Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0395/18
Data do Acordão:06/14/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
PLANO DE TRABALHOS
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I – Nos procedimento de formação de um contrato de empreitada, as exigências do artigo 361.º do CCP (Plano de trabalhos) devem ser lidas em conjugação com o disposto no artigo 43.º do CCP (Caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada).
II – As omissões ou incompletudes do plano de trabalhos não podem ser supridas pela via do pedido de esclarecimentos aos concorrentes prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CCP.
Nº Convencional:JSTA000P23409
Nº do Documento:SA1201806140395
Data de Entrada:04/16/2018
Recorrente:POLIS LITORAL NORTE - SOCIEDADE PARA A REABILITAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO LITORAL NORTE
Recorrido 1:A............, SA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Polis Litoral Norte - Sociedade para a Requalificação e Valorização do Litoral Norte, SA (POLIS LITORAL NORTE), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAN, de 16.02.18, que decidiu conceder provimento ao recurso, “pelo que: 1. Revogam a decisão recorrida. 2. Julgam a acção procedente e, em consequência: 2.1. Anulam o acto impugnado. 2.2. Condenam a Demandada Polis Litoral Norte a adjudicar o contrato de empreitada à Autora, ora Recorrente”.

Na origem do recurso interposto para o TCAN esteve uma decisão do TAF de Braga, de 29.09.17, decidiu no sentido de julgar “totalmente improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual e dos pedidos formulados pela Autora, por não provadas as causas de pedir que sustentam o pedido de declaração de ilegalidade da proposta de exclusão do procedimento de ajuste directo para execução da empreitada de Protecção e Reabilitação do Sistema Costeiro entre a Foz do Rio Âncora e o Forte do Cão, absolvendo a Entidade Ré ‘Polis Litoral Norte - Sociedade para a Requalificação e Valorização do Litoral Norte, SA”.

2. A recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 387 a 390):

“A. O objeto do presente recurso prende-se com uma questão fundamental: da admissibilidade, ou não, de propostas apresentadas em procedimento de formação de contrato de empreitada, cujo plano de trabalhos apresentado (documento obrigatório da proposta, independentemente do critério de avaliação fixado pela entidade adjudicante), não cumpra os termos previstos no artigo 361.º do CCP, conforme exigência feita por remissão pelo artigo 57.º, n.º 2, alínea a) do CCP.

B. Da matéria de facto dada por assente no Acórdão Recorrido, é facto provado que a Recorrida não elaborou o seu plano de trabalhos prevendo todas as espécies de trabalhos previstas no Mapa de Trabalhos e Quantidades integrante do Caderno de Encargos (prevê 3 em 10), e, por conseguinte, também não indicou, para todas as espécies de trabalhos, os meios afetos (quer no cronograma temporal, quer no plano de mão de obra e no plano de equipamentos).

C. O Acórdão Recorrido erra no julgamento feito acerca da questão submetida a julgamento de recurso em 2.ª instância, não se pronunciando inclusive sobre a omissão de espécies de trabalhos no plano de trabalhos apresentando (cronograma temporal, al. b) do ponto 6 do convite, apesar de dar tal matéria por assente, quer através do ponto 3, quer 6 da matéria de facto provada) – restringindo especificamente o conhecimento do recurso sobre as omissões dadas por assentes nos planos de mão de obra e equipamentos.

D. O Tribunal a quo não se pronuncia nem decide acerca do fundamento invocado pela Recorrente, previsto na al. f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP – precisamente aquela que foi expressamente invocada para excluir a proposta da Recorrida/Impugnante, conforme resulta, de resto, dos factos provados.

E. O Tribunal a quo erra ainda no julgamento, quando considera, e apenas relativamente aos planos de mão de obra e equipamentos (porque quanto ao plano de trabalhos é omisso), que não existe qualquer omissão de plano de trabalhos, porquanto: "foi apresentado um plano de trabalhos com a indicação de meios humanos e de equipamento para o conjunto da obra", quando o artigo 361.º do CCP exige que os meios sejam indicados por espécie de trabalho.

F. O artigo 57.º, n.º 2, al. b) do CCP considera o plano de trabalhos como um documento obrigatório neste procedimento, por se destinar à formação de um contrato de empreitada. Sendo que, nos termos deste dispositivo, a proposta deveria ser constituída por um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º do CCP.

G. Nos termos do artigo 361.º, n.º 1 do CCP: "o plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamentos.

H. Conforme resulta do Plano de Trabalhos apresentado pela Recorrida/Impugnante (cfr. ponto 5 dos factos provados), o mesmo apenas contempla 3 das 10 espécies de trabalhos previstas no Caderno de Encargos deste procedimento (correspondentes a cada um dos artigos integrantes de cada um dos capítulos referenciados supra).

I. O Plano de Trabalhos apresentado pela Concorrente, aqui Recorrida, não foi elaborado nos termos e condições exigidas pelo artigo 361.º do CCP, i) não tendo manifestamente sido elaborado com a fixação de prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas; ii) nem com a especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-las – cfr. n.º 1 do artigo 361.º do CCP.

J. Por via do normativo constante da al. b), do n.º 2, do artigo 57.º do CCP, o cumprimento das formalidades essenciais previstas no artigo 361.º, resultam diretamente do cumprimento de vinculações legais, que afetariam o contrato a celebrar, consubstanciando a respetiva violação, uma causa de exclusão nos termos do artigo 70.º, n.º 2, al. f), do CCP).

K. O plano de trabalhos apresentado com a proposta, passará a fazer parte integrante do contrato.

L. De igual forma padece de erro de julgamento a decisão recorrida, na medida em que considera que a proposta, mesmo padecendo de faltas detetadas no âmbito do plano de trabalhos, sempre poderiam ser supridas através de esclarecimentos a solicitar ao concorrente.

