Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01158/09
Data do Acordão:02/18/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
MERCADORIA DE ORIGEM ESTRANGEIRA
FACTURA
NULIDADE DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
MERCADORIA COMUNITÁRIA
PROVA DA ORIGEM DE MERCADORIA
Sumário:I - A nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 125º do CPPT e na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC, apenas ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
II - Se a mercadoria, embora adquirida em território aduaneiro da Comunidade, chegou a Portugal procedente de um país (terceiro) que não integra aquele território aduaneiro, e se a mesma também não estava sujeita ao regime de trânsito interno (nº 8 do art. 4° e nº 2 do art. 163°, ambos do CAC), não pode ser considerada como tendo estatuto comunitário.
III - A circunstância de a factura e a declaração de venda em causa não terem sido objecto de visto por parte da instância competente não se configura como mera irregularidade não essencial para aquele fim.
IV - Não tendo sido apresentado o documento T2L à Alfândega nem tendo sido apresentada factura com aposição do visto pelas autoridades aduaneiras do Estado-membro de partida e não se tratando de mercadoria comunitária, não tem aplicação o disposto nos arts. 315º e sgts. das Disposições de Aplicação.
V - Neste contexto, a liquidação do IVA em Portugal tem fundamento na importação de mercadoria procedente de território terceiro (arts. 1º nº 1 al. b), 5° nº 1 al. a) e 7° nº 1 al. c) CIVA).
Nº Convencional:JSTA00066291
Nº do Documento:SA22010021801158
Data de Entrada:11/20/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Área Temática 2:DIR COMUN.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CADUCOM92 ART4 ART23 ART163 ART201 N1 ART204 N1 ART79 ART3 N1.
CIVA84 ART1 N1 B ART5 N1 A ART7 N1 C.
CCIV66 ART364 N1 N2.
DACAC ART313 ART313-A ART315 ART315-A ART316 ART317 ART317-A ART314-C.
CPPTRIB99 ART125.
CPC96 ART668 N1 C.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 2006/112/CEE DE 2006/11/28.
REG COM CEE 2719/92 DE 1992/09/11.
REG COM CEE 2787/2000 DE 2000/12/15 ART1 N9.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL PAG691.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida no TAF de Loulé, lhe julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IVA do ano de 2006.
1.2. O recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes, ora subordinadas a alíneas:
a) - O estatuto aduaneiro comunitário da embarcação “B… / B’...”, sindicado através da Sentença sob recurso, deverá considerar-se como provado, tal qual resulta da documentação junta aos autos de liquidação oficiosa do IVA, atentos os factos ali dados como provados;
b) - Se não emergente do competente documento T2L, a cuja apresentação, de facto, o recorrente não procedeu junto da Alfândega de Faro;
c) - Da existência e conteúdos quer da Factura nº D159 de 15 de Junho de 2004 da firma C…, quer da respectiva "Declaração de Venda" emitida por esta mesma firma;
d) - Resultando aliás tal conclusão confirmada, pela documentação integrante dos autos de liquidação de imposto e a concernente à própria legalização da embarcação em território nacional;
e) - A tal conclusão, conduz inequivocamente o espírito do disposto nas normas constantes dos arts. 315° a 317° das DACAC;
f) - A circunstância de quer a factura, quer a declaração de venda em causa, não terem sido objecto de visto por parte da instância competente, deverá ter-se por irregularidade não essencial para os fins visados;
g) - Ao concluir em sentido absolutamente contrário ao aqui propugnado, de que não se teria provado o estatuto aduaneiro comunitário da embarcação e ao manter a liquidação impugnada, andou mal, a nosso modesto ver, a Sentença ora recorrida;
h) - E mantendo na ordem jurídica a liquidação impugnada, a Sentença ora recorrida, sancionou uma situação de existência de duplicação de colecta e de imposto referente ao mesmo facto tributário, dentro do mesmo espaço comunitário;
i) - A Douta Sentença sob recurso, fez uma incorrecta valoração da prova produzida, e uma errada subsunção dos factos dados com provados aos invocados preceitos legais;
j) - Resultaram deste modo violadas as disposições do RITI, dos arts. 315°, 316° e 317° do Código Aduaneiro Comunitário e do regime fiscal contido na Sexta Directiva, hoje Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006;
k) - Bem como a alínea c) do nº 1 do art. 668° do CPC.
Termina pedindo que se considere procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se, em consequência, a anulação da liquidação de IVA impugnada, por ilegal.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer sustentando que o recurso deve improceder, com base na fundamentação seguinte:
«A embarcação (mercadoria) foi adquirida pelo recorrente em território aduaneiro da Comunidade (ilha de Man) (art. 3° nº 1 CAC).
A mercadoria não é considerada comunitária porque:
a) chegou a Portugal procedente de Gibraltar, país terceiro não pertencente ao território aduaneiro da Comunidade (art. 3° nº 1 CAC; art. 313° nº 2 al. b) DACAC);
b) não estava sujeita ao regime de trânsito interno (arts. 4° nº 8 e 163° nº 2 CAC).
O sujeito passivo adquirente não comprovou o carácter comunitário da mercadoria, mediante a observância das formalidades seguintes:
- apresentação de um documento T2L (art. 315º nº 1 DACAC)
- apresentação de factura com aposição do visto pelas autoridades aduaneiras do Estado-membro de partida (art. 317º DACAC)
- apresentação dos documentos citados com indicação de emissão a posteriori (art. 318º DACAC).
