Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01648/15
Data do Acordão:05/09/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
ISENÇÃO
REENVIO PREJUDICIAL
DIREITO DE HABITAÇÃO
Sumário:Se a actividade do sujeito passivo não é enquadrável na prestação de serviços ou actividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, então também não cabe na previsão do disposto no referido art. 9º, nº 27, al. e) do CIVA.
Nº Convencional:JSTA000P23275
Nº do Documento:SA22018050901648
Data de Entrada:12/11/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios relativas aos períodos de 201103T a 201403T, no montante de € 16.630,99.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª. O Recorrente é, conforme resultou provado, um prestador de serviços cuja actividade foi inicialmente enquadrada no âmbito do artigo 9º do Código do IVA, com efeitos a partir de 15 de setembro de 2010.
2ª. A Autoridade Tributária, na sequência de uma ação de fiscalização, manifestou a sua discordância em relação ao enquadramento do Recorrente, por entender que a actividade por si exercida não é susceptível de beneficiar da isenção prevista no artigo 9º do Código do IVA.
3ª. A Autoridade Tributária pode legitimamente proceder a correcções no enquadramento da actividade dos sujeitos passivos, desde que tais alterações apenas produzam efeitos para o futuro.
4ª. A análise do conteúdo das declarações de início de actividade, permite concluir inequivocamente que o enquadramento para efeitos de IVA, no regime normal ou nos regimes de isenção, é da responsabilidade da Autoridade Tributária.
5ª. Ainda que incumba ao sujeito passivo o preenchimento e a entrega da declaração de início de actividade, a verdade é que os elementos dela constantes apenas são vinculativos após a validação que, obrigatoriamente, tem que ser efectuada pela Autoridade Tributária.
6ª. Na verdade, no campo 9, o sujeito passivo declara os dados que espera vir a ter da sua actividade, cabendo à Autoridade Tributária, mediante o preenchimento do campo 10, que é de uso exclusivo dos Serviços de Finanças, validar os dados que foram indicados e proceder ao enquadramento no regime normal ou nos regimes de isenção.
7ª. A Autoridade Tributária tinha conhecimento, desde o início, da actividade que o Recorrente pretendia exercer, já que, no campo 8 da supra mencionada declaração de início de actividade, teve que proceder à respectiva indicação expressa e colocar o código da actividade económica (CAE) que lhe corresponde.
8ª. Não pode a Autoridade Tributária ter conhecimento da actividade que o sujeito passivo vai exercer, validar todos os dados a ela inerentes e o respectivo enquadramento em sede de IVA e proceder, passados alguns anos, à alteração com efeitos retroactivos, sem colocar em causa, na relação jurídico-tributária, os princípios da irretroactividade e da segurança jurídica.
9ª. Este entendimento tem expresso acolhimento na lei vigente, já que é o próprio nº 3 do artigo 35º do Código do IVA que dispõe de forma clara e inequívoca que “As declarações são informadas no prazo de 30 dias pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se pronuncia sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação”.
10ª. A impossibilidade de aplicação retroactiva encontra-se expressamente prevista na lei a propósito da prestação de informações vinculativas, conforme se pode verificar pelo disposto no nº 16 do artigo 68º da Lei Geral Tributária.
11ª. O normativo referido dispõe expressamente que as informações vinculativas podem ser revogadas, com efeitos para o futuro, após um ano a contar da sua prestação, precedendo audição do requerente, nos termos da presente lei, com a salvaguarda dos direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos.
12ª. O artigo 68º-A da Lei Geral Tributária refere expressamente que a Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, não podendo ser invocáveis retroactivamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.
13ª. Este entendimento tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme se pode verificar através do acórdão de 29 de fevereiro de 1996, referente ao processo C-110/94, usualmente designado por acórdão Inzo.
14ª. No acórdão mencionado refere-se expressamente, no ponto nº 21, que “...como observou a Comissão, o princípio da segurança jurídica opõe-se a que os direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela Administração Fiscal.
15ª. Daí resulta que, a partir do momento em que a Autoridade Fiscal aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio ser-lhe depois retirado com efeitos retroativos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos”.
16ª. Neste contexto, conclui o acórdão em causa no ponto nº 25, “...que exceto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroativos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e coloca-la em liquidação, de modo que a atividade económica projetada não deu origem a operações tributáveis”.