M. Considerando que as falhas apontadas à proposta da Recorrida – concretamente ao Plano de Trabalhos por si apresentado –, consubstanciam uma verdadeira omissão (omissão da fixação de prazos parciais por espécie de trabalho, e omissão dos meios humanos e de equipamentos afetos a cada uma dessas espécies de trabalhos), sempre seria ilícito o pedido de esclarecimentos que visasse alterar/completar um documento da proposta, sob pena de violação do princípio da estrita legalidade, assim como, dos princípios da concorrência, e da intangibilidade das propostas (decorrente do anterior).

N. O exercício dos poderes de direção e fiscalização por parte do Dono de Obra num contrato de empreitada, fica posto em causa quando o plano de trabalhos que dele faz parte integrante não contenha informação suficientemente detalhada quanto à sequência dos trabalhos, à definição de prazos parciais por cada espécie de trabalho, e a concreta identificação de meios com que o empreiteiro se compromete executar o contrato.

O. De igual forma, vai limitar a aplicação do regime legal previsto para os trabalhos complementares, nos termos do qual, para a realização de trabalhos novos da mesma espécie dos já contratados, dever-se-ão aplicar os prazos parciais para aqueles previstos.

P. Sendo o Plano de Trabalhos apresentado pela Recorrida incumpridor dos ditames legais para o efeito fixados, o mesmo viola grosseiramente uma norma legal estabelecida na Parte III do CCP – in casu a norma constante do artigo 361.º do CCP e, concomitantemente, prevendo o legislador do CCP a exclusão de propostas cuja análise impliquem a violação de normas legais, como a do caso em apreço, a única conclusão que a Recorrente poderá retirar é que a proposta da Recorrida apenas poderia ser excluída nos termos conjugados da al. f) do n.º 2, do artigo 70.º, com a al. o), do n.º 2, do artigo 146.º do CCP.

NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que Vossas Excelências, doutamente suprirão, requer-se:

a) A admissão do presente Recurso de Revista;

b) Que o mesmo seja julgado totalmente procedente, revogando-se o Acórdão recorrido,

FAZENDO-SE INTEIRA JUSTIÇA".

3. Devidamente notificados para contra-alegar, nem o recorrido A…………, SA (A…………, SA), nem a contra-interessada B……….., LDA (B…………, LDA) o fizeram.


4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 26.04.18 (fls. 408-409 ), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)

Discute-se na presente revista se o oferecimento, com a proposta, de um plano de trabalhos (exigido no procedimento) carecido dos detalhes previstos no art. 361º do CCP devia trazer a exclusão da proposta (como entenderam a entidade adjudicante e o TAF) ou simplesmente suscitar pedidos de esclarecimento por parte do júri quanto aos aspectos em falta (como decidiu o TCA).

Tal «quaestio juris» encerra dificuldades óbvias – aliás reflectidas nas decisões opostas que as instâncias emitiram – é susceptível de recolocação, seja administrativamente, seja «in judicio», e não foi ainda objecto de esclarecimento por parte do Supremo.

Donde se segue a necessidade de recebimento da revista, para um elucidativo tratamento deste preciso assunto.

Nestes termos, acordam em admitir a revista”.


5. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

6. Sem vistos, de acordo com o disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 36.º do CPTA, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:


Em sede factual vem apurado e provado o seguinte:

“1. A Entidade Ré, "Polis Litoral Norte - Sociedade para a Requalificação e Valorização do Litoral Norte, S.A.", lançou o procedimento de Ajuste Directo n.º PLN.DGPLN. 16.PC9/RAM.ram para empreitada de protecção e reabilitação do sistema costeiro entre a foz do Rio Âncora e o Forte do Cão (acordo e documento de fls. 106 e seguintes do suporte físico).

2. Para o efeito, a Entidade Ré publicou na plataforma electrónica o caderno de encargos, com o conteúdo do documento de fls. 106 a 118 do suporte físico do processo, e o convite à apresentação de proposta, com o teor constante do documento de fls. 139 a 146 do suporte físico do processo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

3. Do ponto 6 - DOCUMENTOS DA PROPOSTA do convite à apresentação de proposta, consta, no que para o caso releva, o seguinte:

"6. DOCUMENTOS DA PROPOSTA:

6.1. A proposta é constituída pelos seguintes documentos:

6.1.1. Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo ao CCP, com a redação conferida pelo Dec. Lei 149/2012, de 12 de julho;

6.1.2 Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar:

a) Proposta de preço, elaborada conforme ANEXO 1.

6.1.3 Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução, não são submetidos à concorrência pelo caderno de encargos e de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar:

a) Memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra (máximo 20 (vinte) páginas A4);

b) Plano de trabalhos;

Nota: Utilizando para o efeito software do tipo "MS Project" ou similar, devendo o concorrente disponibilizar o respetivo suporte informático.

c) Proposta de metodologia a aplicar na gestão de segurança e saúde no trabalho;

d) Lista de preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução, elaborada de acordo com o mapa de quantidades de trabalho incluído no ANEXO 2 das condições técnicas do caderno de encargos;

e) Cronograma financeiro mensal, justificativo do preço total da proposta, decomposto de forma coerente com o plano de trabalhos e com o mapa de quantidades de trabalho;

Nota: Utilizando para o efeito software do tipo "Excel" ou similar, devendo o concorrente disponibilizar o respetivo suporte informático.

f) Indicação dos preços parciais dos trabalhos que se propõe executar correspondentes às habilitações contidas nos alvarás ou nos títulos de registo ou nas declarações emitidas pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P. nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º, do CCP, para efeitos da verificação da conformidade desses preços com a classe daquelas habilitações;

g) Listas de mão de obra e equipamentos afetos à empreitada mas que não estão diretamente ligados aos trabalhos a executar (Custos Indiretos), assim como os Gastos Gerais a utilizar, com indicação da taxa horária ou taxa diária para cada categoria profissional, ou equipamento ou gastos gerais com todos os encargos incluídos, consistindo na elaboração de uma tabela conforme o Anexo 6 - Cronograma de utilização de Recursos Indiretos, deste programa de concurso, coerente com o Plano de Trabalhos da empreitada;

h) Planos de mão-de-obra e equipamentos afetos à empreitada com carga mensal por tipo e afetação de trabalho, coerente com o Plano de Trabalhos da empreitada.