Neste contexto a liquidação do IVA em Portugal tem fundamento na importação de mercadoria procedente de território terceiro (arts. 1º nº 1 al. b), 5° nº 1 al. a) e 7° nº 1 al. c) CIVA)».
1.5. Foram colhidos os vistos legais e cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2.1. A sentença recorrida julgou provados os factos seguintes:
A) Em 17-05-2004 o impugnante celebrou com C…, com sede na Ilha de Man, o contrato promessa de venda do navio “B…”, celebrado no Port de Marine Baie des Auges, pelo preço de 6700.000,00, e ficou estipulado a quantia de 670.000,00, a título de sinal e a quantia de 6630.000,00 a pagar até 28 de Maio de 2004, sendo o local de entrega no Port de Marine Baie des Auges (fls. 85 e 86, dos autos);
B) Em 25 de Junho de 2004 o impugnante ordenou a transferência do montante de 6630.000,00 da sua conta para a conta de D… (fls. 87, dos autos);
C) Em 15-06-2004 o impugnante adquiriu a embarcação de recreio denominada “B…” à sociedade “C…, com sede na ilha de Man (factura de fls. 8 e 82, do PA apenso e inquirição das testemunhas E… e F…);
D) A embarcação referida em C) iniciou o seu percurso a sul de França (Hyères - Porquerolle) seguindo para Palma de Mallorca, Ibiza, Aguadulce, tendo como último destino Gibraltar (fls. 1 a 4, do PA apenso e fls. 2 a 10, do registo de Bordo, inquirição das testemunhas E… e F…);
D) E em 16-07-2004 a embarcação referida em C) chegou à Marina de Vilamoura e o Posto Aduaneiro desta localidade atribui-lhe a contramarca nº 827-1000-04 (fls. l a 4, do PA apenso);
E) Em 02-08-2005 o impugnante foi notificado para, no prazo de 20 dias apresentar prova do estatuto comunitário da embarcação referida em A) conforme o teor da notificação de fls. 5, do PA apenso (fls. 5 e 6, do PA apenso);
F) Na sequência da notificação de 2 de Agosto de 2005 o impugnante enviou cópia certificada do documento "BILL OF SALE" e informa que a embarcação foi registada no porto da Nazaré com o nome B’… (fls. 7 e 8, do PA apenso);
G) Com data de 2005-09-30 foi enviado ao impugnante com A/R a informação de fls. 11, que se dá por reproduzida:
«Informo Vª Ex.ª que, após apreciação dos documentos que nos enviou e dos esclarecimentos que entendeu prestar, venho confirmar que não foram cumpridas as obrigações tributárias legalmente devidas, e como tal constituiu-se dívida aduaneira em sede de IVA. Relativamente ao documento apresentado (Bill of Sale) para prova do estatuto aduaneiro comunitário, esclareço que não cumpre com o disposto no art. 317°, das DACAC, uma vez que o interessado só fica dispensado de apresentar esse documento para visto à estância aduaneira competente, quando o valor da mercadoria não exceder os € 10.000,00. Acima desse valor o documento de venda, carece de certificação da estância aduaneira competente do local da expedição (HM Customs & Excise - Ilha de Man). A embarcação deu entrada na Marina de Vilamoura, proveniente de Gibraltar, tendo sido objecto de contramarca e declaração sumária, de apresentação à Alfândega, datada de 16/07/2004, através do Formulário de Noticia de Chegada. A embarcação foi adquirida por Vª Ex.ª em 15 de Junho de 2004 à firma C…, com sede na ilha de Man, sendo que em termos fiscais a aquisição referida não cumpre com o disposto no nº 1, do art. 5° e o RITI e, como tal está sujeita a tributação em território nacional, independentemente da qualidade do adquirente ou do vendedor, e de ter pago ou não IVA, no momento da compra. Nestes termos, corre nesta Alfândega processo oficioso, que contudo, não obsta a que V. Ex.ª possa proceder à entrega da declaração aduaneira para a liquidação das imposições tributárias legalmente devidas».
H) Em 16-08-2006 o impugnante foi notificado para exercer o direito de audição prévia nos termos de fls. 17 a 19, do PA apenso (fls. 21 e 22, do PA apenso):
«Na sequência da transacção da embarcação "B…", em 15-06-2004, entre a empresa C... (com sede na Ilha de Man) na qualidade de expedidor e Vª Ex.ª (com domicílio fiscal no território nacional) na qualidade de adquirente, a referida embarcação foi introduzida no território continental e apresentada por Vª Ex.ª às autoridades aduaneiras no Posto Aduaneiro da Marina de Vilamoura, em nome da C…, proveniente de Gibraltar, através do formulário “Notícia de Chegada”, conforme processo de contramarca nº 817100004, de 16 de Julho de 2004, daquele Posto Aduaneiro. Do processo de contramarca consta como proprietário a firma C… e A… como Capitão/Skiper, não tendo sido apresentado o documento de suporte à transacção acima referido.
Em 2 de Agosto de 2005 foi V. Ex.ª notificado, através do nosso ofício nº 1814, para apresentar o referido documento para prova do estatuto comunitário da embarcação em conformidade com os arts. 315° a 317° B, do regulamento (CEE) nº 2454/93, da Comissão, de 2 de Julho - Disposições do Código Aduaneiro Comunitário.
Em 16 de Agosto de 2005 veio Vª Ex.ª apresentar cópia certificada do documento “Bill of Sale” para fazer prova do estatuto comunitário da embarcação e informar que a embarcação já se encontrava registada no Porto da Nazaré, com o nome B’….
