Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:021/21.0BALSB
Data do Acordão:11/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:ERRO DE DIREITO
REGULARIZAÇÃO
Sumário:A indevida aplicação do normativo de incidência fiscal configura um erro de Direito, a que é aplicável o prazo de regularização de 4 anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, e não uma simples inexactidão ou erro de cálculo constante de faturas, a que seria aplicável o prazo de 2 anos, previsto no artigo 78.º, n.º 3 do mesmo Código.
Nº Convencional:JSTA00071606
Nº do Documento:SAP20221123021/21
Data de Entrada:02/04/2021
Recorrente:Z........., APARTAMENTOS TURÍSTICOS, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. Z………, APARTAMENTOS TURÍSTICOS S.A., inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 7/2020-T no dia 28 de Dezembro de 2020 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgando parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros, referentes a Janeiro e Fevereiro de 2016, no valor de € 111.238,13, vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 152º do C.P.P.T, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com a decisão arbitral proferida no processo nº 281/2017-T do CAAD, – datado de 27 de Abril de 2018, o qual transitou em julgado.

II. Por despacho a fls. 145 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso e ordenou notificação da recorrida para contra alegar e do Ministério Público para emissão de Parecer.

III. A recorrente, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 56 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
1. Vai o presente recurso para uniformização de jurisprudência interposto do acórdão do Tribunal Arbitral proferido no processo n.º 7/2020-T (“acórdão recorrido”) por efetiva contradição com o acórdão do Tribunal Arbitral proferido no processo n.º 281/2017-T (“acórdão fundamento”), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 152.º do CPTA, ex vi artigo 25.º do RJAT.
2. Ambos comportam entre si a) situações de facto rigorosamente idênticas; b) um quadro normativo aplicável que não sofreu alterações; c) soluções jurídicas contraditórias e incompatíveis sobre a mesma questão fundamental de direito, ao que acresce que d) o sentido do acórdão fundamento está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, ao contrário do acórdão recorrido que dela frontalmente divergiu.
3. O recurso deverá, portanto, ser admitido, porque se mostram preenchidos todos os requisitos fundamentais de sua admissão. Com efeito,
4. Existe identidade de facto entre as duas decisões em confronto bastante para que se possa concluir que há uma incompatibilidade insanável entre as soluções jurídicas perfilhadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, posto que, conforme a ora recorrente desde logo antecipou nos artigos 79.º e seguintes da sua petição inicial, nos presentes autos foram suscitadas rigorosamente as mesmas questões amplamente debatidas e definitivamente resolvidas no seio do processo arbitral n.º 281/2017-T que deu origem ao acórdão fundamento.
5. Colocados em paralelo os factos dados como assentes em cada um dos arestos, nitidamente se verifica uma unívoca, plena e integral correspondência substancial das situações de facto pressupostas nas decisões em confronto (cf. artigos 14.º a 35.º, supra).
6. Os dois casos em pauta foram, porém, objeto de contraditória interpretação, e consequente decisão, do mesmo quadro normativo aplicado a idêntica situação factual, conforme se extrai do confronto entre as secções 6.2.2. do acórdão fundamento e B.2.1. do acórdão recorrido, respetivamente intituladas «O obstáculo à aceitação da retificação das faturas por não ter sido cumprido o prazo de dois anos» e «Quanto ao prazo de dois anos exigido pelo n.º 3 do artigo 78.º do CIVA».
7. O acórdão fundamento decidiu que o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA não se aplica ao imposto entregue em excesso por erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA, ao passo que o acórdão recorrido decidiu que o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA encerra um prazo de caducidade de natureza especial que impede a correção de um erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA com mais de dois anos.
8. A coincidência das questões decidendas é total: num e noutro caso, discutia-se se a regularização do IVA liquidado em excesso, por erro sobre os pressupostos de direito, nomeadamente por errada interpretação da verba 2.17 da Lista I Anexa ao CIVA, só poderia ser efetuada no prazo de dois anos de acordo com o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA.
9. De acordo com o douto acórdão fundamento, “o lapso cometido pela Requerente em torno da taxa de IVA aplicável aos serviços prestados aos seus clientes membros do Clube, o qual teve reflexo nas faturas emitidas entre janeiro de 2012 e outubro de 2014 e, consequentemente na autoliquidação de IVA desse período, consubstancia manifestamente uma situação de erro de enquadramento ou erro de direito”, logo, “não se poderá aplicar o regime nem o prazo do referido n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA.”
10. Já de acordo com o douto acórdão recorrido, pelo contrário, se “se a emissão da nota de crédito ou nota de débito for efetuada após o final do prazo de 2 anos àquele a que respeita a fatura a retificar, já não é possível proceder à regularização do IVA a favor do sujeito passivo”, porquanto está em causa “o prazo de dois anos exigido pelo n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, sendo que estamos perante um prazo de caducidade de natureza especial.”
11. Destarte, temos, pois, que, no caso do acórdão fundamento, o tribunal admitiu a totalidade das regularizações do imposto liquidado em excesso, porque em violação da verba 2.17 da Lista I Anexa ao CIVA, compreendido nas faturas emitidas aos clientes membros do Clube pela X……… - Gestão de Empreendimentos Turísticos, Sociedade Unipessoal, Lda., incluindo as com mais de dois anos.