17ª. Tudo visto, são ilegais as liquidações adicionais do IVA, tendo em conta que o enquadramento no regime de isenção foi efectuado pela Autoridade Tributária e que a respectiva alteração, a ser possível, apenas pode ter efeitos para o futuro, sob pena de violação do principio da irretroactividade e da segurança na aplicação das normas.
18ª. A actividade do Recorrente sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respectiva venda por parte da empresa que os comercializa.
19ª. Na douta sentença não resulta provado, nem sequer por indícios, que a actividade diária do Recorrente não consistia na realização de sucessivas reuniões com clientes novos ou com clientes que já eram detentores de alguns dos serviços que a empresa comercializa, aos quais apresentava os produtos, com a indicação das respectivas características e preço, fechando o contrato, no caso de haver acordo.
20ª. Também não ficou demonstrado, já que o Tribunal a quo dispensou a inquirição das testemunhas arroladas, por entender que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, que o Recorrente, no exercício da actividade, apresentava os produtos, evidenciava as respectivas características e procedia à respectiva negociação.
21ª. Segundo o entendimento da Prof. Dra. Clotilde Celorico Palma, na matéria relacionada com a venda de direitos de habitação turística, “... foi acolhido pela Administração Fiscal o entendimento sufragado num parecer elaborado por J. G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier”.
22ª. A elaboração do parecer, “…foi solicitada pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tendo em vista clarificar o tratamento em IVA das situações qualificadas como transmissões de direitos reais de habitação periódica e como direitos de utilização turística, tendo o entendimento acolhido sido expressamente consagrado no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)”.
23ª. Em conformidade com a orientação veiculada no parecer, “...quando o direito de habitação periódica se apresenta como um direito real a transmissão de tais direitos é sujeita a IMT, pelo que a respetiva transmissão está isenta de IVA, por aplicação direta do nº 31 do artigo 9º do Código do IVA.
24ª. A isenção do nº 31 do artigo 9º do Código do IVA não abrange a transmissão de direitos obrigacionais de habitação turística (DOHT), isto é, dos direitos de habitação turística”.
25ª. A situação dos direitos obrigacionais de habitação turística, “...ao tempo não regulamentados, não foi prevista no Código do IVA, existindo, assim, uma lacuna de previsão e regulamentação na disciplina das isenções em sede deste imposto”.
26ª. O parecer em causa, acolhido pela Administração Fiscal, dispõe que “Os títulos de direitos obrigacionais de habitação turística têm todas as características para serem enquadráveis no conceito de demais títulos a que se refere a alínea f) do nº 28 do artigo 9º do Código do IVA.
27ª. A inclusão dos títulos de direitos obrigacionais de habitação turística na antedita isenção, permite chegar a uma solução neutra, equiparando o seu tratamento com o concedido aos direitos reais de habitação periódica, o que deverá constituir uma preocupação central do IVA”.
28ª. Em conclusão, a actividade levada a efeito pelo recorrente, que consiste na promoção, negociação e comercialização de serviços relacionados com a utilização de imóveis para férias, é susceptível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na alínea e) do nº 27 do artigo 9º do Código do IVA, na redacção em vigor à data em que os serviços foram prestados.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença, determinando-se a anulação das liquidações adicionais do IVA referente aos períodos de junho de 2010 a março de 2014, por manifesta violação dos princípios da irretroactividade e da segurança na aplicação das normas ou, no caso de assim se não entender, por violação da isenção prevista na al. e) do nº 27 do art. 9º do CIVA.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença do TAF de Loulé exarada a fls. 70 e seguintes, que julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação oficiosa de IVA, referente ao período de 2010 a 2014, no valor de € 16.630,99 euros.
Considera o Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação da lei.
Para o efeito alega que as correções em sede de enquadramento da atividade dos sujeitos passivos apenas tem efeitos para futuro, não podendo o novo enquadramento ser aplicado em períodos anteriores, sob pena de violação dos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica, que resultam designadamente do disposto no nº 16 do artigo 68º da LGT.
Mais considera, invocando um alegado parecer acolhido pela AT, que “os títulos de direito obrigacionais de habitação turística têm todas as características para serem enquadráveis no conceito de demais títulos a que se refere a alínea f) do nº 28 do artigo 9º do Código do IVA”.
Entende, assim, que a atividade por si realizada é suscetível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na alínea e) do nº 27 do artigo 9º do CIVA, na redação então em vigor.
E termina pedindo a revogação da sentença.
2. Da sentença recorrida resulta que o impugnante/Recorrente está coletado desde 01/10/2010 pela atividade de comissionista, CAE 1319, tendo ficado enquadrado para efeitos de IVA no regime de isenção do artigo 9º do CIVA até 31/01/2014.