Em 30.09.2005 e 20.10.2005 foi Vª Ex.ª notificado que o documento enviado para fazer prova do estatuto comunitário da embarcação, não cumpria com os requisitos previstos nos artigos 315° a 317 - B, do regulamento acima descrito, uma vez que o interessado fica dispensado de apresentar esse documento para visto à estância competente quando o valor da mercadoria não exceder os € 10.000,00 e, como tal não provou o seu estatuto aduaneiro comunitário.
Acresce que até à presente data não foi apresentada factura correspondente à transacção intracomunitária emitida pela C…, na qualidade de sujeito passivo com sede fiscal na Ilha de Man, onde é aplicável o regime do IVA, nas transacções intracomunitárias (RITI) em conformidade com o nº 4, do artigo 1º, do CIVA.
Note-se que para efeitos de RITI, a embarcação está sujeita a IVA em território nacional em conformidade com o art. 1°, do DL nº 290/92, de 28 de Dezembro, independentemente de ter pago ou não IVA na origem. De qualquer forma, sempre que o vendedor seja um sujeito passivo de IVA, registado num Estado-membro, o regime do IVA tem de constar obrigatoriamente na factura de suporte à transacção comercial.
De qualquer modo, o facto tributário relevante prende-se em primeiro lugar com o facto de não ter sido apresentada prova do estatuto aduaneiro comunitário e consequentemente para cumprimento da obrigação de atribuição de um destino aduaneiro, e como tal, ter-se constituído dívida aduaneira, nos termos do art. 204°, do CAC.
Por consequência venho informar V. Ex.ª que é intenção desta Alfândega proceder à liquidação de imposto referente à introdução em livre prática e no consumo no montante total de € 113.191,50 (cento e treze mil cento e noventa e um euros e cinquenta cêntimos) referentes a imposto sobre o Valor Acrescentado, tendo em conta o valor de base tributável do IVA - € 595.744,70 (quinhentos e noventa e cinco mil setecentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos) resultante do valor constante no documento “Bill of Sale” da Maritime and Coastguard Agency, líquido de imposições fiscais (R.U. da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte - 17,5%) reportado à data efectiva de exigibilidade do imposto, ou seja, na data em que a embarcação foi finalmente introduzida no território continental, e que corresponde ao processo de contramarca nº 817100004, do posto Aduaneiro de Vilamoura, de 16 de Julho de 2004.
Pelo que, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60°, da Lei Geral Tributária, aprovado pelo DL nº 398/98, de 17/12, e artigo 45°, do Código de Procedimento e Processo Tributário, aprovado pelo DL nº 433/99, de 26-10, fica V. Ex.ª notificado para no prazo de 8 dias, a contar da recepção do presente ofício informar por escrito ou oralmente, o que se lhe oferecer sobre o assunto».
I) Em 24-08-2006 o impugnante solicitou o pedido de prorrogação do prazo para audição que foi deferido (fls. 23 a 28, do PA apenso);
J) Em 01-09-2006 o impugnante solicitou novo prazo de 15 dias que veio a ser indeferido (fls. 28 a 33, do PA apenso);
L) Em 11-09-2008 foi concedido autorização para proceder à liquidação oficiosa (fls. 34 e 35, do PA apenso);
M) A Alfândega de Vilamoura procedeu em 15-09-2006 à liquidação oficiosa de IVA no valor de 113.191,50, pela introdução pelo impugnante em livre prática e consumo em Portugal da embarcação referida em A) (fls. 36 a 38, do PA apenso);
N) Em 15-09-2006 o impugnante foi notificado da liquidação oficiosa do IVA, no montante de € 113.191,50 (39 a 47, do PA apenso);
O) O impugnante, em 19-01-2007 deduziu reclamação graciosa tendo, em 24-07-2007 sido notificado da intenção de indeferimento (fls. 54 a 81, do PA apenso);
P) Em 12-12-2008 o impugnante enviou por fax a factura da transacção D159, datada de Junho de 2004, e juntou diversas facturas do pagamento de combustíveis, de electricidade e de água paga em diversos portos e “Journal de Bord” (fls. 82 a 89 do PA apenso fls. 50 a 55, dos autos);
Q) Em 18-07-2007 deu entrada a impugnação (fls. 3, dos autos).
2.2. Quanto a factos não provados, a sentença exarou:
«Não se provaram quaisquer outros factos com pertinência para a decisão da causa.»
3.1. Com base nesta factualidade a sentença recorrida veio a julgar improcedente a impugnação, com fundamentação que, em síntese, é a seguinte:
- Tendo a mercadoria (embarcação) aqui em causa sido adquirida na Ilha de Man e saído do sul de França (Hyéres - Porquerolle) e tendo como último porto Gibraltar (que não é território aduaneiro da Comunidade) antes da entrada em Portugal, perdeu o estatuto aduaneiro comunitário (art. 4º nº 8 do CAC), até porque não estava sujeita ao regime de trânsito interno (art. 4° nº 7 do CAC).
- Perante a chegada da embarcação a Vilamoura e tendo a Alfândega de Faro notificado o impugnante para fazer prova do estatuto comunitário da embarcação, em conformidade com os arts. 315° a 317°-B, das DACAC, este não logrou fazê-la, não sendo suficiente para a prova desse estatuto o Bill of Sale, o Diário de Bordo e facturas de combustível, água e electricidade, sendo que nem o facto de a embarcação se encontrar registada lhe confere tal estatuto comunitário. Tais documentos não fazem prova do estatuto comunitário da embarcação uma vez que não cumprem os requisitos previstos naqueles arts. 315° a 317°-B das DACAC e sendo que só ficava dispensado da apresentação daquele documento, para visto à estância competente, se o valor da mercadoria não excedesse os 10.000 euros.