12. Ao passo que, no caso do acórdão recorrido, o tribunal não admitiu a totalidade das regularizações do imposto liquidado em excesso, igualmente por violação da verba 2.17 da Lista I Anexa ao CIVA, compreendido nas faturas emitidas aos clientes membros do Clube pela Z………, Apartamentos Turísticos, S.A., excluindo as com mais de dois anos.
13. Existe, assim, plena identidade de factos e do direito entre as duas decisões, bastante para concluir que há incompatibilidade entre as soluções jurídicas preconizadas no acórdão fundamento e no acórdão arbitral.
14. Estamos, pois, em condições objetivas de afirmar que se mostram plenamente reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso, pois que dele emerge uma contradição juridicamente relevante que só o Pleno poder dirimir.
15. Acresce que a solução do acórdão recorrido está em desacordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo; é, pelo contrário, a solução do acórdão fundamento que encontra o respaldo da jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
16. Conforme a ora recorrente desde logo antecipou nos artigos 132.º e 156.º da sua petição inicial, é entendimento hoje consolidado na jurisprudência do STA, que o prazo aplicável para regularizar o IVA entregue em excesso numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º do CIVA, e não de dois anos, nos termos previstos no artigo 78.º do CIVA.
17. Dimana mesmo do Acórdão de 03 de junho de 2020 deste Supremo Tribunal, processo 0498/15.2BEMDL, com a superior clareza a que a respetiva Relatora já nos habitou, que “se a existência de um erro material ou de cálculo é susceptível de determinar a regularização do IVA liquidado em excesso ao abrigo do disposto no artigo 78.º do Código do IVA (vide o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 18 de Maio de 2011 no Processo n.º 0966/10), a existência de um erro de direito "não se enquadra nos "erros" tipificados no art.º 78º do CIVA" (neste sentido, vide o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 20 de Dezembro de 2017 no Processo n.º 0366/17).”
18. Donde, decisivamente, “face à inaplicabilidade das normas ínsitas no artigo 78.º do Código do IVA, no caso de erro de direito deverá ser aplicado o prazo geral e supletivo de quatro anos previsto no artigo 98.º do Código do IVA” (Idem).
19. Ora, no caso dos autos, basta convocarmos os concisos argumentos expendidos pela Dra Sílvia Oliveira na declaração em que expressou o seu voto vencido no sentido de considerar inaplicável o prazo de 2 anos do artigo 78.º do CIVA, para constatar que o sentido divergente do entendimento que logrou obter vencimento procede de erro de julgamento.
20. É hoje pacífico na jurisprudência tributária que o prazo de dois anos previsto no artigo 78º do CIVA se acha reservado a erros materiais ou manifestos, nele incluindo apenas as situações de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou de transcorrência formal (cf. os Acórdãos do STA, processos n.ºs 1427/14, de 28.06.2017; 0498/15.2BEMDL, de 03.06.2020; 0443/13.0BEPRT, de 17.06.2020; 1783/13.3BEBRG, de 18.11.2020 e 0136/14.0BEALM, de 02.12.2020; bem como decisões do CAAD n.ºs 117/2013-T, de 06.12.2013; 245/2013-T, de 28.03.2014; 251/2014-T, de 03.11.2014; 502/2014-T, de 19.12.2014; 608/2014-T, de 18.05.2015; 170/2016-T, de 07.12.2016; 649/2017- T, de 28.05.2018; 138/2018-T, de 03.09.2018 e 278/2018-T, de 12.02.2019, inter alia).
21. Tal como se afirmou no Acórdão de 28 de março de 2014, proferido no processo arbitral n.º 245/2013-T, “O erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA de uma operação não é uma inexatidão da fatura, nos termos referidos do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não uma inexatidão no cumprimento dos requisitos formais previstos para as faturas.”
22. E na esteira do acórdão fundamento, “Não existe uma definição legal do conceito de faturas inexatas, utilizado no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA, mas a terminologia utilizada aponta manifestamente no sentido de se ter em vista a “veracidade” dos elementos que devem constar das faturas, nos termos do artigo 36.º, e não as questões de enquadramento jurídico.”
23. Também na doutrina, ensina Alexandra Martins que “a inexactidão, nestas situações de erro de direito, não é específica da factura, a qual não é propriamente inexacta: ela apenas reflecte um erro de direito que lhe é anterior. Dito de outra forma, (…), há [nas situações de erro de direito] uma coincidência entre a vontade do sujeito passivo e aquilo que o sujeito passivo verte na factura”
24. ...enquanto que, nas situações de facturas inexatas, observa-se “uma dissociação entre a sua vontade e a sua declaração” (vide “Regularizações de IVA – A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014).
25. Conclui assim Alexandra Martins que, nas situações, como a dos presentes autos, de erro de enquadramento ou erro de direito, podem “os sujeitos passivos promover a respectiva regularização, a seu favor, nos termos do artigo 98.º do Código do IVA, id est, no prazo geral e supletivo de quatro anos aí previsto” (Ibidem, p.71, sublinhado nosso).
26. Não podia, pois, o acórdão recorrido desatender à jurisprudência acima identificada e extensamente citada na petição inicial destes autos a propósito da inaplicabilidade das normas ínsitas no artigo 78.º do Código do IVA, escorando-se na informação vinculativa nº 13182 da DSIVA que, não só não constitui um ato normativo em matéria tributária, como transgride, nomeadamente, a jurisprudência europeia que dimana do Acórdão Biosafe.
27. Em suma, quando da verificação de um erro de enquadramento ou erro de direito resultar uma regularização de imposto a favor dos sujeitos passivos, estes podem promovê-la nos termos do disposto no artigo 98.º do Código do IVA, isto é, no prazo geral e supletivo de quatro anos ali previsto (cf., por todos, o acórdão de 15 de setembro de 2020, processo 660/2017-T, CAAD).
28. O acórdão ora recorrido, que assim não entendeu, aplicando o prazo de dois anos previsto no artigo 78º do CIVA, está ferido de erro de julgamento.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto parecer a fls. 153 a 135 do SITAF