Mais dá como assente a sentença recorrida que a atividade do impugnante consiste na angariação de clientes e promoção dos serviços, garantindo a concretização da respetiva venda por parte da sociedade “B……….…”, que se dedica à comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis, atividade vulgarmente conhecida por “time-sharing”. E pelo exercício da referida atividade o impugnante é remunerado através do pagamento de comissões contra a emissão de “recibos verdes”, nos quais não é feita liquidação de IVA, ao abrigo do disposto no artigo 9º do CIVA.
Resulta da factualidade apurada que a ATA discordou do entendimento sufragado pelo sujeito passivo no sentido de beneficiar da isenção prevista no artigo 9º do CIVA, com base em que “não há qualquer intervenção do sujeito passivo na negociação dos contratos ou na venda dos mesmos”, motivo pelo qual conclui que não pode ser enquadrado naquele preceito legal. E nessa medida considerou que o sujeito passivo devia ser enquadrado no regime normal, com periodicidade trimestral a partir de 01/02/2011, devendo ser tributado ao abrigo do disposto nos artigos 1º, nº 1, alínea a), 2º, nº 1, alínea a), e 4º, nº 1, todos do CIVA.
3.1 O Recorrente começa por invocar a violação dos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica, por a ATA ao ter conhecimento da declaração de início de atividade validou todos os dados e o seu enquadramento em sede de IVA, motivo pelo qual ao fazer a alteração desse enquadramento com efeitos retroativos incorreu na violação desses princípios.
Como se alcança da argumentação do Recorrente, esta parte do pressuposto que o enquadramento no regime de isenção foi efetuado pela ATA (cfr. artigo 20º das alegações), o que não é correto. A obrigatoriedade da apresentação da declaração de início da atividade tem por função permitir à ATA o controlo dos sujeitos passivos e da sua atividade, mas essa declaração só por si não contem elementos bastantes que lhe permitam aferir se a atividade concretamente desenvolvida pelo Recorrente beneficia ou não de isenção do imposto. E por esse motivo não pode equiparar-se a apresentação de declaração de início de atividade a uma informação vinculativa, como pretende o Recorrente ao chamar à colação o disposto no nº 16 do artigo 68º da LGT. Suscitando-se dúvidas sobre esse enquadramento recaía sobre o Recorrente o ónus de solicitar essa informação ao abrigo do citado normativo e só nessa medida podia então concluir-se pelo sancionamento ou não por parte da administração tributária, sendo certo que o Recorrente não fez prova desse pedido de informação vinculativa.
Também não está em causa a atribuição do estatuto de sujeito passivo decorrente da apresentação da declaração de início da atividade, como parece resultar das alegações do Recorrente ao chamar à colação o acórdão do TJ de 29/02/1996 (proc. C-110/94), uma vez que a doutrina do aresto não é transponível para o caso concreto dos autos.
Deste modo ao alterar o enquadramento em sede de IVA com efeitos retroativos à data do início da atividade, a ATA não incorreu na violação dos citados princípios, designadamente da segurança jurídica.
3.2. Mas beneficiará o Recorrente da isenção prevista na alínea e) do nº 27 do artigo 9º do CIVA?
Refere o normativo em causa que estão isentas do IVA “as operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a ações, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efetuados por um prazo inferior a 20 anos”.
Como se refere na sentença recorrida, a citada norma do CIVA é a transposição para a ordem jurídica interna do artigo 135º, nº 1, alínea f), da Directiva IVA - Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro -, a qual exclui da sua previsão as operações relativas a direitos sobre bens imóveis e direitos reais que confiram ao respectivo titular um poder de utilização sobre bens imóveis, como se infere das diversas alíneas do nº 2 do artigo 15º para o qual remete aquela norma.
Todavia a norma do CIVA estabelece uma limitação que não consta da Directiva e que consiste na exclusão apenas das operações sobre bens imóveis “quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos”, limitação temporal que é permitida pela Diretiva atento o disposto no nº 2 do seu artigo 15º.
Ora, da matéria de facto vertida na sentença recorrida não resultam caraterizadas suficientemente as operações realizadas pela sociedade “B……….” de forma a concluir que as mesmas são efetuadas com aquela limitação temporal.
De todas as formas afigura-se-nos, tal como se deixou exarado na sentença recorrida, que a atividade exercida pelo Recorrente não se inclui na noção de “negociação” prevista na norma de isenção.