- E porque o impugnante não provou o estatuto aduaneiro comunitário de tal mercadoria (embarcação), tem a mesma de continuar a entender-se como não comunitária e como dando origem à liquidação em causa, como se fosse mercadoria importada – arts. 4° nºs. 7 e 8 do CAC, 313°, 314°, 314º-C do DACAC e 1º nº 1 al. b), 5° nº 1 al. a) e 7º nº 1 al. c) do CIVA.
3.2. Em divergência com o assim decidido, o recorrente sustenta (cfr. Conclusão K) que a sentença decidiu em violação do disposto na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC e também (cfr. Conclusão J) em violação das disposições do RITI e dos arts. 315º, 316º e 317º do CAC e do regime fiscal contido na 6ª Directiva (hoje Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006) pois embora o estatuto aduaneiro comunitário da embarcação não possa resultar do competente documento T2L (já que, na verdade, este não foi apresentado pelo recorrente à Alfândega de Faro), tal estatuto deverá considerar-se como provado, em face da documentação junta aos autos e dos factos julgados provados, ou seja, em face da existência e conteúdos, quer da factura nº D159, de 15/6/2004 emitida pela C…, quer da respectiva “Declaração de Venda”, também emitida por esta mesma empresa, sendo esta a conclusão a que conduz inequivocamente o espírito do disposto nas normas constantes dos arts. 315° a 317° das DACAC e sendo que a circunstância de quer a factura, quer a declaração de venda em causa, não terem sido objecto de visto por parte da instância competente, deverá ter-se por irregularidade não essencial para os fins visados.
As questões a decidir são, portanto, a de saber se ocorre a invocada nulidade da sentença (por oposição entre os fundamentos e a decisão) e a de saber se, no caso, a mercadoria (embarcação) em causa se deve ter como tendo estatuto aduaneiro comunitário.
4.1. Vejamos a primeira:
Como é sabido, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 125º do CPPT e na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC, apenas ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 691). Trata-se, portanto, de uma contradição ou incongruência lógico formal entre os pressupostos enunciados para a decisão e essa própria decisão, em termos tais que os fundamentos invocados pelo juiz devessem logicamente conduzir a resultado oposto ao expresso na decisão.
No caso sub judice, salvo o devido respeito, não se verifica tal nulidade.
Com efeito, como acima se viu, a sentença é bem expressa ao considerar que tendo a Alfândega notificado o impugnante para fazer prova do estatuto comunitário da embarcação, em conformidade com os arts. 315° a 317°-B, das DACAC, este não logrou fazê-la, não sendo suficiente para a prova desse estatuto o Bill of Sale, o Diário de Bordo e facturas de combustível, água e electricidade, sendo que o facto de a embarcação se encontrar registada não lhe confere tal estatuto comunitário, pois que tais documentos não fazem prova do estatuto comunitário da embarcação uma vez que não cumprem os requisitos previstos naqueles arts. 315° a 317°-B das DACAC e sendo que só ficava dispensado da apresentação daquele documento, para visto à estância competente, se o valor da mercadoria não excedesse os 10.000 euros.
E, conclui a sentença, porque o impugnante não provou o estatuto aduaneiro comunitário da mercadoria (embarcação), tem a mesma de continuar a entender-se como não comunitária e como dando origem à liquidação em causa, como se fosse mercadoria importada, sendo, portanto, legal a liquidação impugnada.
Ora, não descortinamos neste raciocínio a invocada contradição, sendo que a questão de saber se os documentos apresentados preenchem, ou não, a previsão daqueles normativos citados ou se eles são aplicáveis ao caso, é questão que se coloca, já não no âmbito da validade formal da sentença, mas no âmbito da sua validade material.
Improcede, portanto, a alegada nulidade da sentença e, consequentemente, a Conclusão K do recurso.
4.2. Quanto à questão de saber se, no caso, a mercadoria (embarcação) em causa se deve ter como tendo estatuto aduaneiro comunitário:
4.2.1. Os arts. 4º e sgts. do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e os arts. 313º e sgts. das respectivas Disposições de Aplicação estabelecem as regras para a determinação do estatuto das mercadorias que circulam ou pretendem circular na União Europeia, sendo que esse estatuto é que releva na determinação do regime de trânsito que será aplicável a tais mercadorias.
Aquele art. 4º dispõe:
«Na acepção do presente código, entende-se por:
1 (…)
6. Estatuto aduaneiro: o estatuto de uma mercadoria enquanto mercadoria comunitária ou não comunitária.
7. Mercadorias comunitárias: as mercadorias:
- inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade nas condições referidas no artigo 23º, sem incorporação de mercadorias importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade. Nos casos de especial importância económica determinados de acordo com o procedimento do comité, as mercadorias obtidas a partir de mercadorias sujeitas a um regime suspensivo não são consideradas como tendo carácter comunitário,
- importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade e introduzidas em livre prática,
- obtidas no território aduaneiro da Comunidade, quer exclusivamente a partir das mercadorias referidas no segundo travessão quer a partir das mercadorias referidas no primeiro e no segundo travessões.
8. Mercadorias não comunitárias: as mercadorias não abrangidas pelo nº 7.
Sem prejuízo dos artigos 163º e 164º, as mercadorias comunitárias perdem esse estatuto aduaneiro quando são efectivamente retiradas do território aduaneiro da Comunidade.
9. Dívida aduaneira: a obrigação de uma pessoa pagar os direitos de importação (dívida aduaneira na importação) ou os direitos de exportação (dívida aduaneira na exportação) que se aplicam a uma determinada mercadoria ao abrigo das disposições comunitárias em vigor.
10. Direitos de importação:
- os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente previstos na importação de mercadorias,
- as imposições à importação instituídas no âmbito da política agrícola comum ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas.
11. Direitos de exportação:
- os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente previstos na exportação de mercadorias,
- as imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes de transformação de produtos agrícolas.
(…)»
Por sua vez, os arts. 313º e 313º-A das Disposições de Aplicação estatuem:
Artigo 313º
1. Sem prejuízo do disposto no art. 180º do Código e das excepções referidas no nº 2 do presente artigo, todas as mercadorias que se encontrem no território aduaneiro da Comunidade são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se se comprovar que não têm estatuto comunitário.
2. Não são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se o respectivo estatuto comunitário for devidamente comprovado, nos termos dos artigos 314º a 323º:
a) As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade em conformidade com o art. 37º do Código.
Todavia, em conformidade com o nº 5 do art. 38º do Código, consideram-se mercadorias comunitárias as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade, salvo se se comprovar que não tem o estatuto comunitário:
- quando, em caso de transporte por via aérea, tenham sido embarcadas ou transbordadas num aeroporto situado no território aduaneiro da Comunidade com destino a um aeroporto situado nesse território, contanto que o transporte se efectue ao abrigo de um título de transporte único emitido num Estado-membro ou
- quando, em caso de transporte por via marítima, forem transportados entre portos situados no território aduaneiro da Comunidade no âmbito de serviços de linha regulares autorizados, em conformidade com os arts. 313º-A e 313º-B;
(…)
Artigo 313º-A
1. Entende-se por serviço de transporte regular, o serviço regular de transporte de mercadorias em navios que operem exclusivamente entre portos situados no território aduaneiro da Comunidade e que não possam ter proveniência de, destino a, ou fazer escala, em nenhum ponto fora desse território nem numa zona franca, sujeita às regras de controlo do tipo I, nos termos do art. 799º, de um porto nesse território.
2. As autoridades aduaneiras podem exigir prova do respeito das disposições relativas aos serviços de linha regulares autorizados.
Quando as autoridades aduaneiras verificarem que as disposições relativas aos serviços de linha regulares autorizados não foram respeitadas, informarão imediatamente de facto todas as autoridades aduaneiras envolvidas.
E os arts. 23º e 79º, ambos do CAC, estatuem:
Artigo 23º
1. São originárias de um país as mercadorias inteiramente obtidas nesse país.
2. Consideram-se mercadorias inteiramente obtidas num país:
a) Os produtos minerais extraídos nesse país;
(...)
3. Para efeitos de aplicação do nº 1, a noção de país abrange igualmente as águas territoriais desse país.
Artigo 79º
A introdução em livre prática confere o estatuto aduaneiro de mercadoria comunitária a uma mercadoria não comunitária.
A introdução em livre prática implica a aplicação das medidas de política comercial, o cumprimento das outras formalidades previstas para a importação de mercadorias, bem como a aplicação dos direitos legalmente devidos.
E o art. 163º, também do CAC, sob a epígrafe, «Trânsito interno», dispõe:
«1. O regime de trânsito interno permite, nas condições previstas nos nºs. 2 a 4, que as mercadorias comunitárias circulem de um ponto para outro do território aduaneiro comunitário, passando pelo território de um país terceiro, sem alteração do seu estatuto aduaneiro. Esta disposição não prejudica a aplicação do nº 1, alínea b), do art. 91º.
2. A circulação referida no nº 1 pode-se efectuar:
a) Ao abrigo do regime de trânsito comunitário interno, desde que tal possibilidade esteja prevista num acordo internacional;
b) A coberto de uma caderneta TIR (Convenção TIR);
c) A coberto de um livrete ATA 75 utilizado como documento de trânsito; ou
d) Ao abrigo do “Manifesto renano” (artigo 9° da Convenção Revista para a Navegação do Reno);
e) Ao abrigo do formulário 302 previsto no âmbito da convenção entre os estados que são partes no Tratado do Atlântico Norte sobre o estatuto das suas forças, assinado em Londres em 19 de Junho de 1951; ou
f) Por remessas por via postal (incluindo as encomendas postais).
3. No caso referido na alínea a) do nº 2, aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos 92°, 94°, 95°, 96° e 97°.
4. Nos casos referidos nas alíneas b) a f) do nº 2, as mercadorias só conservam o estatuto aduaneiro se o referido estatuto for estabelecido nas condições e na forma previstas pelas disposições adoptadas de acordo com o procedimento do comité.»
Finalmente, o nº 1 do art. 201° e o nº 1 do art. 204º do mesmo Código, dispõem:
Artigo 201ª
É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:
a) A introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação ou
b) A sujeição de tal mercadoria a um regime de importação temporária com isenção.
Artigo 204º
1. É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:
a) O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida ou
b) A não observância de uma das condições fixadas para a sujeição de uma mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.
4.2.2. Da conjugação de todas estas normas resulta, portanto, que, em termos do seu estatuto, as mercadorias se dividem em duas categorias: mercadorias comunitárias e mercadorias não comunitárias; e que, de uma forma geral, podemos dizer que as mercadorias comunitárias são as inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade; as importadas de países ou territórios que não fazem parte do território aduaneiro da Comunidade mas que tiverem sido introduzidas em livre prática; e as obtidas ou produzidas na Comunidade a partir das mercadorias comunitárias e/ou não comunitárias. As mercadorias não comunitárias são todas as outras mercadorias, incluindo as mercadorias comunitárias que tenham perdido este estatuto.
E as mercadorias comunitárias cujo estatuto comunitário não possa ser provado, quando exigido, são também consideradas mercadorias não comunitárias.
Assim, as circunstâncias em que pode ser estabelecido o estatuto comunitário das mercadorias (se for caso disso) são as seguintes: (1) as mercadorias procedem de outro Estado-Membro e não atravessaram o território de um país terceiro; ou (2) as mercadorias procedem de outro Estado-Membro, tendo atravessado o território de um país terceiro e sido transportadas a coberto de um documento de transporte único emitido num Estado-Membro; ou (3) as mercadorias são objecto de transbordo num país terceiro para um meio de transporte distinto do de carregamento inicial e a coberto de um novo documento de transporte. O novo documento de transporte deve ser acompanhado de cópia do documento original referente ao transporte entre o Estado-Membro de partida e o Estado-Membro de destino.
E não se aplicando o atrás exposto, considera-se que as mercadorias têm estatuto não comunitário.
4.2.3. Já no que respeita à prova do estatuto comunitário da mercadoria (cfr. arts. 314º e sgts. das Disposições de Aplicação), pode a mesma ser feita:
- através de um documento T2L (exemplar 4 do Documento Administrativo Único - DAU);
- através de um documento T2LF (exemplar 4 do DAU, para as mercadorias transportadas de, para ou entre partes do território aduaneiro da Comunidade em que não são aplicáveis as disposições da Directiva 77/388/CEE (IVA) - Ilhas Anglo-Normandas, Ilhas Canárias, Departamentos Ultramarinos Franceses: Guadalupe, Martinica, Guiana e Reunião, Monte Athos, Ilhas Aland.
- através de uma factura ou documento de transporte devidamente preenchido, relativo exclusivamente às mercadorias comunitárias, com a indicação da sigla T2L/T2LF consoante o caso;
- através de um manifesto da companhia de navegação, completado e visado pela estância competente, com a indicação “C” para as mercadorias comunitárias, “F” para as mercadorias expedidas de, para ou entre territórios não-fiscais, e “N” para as outras mercadorias (num “outro” serviço de transporte marítimo);
- através do manifesto da companhia de navegação, quando se utilizem os procedimentos simplificados de trânsito (nível 2), com a indicação do código “C” para as mercadorias comunitárias;
- através de um talão de caderneta TIR ou livrete ATA (documento aduaneiro internacional utilizado para a importação temporária de mercadorias destinadas a fins específicos, por exemplo apresentações, exposições e feiras, como material profissional e amostras comerciais) exibindo a sigla T2L e visado pela Alfândega;
- através do Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA), previsto no Regulamento (CEE) nº 2719/92, para mercadorias em livre prática sujeitas a impostos especiais de consumo;
- através das chapas de matrícula e os documentos de registo dos veículos a motor matriculados num Estado-Membro, se estes estabelecerem claramente o estatuto comunitário dos veículos;
- bem como através de outras formas que, no caso que nos ocupa, não são aplicáveis (são formas aplicáveis a embalagens, bagagens, produtos de pesca, embalagens postais, mercadorias em zonas francas ou entrepostos fiscais, mercadorias de exportação proibida).
5.1. No caso presente, a mercadoria (embarcação), embora tenha sido adquirida pelo recorrente na ilha de Man, que integra o território aduaneiro da Comunidade (cfr. o nº 1 do art. 3º do CAC), chegou a Portugal procedente de Gibraltar, país terceiro que não integra aquele território aduaneiro da Comunidade. Assim, porque também não estava sujeita ao regime de trânsito interno (cfr. o nº 8 do art. 4° e o nº 2 do art. 163°, ambos do CAC e acima transcritos), tal mercadoria não pode ser considerada como tendo estatuto comunitário.
Mas será que, por outro lado, o adquirente comprovou o carácter comunitário da mercadoria?
O recorrente sustenta que essa comprovação resulta desde logo da existência e conteúdos da factura nº D159, de 15/6/2004, bem como da respectiva "Declaração de Venda", ambas emitidas pela empresa C…, pois que o espírito das disposições contidas nos arts. 315º a 317º das Disposições de Aplicação conduzem inequivocamente a essa conclusão.
Mas, salvo o devido respeito, carece de razão.
5.2. Com efeito, tais normativos dispõem o seguinte:
Subsecção 1
Documento T2L
Artigo 315º
1. A prova do estatuto comunitário das mercadorias é feita pela apresentação, do documento T2L. Este documento é emitido em conformidade com os nºs. 3 a 5.
2. A prova do estatuto comunitário das mercadorias com destino ou proveniência de uma parte do território aduaneiro da Comunidade na qual não se apliquem as disposições da Directiva 77/388/CEE é feita pela apresentação do documento T2LF. Os nºs. 3 a 5 do presente artigo e os arts. 316° a 324°-F aplicam-se mutatis mutandis ao documento T2LF.
3. O documento T2LF é emitido num formulário conforme com os exemplares nº 4 ou nº 5 do modelo que figura nos anexos 31 e 32.
O formulário pode ser completado, se for caso disso, por um ou mais formulários complementares conformes como exemplar nº 4 ou com o exemplar nº 4/5 do modelo que figura nos anexos 33 e 34.
Quando os Estados-membros não autorizarem a utilização dos formulários complementares em caso de recurso a um sistema informatizado de tratamento das declarações que edite estas últimas, esse formulário será completado por um ou mais formulários conformes com o exemplar nº 4 ou com o exemplar nº 4/5 do modelo formulário que figura nos anexos 31 e 32.
4. O interessado aporá a sigla “T2L” na subcasa direita da casa nº 1 do formulário e a sigla “T2Lbis” na subcasa direita da casa nº 1 ou dos formulários complementares utilizados.
5. Em substituição dos formulários complementares, podem ser utilizadas como parte descritiva do documento T2L listas de carga, emitidas de acordo com o modelo que figura no anexo 45 e preenchidas em conformidade com o anexo 44-A.
Artigo 315°-A
As autoridades aduaneiras podem autorizar qualquer pessoa que satisfaça as condições do artigo 373º a utilizar como listas de carga, listas que não satisfaçam todas as condições dos anexos 44 A e 45.
O segundo parágrafo do nº 1 e os nºs. 2 e 3 do art. 385º aplicam-se mutatis mutandis.
Artigo 316º
1. Sob reserva do disposto no artigo 324°-F, o documento T2L é emitido num único exemplar.
2. O documento T2L e, eventualmente, o(s) formulário(s) complementar (es) ou na(s) lista(s) de carga utilizado(a) (s) serão a pedido do interessado, visados pela estância competente ou os documentos T2L bis serão, a pedido do interessado, visados pelas autoridades aduaneiras do Estado-membro de partida. O visto deve conter as menções seguintes, que, na medida do possível, devem ser anotadas na casa “C Estância de partida” desses documentos:
a) No que respeita ao documento T2L, o nome e o carimbo da estância competente, a assinatura de um funcionário dessa estância, a data do visto e um número do registo ou o número da declaração de expedição, se essa declaração for necessária;
b) No que respeita ao formulário complementar ou à lista de carga, o número que figura no documento T2L, que deve ser aposto por meio de um carimbo que contenha o nome da estância competente ou manuscrito; neste último caso, deve fazer-se acompanhar do carimbo oficial dessa estância.
Estes documentos são devolvidos ao interessado.
Subsecção 2
Documentos comerciais
Artigo 317°
1. A prova do estatuto comunitário de uma mercadoria é, nas condições abaixo indicadas, feita mediante a apresentação da factura ou do documento de transporte relativo a essa mercadoria.
2. A factura ou o documento de transporte, referidos no nº 1, devem conter, pelo menos, o nome e o endereço completo do expedidor, a quantidade, a natureza, marcas e números dos volumes, a designação das mercadorias, bem como a massa bruta expressa em quilogramas e, se for caso disso, os números dos contentores.
O interessado deve apor de forma evidente no referido documento a sigla «T2L», acompanhada da sua assinatura manuscrita.
3. A factura ou o documento de transporte devidamente completado e assinado pelo interessado será, a seu pedido, visado pela estância competente. O visto deve conter o nome e o carimbo da estância competente, a assinatura de um funcionário dessa estância, a data do visto e o número do registo ou o número da declaração de expedição, se essa declaração for necessária.
4. Se o valor total das mercadorias comunitárias incluídas na factura ou no documento de transporte completado, e assinado em conformidade com o nº 2 do presente artigo ou com o artigo 224º, não exceder 10 000 euros, o interessado ficará dispensado de apresentar esse documento para visto à estância competente.
Nesse caso, a factura ou o documento de transporte devem conter, para além das indicações referidas no nº 2, a indicação da estância competente.
5. As disposições do presente artigo só se aplicam se a factura ou documento de transporte disser respeito unicamente a mercadorias comunitárias.
Artigo 317º-A
1. A prova do estatuto aduaneiro comunitário de uma mercadoria é, nas condições abaixo indicadas, feita através da apresentação do manifesto da companhia de navegação relativo a essa mercadoria.
2. Do manifesto devem constar, pelo menos, as menções seguintes:
a) O nome e o endereço completo da companhia de navegação;
b) A identificação do navio;
c) O local e a data de carga das mercadorias;
d) O local de descarga das mercadorias.
Do manifesto devem constar relativamente a cada remessa, pelo menos as menções seguintes:
a) Uma referência ao conhecimento ou a qualquer outro documento comercial;
b) A quantidade, natureza, marcas e número de volumes;
c) A designação das mercadorias de acordo com a sua designação comercial habitual contendo todos os elementos necessários à sua identificação;
d) A massa bruta em quilogramas;
e) Os números dos contentores, se for caso disso;
f) Os seguintes indicadores do estatuto das mercadorias:
- a sigla – “C” (equivalente a “T2L”) para as mercadorias cujo estatuto comunitário pode ser justificado;
- a sigla “F” (equivalente a “T2LF”) para as mercadorias cujo estatuto comunitário pode ser justificado, com destino ou proveniência de uma parte do território aduaneiro da Comunidade na qual não se aplicam as disposições da Directiva 77/388/CEE;
- a sigla “N” para as outras mercadorias.
3. O manifesto devidamente completado e assinado pela companhia marítima será, a seu pedido, visado pela estância competente. O visto deve conter o nome e o carimbo da estância competente, a assinatura de um funcionário dessa estância e a data do visto.