6.1.4 Declaração do concorrente em que este confirme que se inteirou, por exame direto, das condições existentes no local de execução da empreitada, e que as aceita, Conforme ANEXO 2.

6.1.5 Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, direta ou indiretamente, das peças do procedimento.

6.1.6 Outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis para os efeitos do disposto no n. 3 do art.º 57.º do CCP" (Cfr. documento de fls. 139 do suporte físico).

4. Foram apresentadas propostas por:

- "B…………, Lda.", no preço global de €109.524,00.

- "C…………, Lda.", no preço global de €128.925,62.

- "D…………, S.A.", no valor global de €112.707,34;

- "A…………, S.A.", no valor global de € 103.666,00; e

- "E…………, S.A.", no valor de €119,635,42 (Cfr. relatório preliminar de análise de propostas, doc. de fls. 160 do suporte físico do processo).

5. A Autora apresentou, como plano de trabalhos, o seguinte:


(vide elementos da proposta apresentada pela Autora, constante do processo administrativo anexo, sob o ponto 4 - Propostas).

6. No Relatório Preliminar de análise de propostas, o Júri do Procedimento, propôs a exclusão da proposta apresentada pela Autora A…………, S.A., com a seguinte argumentação:

"4.2. Concorrente n.º 4 – A…………, S.A.

Após analisar os elementos que acompanham as propostas, o Júri deliberou, por unanimidade, propor a exclusão da proposta do Concorrente n.º 4 – A…………, S.A., considerando que:

a) No documento submetido no âmbito da alínea b) do ponto 6.1.3 do Convite, não são indicadas todas as tarefas da empreitada;

b) Nos documentos submetidos no âmbito da alínea h) do ponto 6.1.3 do Convite:

(i) Não são indicadas todas as tarefas da empreitada, quer no plano de mão de obra, quer no plano de equipamento;

(ii) No plano de mão de obra apenas são indicados meios humanos para a execução das tarefas correspondentes aos artigos 2.2 e 3.1 do Mapa de Trabalhos e Quantidades, incluído no Anexo 2 das Condições Técnicas do Caderno de Encargos, bem como à execução das tarefas, de forma global, correspondente ao Cap. 1 do mesmo Mapa, não tendo sido indicados os demais meios humanos, os quais são imprescindíveis à realização de tarefas, como a execução dos levantamentos topográficos, montagem e desmontagem de estaleiro e de painéis identificativos de empreitada;

(iii) No plano de equipamento apenas são indicados equipamentos para a execução das tarefas correspondentes aos artigos 2.2 e 3.1 do Mapa de Trabalhos e Quantidades incluído no Anexo 2 das Condições Técnicas do Caderno de Encargos, não tendo sido indicados os demais equipamentos, os quais são imprescindíveis à realização de tarefas, como a execução dos levantamentos topográficos, montagem e desmontagem de estaleiro e painéis identificativos de empreitada.

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 57.º do CCP, quando se trate de um procedimento de formação de Contrato de empreitada de obras públicas, a proposta deve ser constituída por um "plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º quando o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução" (Cfr. no mesmo sentido a alínea b) do ponto 6.1.3 do Convite e a alínea h) do ponto 6.1.3 do Convite).

Ora, resulta do n.° 1 do artigo 361.º do CCP que "O plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamentos.

Desta forma, tal omissão constitui uma causa de exclusão da proposta apresentada pela concorrente n.º 3, nos termos do disposto na al. f) do n.º 2 do artigo 70º do CCP e al. o) do n.º 2 do artigo 146º do CCP".

(Cfr. relatório preliminar de análise de propostas, doc. de fls. 160 do suporte físico do processo).

7. Notificada do relatório preliminar e da proposta de exclusão da proposta apresentada, a Autora exerceu o direito de audiência prévia, defendendo a ilegalidade da decisão de exclusão da proposta que apresentou, pugnou pela sua readmissão (Cfr. documento 2 junto pela Autora, a fls. 26 a 31 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

8. No relatório final de análise das propostas o Júri do Procedimento, propôs o indeferimento da reclamação apresentada pela Autora "A…………, S.A.", com a seguinte argumentação:

"3.2. Concorrente no 4 – A…………, S.A.

A respectiva observação apresentada em sede de Audiência Prévia (Anexo 2) vem no sentido da discordância da exclusão da sua proposta, invocando os fundamentos de sinteticamente se expõem:

• Não é aplicável a al. f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, considerando que a referida alínea não se destina a violações, pelas propostas, de preceitos do Código relativos ao procedimento de formação dos contratos públicos;

• No que concerne ao plano de trabalhos, verifica-se que na fase de elaboração da proposta o mesmo é elaborado de uma forma genérica, contemplando apenas as atividades críticas para execução da empreitada, sendo que, apenas posteriormente, e antes da assinatura do contrato da empreitada, a empresa procede a um necessário ajustamento do plano de trabalhos, previsto no artigo 361º, nºs 3 e 4 do CCP.

Analisados os fundamentos apresentados pela concorrente entende o Júri do Procedimento que não lhe assiste razão. Senão vejamos,

Nos termos do disposto no artigo 361º do CCP "o plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe a executá-los (…)” .

Daqui resulta, portanto, que os planos apresentados pelos concorrentes não se poderão limitar a uma menção genérica dos meios, por referência a capítulos, antes exigindo o CCP, que seja feita uma especificação dos concretos dos mesmos, por espécies (em termos, aqui concretamente, da sequência e prazos parciais de execução).

Na verdade, são várias as normas do CCP que apontam no sentido de que o conceito de espécies não se reconduz a uma definição genérica, antes constituindo uma exigência de concretização dos meios - não compatível com a mera referência, nos planos de trabalhos, mão-de-obra e equipamentos, aos (amplos) capítulos/categorias de trabalhos previstos.