Refere a este propósito Patricia Noiret Cunha (in “Anotações ao CIVA”, ISG, 2004, pág. 207), «as operações e serviços relativos a títulos […] incluem negociação, que se refere a uma actividade executada por um intermediário que não ocupa o lugar de uma parte num contrato relativo a um produto financeiro e cuja actividade é diferente das prestações contratuais típicas efectuadas pelas partes em contratos deste tipo» (cfr. acórdão do TJUE de 05/07/2012, proc. nº C-259/11, considerando 27).
Ora, consistindo a atividade do Recorrente na “promoção, negociação e comercialização de serviços relacionados com a utilização de imóveis para férias em função de diretivas e limites previamente estabelecidos”, temos que o Recorrente se limita a ocupar a posição contratual do vendedor do produto financeiro (B………).
E como decorre do considerando 40 do acórdão do TJ de 13/12/2001 (proc. C-235/00 - acórdão CSC Financial Services) citado na sentença recorrida, «não se está perante uma actividade de negociação quando uma das partes no contrato confia a um subcontratante uma parte das operações materiais ligadas ao contrato, como a informação à outra parte, a recepção e o processamento dos pedidos de subscrição dos títulos que são objecto do contrato. Neste caso, o subcontratante ocupa o mesmo lugar que o vendedor do produto financeiro e não constitui, assim, um intermediário que não ocupa o lugar de uma das partes no contrato na acepção da disposição em causa».
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é apontado pelo Recorrente, motivo pelo qual deve ser confirmada, julgando-se improcedente o recurso.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) O Impugnante está colectado desde 01.10.2010 pela actividade principal de “Comissionista”, CAE 1319, tendo ficado enquadrado para efeitos de IVA no Regime de Isenção do artigo 9º do CIVA, até 31.01.2014 - cfr. fls. 2 e 3 do processo instrutor apenso.
B) O Impugnante foi sujeito a uma acção de inspecção interna a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI201400766/67/68 e 69, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, iniciada em 02.07.2014 e concluída em 07.07.2014, de âmbito parcial de IVA, em relação aos anos de 2011 ao 1º trimestre de 2014 - cfr. fls. 38 a 57 do processo instrutor apenso.
C) Em 01.08.2014 foi elaborado o Relatório Final da Inspecção, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resultaram correcções em sede de IVA para os anos de 2011 a 2014, apurando imposto em falta no valor total de € 15.733,33 e de cujo teor se retira, em síntese, o seguinte:
«[…]
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
[…]
Embora o sujeito passivo considere que os serviços por ele prestados aproveitam a isenção do artigo 9º do código do IVA, isso não acontece uma vez que os mesmos consistem na promoção dos direitos de utilização sobre imóveis dando-os a conhecer ao público em geral e angariando potenciais clientes que se mostrem disponíveis para os conhecer e comprar, não havendo qualquer intervenção do sujeito passivo na negociação dos contratos ou na venda dos mesmos.
Assim em termos de enquadramento fiscal em sede de IVA, o sujeito passivo surge indevidamente no artigo 9º desde 2010/10/01, dado que, apesar de receber à comissão, não desenvolve em absoluto qualquer atividade enquadrável nesse disposto legal Logo, observa-se uma incongruência no enquadramento do IVA, pois tratando-se de prestação de serviços de angariação de potenciais clientes de direitos de utilização sobre bens imóveis e que não tem cabimento no artigo 9º do código do IVA, terá pois de se aferir qual o enquadramento a considerar.
[…]
Considerando que todos os montantes auferidos pelo sujeito passivo posteriores a 1 de fevereiro do ano de 2011 encontram-se sujeitos à liquidação de imposto, ao valor conhecido das prestações de serviços, relacionadas abaixo, vai ser aplicada a taxa de IVA prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 18º do código do IVA, em vigor à data, apurando-se os seguintes montantes de imposto em falta:
[…]
O valor do imposto a liquidar no ano de 2011 totaliza € 2.203,88 […]
[…]
O valor do imposto a liquidar no ano de 2012 totaliza € 2.236,08 […]
[…]
O valor do imposto a liquidar no ano de 2013 totaliza € 10.742,08 […]
[…]
O valor do imposto a liquidar no ano de 2014 totaliza € 551,29 […]» - cfr. fls. 10 a 15 do processo instrutor apenso.