Artigo 317º-B
Quando os procedimentos simplificados de trânsito comunitário previstos nos arts. 445º e 448º forem utilizados, a prova do estatuto comunitário das mercadorias é feita pela aposição no manifesto, da sigla “C” (equivalente a “T2L”) em relação às adições em causa.
E interessando ao caso, dispõe, igualmente, o art. 314º-C o seguinte:
Artigo 314º-C [este artigo foi aditado pelo nº 9 do art. 1º do Regulamento (CEE) nº 2787/2000, que, além do mais, também revogou o anterior art. 218º), onde constava norma idêntica ao nº 3 deste art. 314º-C].
1. Sem prejuízo das mercadorias sujeitas ao regime de trânsito comunitário interno a prova do estatuto comunitário das mercadorias só pode ser estabelecida por uma das formas seguintes:
a) Através de um dos documentos previstos nos arts. 315º a 317°-B;
b) De acordo com as modalidades previstas nos arts. 319° a 323º;
c) Pelo documento de acompanhamento referido no Regulamento (CEE) nº 2719/92 da Comissão (JO nº L 276, de 19.9.1992, pág. 1);
d) Pelo documento previsto no art. 325º;
e) Pela etiqueta prevista no nº 2 do art. 462°-A;
f) Pelo documento previsto no art. 812º que certifica o estatuto comunitário das mercadorias; ou
g) Através do exemplar de controlo T5, para efeitos do art. 843º.
2. (…)
3. Desde que as condições para a sua emissão estejam satisfeitas, os documentos referidos nos artigos 315º a 323º podem ser emitidos a posteriori. Nesse caso, são revestidos, a vermelho, de uma das seguintes menções:
(…).
5.3. Ora, no caso, a aplicação do disposto nos transcritos arts. 315º e 316º fica, desde logo, excluída, uma vez que o documento T2L não foi apresentado pelo recorrente à Alfândega de Faro, como ele próprio reconhece e vem provado.
E a aplicação do disposto no art. 317º fica, igualmente, afastada, dado que, sendo certo que o aí previsto apenas se aplica se a factura ou documento de transporte respeitarem a mercadorias comunitárias (cfr. o nº 5 desse artigo), não sendo, no caso, a mercadoria de valor inferior a 10.000 Euros (cfr. al. a) do Probatório), não estava o recorrente dispensado de apresentar esses documentos (factura ou documento de transporte) para visto à estância competente do Estado-membro de partida (nº 4 do mesmo art. 317º).
Acresce que, como diz o MP, não ocorreu, igualmente, a apresentação dos documentos citados com indicação de emissão “a posteriori” (nº 3 do actual art. 314º-C das Disposições de Aplicação).
5.4. E não procede a alegação [cfr. Conclusão f) do recurso] de que a circunstância de a factura e a declaração de venda em causa não terem sido objecto de visto por parte da instância competente se deverá ter por irregularidade não essencial para os fins visados.
Na verdade, a lei apenas dispensa a aposição de tal visto quando (sempre com o pressuposto de que se trata de mercadoria comunitária) a mesma é de valor inferior àquela quantia de 10.000 Euros; mas, mesmo neste caso, não dispensa a aposição nesse documento, «de forma evidente», da «sigla “T2L”, acompanhada da sua assinatura manuscrita», o que bem reforça a ideia de que estamos perante formalidade/procedimento que, independentemente da sua natureza de formalidade essencial (ad substanciam) ou formalidade ad probationem, não poderia ser suprida por outros meios de prova (designadamente pela prova documental que o recorrente pretende), por força do disposto, respectivamente, nos nºs. 1 e 2 do art. 364° do C. Civil, de modo a estabelecer-se o estatuto comunitário da mercadoria em questão.
Veja-se, aliás, que, naquele sentido, também para a prova do estatuto aduaneiro comunitário de uma mercadoria, através da apresentação do manifesto da companhia de navegação relativo a essa mercadoria (cfr. art. 317º-A, citado), a lei impõe (cfr. a al. f) desse artigo) a indicação do estatuto das mercadorias através de siglas equivalentes ao documento T2L. E, igualmente, para a prova do estatuto comunitário das mercadorias apresentadas por um expedidor autorizado (arts. 324º-A e sgts. das Disposições de Aplicação), quando estão em causa os designados «documentos comerciais», a lei determina que seja a autoridade aduaneira a autorizar o expedidor a poder utilizar esses documentos sem ter que os apresentar a visto da estância aduaneira competente e determina, ainda, que esses documentos contêm o cunho do carimbo da estância em causa.
5.5. E, assim sendo, e em resposta à questão que sobra para decidir, temos de concluir que, tal como se decidiu na sentença recorrida, a mercadoria (embarcação) em causa não pode ser havida como tendo estatuto aduaneiro comunitário.
E porque a liquidação do IVA em Portugal tem fundamento na importação de mercadoria procedente de território terceiro (arts. 1º nº 1 al. b), 5° nº 1 al. a) e 7° nº 1 al. c) do CIVA), a sentença recorrida, que assim também decidiu, fê-lo de acordo com a lei aplicável, não ocorrendo a invocada violação das disposições do RITI, dos arts. 315°, 316° e 317° das Disposições de Aplicação (o recorrente, certamente por lapso, referencia aquelas disposições ao Código Aduaneiro Comunitário) nem do regime fiscal contido na Sexta Directiva, hoje Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006.
Improcedem, portanto, também as restantes Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2010. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Alfredo Madureira.