Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0155/15
Data do Acordão:09/23/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:ACTO
REVERSÃO
Sumário:I - A nulidade da reversão quanto a coimas não determina a nulidade do despacho de reversão no que tange à responsabilização por dívidas de IRS, IRC e IVA.
II - Não tendo sido apontados quaisquer vícios quanto à reversão da execução respeitante às dívidas de IRS, IRC e IVA, esta manteve-se incólume.
Nº Convencional:JSTA000P19421
Nº do Documento:SA2201509230155
Data de Entrada:02/10/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente o pedido de anulação da venda de prédio urbano realizada no processo de execução fiscal nº 1970200601018116 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Benavente contra a sociedade “B………………, Ldª” e que contra si veio a reverter.

1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

Porque a inconstitucionalidade gera sempre a nulidade;

Teremos de concluir que os atos praticados declarados inconstitucionais são nulos;

E consequentemente, reconhecida que seja a inconstitucionalidade, os mesmos são considerados como inexistentes na ordem jurídica.

Porque a declaração de inconstitucionalidade de um despacho de reversão de dívidas fiscais da devedora originária para os seus gerentes implica a nulidade do despacho de reversão;

Teremos de concluir que todos os atos praticados depois do despacho de reversão e que se tenham fundamentado no despacho de reversão declarado inconstitucional, são também eles nulos;

Porque nulidade do despacho de reversão gerada pela inconstitucionalidade decretada pelo STA implicava a reformulação do ato de reversão, produzindo-se novo despacho;

Porque a reformulação do despacho de reversão implicava o conceder aos revertidos nova oportunidade para poderem pagar a nova quantia em dívida ou a nomeação de bens à penhora;

Porque tal não aconteceu no presente caso, mas apenas se declarou válidos os atos posteriores ao despacho de reversão considerado inconstitucional;

Teremos de concluir que tais atos estão feridos de invalidade;

10ª E consequentemente teremos também de concluir que os mesmos são nulos.

11ª Porque a sentença proferida nos autos em 1ª instância assim não julgou;

12ª Teremos de concluir que ficou a mesma ferida de invalidade.

Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e com o sempre mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência determinar-se a anulação da sentença proferida nos autos e determinar a nulidade do despacho de 12 de dezembro de 2011 do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Benavente em que determinou a adjudicação da venda da fração designada pelas letras “BB”, correspondente ao 4º andar direito o prédio urbano sito na Via paralela à Avenida ………. (Rua ……………), nºs …. e …., freguesia de ………., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo 27466, e descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o nº 255/19990917-BB, da referida freguesia de ………., considerando-se que a mesma é nula por ter ocorrido uma inconstitucionalidade na reversão para si de coimas e outros encargos do devedor originário, conforme sentença proferida pelo Venerando STA, só assim, se fazendo a costumada justiça, como o caso merece.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do STA emitiu parecer no sentido de que o recurso não devia ser provido, argumentando o seguinte:

«1. O despacho proferido pelo órgão da execução fiscal (OEF) em 31.01.2013 (fls. 139) exprimiu os seguintes comandos:

- extinção da reversão fundada em dívidas por coimas (em execução do acórdão STA-SCT de 27.06.2012, processo nº 623/12; fls. 64/79);

- prosseguimento da reversão fundada nas dívidas exequendas de natureza diversa das coimas, provenientes de IVA, IRS e Imposto de Selo (cf. informação fls.95/96)

O despacho reclamado, anulado pelo acórdão STA-SCT, respeitava especificamente ao acto de reversão por coimas, tendo indeferido o pedido de declaração da sua inconstitucionalidade formulado pela actual recorrente e por C…………….. com fundamento na inconstitucionalidade do art. 8º RGIT.

Estes revertidos no processo de execução fiscal tinham formulado expressamente o pedido de nulidade dos despachos de reversão na parte relativa a coima e demais encargos (cf. acórdão citado fls. 64 e 68).