A este respeito, resulta do artigo 57º, n.º 2, al. a) do CCP que, no caso dos procedimentos de formação de contratos de empreitada ou de concessão de obras públicas, as propostas deverão ser constituídas por "uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projecto de execução" (realce nosso).

Daqui resulta, desde logo, que a lista de preços unitários identifica, concretamente, os preços correspondentes a todas e a cada uma das espécies. Por outro lado, é certo que esta lista em caso algum poderá apenas contemplar os preços dos trabalhos projetados por capítulos, antes se exigindo aos concorrentes uma previsão mais pormenorizada e concretizada, nas suas propostas, dos preços relativos a todos os itens/artigos de trabalhos a realizar.

Ora, tal exigência tem ainda fundamento no regime previsto no CCP quanto aos trabalhos a mais.

Em bom rigor, resulta do artigo 373.º, n.º 1 que:

"Na falta de estipulação contratual, o preço a pagar pelos trabalhos a mais e o respectivo prazo de execução são fixados nos seguintes termos:

a) Tratando-se de trabalhos da mesma espécie de outros previstos no contrato e a executar em condições semelhantes, são aplicáveis o preço contratual e os prazos parciais de execução previstos no plano de trabalhos para essa espécie de trabalhos;

b) Tratando-se de trabalhos de espécie diferente ou da mesma espécie de outros previstos no contrato mas a executar em condições diferentes, deve o empreiteiro apresentar uma proposta de preço e de prazo de execução" - sublinhado nosso.

Ou seja, decorre da mencionada norma que a determinação dos preços a pagar pela execução de trabalhos a mais (e, bem assim, de trabalhos de suprimento de erros e omissões, por força da remissão efetuada pelo artigo 377º, n.º 1 do CCP) depende da circunstância de os trabalhos em causa constituírem, ou não, trabalhos da mesma espécie dos contratualizados - o que só poderá ser aferido por referência, em bom rigor, à lista de preços unitários, devendo a mesma ser analisada para determinar se contempla ou não trabalhos da espécie dos que estão em causa.

Do exposto resulta evidenciado o que se deverá considerar como espécies de trabalhos - as concretas atividades a realizar pelo empreiteiro, por referência a cada um dos itens/artigos previstos na lista de preços unitários, pelo que não tem razão a concorrente quando invoca que o plano de trabalhos a apresentar em sede da formação do contrato apenas deverá incorporar as atividades críticas.

Por outro lado, fica também evidenciado que não bastará a mera referência aos trabalhos/mão-de-obra/equipamentos por capítulos/categorias, porquanto a sua generalidade impediria a aplicação das normas previstas no CCP quanto às referidas matérias.

De modo que, em boa verdade, caso se entendesse que espécies se reconduzem às categorias/capítulos, estar-se-ia a retirar utilidade à lista de preços unitários e ficaria impossibilitada a aplicação do regime de trabalhos a mais.

Nessa medida, e resultando de várias normas do CCP que o conceito espécies de trabalhos se refere às concretas atividades e tarefas a executar pelo empreiteiro, as quais deverão estar especificadas na lista de preços unitários, forçoso será concluir que tal exige um grau de concretização e determinação dos trabalhos que não se coaduna com meras referências genéricas a capítulos/categorias.

Por esse motivo, quando o artigo 361º, n.º 1 do CCP refere que os planos de trabalhos apresentados pelos concorrentes deverão fixar a sequência e os prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe a executá-los, tal implica, necessariamente, uma exigência de concretização e especificação que não se poderá considerar satisfeita com a organização do plano de trabalhos/mão-de-obra/equipamentos apenas em capítulos/categorias gerais de tarefas.

Ademais, aceitar um plano de trabalhos/mão-de-obra/equipamentos por capítulos também impossibilitaria o cumprimento do objetivo subjacente à exigência do mesmo - o controlo, por parte do dono da obra, da alocação dos referidos meios humanos e materiais à execução das espécies de trabalhos previstas. Assim sendo, é certo que, só estando especificada a sequência e prazos parciais de cada um dos concretos meios acocados à execução das espécies de trabalhos é que será possível saber, em cada momento, e controlar a respectiva execução.

O que significa que, atendendo ao modo como a concorrente apresentou os seus planos de mão de-obra e equipamentos, fica impossibilitado o controlo da boa execução da obra e o cumprimento do previsto no caderno de encargos, circunstância que implicaria a violação de normas legais do contrato a celebrar.

Nessa medida, tal plano de trabalhos não cumpre as exigências legais, tornando insuscetível de controlo (por parte do dono da obra).

Posto isto, e analisada a proposta apresentada pela concorrente no âmbito do presente procedimento, verifica-se que os respetivos planos não cumprem as regras constantes do artigo 361º, n.º 1 do CCP, sendo esta norma uma disposição com impacto na execução do contrato - tanto assim é que vem expressamente consagrada na parte relativa ao regime substantivo dos contratos administrativos,

Portanto, também não assiste razão à concorrente quando afirma que não é aplicável a causa de exclusão constante da al. f) do n.º 2 do artigo 70º do CCP.

Desta forma, tal omissão constitui uma causa de exclusão da proposta apresentada pela Concorrente n.º 4, nos termos do disposto na al. f) do n.º 2 do artigo 70º do CCP e al. o) do n. º 2 do artigo 146º do CCP.

Face ao exposto, o Júri do Procedimento propõe o indeferimento da reclamação apresentada pelo Concorrente no 4- A…………, S.A.

(Cfr. relatório final de análise de propostas, documento de fls. 163 do suporte físico do processo).

9. No Relatório Final (ponto 8), foi proposta a adjudicação à concorrente "B…………, Lda.", pelo preço de € 109.524,00 - correspondente ao procedimento com a referência "PLN.DGPLN.16.PC9/RAM.ram" e a designação "Empreitada de protecção e reabilitação do sistema costeiro entre a Foz do Rio Ancora e o Forte do Cão" (Cfr. documentos de fls. 168 a 174 do suporte físico do processo).

10. Através do ofício, datado de 08-06-2016 foi a Contra-interessada "B…………, Lda." notificada da decisão de adjudicação da empreitada, identificada no ponto anterior (Cfr. documento de fls. 168 e 169 do suporte físico do processo).