O presente recurso vem interposto por Z………, APARTAMENTOS TURÍSTICOS S.A. (Z…….), Requerente no processo arbitral n.º 7/2020-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Tendo sido notificada da decisão arbitral proferida em 28.12.2020 e não se conformando com ela, por entender que a mesma se encontra em oposição directa, quanto à mesma questão fundamental de direito com o a Decisão proferida no processo 281/2017-T que também correu termos no CAAD, vem, com invocação do disposto nos art.ºs 25º n.ºs 2, 3 e 4 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) aprovado pelo DL n.º 10/2011 e no art.º 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso para Uniformização de Jurisprudência.
É aqui recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
I - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
De acordo com o previsto no art.º 25.º n.º 2 do RJAT, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é … suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
A admissibilidade e prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência depende, no que aqui interessa, da verificação dos pressupostos seguintes:
a) Contradição entre as duas decisões identificadas e que ambas, a decisão impugnada e a decisão fundamento, tenham transitado em julgado;
b) Contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, substantivo ou processual;
c) Ser a orientação perfilhada na decisão impugnada desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;
(A este propósito pode ver-se o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha e bem assim o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
No que concerne à caracterização da questão fundamental de direito, é inquestionável que ela deve incidir sobre situações de facto idênticas, como são, alegadamente, aquelas sobre as quais se debruçaram as decisões ditas em oposição; é, pois, pressuposta, a identidade de situações de facto objecto de aplicação das mesmas normas de direito, porém, com solução diversa e oposta.
A oposição deverá emergir de decisões expressas e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que as decisões sejam proferidas na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica.
II - OBJECTO DO RECURSO
É objecto deste parecer, o pedido de admissão e apreciação de Recurso para Uniformização de Jurisprudência apresentado por Z……..nos termos do qual se impugna a decisão proferida no processo n.º 7/2020-T, por Tribunal Arbitral Colectivo, em matéria tributária, constituído sob a égide do CAAD, na sequência de pedido de pronúncia arbitral por aquela apresentado ao abrigo do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, RJAT) e supra identificado.
A questão que vem colocada pela recorrente e para a qual solicita resposta de uniformização é a de saber se deve julgar-se, como se julgou na decisão recorrida ou se, ao invés deve decidir-se nos termos em que se decidiu no Acórdão fundamento.
Alega a recorrente estar em causa, em ambos os processos a questão de saber se -à face do quadro fáctico reciprocamente idêntico … a regularização do IVA liquidado em excesso, por erro sobre os pressupostos de direito, nomeadamente, por errada interpretação da verba 2.17 da Lista I Anexa ao CIVA, só poderia ser efetuada no prazo de dois anos de acordo com o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA ou se poderia ser efetuada no prazo de quatro‖ anos previsto no art.º 98.º do mesmo código, como entendeu, diferentemente do acórdão recorrido, o acórdão fundamento.
Ou seja a questão de saber se tendo em vista a regularização e recuperação de IVA, pago em excesso por erro no enquadramento jurídico-normativo efectuado pela AT, se deve considerar que se tratou de erro susceptível de ser enquadrado no art.º 78.º n.º 3 do CIVA encerrando este normativo um prazo de caducidade de natureza especial, o qual impede a correcção do erro praticado há mais de dois anos.
A recorrente exerce a actividade de exploração de aldeamentos turísticos com serviço de restauração.
Considerando ter liquidado e pago IVA em excesso a requerente procedeu à emissão de notas de crédito e praticou um conjunto de actos, alegadamente de acordo com posição assumida pela Directora-Geral da AT, que considerou necessários e suficientes para que o IVA indevido fosse recuperado.
Nesse sentido, emitiu em Janeiro e Fevereiro de 2016, as notas de crédito e novas facturas, tendo em vista regularizar o imposto liquidado em excesso, incluído nas facturas emitidas aos clientes entre Abril de 2012 e Outubro de 2013, as quais perfizeram um total de € 1 981 406,79, com IVA incluído à taxa de 23%, no total de €370 506,96 e que tendo efectuado a respectiva correcção à taxa de 6% resultou o montante de IVA de €112 155,10, agora inscrito no campo 2 das declarações periódicas respectivas.
Posteriormente, na sequência de inspecção, notificada de liquidações adicionais de IVA referentes a Janeiro e Fevereiro de 2016 e das respectivas liquidações de juros compensatórios, requereu a anulação das mesmas e pediu indemnização pelos custos incorridos com a garantia bancária prestada nos respectivos processos de execução fiscal.
Como consta do Acórdão recorrido, a AT defendeu no ppa, de entre o mais a legalidade dos actos tributários.
Praticados e alega que a recorrente foi alvo de acção inspectiva – ordens de serviço n.ºs O1201900616/7/8/9 e O1201900486 relativas aos exercícios de 2015, 2016, 2017, 2018 3 2019, dos quais resultaram correcções em sede de IVA no montante de €26 475,64, €376 577,81, €7719,39, €4 631, 63 e €1914,75, respectivamente.
No que se refere ao ano de 2016 e aos períodos de Janeiro e Fevereiro, foram corrigidas as regularizações a favor do sujeito passivo, declaradas no campo 40 das DPs, nos montantes de €175 197,89 e 195 309,07 respectivamente.
O tribunal arbitral julgou improcedente o pedido de anulação das autoliquidações de IVA de Abril de 2012 a Outubro de 2013 concluindo que se impunha à requerente a prévia correcção das suas facturas mediante a emissão de notas de crédito e de novas facturas. Concluiu o tribunal que sem essa correcção prévia lhe estava vedada a possibilidade de obter em juízo a anulação de IVA pago em excesso.
Como pode ler-se na decisão recorrida,

