer a distinção entre a arguição de nulidade por falta de citação e a arguição de outras nulidades processuais.
Em ambos os casos estamos perante ocorrências que perturbam o normal andamento do processo e carecem de uma decisão judicial, portanto serão da competência do Tribunal Tributário de 1.ª Instância.
Além do mais o acórdão recorrido parte de uma petição de princípio que é a asserção de que a nulidade por falta de citação no processo de execução fiscal não constitui uma questão controvertida.
Mas se analisarmos o regime legal da citação no processo de execução fiscal vemos que não é assim.
Com efeito decorre do art.º 189.º, n.º 1 do CPPT que a citação comunicará ao devedor os prazos para oposição à execução e para requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento.
E o art.º 190.º do mesmo diploma legal estabelece uma série de requisitos e formalidades da citação, cuja falta importa a respectiva nulidade por não observância das formalidades prescritas na lei.
Por outro lado a falta de citação não ocorre apenas nos casos em que ela é omitida.
No art.º 195.º do Código de Processo Civil, norma aplicável subsidiariamente ao processo de execução fiscal, indicam-se várias outras situações em que se considera ocorrer falta de citação, nomeadamente: a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
Acresce ainda que decorre do art.º 190.º, n.º 6 do CPPT que só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável.
Como se vê a nulidade por falta de citação não é, de forma alguma uma questão não controversa, constituindo antes matéria a exigir decisão de carácter jurisdicional.
Daí que se entenda, na senda do acórdão fundamento, que o incidente de arguição de nulidade por falta de citação no processo de execução fiscal reveste carácter jurisdicional e deve ser apreciado pelo juiz do tribunal tributário, nada se vendo na lei que determine a prévia apreciação efectuada pelo chefe dos serviços de finanças.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em Pleno da Secção.
O presente processo de reclamação de órgão de execução fiscal iniciou-se em 23-11-2007, pelo que lhe é aplicável o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 2002 – cf., desenvolvidamente, sobre o tema, o acórdão do Pleno desta Secção, de 26 de Setembro de 2007, recurso n.º 0452/07.
São, assim, pressupostos expressos do recurso para o Pleno da Secção, por oposição de julgados, que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica e se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução expressa oposta. O que naturalmente supõe a identidade de situações de facto já que, sem ela, não tem sentido a discussão dos referidos requisitos; por isso, ela não foi referida de modo expresso.
Para que exista oposição é, pois, necessária tanto uma identidade jurídica como factual. Que, por natureza, se aferem pela análise do objecto das decisões em confronto: o acórdão recorrido, desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 25-3-2009, proferido neste recurso n.º 923/08 (de fls. 143 a 150 dos autos); e o acórdão fundamento, também desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 8-6-2005, proferido no recurso n.º 1244/04.
No acórdão recorrido a questão de saber – e segundo a sua própria enunciação – «se, com fundamento na falta de citação da instauração da execução fiscal, a recorrente, na sua qualidade de executada, pode deduzir o respectivo incidente de nulidade perante o Tribunal de 1ª Instância» foi decidida em sentido negativo.
E no acórdão fundamento – recolhendo dizeres seus – foi decidido que «a arguição da nulidade dos procedimentos de execução fiscal, por falta de citação» deve ser apreciada «pelo juiz do tribunal tributário, nada se vendo na lei que determinasse a prévia apreciação efectuada pelo chefe de repartição de finanças».
Quer dizer: os acórdãos em confronto proferiram decisões opostas quanto à questão de saber qual das duas entidades (órgão da execução fiscal, ou Tribunal Tributário) é a competente para conhecer da nulidade processual de falta de citação em processo de execução fiscal: o acórdão recorrido decidiu que essa competência cabe imediatamente ao Serviço de Finanças próprio; e o acórdão fundamento decidiu que compete ao Tribunal Tributário decidir imediatamente sobre a mesma nulidade processual.
Ambos os acórdãos (recorrido, e fundamento) foram proferidos no mesmo quadro legal e com identidade essencial das respectivas situações de facto – pelo que efectivamente se verifica a invocada oposição de acórdãos.
2.1 Sob a epígrafe “Competências da administração tributária”, o artigo 10.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário prescreve, na alínea f) do n.º 1, que aos Serviços da Administração Tributária cabe «Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código».
Este n.º 1 do artigo 151.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sob o título “Competência dos tribunais tributários”, estabelece, por sua vez, que «Compete ao tribunal tributário de 1.ª instância da área onde correr a execução, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal».
A respeito “Da competência” para a execução fiscal do “Órgão da execução fiscal”, o artigo 149.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário preceitua que «Considera-se, para efeito do presente Código, órgão da execução fiscal o serviço periférico local da administração tributária onde deva legalmente correr a execução ou, quando esta deva correr nos tribunais comuns, o tribunal competente.
E, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro (que aprovou o Código de Procedimento e de Processo Tributário), «Na execução fiscal consideram-se órgãos periféricos locais as repartições de finanças ou quaisquer outros órgãos da administração tributária a quem lei especial atribua as competências destas no processo».