11. A Autora foi notificada da decisão de adjudicação, identificada no ponto 9, em 09-06-2016 (Cfr. documento de fls. 200 do suporte físico do processo).

12. A presente acção foi instaurada em juízo em 11.07.2016 (Cfr. folhas 1 e 2 do suporte físico do processo)”.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, relacionadas todas elas com a alegada verificação de erros de julgamento motivados por errada interpretação e aplicação da lei substantiva. Vejamos.

2.2. Erro de julgamento quanto ao objecto do recurso e ao direito aplicável

Refere a recorrente que em causa nestes autos está a questão da exclusão da proposta da ora recorrida com base na al. f) do n.º 2 do artigo 70.º conjugado com a al. o) do n.º 2 do artigo 146.º, ambos do CCP (“2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: (…) o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º”). Ora, como afirma a recorrente, ao invés de apreciar a dita exclusão à luz daquele dispositivo, o acórdão recorrido apreciou a causa de exclusão prevista na al. b) do mesmo preceito. Conforme consta da Conclusão D., afirma a ora recorrente que “O Tribunal a quo não se pronuncia nem decide acerca do fundamento invocado pela Recorrente, previsto na al. f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP – precisamente aquela que foi expressamente invocada para excluir a proposta da Recorrida/Impugnante, conforme resulta, de resto, dos factos provados”. Acresce a isto que, como se diz na Conclusão C., o Acórdão Recorrido erra no julgamento feito acerca da questão submetida a julgamento de recurso em 2.ª instância, não se pronunciando inclusive sobre a omissão de espécies de trabalhos no plano de trabalhos apresentado (cronograma temporal, al. b) do ponto 6 do convite, apesar de dar tal matéria por assente, quer através do ponto 3, quer 6. da matéria de facto provada) – restringindo especificamente o conhecimento do recurso sobre as omissões dadas por assentes nos planos de mão de obra e equipamentos”. Vejamos se assiste razão à recorrente.

Tendo em atenção a matéria de facto assente, dúvidas não existem de que a proposta da ora recorrida foi excluída com base na al. f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.
Mais dúvidas suscita o acórdão recorrido quanto à resolução que deu a esta específica questão. Quanto a ela, o acórdão recorrido aponta três vias distintas e nem sempre claras:
i) depois de criticar, e bem, a decisão da primeira instância que considerou a exigência do plano de trabalhos como um atributo da proposta, conclui assim: “Não tem o mínimo apoio na letra da lei a afirmação de que constitui motivo de exclusão não estar o plano de trabalhos devidamente descrito, nos termos da alínea do n.º 2 do artigo 70.º do Código de Contratos Públicos”. Pode atestar-se, a partir da leitura deste trecho, que está omitida a alínea do n.º 2 do referido artigo 70.º que serviu para fundar a convicção do julgador. Em todo o caso, o raciocínio em causa não tem que ver, pelo menos directamente, com o disposto na al. f) do artigo 70.º.
ii) “Também não é motivo de exclusão no caso concreto, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º Código de Contratos Públicos.
Quanto a outros elementos, como os termos ou condições da proposta que não constituam seus atributos, apenas são motivo de exclusão os que, não estando submetidos à concorrência, «violem aspectos da execução do contrato», ou seja, aqueles que digam respeito à execução do contrato e que de forma inequívoca afrontem o caderno de encargos e não aqueles em relação aos quais se suscitem dúvidas ou sejam omissos” (…) “Não há, desde logo, do que se expôs e face à matéria de facto provada, omissão de plano de trabalhos: foi apresentado um plano de trabalhos com a indicação de meios humanos e de equipamento para o conjunto da obra” (…) “Assim como não há nenhum ponto do plano de trabalhos que seja contrário aos instrumentos do concurso”;
iii) “O que, ao contrário do decidido, permite um controlo da execução por parte do dono da obra”.

Que dizer?
As considerações expostas em i) não têm relevância directa ou pertinência para a resolução da questão em apreço.
As considerações expostas em ii) prendem-se com o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP. Ora, como se viu, o júri excluiu a proposta com base na al. f) do n.º 2 do artigo 70.º e é esta exclusão, com este preciso motivo, que vem impugnada. Será isto impeditivo da apreciação, por parte do julgador, da mesma proposta à luz de outra das alíneas do n.º 2 do artigo 70.º? Em nosso entender, a resposta a esta questão deverá ser negativa se os factos invocados para excluir a proposta com base numa determinada alínea forem claramente subsumíveis numa outra alínea do mesmo preceito. Sucede que os factos invocados não são subsumíveis na al. b). Quando muito, poderia colocar-se a hipótese de eles serem subsumíveis na al. a). Não nos iremos, contudo, pronunciar sobre esta possibilidade, haja em vista que a parte final da al. a), relativa aos termos e condições, apenas foi introduzida em fase posterior à instauração da presente acção de contencioso pré-contratual (pelo DL n.º 111-B/2017, de 31/08), pelo que se não lhe aplica.

A consideração exposta em iii) é a única que tem que ver com o conteúdo da decisão de exclusão do júri – sem que, contudo, o acórdão recorrido a relacione com a al. f) do n.º 2 do artigo 70.º (cfr. o Relatório Final do júri, do qual extraímos agora um trecho constante do ponto 8. da matéria de facto: “Ademais, aceitar um plano de trabalhos/mão-de-obra/equipamentos por capítulos também impossibilitaria o cumprimento do objetivo subjacente à exigência do mesmo - o controlo, por parte do dono da obra, da alocação dos referidos meios humanos e materiais à execução das espécies de trabalhos previstas. Assim sendo, é certo que, só estando especificada a sequência e prazos parciais de cada um dos concretos meios acocados à execução das espécies de trabalhos é que será possível saber, em cada momento, e controlar a respectiva execução. O que significa que, atendendo ao modo como a concorrente apresentou os seus planos de mão de-obra e equipamentos, fica impossibilitado o controlo da boa execução da obra e o cumprimento do previsto no caderno de encargos, circunstância que implicaria a violação de normas legais do contrato a celebrar. Nessa medida, tal plano de trabalhos não cumpre as exigências legais, tornando insuscetível de controlo (por parte do dono da obra).

Voltando à decisão recorrida, não é muito claro que ela tenha apreciado o acto de exclusão da proposta do ora recorrido à luz da al. f) do n.º 2 do artigo 70.º, designadamente porque não há qualquer menção expressa a esta alínea. Ainda assim, aquele trecho acima transcrito, que, admite-se, até pode fazer parte da explicação relativa à não aplicação da al. b), incita-nos a apreciar a questão em apreço em homenagem ao princípio da tutela jurisdicional efectiva. Passemos, então, à sua apreciação.

“No caso de empreitada de obras públicas, o caderno de encargos deve incluir um projeto de execução da obra, conforme se dispõe no artigo 43.º, n.º 1. Ao definir esta exigência, o CCP define uma regra de separação contratual entre a conceção e a execução da obra pública (regra que conhece exceção, nos termos que veremos adiante, na presente nota). A Portaria n.º 701-H/2008, de 29 de julho, define as «instruções para a elaboração dos projetos de obras». a) Elementos que devem acompanhar o projeto de execução de obras.
O projeto de execução deve ser acompanhado de: a) uma descrição dos trabalhos preparatórios ou acessórios, tal como previstos no artigo 350.º; b) Uma lista completa de todas as espécies de trabalhos necessárias à execução da obra a realizar e do respetivo mapa de quantidades (artigo 43.º, n.º 4). Além disso, deve ser acompanhado, para além dos demais elementos legalmente exigíveis, dos que, em função das características específicas da obra, se justifiquem, nomeadamente: a) dos levantamentos e das análises de base e de campo; b) dos estudos geológicos e geotécnicos; c) dos estudos ambientais, incluindo a declaração de impacto ambiental, nos termos da legislação aplicável; d) dos estudos de impacte social, económico ou cultural, nestes se incluindo a identificação das medidas de natureza expropriatória a realizar, dos bens e direitos a adquirir e dos ónus e servidões a impor; e) dos resultados dos ensaios laboratoriais ou outros; f) do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, nos termos da legislação aplicável (artigo 43.º, n.º 5). Por fim, deve ainda ser acompanhado do planeamento das operações de consignação, seja esta total ou parcial nos termos do disposto nos artigos 358.º e 359.º (artigo 43.º, n.º 6)” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos (2.ª ed.), Vol. 1, Coimbra, 2018, p. 545, nota 512).

Atentemos agora no teor do artigo 361.º:

Artigo 361.º
Plano de trabalhos
“1 - O plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamentos.
2 - No caso em que o empreiteiro tenha a obrigação contratual de elaborar o programa ou o projeto de execução, o plano de trabalhos compreende as prestações de conceção sob responsabilidade do empreiteiro.
3 - O plano de trabalhos constante do contrato pode ser ajustado pelo empreiteiro ao plano final de consignação apresentado pelo dono da obra nos termos do disposto no artigo 357.º, bem como em caso de prorrogação do prazo de execução, de deteção de erros e omissões reclamados na fase de execução ou quando haja lugar a trabalhos complementares.
4 - Os ajustamentos referidos no número anterior não podem implicar a alteração do preço contratual, nem a alteração do prazo de execução da obra, nem ainda alterações aos prazos parciais definidos no plano de trabalhos constante do contrato, para além do que seja estritamente necessário à adaptação do plano de trabalhos ao plano final de consignação.
5 - O plano de trabalhos ajustado carece de aprovação pelo dono da obra, no prazo de cinco dias após a notificação do mesmo pelo empreiteiro, equivalendo o silêncio a aceitação.
6 - O procedimento de ajustamento do plano de trabalhos deve ser concluído antes da data da conclusão da consignação total ou da primeira consignação parcial.
7 - O dono da obra não pode proceder à aceitação parcial do plano de trabalhos”.

É importante salientar que chegamos ao preceito em apreço por remissão da al. b) do n.º 2 do artigo 57.º, aplicável ao caso dos autos. Atentemos no seu teor:
Artigo 57.º

Documentos da proposta


“(…)
2 - No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda ser constituída por:
(…)
b) Um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução;
(…)”.

Da conjugação de todos estes preceitos decorre com suficiente clareza que deverá haver uma adequação do plano de trabalhos apresentado no âmbito da proposta (conforme impõe a al. b) do n.º 2, do artigo 57.º) ao plano de execução constante do CE, pois só assim este será respeitado. E, por conseguinte, só assim, efectivamente, como afirmava o ora recorrido na sua contestação, só assim, dizia-se, será possível o controlo e a fiscalização do cumprimento dos prazos contratuais para efeitos de aplicação de eventuais sanções contratuais, a determinação de prorrogações do prazo de execução e ainda outros aspectos relacionados com eventuais trabalhos a mais.
No caso concreto dos autos, o ora recorrido não nega propriamente a, digamos, falta de pormenorização ou de detalhe do plano de trabalhos. Com efeito, na sua resposta em sede de audiência prévia diz o seguinte (cfr. ponto 7. da matéria de facto): “10. Alega o Exmo. Júri que, por não terem sido propostas todas as tarefas objeto da empreitada no Plano de Trabalhos, que existe fundamento para a exclusão, nos termos do disposto na alínea f), do n.º 2 do artigo 70.º, do CCP. 11. Ora, não é, nem pode ser assim. 12. Desde logo, o Plano de Trabalhos, nas empreitadas de obras públicas, reflete o planeamento concebido pelo Empreiteiro, de forma a atingir o primordial objetivo de cumprimento do prazo de execução. 13. Nas diversas etapas necessárias à execução duma empreitada, existem duas fases antes do início dos trabalhos, claramente distintas e de elevada importância, a fase de concurso e a fase preparatória (que antecede o início dos trabalhos). 14. No que concerne ao plano de trabalhos, verifica-se que na fase de elaboração da proposta o mesmo é elaborado de uma forma genérica, contemplando apenas as atividades críticas para execução da empreitada. 15. Ou seja, as atividades que influem em termos de prazo e rendimento. 16. Devido ao curto intervalo de tempo que antecede o convite para apresentação da proposta e o dia de entrega da mesma, torna-se muito difícil a uma empresa proceder a um estudo exaustivo da execução da obra de forma a apresentar um plano de trabalhos, de modo a transitar integralmente para a fase de execução. 17 Em regra, nestas situações, as empresas apresentam na proposta um plano de trabalhos que é apenas um estudo prévio do modo como se propõem a executar o trabalho”. Ora, como acima assinalado, pelo menos no que concerne aos contratos de empreitada, o plano de trabalhos há-de ser bem mais pormenorizado, em sintonia, aliás, com o próprio plano de execução contido no CE. Não pode, pois, deixar de considerar-se que se verificam omissões no plano de trabalhos apresentado pelo ora recorrido, as quais vão prejudicar ou impedir a aplicação de normas substantivas relacionadas com a execução do contrato. Questão que não foi tratada no acórdão recorrido e que, portanto, não trataremos, é a de saber se a al. f) se reporta a normas relativas ao procedimento de formação do contrato ou relativas à fase de execução do contrato (ou a ambas).

Tudo isto dito, há que concluir que, qualquer que tenha sido a fundamentação utilizada no acórdão recorrido para justificar a sua decisão (relembre-se que supra identificámos três vias, embora uma delas com algumas dúvidas), estamos perante um erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito aos factos.


2.3. Erro de julgamento quanto ao exacto alcance do artigo 361.º do CCP

Uma vez mais se salienta que chegamos ao preceito em apreço por remissão da al. b) do n.º 2 do artigo 57.º, aplicável ao caso dos autos. Atentemos novamente no seu teor:
Artigo 57.º

Documentos da proposta


“(…)
2 - No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda ser constituída por:
(…)
b) Um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução;
(…)”.

Atentemos uma outra vez no teor do artigo 361.º.
Artigo 361.º

Plano de trabalhos


“1 - O plano de trabalhos destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamentos.
2 - No caso em que o empreiteiro tenha a obrigação contratual de elaborar o programa ou o projeto de execução, o plano de trabalhos compreende as prestações de conceção sob responsabilidade do empreiteiro.
3 - O plano de trabalhos constante do contrato pode ser ajustado pelo empreiteiro ao plano final de consignação apresentado pelo dono da obra nos termos do disposto no artigo 357.º, bem como em caso de prorrogação do prazo de execução, de deteção de erros e omissões reclamados na fase de execução ou quando haja lugar a trabalhos complementares.
4 - Os ajustamentos referidos no número anterior não podem implicar a alteração do preço contratual, nem a alteração do prazo de execução da obra, nem ainda alterações aos prazos parciais definidos no plano de trabalhos constante do contrato, para além do que seja estritamente necessário à adaptação do plano de trabalhos ao plano final de consignação.
5 - O plano de trabalhos ajustado carece de aprovação pelo dono da obra, no prazo de cinco dias após a notificação do mesmo pelo empreiteiro, equivalendo o silêncio a aceitação.
6 - O procedimento de ajustamento do plano de trabalhos deve ser concluído antes da data da conclusão da consignação total ou da primeira consignação parcial.
7 - O dono da obra não pode proceder à aceitação parcial do plano de trabalhos”.

Alega a ora recorrente, fundamentalmente, que o plano de trabalhos apresentado pela recorrida não prevê todas as espécies de trabalhos previstas no Mapa de Trabalhos e Quantidades que integra o Caderno de Encargos (CE). Mais concretamente, não indicou todas as espécies de trabalhos e, deste modo, também não indicou, em relação a cada espécie de trabalho, os meios afectos (quer no cronograma temporal, quer no plano da mão de obra e no plano dos equipamentos necessários). Segundo a recorrente, o legislador impõe regras específicas para o conteúdo do plano de trabalhos, o qual é exigido aos concorrentes em procedimentos de formação de contratos de empreitada. O cumprimento (ou não) das exigências respeitantes ao conteúdo do plano de trabalhos tem implicações ao nível da aplicação de outros regimes substantivos consagrados no CCP já em sede de execução do contrato.
Conforme se viu supra, no ponto 2.2., além destas exigências previstas no artigo 361.º (Plano de trabalhos), ainda há aquelas relacionadas com a circunstância de estarmos perante um procedimento de formação de um contrato de empreitada. Ou, talvez melhor, neste caso, as exigências do artigo 361.º, lidas em conjugação com o disposto no artigo 43.º do CCP (Caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada) ainda se tornam mais específicas. Com isto, reafirma-se a conclusão de que um plano de trabalhos que não indica “todas as espécies de trabalhos e, deste modo, também não indicou, em relação a cada espécie de trabalho, os meios afectos (quer no cronograma temporal, quer no plano da mão de obra e no plano dos equipamentos necessários)” viola claramente o disposto nos artigos 361.º e 43.º do CCP. Por conseguinte, deve concluir-se que procede a invocação de erro de julgamento.

2.4. Erro de julgamento quanto à possibilidade de suprimento do eventual incumprimento de todas as exigências relativas ao plano de trabalhos

É afirmado no acórdão recorrido o seguinte:

“Ainda que as faltas detectadas, as faltas de indicações dos equipamentos e dos meios humanos, para os «levantamentos topográficos, montagem e desmontagem de estaleiro e painéis identificativos de empreitada» fossem relevantes para o controle da execução do contrato, não seriam omissões insupríveis e relevantes para efeitos de exclusão da proposta.

Isto porque podiam – e deviam – ser pedidos esclarecimentos, de forma a explicitar quais os meios humanos e equipamentos – indicados de forma global para a obra, seriam usados para cada fase e actividade, sem que daí resultasse qualquer alteração ou reformulação da proposta no seu todo. E sendo certo que, inequivocamente no caso concreto, apenas o preço era atributo das propostas, submetido à concorrência, e não a forma de execução.