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III – SITUAÇÃO DE FACTO
Antes de analisar a questão de direito identificada importa ter em consideração as situações de facto apuradas, no caso da decisão recorrida e no caso da decisão fundamento, as quais terão de ser substancialmente idênticas, tendo em vista a admissão do recurso. Assim:
No processo n.º 7/2020-T, apurou-se a matéria elencada de a) a tt) no ponto “II - DECISÃO A. MATÉRIA DE FACTO, A.1. FACTOS DADOS COMO PROVADOS‖, de entre o mais, o seguinte:


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Por seu turno, no Acórdão fundamento, foi dada como provada a matéria de facto que consta enumerada de 1. a 21. no ponto “5. MATÉRIA DE FACTO, 5.1. FACTOS PROVADOS‖ que aqui consideramos integralmente reproduzida.
Concordamos com a recorrente ao defender que as situações de facto apreciadas no caso da decisão recorrida e no caso da decisão fundamento são substancialmente idênticas, o que resulta da leitura e análise da matéria considerada assente.
Em ambos os casos, a Recorrente e a requerente no processo em que foi proferida a decisão fundamento são sociedades que se dedicam e exercem idêntica actividade, com sujeição às mesmas regras jurídicas, designadamente as que aqui importam quanto à sujeição a IVA, facturado aos respectivos clientes.
Em ambos os casos foi considerado que em determinado e idêntico período, aquelas sociedades autoliquidaram IVA à taxa normal, concluindo posteriormente que deviam tê-lo feito à taxa reduzida, apresentando pedidos de regularização, em concordância com posições assumidas pela Directora-Geral dos Impostos, em processos judiciais em que o litígio versava sobre IVA pago em excesso.
IV - ANÁLISE
Quanto à questão de direito:
Como supra referimos, em causa está a questão de saber se -à face do quadro fáctico reciprocamente idêntico … a regularização do IVA liquidado em excesso, por erro sobre os pressupostos de direito, nomeadamente, por errada interpretação da verba 2.17 da Lista I Anexa ao CIVA, só poderia ser efetuada no prazo de dois anos de acordo com o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA ou se poderia ser efetuada no prazo de quatro‖ anos previsto no art.º 98.º do mesmo código, como entendeu, diferentemente do acórdão recorrido, o acórdão fundamento.
Ou seja, em causa está a questão de saber se tendo em vista a regularização e recuperação de IVA, pago em excesso se deve considerar ter existido erro no enquadramento jurídico-normativo efectuado pela AT, ou se deve considerar-se que se tratou de erro susceptível de ser enquadrado no art.º 78.º n.º 3 do CIVA, encerrando este normativo um prazo de caducidade de natureza especial, o qual impede a correcção do erro praticado há mais de dois anos.
No acórdão fundamento decidiu-se no primeiro dos sentidos referidos, enquanto no acórdão recorrido se decidiu, contra a pretensão da requerente, aqui recorrente, que a questão devia ser tratada como erro susceptível de enquadramento no art.º 78.º n.º 3 do CIVA.
A decisão arbitral recorrida entendeu que, a rectificação de facturas inexactas constante do art.º 78, n.ºs 3 e 5 do CIVA, de que resulte imposto pago em excesso é em regra titulada por notas de crédito mas nos termos do n.º 3 do art.º 78.º do CIVA, se a emissão da nota de crédito ou nota de débito for efectuada após o final do prazo de dois anos àquele a que respeita a factura a rectificar, já não é possível proceder à regularização do IVA a favor do sujeito passivo. Ao invés, na decisão fundamento (281/2017-T) considerou-se que o lapso cometido pela requerente quanto à taxa de IVA aplicável aos serviços prestados, com reflexo nas facturas, consubstancia uma situação de erro de enquadramento jurídico, ou erro de direito, em virtude de erro de interpretação da lei, aplicando uma taxa superior à taxa legal; tal lapso é determinante de correcção da inexactidão das facturas, através da emissão de notas de crédito e de novas facturas, como fez a requerente o que deve ser relevado pela AT.
Discordando da decisão proferida no processo n.º 7/2020-T, entende a recorrente que deve prevalecer a interpretação constante do acórdão fundamento (Proc. n. 281/2017-T), o qual decidiu, efectivamente que -deve ser aceite pela AT o procedimento usado, de rectificação das facturas, através da emissão de notas de crédito e de novas facturas, tal como preceitua o CIVA”.
Concentrando-nos na questão de direito que vem suscitada importa ter presente que a questão é, na verdade, complexa, constatando-se que não estavam em causa erros de facturação, de preenchimento dos campos respectivos, ou de erros quanto aos montantes envolvidos, mas sim de interpretação de normas jurídicas, de complexa interpretação do sistema do tributo em causa, tal como foi apreciado na decisão fundamento.
De certa forma, aliás, a AT, corroborou a interpretação que foi sendo adoptada e deu nota do procedimento de rectificação a seguir.
Nesta perspectiva, tem razão a recorrente ao pretender uniformização da jurisprudência no sentido por si defendido e que lhe aproveita.
No caso, importa, ainda assim, ter presente o estabelecido no art.º 78.º n.º 5 do CIVA segundo o qual -quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução‖, tendo sido dado como provado em ii) do probatório supra citado que as facturas emitidas, bem como as notas de crédito, foram posteriormente remetidas aos adquirentes através de carta registada, a fim de dar conhecimento das mesmas – cf. a este propósito o Acórdão proferido por este STA no processo n.º 0380/08.0BEBJA 0204/14, em 10/10/2018. Nos termos deste Acórdão considerou-se que “I - De acordo com a jurisprudência do TJUE o direito comunitário não se opõe a que um sistema jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições susceptíveis de implicar um enriquecimento sem causa dos contribuintes (Acórdãos C- 192/95- Comateb, C-309/06 - Marks & Spencer, C-566/07, Stadeco e C- 398/09 -Lady & Kid A/S).
II - Em tais casos, a jurisprudência comunitária vem também afirmando que «compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» (cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco).
III - A norma do artº 71 nº 5 do CIVA, na redacção dada pelo artº 1º do Dec.Lei n.º 198/90, de 19 de Junho, ao condicionar a regularização a favor do sujeito passivo do imposto indevidamente liquidado à prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, não viola o direito comunitário, já que, pese embora constitua uma limitação ao direito ao reembolso, tal excepção visa precisamente obviar ou prevenir o enriquecimento sem causa do respectivo titular.”
V - CONCLUSÃO
Resulta de tudo o que a recorrente trouxe a este supremo Tribunal, se considerou e deixou exposto que a decisão recorrida decidiu em sentido oposto ao da jurisprudência existente e consolidada sobre a questão em análise.
Aliás, a recorrente disserta alongadamente, sobre a questão e apela à vasta jurisprudência existente, a qual menciona e identifica de forma exaustiva e que não necessita de mais considerações que aqui nos escusamos de fazer. E, no caso presente deve, salvo melhor opinião decidir-se de acordo com a vasta jurisprudência existente e mencionada.
Face ao exposto, damos parecer no sentido de que deve o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo admitir o recurso para uniformização de jurisprudência que veio interposto e apreciando o seu mérito, conceder-lhe provimento.

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso exarada a fls. 57 a 106 do SITAF, considerou como provados os seguintes factos:
a) A Requerente, à data dos factos tributários em causa no presente processo, era um sujeito passivo de IRC, residente em território nacional e enquadrada no regime normal de IVA de periodicidade mensal.
b) A Requerente tinha como atividade principal a exploração de aldeamentos turísticos com serviço de restauração.
c) Dos serviços disponibilizados pela Requerente, à data a que se reportam os factos, podiam desfrutar tanto os sócios do Clube como qualquer utilizador, em geral, embora sob condições diferentes.
d) Os referidos serviços eram prestados num estabelecimento de alojamento turístico de quatro estrelas sito na ……….., em …….., no Algarve, denominado ………..Country Club.
e) O estabelecimento de alojamento turístico referido no ponto anterior dispunha de 36 unidades de alojamento totalmente equipadas e prontas a ocupar e utilizar, e gozavam de um serviço diário de arrumação e limpeza, reposição de toalhas, roupa de cama e de consumíveis de higiene pessoal.
f) Esse mesmo estabelecimento dispunha de infraestruturas de apoio e lazer, como receção, bar, piscinas exterior e interior, sauna, ginásio, salão de jogos, espaços comuns de descanso.
g) No referido estabelecimento, a Requerente fornecia aos seus clientes serviços de atendimento personalizado, refeições ou outros serviços complementares específicos.
h) O estabelecimento da ora Requerente era exclusivamente procurado para fins não residenciais e o uso por todos os seus clientes circunscrevia-se a curtos períodos de tempo destinados ao repouso e ao lazer dos próprios.
i) A Requerente prestava todos os seus referidos serviços ao público em geral, mas oferecia condições mais vantajosas aos designados membros do ……….. Country Club (clube).
j) O referido estabelecimento de alojamento turístico integra todos os elementos típicos que caracterizam um qualquer estabelecimento destinado ao alojamento turístico e os serviços que nele se prestam não se distinguem, quanto à sua natureza, dos serviços prestados em qualquer outro hotel.
k) O Clube foi criado, pelos promotores do estabelecimento da ora Requerente, nos anos oitenta, ainda antes da sua construção, com o propósito de agregar e fidelizar clientes.
l) A qualidade de membro do Clube confere o direito de usos para alojamento temporário de uma determinada unidade de alojamento durante uma determinada semana de cada ano, a preços preferenciais.
m) A Requerente liquidava IVA à taxa reduzida sobre os serviços de alojamento hoteleiro prestados aos clientes que não eram membros do Clube.
n) Sobre valor do pagamento anual faturado pela Requerente a clientes membros do Clube pelo alojamento nas mesmas unidades, aquela liquidou IVA à taxa normal.
o) Nos períodos de imposto de abril de 2012 a outubro de 2013, a ora Requerente liquidou imposto, nas faturas que emitiu aos seus clientes membros do Clube à taxa de 23%, IVA que entregou ao Estado.
p) A Requerente, oportunamente, apresentou as declarações periódicas correspondentes aos períodos ora em causa, fazendo delas constar o IVA nos termos faturados, ou seja, e no que diz respeito aos membros do seu Clube, à taxa de 23%, IVA esse que entregou ao Estado.
q) A partir de novembro de 2013, a ora Requerente passou a faturar o serviço de alojamento hoteleiro à taxa reduzida de IVA, incluindo aquele que é prestado aos seus clientes membros do Clube.
r) Na sequência da apresentação de pedido arbitral em 04-02-2015, a Requerente foi notificada, em 19-05-2015 da resposta deduzida em juízo pela Senhora Diretora-Geral da AT, no âmbito do processo n.º 63/2015-T.
s) No âmbito do referido processo, a Diretora-Geral da AT reconheceu então que o serviço prestado pela Requerente aos membros do Clube correspondia a um serviço de alojamento em estabelecimento do tipo hoteleiro que deveria ser tributado à taxa reduzida.
t) Porém, alegou que a Requerente deveria ter promovido a correspondente regularização de IVA, em lugar de lançar mão da reclamação do artigo 131.º do CPPT (artigos 25.º e ss. da resposta) e, não o tendo então feito, concluiu a Requerida, naquele processo, que o pedido haveria necessariamente de improceder.
u) Assim, de acordo com o entendimento subscrito em juízo pela Senhora Diretora-geral da AT, “numa situação como a sub judice, em que se está perante a alteração da taxa de IVA aplicável, de 23% para 6%, independentemente do valor total pago pelo destinatário ser o mesmo (como se defende no pedido arbitral), impõe-se, sempre:
c. - A emissão de documento retificativo de fatura, isto é de notas de crédito e de novas faturas, nos termos do artigo 29.º, n.º 7 do Código do IVA, bem como,
d. - A respetiva contabilização da regularização e inscrição no campo 40 da declaração periódica referente ao período a que respeita a regularização, nos termos dos artigos 44.º e 45.º do Código do IVA.”
v) De igual modo, a respetiva decisão arbitral, proferida em 8 de novembro de 2015 no âmbito do processo acima identificado reconheceu igualmente que o serviço em causa correspondia a um serviço de alojamento em estabelecimento do tipo hoteleiro e, nessa medida, deveria ser tributado à taxa reduzida.
w) Porém, dando razão à AT nesse segmento, o Tribunal julgou improcedente o pedido de anulação por entender que “para que fosse possível anular as autoliquidações em questão, era necessário que as faturas emitidas pela Requerente, nas quais esta, confessadamente inclui 23% de IVA, fossem corrigidas, nos termos legais, para que passasse a constar das mesmas a taxa que aquela entende correta, ou seja, 6%, bem como o correspondente montante de imposto, decorrente da aplicação desta taxa, ao valor tributável da operação”.
x) Ou seja, o Tribunal julgou improcedente o pedido de anulação das autoliquidações de IVA de abril de 2012 a outubro de 2013, concluindo que se impunha à Requerente a prévia correção das suas faturas, mediante notas de crédito e novas faturas. Sem essa correção prévia, concluiu o tribunal que lhe estaria vedada a possibilidade de obter em juízo a anulação do IVA liquidado em excesso.
y) A Requerente pôs em marcha todo o conjunto de atos assim identificados pela Diretora-Geral da AT, e secundados pela referida decisão arbitral, como necessários e suficientes para que o IVA indevido fosse recuperado.
z) A Requerente optou assim por observar o procedimento que lhe foi transmitido em juízo pela Diretora-Geral da AT e pelo Tribunal Arbitral como sendo o correto.
aa) Assim, depois de ter sido notificada da decisão arbitral de 08 de novembro de 2015, a ora Requerente emitiu, em janeiro e fevereiro de 2016, as notas de crédito e correlativas novas faturas, tendo em vista regularizar o imposto em excesso incluído nas faturas emitidas aos clientes membros do ………. Country Club, entre abril de 2012 a outubro de 2013.
bb) Entre janeiro e fevereiro de 2016, a Requerente emitiu as notas de crédito identificadas no processo, que visaram anular as faturas em tempo emitidas aos membros do …………. Country Clube entre abril de 2012 e outubro de 2013, neste processo também devidamente relacionadas, que perfizeram um total de € 1.981.406,79, com IVA incluído à taxa de 23%, no total de € 370.506,96.
cc) Correlativamente, a ora Requerente emitiu as novas faturas também identificadas no processo, já retificadas em consonância com o procedimento descrito pela Diretora Geral da AT, que perfizeram justamente a mesma importância total de € 1.981.406,79, mas agora com IVA incluído à taxa de 6%, no total de € 112.155,10.
dd) Ainda em consonância com as referidas instruções da Diretora Geral da AT, secundadas pela douta decisão arbitral, o IVA no total de € 370.506,96 foi contabilizado na conta de regularizações a favor da empresa e como tal inscrito no campo 40 das DP referentes ao período a que respeita a regularização.
ee) Do mesmo modo, o IVA de € 112.155,10 foi contabilizado na conta de IVA liquidado à taxa reduzida e como tal inscrito no campo 2 das declarações periódicas respetivas.
ff) A Requerente não tem, para a totalidade das faturas objeto de regularização (tendo para a sua maioria), evidência de que o cliente, nacional ou estrangeiro, tomou conhecimento da mesma, apesar de para todos ter enviado, através de correio registado, cópia das faturas anuladas, respetivas notas de créditos e novas faturas com IVA liquidado à taxa de 6%.
gg) Conforme apuraram os SIT, no procedimento inspetivo de âmbito parcial (IVA), realizado na Requerente, relativamente aos anos de 2013/2014/2015/2016/2017/2018 e 2019, que teve início em 14-05-2019, motivado por pedido de reembolso apresentado pela Requerente (OI 2019 .../.../.../.../...), “em janeiro e fevereiro de 2016, o SP procedeu à emissão de notas de crédito referentes às faturas emitidas entre abril de 2012 e outubro de 2013 (…), cujo IVA aí contido era à taxa normal, e emitiu novas faturas aumentando a base tributável sobre a qual aplicou a taxa reduzida.”.
hh) Assim prosseguem os SIT no RIT que “desta forma, o valor total da nova fatura emitida é igual à anulada, havendo uma alteração quer da base tributável, quer do IVA liquidado” (Idem).
ii) De igual modo assinalando, que “estas novas faturas emitidas, bem como as notas de crédito, foram posteriormente remetidas aos adquirentes através de carta registada, a fim de dar conhecimento das mesmas, como será possível verifica através dos dois processos fotocopiados, a título exemplificativo, e que fazem parte do processo de evidência de trabalho” (Idem),
jj) E que “nas notas de crédito emitidas, consta, por baixo da numeração do documento, a menção “REF.: Reg CIVA 98.2 (Processos 348/2014 e 63/2015 CAAD)”.
kk) O apuramento do IVA regularizado e liquidado nos períodos em referência que a AT assim fiscalizou tem por base a totalidade dos originais de notas de crédito e novas faturas emitidas pela ora Requerente, devidamente acompanhadas dos comprovativos de que foi dado conhecimento aos clientes das regularizações em causa.
ll) Tal como faz notar o relatório dos SIT, cada processo individual de cliente integra os originais das faturas retificadas e notas de crédito, das novas faturas, expedientes e comprovativos, demonstrativos de que a ora Requerente deu conhecimento aos membros do motivo da retificação e de que o objeto das novas faturas coincide com o objeto das faturas antigas, mas agora com IVA liquidado à taxa de 6%.
mm) Isto é, que as notas de crédito e novas faturas foram emitidas em substituição das faturas antigas, cujo IVA foi liquidado à taxa normal de 23%, quando a taxa reduzida de 6% era a legalmente aplicável.
nn) Conclui, portanto, o relatório de inspeção, no que à presente impugnação interessa, que o procedimento em apreço teve enquadramento legal no n.º 1 do artigo 78.º do CIVA, que estabelece que “as disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.”.
oo) Com efeito, a Requerente emitiu as notas de crédito identificadas no processo, que visaram as faturas emitidas entre abril de 2012 e outubro de 2013 nele igualmente identificadas, perfazendo um total de € 1.981.406,79 com IVA incluído à taxa de 23%, no total de € 370.506,96.
pp) E, correlativamente, emitiu as novas faturas também identificadas, já retificadas em consonância com o teor da decisão arbitral nº 63/2015-T, que perfazem idêntico valor total de € 1.981.406,79, mas com IVA incluído à taxa de 6%, no total de € 112.155,10.
qq) Em consequência da inspeção realizada, foram notificadas à Requerente as seguintes liquidações de IVA e de juros:


[IMAGEM]



rr) A Requerente não procedeu ao pagamento das liquidações de imposto e juros identificadas no ponto anterior.
ss) A Requerente incorreu em custos com a prestação da garantia bancária ..., datada de 19-11-2019, e prestada nos processos de execução contra ela instaurados para cobrança coerciva das liquidações identificadas no ponto pp), supra, no montante total de € 5.867,82.
tt) A Requerente apresentou pedido arbitral, em 03-01-2020, no sentido de obter a anulação das referidas liquidações.

A decisão arbitral fundamento, proferido pelo Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo nº 281/2017-T datado de 27 de abril de 2018, deu como provado a seguinte factualidade:
1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC residente em território nacional e enquadrado no regime normal de IVA de periodicidade mensal;
2. A Requerente explora um estabelecimento de alojamento turístico sito em ..., ..., no ...., denominado F...;
3. O estabelecimento integra todos os elementos típicos que caraterizam um qualquer estabelecimento destinado a alojamento turístico e os serviços que nele se prestam não se distinguem, quanto à sua natureza, dos serviços prestados num vulgar hotel;
4. O estabelecimento explorado pela Requerente é exclusivamente procurado para fins não residenciais e o uso por todos os seus clientes circunscreve-se a curtos períodos de tempo destinados ao repouso e ao lazer dos próprios;
5. Nos anos oitenta, foi criado o G... (Clube) pelos promotores do estabelecimento, com o objetivo de agregar e fidelizar clientes e promover uma taxa de ocupação elevada e constante, independentemente da sazonalidade turística e dos ciclos de conjuntura económica;
6. Dos serviços disponibilizados podem desfrutar tanto os sócios do Clube como qualquer utilizador, em geral, sob condições diferentes, mais vantajosas para os sócios;
7. A qualidade de membro do Clube confere o direito de uso para alojamento temporário de uma determinada unidade de alojamento durante uma determinada semana de cada ano, a preços preferenciais;
8. A qualidade de membro depende de um pagamento anual que dispensa o pagamento de qualquer outra contraprestação pelo alojamento, mas que é tendencialmente inferior ao preço de idêntico alojamento cobrado aos demais clientes;
9. Caso falte a esse pagamento anual, o cliente perde a sua qualidade de membro e passa a ser tratado como qualquer outro, podendo apenas ocupar uma unidade de alojamento disponível mediante o pagamento do preço devido por qualquer cliente não membro do Clube;
10. A Requerente fatura periodicamente à H..., sociedade de direito inglês, as semanas reservadas aos membros do Clube;
11. O serviço que a Requerente presta a todos os seus clientes, membros e não membros do Clube, é idêntico;
12. O serviço que a Requerente presta a todos os seus clientes, membros e não membros do Clube, consiste em alojamento do tipo hoteleiro;
13. A Requerente liquidou IVA à taxa reduzida sobre os serviços de alojamento hoteleiro prestado aos clientes que não são membros do Clube, ao passo que sobre o valor do pagamento faturado a clientes membros do Clube pelo alojamento nas mesmas unidades, a Requerente vinha liquidando IVA à taxa normal;
14. O preço estabelecido pela Requerente junto dos seus clientes membros do Clube pelo serviço de alojamento hoteleiro que lhes presta é, desde sempre, um preço final, com IVA incluído;
15. Sem que pudesse cobrar aos seus clientes qualquer importância adicional ao valor do encargo fixo que com contratou com a H..., a Requerente reduziu a sua margem, para que no mesmo preço pudesse incluir IVA à taxa normal.
16. Dada a identidade dos serviços que presta a todos os seus clientes, a Requerente entendeu que devia tratá-los de modo uniforme para efeitos da sua sujeição a IVA;
17. A Requerente emitiu, entre janeiro e outubro de 2016, notas de crédito das faturas emitidas à H..., e as correlativas novas faturas com IVA à taxa reduzida, tendo em vista regularizar o imposto em excesso incluído nas faturas emitidas entre janeiro de 2012 e outubro de 2014;
18. O IVA à taxa normal constante das notas de crédito emitidas, no valor de 803.770,42 €, foi contabilizado na conta regularizações a favor da empresa e inscrito no campo 40 das declarações periódicas de IVA;
19. E o IVA à taxa reduzida no valor de 243.307,02 € constante das novas faturas emitidas foi contabilizado na conta de IVA liquidado à taxa reduzida e inscrito no campo 2 das declarações periódicas de IVA;
20. A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária pela Direção de Finanças de ..., na sequência de um pedido de reembolso de IVA solicitado na declaração periódica de IVA do mês de agosto de 2016.
21. A Requerente foi notificada das seguintes liquidações, juntas ao pedido arbitral:
a) Liquidação adicional de IVA n.º... do período 1601M;
b) Liquidação adicional de IVA n.º ... do período 1603M;
c) Liquidação adicional de IVA n.º ... do período 1607M;
d) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1602M;
e) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 16031;
f) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1604M;
g) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1605M;
h) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1606M;
i) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1607M
j) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1608M;
k) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1609M;
L) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1610M;
M) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2017 ... do período 1610M;
N) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017 ... do período 1602M;
o) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017 ... do período 1603M;
p) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017... do período 1604M
q) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017... do período 1605M;
r) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017 ... do período 1606M;
s) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017 ... do período 1607M;
t) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017... do período 1609M;
u) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017... do período 1610M;
v) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017... do período 1610M;
w) Demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2017... do período 1608M;
x) Demonstração de acerto de contas n.º 2017... do período 1602M;
y) Demonstração de acerto de contas n.º 2017... do período 1602M;
z) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1603M;
aa) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1603M;
bb) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1604M;
cc) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1604M;
dd) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1605M;
ee) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1605M;
ff) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1606M; gg) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1606M; hh) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1607M; ii) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1607;
jj) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1609M;
kk) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1609M; ll) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1610M;
mm) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1610M;
nn) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1610M;
oo) Demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... do período 1610M;

II.2 – De Direito
I. São três as questões que importa dirimir no âmbito do presente Processo:

a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito?

b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso deve ser rejeitado pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal?

c) Sendo negativa a resposta à questão anterior, deve ser provido o presente recurso?

II. Uma vez que tem precedência sobre as demais, importa começar por recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso:

- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito nos casos em que:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.

IV. Vertendo ao caso concreto presente nas decisões em confronto, parece inevitável a conclusão de que nos encontramos, na verdade, diante situações de facto semelhantes.
Assim, pode-se constatar a mencionada semelhança nos seguintes factos:
- os contribuintes de ambas as decisões em confronto são sujeitos passivos de IVA, sem qualquer isenção;
- ambos os sujeitos passivos desenvolvem actividade de alojamento turístico;
- ambos os sujeitos passivos operam no Algarve, onde possuem empreendimentos para o efeito;
- ambos os sujeitos passivos constituíram, de há muito, clubes de membros, em regime time-sharing;
- ambos os sujeitos passivos fornecem serviços, igualmente, a clientes não membros;
- ambos os sujeitos passivos cobravam IVA à taxa normal para os serviços de time-sharing;
- ambos os sujeitos passivos cobravam IVA à taxa reduzida para os serviços destinados aos restantes clientes;
- ambos os sujeitos passivos conformavam os procedimentos de auto-liquidação por si adotados com aquela que era a interpretação sustentada pela AT para esta factualidade;
- ambos os sujeitos passivos enquadraram e faturaram erradamente relativamente a períodos tributários parcialmente idênticos – Abril 2012 a Outubro de 2013 (decisão recorrida) e Janeiro 2012 a Outubro de 2014 (decisão fundamento);
- ambos os sujeitos passivos lograram decisões arbitrais onde lhes foi reconhecido o errado enquadramento jurídico das operações relativas aos serviços de time-sharing, sendo declarado como aplicável o IVA à taxa reduzida, segundo a verba 2.17 da Lista I anexa ao Código do IVA, conjugada com o artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA;
- ambos os sujeitos passivos promoveram as diligências para regularização da situação – com emissão de notas de créditos e novas facturas – e obtenção do reembolso do IVA indevidamente cobrado à taxa normal, em termos reputados pela AT de “necessários e suficientes”.
Não há, a este respeito, e atenta a profunda semelhança da factualidade acabada de exarar, nada mais a apontar que possa obstar à conclusão de que nos encontramos diante de situações de facto indiscutivelmente semelhantes.

V. Quanto ao quadro legislativo considerado em ambas as decisões, logo se vislumbra que ele é exactamente idêntico quanto às normas envolvidas, não se registando quaisquer alterações a reportar quanto ao mesmo: as redacções dos artigos 78.º, n.º 3 e 98.º, n.º 2, ambos do Código do IVA, não sofreram modificações nos momentos a que se reportam os factos relevantes, quer se trate da data da emissão das facturas originárias, quer se trate da data da emissão das faturas corrigidas (ano de 2016).