Em face das pertinentes disposições legais acabadas de citar, é legítimo concluir que o Serviço de Finanças é o competente para «realizar os actos» respeitantes aos processos de execução fiscal. Enquanto que o Tribunal Tributário, no âmbito da execução fiscal, apenas tem competência para «decidir» os embargos; a oposição; a graduação e verificação de créditos; as reclamações; e os incidentes.
Quer dizer: especialmente em face dos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – de que pertence à Administração Tributária a competência para «Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código» –, o que, na execução fiscal, não for «decidir» embargos, oposição, graduação e verificação de créditos, reclamações, e incidentes é da competência da Administração Tributária (à qual cabe «realizar os actos» respeitantes à execução fiscal).
2.2 Aqui chegados, havemos de dizer o óbvio: a nulidade processual de falta de citação em processo de execução fiscal não se quadra na previsão legal de embargos; de oposição; nem de graduação e verificação de créditos; nem ainda de reclamação de acto praticado pelo órgão da execução fiscal (pois do que se fala na nulidade em causa é de falta e não de prática de acto).
Havemos de dizer também do nosso entendimento de que a nulidade processual de falta de citação em processo de execução fiscal não se alista em qualquer tipo de “incidente” (ainda que inominado).
Afora evidentemente a possível ocorrência de outros incidentes inominados na lei, como, por exemplo, o incidente de anulação da venda executiva, o n.º 1 do artigo 166.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário prevê, como incidentes para o processo de execução fiscal, os embargos de terceiros; a habilitação de herdeiros; e o apoio judiciário.
O “incidente” – consoante doutrina e jurisprudência repetidamente firmada – é uma ocorrência estranha ao desenrolar normal de um processo, a qual dá lugar a processado próprio e tem fins específicos a alcançar.
Os incidentes mais não são do que enxertos ou conjuntos de actos destacáveis de um processo, resolvidos autonomamente. São tramitações acessórias ou laterais da regular tramitação do processo para a resolução de questões incidentais. Estas questões incidentais, na medida em que são resolvidas autonomamente, convocam o nascimento de uma tramitação própria que se designa por “incidente”. Deste modo, as características marcantes de um incidente são i) a acessoriedade em relação à questão principal e ii) a autonomia da respectiva tramitação – cf. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 280.
Diferentemente da tramitação dos incidentes, as nulidades processuais – cf., por todos, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176 – apenas determinam uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais como sanção ao desvio do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei.
E – diversamente do que acontece em qualquer “incidente” –, o meio ou o modo de conhecimento das nulidades processuais, sobremaneira a nulidade de falta de citação em processo de execução fiscal, não reclama uma tramitação autónoma (bem ao invés), nem assume um carácter acessório, dependente e extrínseco relativamente à questão principal (a cobrança da quantia exequenda e acrescido).
Assim, as nulidades processuais ocorrem no próprio processo e decidem-se, ou são sanadas, no próprio processo (e não em outro meio processual incidental, autónomo e acessório).
Aliás, a citação em processo de execução fiscal é um simples acto de comunicação às partes (ao executado) –, por isso que constitui um acto respeitante à execução fiscal que compete à Administração Tributária realizar.
2.3 O acórdão recorrido considera – nomeando Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, vol. II, pp. 36 e 37 – que «se se tratar de nulidade por omissão da prática de um acto que deveria ser praticado, deverá entender-se que não se está ainda perante uma questão controvertida, pelo que a sua prática deverá ser requerida ao órgão da execução fiscal, só havendo possibilidade de solicitar a intervenção do tribunal, através de uma reclamação nos termos do art.º 276.º, se for indeferido o respectivo requerimento».
Na realidade, seja qual for o modo por que se apresente a falta de citação, enquanto sobre essa falta processual não houver pronúncia expressa da entidade competente para «realizar os actos» respeitantes aos processos de execução fiscal (o órgão da execução fiscal), nenhuma controvérsia existe sobre a evocada falta de citação, e, por isso, com o acórdão recorrido, «deverá entender-se que não se está ainda perante uma questão controvertida».
Estamos em crer, portanto, que o suprimento da nulidade da falta de citação em processo de execução fiscal não constitui um incidente processual de que compita ao Tribunal Tributário 1.ª Instância imediatamente conhecer, ao abrigo do n.º 1 do artigo 151.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Diversamente: julgamos que a nulidade por falta de citação em processo de execução fiscal significa a falta da prática de um acto processual que ao órgão da execução fiscal cabe realizar, por força dos termos da 1.ª parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Resta-nos, pois, concluir que o acórdão recorrido – ao decidir que a nulidade processual por falta de citação para a execução fiscal é da competência do respectivo órgão da execução fiscal, essencialmente por «entender-se que não se está ainda perante uma questão controvertida» –, julgou bem, pelo que deve ser confirmado.
E, então, havemos de convir, em síntese, que a citação em processo de execução fiscal é um acto processual de comunicação ao executado, sendo que o conhecimento e sanação da nulidade por falta de citação se traduz na prática de acto ou actos processuais que ao órgão da execução fiscal cabe realizar, ao abrigo da 1.ª parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2010. – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (relator) – António Francisco de Almeida Calhau – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – António José Martins Miranda de Pacheco – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – Domingos Brandão de Pinho – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira.