Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0709/10
Data do Acordão:11/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
IRS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO
ORDEM
GRADUAÇÃO
Sumário:I – A ordem de graduação dos créditos munidos de privilégio da mesma natureza carece de estar prevista na lei por ser uma estatuição jurídica diferente da que institui o privilégio.
II – Os créditos da Segurança Social que gozem de privilégio imobiliário devem ser graduados antes dos créditos provenientes de IRS que gozam igualmente de privilégio imobiliário – nos termos das disposições combinadas do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9-5; do artigo 111º do Código do IRS; e do artigo 748.º do Código Civil.
Nº Convencional:JSTA000P12336
Nº do Documento:SA2201011100709
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:ISS - CENTRO DISTRITAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE COIMBRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 O Ministério Público vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida nos presentes autos de verificação e graduação de créditos.
1.2 Em alegação, o Ministério Público recorrente formula as seguintes conclusões.
a) Quer o privilégio imobiliário constante do art° 111º do C.I.R.S., quer o privilégio imobiliário consignado pelo art° 11º do D.L. 103/80 de 9.5, são privilégios imobiliários gerais, abrangendo todos os bens imóveis do devedor;
b) Porém, deste art° 11º do D.L. 103/80 ressalta ainda que os créditos da segurança social se graduam logo após os referidos no art° 748° do C. Civil;
c) Inserindo-se nos créditos do Estado aí previstos, apenas os de contribuição predial, sisa e imposto sobre sucessões e doações (aos quais correspondem, actualmente, o I.M.I., o I.M.T. e o Imposto de selo - sobre transmissões gratuitas) - terá que se dar preferência aos créditos da segurança social;
d) Com efeito, todos os outros créditos do Estado são excluídos, designadamente o I.R.S., imposto que, embora criado posteriormente, com o D.L. n° 442-A/88, de 30 de Novembro, veio substituir, no fundo, anteriores impostos que incidiam sobre o rendimento das pessoas singulares, tais como, o imposto profissional, o imposto complementar e a contribuição industrial (grupo C), que o citado art° 748° do C. Civil não abrange;
e) A sentença devia, pois, ter concedido prioridade de pagamento aos créditos – reclamados – da Segurança Social, sobre os créditos exequendos, provenientes de I.R.S;
f) Não o tendo feito, errou na aplicação do direito, violando o disposto nos art°s 748° do C. Civil, 11° do D.L n° 103/80, de 9 de Maio e 111º do C.I.R.S;
g) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que reconheça e gradue os créditos pela seguinte ordem:
1° - Os dois créditos reclamados por contribuições devidas à Segurança Social;
2º - A quantia exequenda relativa a I.R.S. e
3º - A restante quantia exequenda.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, a questão que aqui se coloca é a de saber se a sentença recorrida – conforme se diz na conclusão f) deste recurso – «errou na aplicação do direito, violando o disposto nos art°s 748° do C. Civil, 11° do D.L n° 103/80, de 9 de Maio e 111º do C.I.R.S».
2.1 A sentença recorrida procedeu à seguinte graduação de créditos.
«1º - Crédito relativo a IRS do ano de 2001, bem como os respectivos juros;
2º - Os Dois Créditos reclamados pela Segurança Social (nos montantes de €13.025,49 e €1.383,87 e respectivos juros;
3º - Restante quantia exequenda e juros».
2.2 Os créditos da Segurança Social e respectivos juros gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário, nos termos do artigo 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9-5.
Nos termos deste artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9-5, “Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil”.
Tal normativo, para além de indicar determinada ordem de graduação, estabelece um privilégio imobiliário (que se tem entendido como geral, uma vez que se não refere a bens certos e determinados - cfr. B.M.J. 455-326 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, vol. II, pág.567) dos créditos da Segurança Social, independentemente da data da sua constituição, e respectivos juros de mora, sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo – normativo que, como lei especial, prevalece sobre a lei geral (cf. o acórdão desta Secção, de 10-7-2002, proferido no recurso n.º 181/02).
E, para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza, por força do artigo 111.º do Código do IRS, de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.
Assim, os créditos por contribuições da Segurança Social e do IRS gozam de privilégio da mesma natureza (privilégio mobiliário e imobiliário geral).
Porém – como se disse no acórdão desta Secção, de 3-3-1999, proferido no recurso n.º 23484 –, a ordem de alinhamento dos créditos munidos de privilégio da mesma natureza carece de estar prevista na lei por ser uma estatuição jurídica diferente da que institui o privilégio (cf. também o acórdão desta Secção, de 13-2-2008, proferido no recurso n.º 1068/07).
De acordo com o artigo 748.º do Código Civil (que estabelece a ordem pela qual devem ser graduados os créditos com privilégio imobiliário), os créditos com tal privilégio devem ser graduados pela seguinte ordem:
a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações,
b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial.
Ora, nos créditos do Estado aqui referidos não se incluem ou constam os créditos provenientes de IRS – o que significa que o crédito do Estado relativo a IRS, enquanto "crédito do Estado”, não se encontra abrangido pela referida alínea a) do citado artigo 748.º do Código Civil.
Por isso que o Ministério Público recorrente tem razão quando diz que na alínea a) do artigo 748.º do Código Civil se inserem os créditos apenas «de contribuição predial, sisa e imposto sobre sucessões e doações (aos quais correspondem, actualmente, o I.M.I., o I.M.T. e o Imposto de selo sobre transmissões gratuitas)»; e que «todos os outros créditos do Estado são excluídos, designadamente o I.R.S., imposto que […] o citado art° 748° do C. Civil não abrange».
E o certo é que, nos termos das disposições combinadas do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9-5, e do artigo 748.º do Código Civil, os créditos pelas contribuições para a Segurança Social graduam-se imediatamente após os créditos referidos neste artigo 748.º do Código Civil, por último citado.
Como assim, não poderá ser atribuída preferência ao IRS na ordem de graduação relativamente aos créditos da Segurança Social.
Cf., no mesmo sentido, além dos já citados, o acórdão desta Secção, de 6-5-2009, proferido no recurso n.º 172/09.
Consequentemente, no caso sub judicio, devem os créditos de contribuições da Segurança Social ser graduados à frente dos créditos de IRS, tal como propugna o Ministério Público recorrente.
Pelo que devemos concluir, e em resposta ao thema decidendum, que a sentença recorrida, tal como diz o Ministério Público recorrente, «errou na aplicação do direito, violando o disposto nos art°s 748° do C. Civil, 11° do D.L n° 103/80, de 9 de Maio e 111º do C.I.R.S».
E, então, de todo o exposto, havemos de convir, em síntese, que a ordem de graduação dos créditos munidos de privilégio da mesma natureza carece de estar prevista na lei por ser uma estatuição jurídica diferente da que institui o privilégio.
Os créditos da Segurança Social que gozem de privilégio imobiliário devem ser graduados antes dos créditos provenientes de IRS que gozam igualmente de privilégio imobiliário – nos termos das disposições combinadas do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9-5; do artigo 111º do Código do IRS; e do artigo 748.º do Código Civil.
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e graduar os créditos do modo seguinte:
1.º - Os créditos reclamados por contribuições devidas à Segurança Social, e respectivos juros;
2.º - O crédito relativo a IRS do ano de 2001, e respectivos juros;
3.º - Os créditos exequendos restantes, e respectivos juros.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010. Jorge Lino (relator) – Casimiro Gonçalves – Dulce Neto.