VI. Por fim, para concluir a resposta à primeira pergunta, cabe ainda apurar se, quanto ao respectivo segmento decisório e fundamentação, as decisões em confronto se opõem ou não.
E a resposta a esta questão é indubitavelmente afirmativa.
Assim, na decisão fundamento, pode ler-se que “não se poderá aplicar o regime nem o prazo do referido n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA.” e, mais adiante, que “…o lapso cometido pela Requerente em torno da taxa de IVA aplicável aos serviços prestados aos seus clientes membros do Clube, o qual teve reflexo nas faturas emitidas entre janeiro de 2012 e outubro de 2014 e, consequentemente na autoliquidação de IVA desse período, consubstancia manifestamente uma situação de erro de enquadramento ou erro de direito. Em virtude de uma incorreta interpretação da lei, a Requerente aplicou àqueles serviços uma taxa de IVA de 23%, superior à legalmente aplicável de 6%” e, em conformidade, julga procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações objeto dos autos.
Já na decisão recorrida, bem pelo contrário, pode ler-se que “se a emissão da nota de crédito ou nota de débito for efetuada após o final do prazo de 2 anos àquele a que respeita a fatura a retificar, já não é possível proceder à regularização do IVA a favor do sujeito passivo. Ora, o prazo de dois anos invocado conta-se a partir da emissão da fatura inexacta…”, uma vez que se trata de “o prazo de dois anos exigido pelo n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, sendo que estamos perante um prazo de caducidade de natureza especial” e, em conformidade, apenas admite a regularização parcial do IVA, até ao limite desse período.
Em face do exposto, temos assim por afirmativa a resposta à primeira questão.

VII. Cabe, em seguida, passar à segunda questão, indagando se o presente recurso deve ser rejeitado pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal.
Ora, a resposta a esta questão é negativa: a solução sufragada na decisão arbitral recorrida não encontra suporte na jurisprudência fiscal superior mais recente.
Com efeito, a posição segundo a qual um erro de enquadramento jurídico de uma operação, em virtude da errada aplicação da norma de incidência objectiva, deve ser enquadrado no artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA não logra suporte na interpretação que deste artigo faz este Supremo Tribunal.
Sucede que a decisão recorrida é cabal quando entende que a errada aplicação da norma de incidência não se qualifica como “erro de enquadramento da operação”, mas antes que, “no caso concreto estamos perante faturas inexatas” – cfr. respectivos §§ 24, 25, 26 e 27.
Ora, esta leitura não encontra suporte em qualquer jurisprudência deste Supremo Tribunal que, em qualquer caso, nem sequer surge minimamente citada.

VIII. Ficamos, pelo exposto, habilitados a admitir o presente recurso e conhecer do respectivo mérito.
Ora, aqui chegados, julgamos ser bastante cristalina a leitura dada por este Supremo Tribunal à questão que opõe as decisões recorrida e fundamento: os escopos de aplicação do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA e do artigo 98.º, n.º 2 do mesmo Código.
É assim que, logo no recente Acórdão proferido em 17 de Junho de 2020, no Processo n.º 413/13, esclareceu este Supremo Tribunal, em termos que reputamos de lapidares, que: “I - A lei distingue prazos para o exercício do direito à dedução de IVA ou de reembolso de imposto entregue em excesso: - como regra, quatro anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução ou do pagamento em excesso (art. 98.º n.º 2 CIVA); - no caso de correcção de erros materiais ou de cálculo, dois anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução, sendo facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo e obrigatória quando resultar imposto a favor do Estado (art. 78.º n.º 6 CIVA).” (disponível em www.dgsi.pt).
Mais recentemente, em 7 de Abril de 2021, relativamente ao Processo n.º 835/13, também se esclareceu neste Supremo Tribunal que: “O prazo aplicável para reclamar do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) entregue em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.” E, da mesma data, consta o Acórdão proferido no Processo n.º 1056/15, onde se pode ler: “II - O prazo para proceder à retificação do imposto dedutível, em caso de erro material ou de cálculo, é o previsto no n.º 6 do artigo 71.º do Código do IVA, na redação da Lei n.º 39-A/2005, de 29/07 (que corresponde ao n.º 6 do artigo 78.º), ou seja, de dois anos.” (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
E, mais recente ainda, em 12 de Maio de 2021, por acórdão proferido no Processo n.º 1023/15, pode ler-se que: “Uma correcção motivada pela indevida utilização de um método legal de dedução, quando um outro método legal deveria ser aplicável, configura um forçoso erro de Direito (situação patológica), sendo tempestivo o pedido de correcção/revisão da auto-liquidação se efetuado no prazo de quatro anos.” – disponível, igualmente, em www.dgsi.pt

IX. Em acrescento a esta jurisprudência, cabe apenas sublinhar que, já anteriormente, logo em 28 de Junho de 2017, se podia ler no Acórdão lavrado no Processo n.º 1427/14, que: “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.” (disponível em www.dgsi.pt).
Existe, por isso, ao longo pelo menos da última meia década, uma sedimentada separação das situações patológicas de exercício do direito à dedução e dos seus respectivos prazos: por um lado, os erros materiais ou de cálculo e as inexactidões de faturas, para os quais vigora o prazo de dois anos; por outro lado, os erros de Direito, relativamente aos quais vale o prazo de quatro anos.
Assim sendo, pela consulta destes ou dos demais acórdãos e decisões onde esta temática foi tratada (veja-se o extenso levantamento feito pelo Recorrente, nesta sede e em sede arbitral), poderia a decisão recorrida ter evitado a conclusão por si dada, segundo a qual uma indevida aplicação do normativo de incidência fiscal aplicável a um tipo de operações configura uma inexactidão de faturas, às quais se aplicaria o prazo de 2 anos.
Pelo contrário, um erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA de uma operação não é uma inexactidão da factura, nos termos referidos do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, mas antes um erro de Direito, enquadrável no artigo 98.º do Código do IVA.

X. Cabe, por isso, concluir de acordo com o propugnado na decisão fundamento, uniformizando jurisprudência no sentido de que a indevida aplicação do normativo de incidência fiscal configura um erro de Direito, a que é aplicável o prazo de regularização de 4 anos.


III. CONCLUSÃO
A indevida aplicação do normativo de incidência fiscal configura um erro de Direito, a que é aplicável o prazo de regularização de 4 anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, e não uma simples inexactidão ou erro de cálculo constante de faturas, a que seria aplicável o prazo de 2 anos, previsto no artigo 78.º, n.º 3 do mesmo Código.


IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em, tomando conhecimento do mérito do presente Recurso, conceder provimento ao mesmo e anular a decisão arbitral recorrida na parte objeto do presente recurso uniformizador.

Custas pela Recorrida.

Comunique-se ao CAAD.


Lisboa, 23 de Novembro de 2022. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.