Nestas circunstâncias era admissível esclarecer, ou explicitar, a proposta.

Como se sustenta no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17.03.2011, processo 07196 (sumário):

«I – A proposta deve ser sempre a mesma, ou seja, deve manter-se inalterada, apesar dos esclarecimentos. A proposta inicial deve manter-se tal como foi apresentada a concurso, devendo os esclarecimentos ser limitados a tornar claro o que já se incluía, embora de forma ambígua, na proposta inicial;
II – O esclarecimento que se traduza na reformulação ou complementação da proposta é ilícito»

A exclusão, pura e simples, embora não se vislumbre como possa violar o princípio da transparência (nem a Recorrente concretiza) para além de ilegal e violadora da concorrência, mostra-se desproporcional pois a Entidade Demandada tinha outra opção, legal, menos lesiva e radical, a de convidar a Autora, ora Recorrente, a explicitar os termos da sua proposta nos aspectos que se consideraram em falta”.

Atentemos agora no teor do artigo 72.º:
Artigo 72.º
Esclarecimentos e suprimento de propostas e candidaturas

1- O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.
2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º
3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.
4 - O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.
5 - Os pedidos do júri formulados nos termos dos n.os 1 e 3, bem como as respetivas respostas, devem ser disponibilizados em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, devendo todos os candidatos e concorrentes ser imediatamente notificados desse facto”.

Vejamos o que diz a doutrina. “Iniciado o processo de análise das propostas, o júri pode precisar de obter esclarecimentos ou clarificações dos concorrentes sobre aspetos do conteúdo das respetivas propostas. (…) Importa, todavia, assegurar que os esclarecimentos não conduzam a uma alteração da proposta: como se afirma no Acórdão do TJ de 04/05/2017, Esaprojekt, Proc. C-387/14, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação «opõem-se a qualquer negociação entre a entidade adjudicante e um proponente no âmbito de um procedimento de adjudicação de contratos públicos, o que implica que, em princípio, uma proposta não pode ser alterada após a sua apresentação, quer seja por iniciativa da entidade adjudicante quer do proponente». Para evitar esse resultado, o n.º 2 do artigo 72.º estabelece que «os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas», quer dizer, fazem parte das propostas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos, não completem ou alterem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º». O legislador, desde a versão originária do CCP, alude, neste preceito, apenas à alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º. Trata-se, porém, de uma referência deficiente, pois, como se afigura evidente, os esclarecimentos não podem envolver a alteração de qualquer aspeto da proposta que pudesse conduzir à sua exclusão por quaisquer razões materiais o que abrange todas as alíneas do artigo 70.º, n.º 2, e não apenas a alínea a). Numa palavra, esclarecer ou clarificar não pode ser modificar. Não obstante, já não nos parece de recusar que os esclarecimentos possam conduzir à clarificação sobre o sentido menos claro como se encontra descrito um termo ou condição ou até de um atributo, desde que seja nítido que o que está em causa é, não alterar nem completar, mas apenas explicitar, mas apenas explicitar ou clarificar o sentido do enunciado que descreve ou define os termos ou condições ou o atributo e que, segundo um critério objetivo, essa explicitação tenha uma correspondência no texto da proposta.
No Acórdão do STA de 10/7/2013 (P. 498/13), escreveu-se, a dado passo: «estes pedidos [de esclarecimento sobre as propostas] não se destinam a suprir erros, omissões ou insuficiências das propostas, mas, apenas e tão só, a tornar mais claros e transparentes os seus atributos, os seus elementos ou os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato. Isto é, a tornar mais compreensível o que nela já se encontrava, ainda que de forma menos inteligível e, por isso, a aclarar ou fixar o sentido de algo que já lá estava e não a alterar o seu conteúdo ou os elementos que com ele tenham sido juntos. Por isso é que esse pedido só é legítimo quando for indispensável à compreensão e/ou análise dos elementos já apresentados ou à avaliação da proposta».
Seguindo a mesma orientação, o Acórdão do STA, de 07/05/2015 (P. 01355/14), decidiu que «os ‘esclarecimentos’ permitidos pelo artigo 72.º do CCP, para se manterem fiéis ao princípio da imutabilidade da proposta, deverão limitar-se a tornar clara certa ambiguidade ou obscuridade da mesma, não podendo introduzir qualquer elemento novo que possa influir na sua apreciação e avaliação»” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos (2.ª ed.), Vol. 1, Coimbra, 2018, pp. 768-70).

Tudo isto dito, é nossa convicção que a via do pedido de esclarecimentos aos concorrentes não passa, sequer, o primeiro teste do princípio da proporcionalidade, ou seja, a referida via nem sequer é apta ou adequada para suprir as omissões da proposta apresentada (estando o plano de trabalhos inserido na proposta). Ora, não passando o primeiro teste, não há que apreciar se passou o teste da necessidade ou exigibilidade que o acórdão recorrido entende ter sido desrespeitado. É que a sua verificação é cumulativa. A mesma circunstância também nos dispensa de entrar na questão da distinção entre os aspectos submetidos à concorrência pelo CE e aqueles que não o foram. Por último, resta dizer que nada há no acórdão recorrido que sugira (designadamente não é mencionado o artigo 72.º do CCP – ou qualquer outro preceito!) que se pretendia fazer alusão à hipótese da regularização da proposta, possível quando se trate de aspecto não sujeito à concorrência, mediante a observância de ainda outras condições (por ex., não se tratar de irregularidade por preterição de formalidade essencial, de irregularidade substancial e de irregularidade orgânica). Não cabe, deste modo, enveredar, na nossa análise, por este caminho. Podemos, pois, avançar com a conclusão que, também agora, o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito aplicável.

2.5. Em face de todo o exposto, devem proceder todos os erros de julgamento imputados pela ora recorrente ao acórdão recorrido.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em julgar procedente o presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e mantendo-se a decisão da 1.ª instância.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 14 de Junho de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.