2. Neste contexto, conceptualmente, o despacho controvertido proferido pelo OEF resulta de uma reforma do acto originário de reversão, por redução da sua extensão inicial, expurgada da parte afectada por ilegalidade em consequência da anulação determinada pelo acórdão STA (art. 23º nº 4 LGT)

Diversamente do regime das nulidades dos actos em processo de execução fiscal, determinando a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, o acto reformado retroage os seus efeitos à data dos actos a que respeitam (art. 165º nº 2 CPPT; art. 137º nºs 2 e 4 CPA; na doutrina Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco Amorim Código de Procedimento Administrativo 2ª edição p. 664).

A aplicação deste regime ao caso concreto significa que o acto de reversão reformado ficou reduzido à extensão legalmente admissível, como se originariamente tivesse sido proferido com esse âmbito. Não tendo a recorrente invocado qualquer preterição de formalidade legal no processo de execução ou vício intrínseco do acto de venda, a legalidade deste não se mostra afectada».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte factualidade:

1. Em 22/9/2009, A…………… recepcionou o ofício constante de fls. 99 dos autos em suporte de papel com o assunto “Citação reversão”, no processo de execução fiscal n.º 1970200501046730 e apensos no valor total de € 54.447,58, por dívidas provenientes de IVA, impostos conta-corrente e Coimas, originada pela execução movida pela Fazenda Nacional contra B……………. Lda. (cf. ofício e AR constantes de fls. 99 e 100 dos autos em suporte de papel).

2. Em 20/4/2010 a Fazenda Nacional procedeu à penhora do prédio designado pelas letras BB, correspondente ao 4º andar direito do prédio urbano sito na Via paralela à Avenida ……….. (Rua …………….), n.ºs … e …., freguesia de …………, Concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo 27466, e descrito na Conservatória de Registo predial de Lisboa sob o nº 255/19990917-BB, da referida freguesia de …………, propriedade da ora requerente desde 26/6/2008 (cf. certidão da conservatória do registo predial constante de fls. 107 a 109 dos autos em suporte de papel).

3. Em 7/11/2011, a ora requerente apresentou junto do serviço de finanças de Benavente requerimento a solicitar o reconhecimento da nulidade do despacho de reversão relativamente às coimas (cf. informação constante a fls. 130 dos autos em suporte de papel).

4. Em 25/11/2011, o chefe do Serviço de Finanças de Benavente proferiu o despacho de indeferimento do requerimento indicado no ponto que antecede e determinou o prosseguimento dos termos legais dos processos de execução, designadamente a prossecução da venda nos termos constantes a fls. 119, frente e verso dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

5. Em 3/12/2011, a ora requerente apresentou reclamação prevista no artigo 276º do CPPT da decisão mencionada no ponto anterior, a que coube o nº 1526/11.6BELRA deste TAF (cf. petição constante a fls. 26 a 34 dos autos em suporte de papel).

6. Em 12/12/2011 no Serviço de Finanças de Benavente foi lavrado auto de abertura e aceitação de propostas em carta fechada relativa ao prédio urbano, artigo 2746, fracção BB, situado na via paralela à Avenida ……. (Rua ……………), nºs … e …., 1500 - ……. Lisboa, correspondente ao 4.º andar direito de prédio urbano, sendo o proponente D………….., Ldª, que apresentou a proposta com o valor mais alto de € 187.621,00 (cf. termo a fls. 121 dos autos em suporte de papel).

7. Em 21/12/2011 deu entrada no Serviço de Finanças de Benavente o presente incidente de anulação de venda (cf. carimbo de fls. 2 dos autos em suporte de papel).

8. Em 1/2/2012 o Chefe de finanças proferiu o despacho constante de fls. 137 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual decidiu suspender a concretização do depósito do preço até ao trânsito em julgado das decisões que vierem a recair sobre o pedido de anulação da venda e reclamação judicial, evitando assim eventuais devoluções de valores, pagamentos de juros e indemnizações.

9. Em 27/6/2012, no âmbito do processo identificado no ponto 5 dos factos provados, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo em que é reconhecida a ilegalidade do despacho reclamado quanto às dívidas provenientes de coimas, nos termos do Acórdão constante a fls. 64 a 69 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

10. Em 31/1/2013 o Chefe do Serviço de finanças de Benavente proferiu o despacho constante a fls. 139 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual determinou a extinção da reversão no que se refere a todas as dívidas por coimas, determinando a prossecução da execução contra os responsáveis subsidiários quanto às restantes dívidas de natureza diversa.