D) Atos impugnados: Na sequência da acção de inspecção referida em C) foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e de juros compensatórios:
Liquidação n.º
Período
Valor
Data limite pagamento
voluntário
IVA/JC
14023277
1103T
€ 531,88
30-11-2014
IVA
14023278
1103T
€ 68,37
30-11-2014
JC
14023279
1106T
€ 711,23
30-11-2014
IVA
14023280
1106T
€ 84,26
30-11-2014
JC
14023281
1109T
€ 710,30
30-11-2014
IVA
14023282
1109T
€ 76,98
30-11-2014
JC
2014.700972707
1112T
€ 250,47
03-11-2014
IVA
2014.00972707
1112T
€ 26,93
03-11-2014
JC
2014.7009792708
1203T
€ 668,67
03-11-2014
IVA
2014.009792708
1203T
€ 65,27
03-11-2014
JC
2014.7009793329
1206T
€ 579,47
03-11-2014
IVA
2014.009793329
1206T
€ 50,61
03-11-2014
JC
2014.7009793307
1209T
€ 551,11,21
03-11-2014
IVA
2014.009793307
1209T
€ 42,59
03-11-2014
JC
2014.7009792709
1212T
€ 436,84
03-11-2014
IVA
2014.009792709
1212T
€ 29,32
03-11-2014
JC
2014.7009793308
1303T
€ 1.453,25
03-11-2014
IVA
2014.009793308
1303T
€ 83,26
03-11-2014
JC
2014.7009792710
1306T
€ 4.877,93
03-11-2014
IVA
2014.009792710
1306T
€ 229,33
03-11-2014
JC
2014.7009792711
1309T
€ 2.262,49
03-11-2014
IVA
2014.009792711
1309T
€ 83,62
03-11-2014
JC
2014.7009792712
1312T
€ 2.148,44
03-11-2014
IVA
2014.009792712
1312T
€ 57,08
03-11-2014
JC
2014.7008672879
1403T
€ 551,29
03-11-2014
IVA

- cfr. Docs. 1 a 25 juntos com a p.i..
E) O Impugnante tem por actividade de angariar clientes e promover os serviços, garantindo a concretização da respectiva venda por parte da empresa que os comercializa, em função de directivas previamente estabelecidas e limites estabelecidos em termos de descontos e brindes promocionais - por acordo.
F) O Impugnante exerceu a actividade qua antecede para as sociedades B……………. Sucursal em Portugal que se dedica à comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis - facto não controvertido.
G) Pela referida actividade o Impugnante é remunerado através do pagamento de comissões pelo qual emite “recibos verdes” sem liquidar IVA, com fundamento na isenção do art. 9º do Código do IVA - por acordo.
H) Em 03.02.2015 foi apresentada a presente Impugnação – cfr. fls. 2 dos autos.

3.1. Conforme se exarou no anterior acórdão proferido em 3/11/2016 nos presentes autos (a fls. 111 a 120), eram duas as questões sobre as quais este STA deveria emitir pronúncia: a primeira, respeitante à violação dos princípios da irretroactividade e da segurança jurídica, no que se refere à alteração do enquadramento em sede de IVA, e a segunda, respeitante à possibilidade de enquadramento da actividade desenvolvida pela recorrente no âmbito da isenção a que alude o art. 9º, nº 27º, al. e) do CIVA.
Nesse anterior acórdão este Supremo Tribunal logo concluiu pela improcedência do recurso, quanto àquela primeira questão.
Mas, quanto à segunda questão entendeu-se suspender a presente instância até que fosse decidido o pedido de reenvio prejudicial que fora formulado ao TJUE no processo nº 01654/15 (também a correr termos neste STA, no qual se suscitava questão idêntica, ou seja, a que se prende com a interpretação do art. 15º nº 2 e do art. 135º, nº 1, al. f) da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, (Directiva IVA) relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p.1), pois que, o litígio aqui em causa respeita, no que releva, ao enquadramento, para efeitos de aplicação das disposições relativas às isenções do IVA, da actividade de angariação de clientes, de promoção e de comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis, desenvolvida pelo impugnante
Ora o TJUE emitiu a pronúncia constante de fls. 125 a 134, face à qual o STA concluiu, em acórdão proferido em 28/2/2018, naquele referido processo nº 01654/15 (cfr. fls. 135 a 150), no sentido de que a mencionada actividade não cabe na previsão do art. 9º, nº 27, al. e) do CIVA, uma vez que também não cabe na previsão do art. 135º, nº 1, al. f) da Directiva (IVA).
Notificadas as partes da junção dos ditos documentos, nada disseram.
Importa, pois, decidir esta questão (sobrante).

3.2. Exarou-se no dito aresto do STA:
«A questão que este Supremo tribunal dirigiu ao TJUE foi a seguinte:
O disposto nos artigos 135º, nº 1, al. f) e 15º, nº 2 da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, datada de 28.11.2006, Regime de Isenção, deve ser interpretado no sentido de abranger apenas as partes nos contratos de comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis que venham a ser celebrados, ou também pode ser interpretado no sentido de abranger, de igual modo, a atividade desenvolvida, pela impugnante que consiste em angariar clientes e promover os serviços, garantindo a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa, em função de diretivas previamente estabelecidas e limites estabelecidos em termos de descontos e brindes promocionais.
A esta questão, o Sr. Presidente da Sétima secção do TJUE respondeu da seguinte forma:
O artigo 15°, n° 2, e o artigo 135°, n° 1, alínea f), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «negociação», na aceção desta última disposição, é suscetível de dizer respeito a uma atividade como a que é desenvolvida pela recorrente no processo principal, desde que essa atividade seja a de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, consistindo esse serviço em fazer o necessário para que o vendedor e o comprador assinem esse contrato, sem que o próprio intermediário o assine e, em todo o caso, sem que ele tenha um interesse próprio no conteúdo desse mesmo contrato. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estes requisitos estão preenchidos no litígio que lhe foi submetido.
Mais esclareceu:
Quanto ao conceito de «título», na aceção do artigo 135°, n° 1, alínea f), da Diretiva IVA
29 Nos termos do artigo 135°, n° 1, alínea f), da Diretiva IVA, os Estados-Membros isentam as operações relativas «às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos».
30 A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as operações isentas de IVA nos termos desta disposição são operações realizadas no mercado de valores mobiliários (v., neste sentido, acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC, C-2/95, EU:C:1997:278, n° 72, e de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, EU:C:2009:665, n° 48) e constituem, pela sua natureza, operações financeiras (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.° 29).
31 Em segundo lugar, resulta da redação do artigo 135°, n° 1, alínea f), da Diretiva IVA que a isenção aí prevista se refere especificamente às operações relativas, por um lado, a títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas coletivas e, por outro, a títulos que representam uma dívida (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n° 27).
32 Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça também já declarou que os «demais títulos» visados por essa isenção devem ser de natureza jurídica comparável quer aos títulos especificamente visados pelas operações isentas com base no artigo 135°, n° 1, alínea f), da Diretiva IVA quer aos expressamente excluídos dessa isenção, a saber, os títulos representativos de mercadorias, bem como as participações e as ações cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo de um bem imóvel ou de uma fração de um bem imóvel, desde que o Estado-Membro considere que aquelas são bens corpóreos, em conformidade com o artigo 15°, n° 2, alínea c), da Diretiva IVA (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
33 Esta interpretação é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 135° da Diretiva IVA são de interpretação estrita, dado que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo. Todavia, esta regra de interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 135° devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos (v., neste sentido, acórdãos de 17 de janeiro de 2013, Woningstichting Maasdriel, C-543/11, EU:C:2013:20, n° 25, e de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n° 25 e jurisprudência referida).
34 Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no litígio no processo principal, as operações efetuadas por ……….. podem ser consideradas «operações financeiras», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, pelo facto de terem sido realizadas sobre títulos de natureza jurídica comparável à dos títulos especificamente mencionados no artigo 135°, n° 1, alínea f), da Diretiva IVA.
35 Assim seria, no caso vertente, se os direitos de utilização sobre bens imóveis comercializados por ……….. por conta da …….. e da …….. estivessem, direta ou indiretamente, sujeitos à condição de o comprador adquirir uma participação numa sociedade ou ser titular de um crédito cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo da totalidade ou de uma fração desses bens imóveis.»

3.3. No caso vertente, segundo o que resulta do Probatório e do alegado pelas partes, o recorrente não presta um serviço, uma actividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, pelo que, assim, a actividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no referido art. 9º, nº 27, al. e) do CIVA (uma vez que também não cabe na previsão do art. 135º, nº 1, al. f) da Directiva IVA).
E com esta fundamentação, que igualmente aqui se acolhe, improcede, pois, o recurso, também nesta parte, ou seja, no que respeita à invocação de erro de julgamento por a actividade desenvolvida pelo impugnante ser (na alegada tese do impugnante) susceptível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na al. e) do nº 27 do art. 9º do CIVA (na redação então em vigor).

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 9 de Maio de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Pedro Delgado – Aragão Seia.