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação da venda de prédio da executada, ora recorrente, realizada na execução fiscal nº 1970200601018116 e apensos, instaurada contra a sociedade “B…………, Ldª”, para cobrança de dívidas de IRS, IRC, IVA e Coimas, e que contra si reverteu.

Tal pedido de anulação da venda realizada nessa execução teve por causa de pedir a ilegalidade do despacho que determinou a adjudicação do prédio vendido face a uma invocada “nulidade do despacho de reversão” decorrente da inconstitucionalidade da responsabilização da revertida quanto às coimas em cobrança.

A sentença recorrida julgou o pedido improcedente com a seguinte fundamentação:

«De acordo com o nº 1 do artigo 257º do CPPT, que remete também para o regime legal previsto no artigo 839º do CPC, a anulação de venda realizada em processo de execução fiscal depende, relativamente ao ato da venda ou actos anteriores que lhe digam respeito, de dois requisitos fundamentais: i) ter ocorrido a omissão de um ato ou de uma formalidade imposta pela lei; ii) essa omissão poder ter tido influência no ato de venda realizado. Motivo pelo qual a anulação só pode ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreu a irregularidade, se puder afirmar, com segurança, a sua susceptibilidade para influenciar o ato de venda efectuado.

Ou seja, não basta a omissão de uma qualquer formalidade legal para que a venda seja anulada, sendo ainda necessário, como impõe o artigo 195º do CPC, que ela possa ter tido influência no exame ou decisão da causa.

Razão pela qual a anulação só pode ser decretada se, no quadro factual em que ocorreu a irregularidade, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar o acto processual de venda efectuado.

A questão decidenda é pois a de saber se estando uma parte da dívida contenciosamente impugnada, a venda não se deve realizar.

Ora, como resulta dos factos provados, a execução fiscal em causa é constituída por vários processos apensos, respeita a dívidas provenientes de Coimas fiscais mas também de IRS, IRC e IVA, cuja cobrança através da venda não é prejudicada pela existência de controvérsia relativa à dívida proveniente de coimas.

Neste contexto e independentemente de outras vias possíveis a tomar pelo órgão de execução fiscal, como por exemplo a desapensação do processo principal dos processos de execução respeitantes a coimas, não constitui irregularidade susceptível de influir na venda a existência de contencioso quanto a parte da dívida exequenda.

Não obstante, a pretensão da requerente foi satisfeita na sequência do douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ou seja, foi expurgado o vício que no entender da ora requerente justificava a anulação da venda, uma vez que foram anuladas as dívidas provenientes de coimas, pelo que foram extintos os processos de execução fiscal relativos às dívidas por coimas.

Pelo exposto, a presente acção de anulação da venda não pode proceder uma vez que os processos de execução contra a ora requerente que se destinavam à cobrança de dívidas de coimas já foram extintos e pelo facto de não existir qualquer nulidade ou ilegalidade que constitua fundamento de anulação de venda judicial que ocorreu em sede de execução por dívidas de impostos e sobre as quais não foi deduzida qualquer oposição ou reclamação.».

Dissente a Recorrente do assim decidido, sustentando que a inconstitucionalidade da reversão quanto às coimas implica a nulidade do despacho de reversão, e, por consequência, também do subsequente acto de venda e de adjudicação do prédio vendido; razão por que defende que, no caso, se impunha a reformulação do despacho de reversão através de novo despacho que concedesse aos revertidos nova oportunidade de pagar a dívida exequenda ou de nomear bens à penhora.

Vejamos.

Como se viu, o órgão da execução fiscal proferiu despacho de reversão, designadamente contra a ora Recorrente, com fundamento na sua responsabilidade subsidiária por dívidas de Coimas, IRS, IRC e IVA, que intentava cobrar nos processos de execução originariamente instaurados contra a sociedade devedora.

A revertida, ora Recorrente, sem pôr em causa a reversão quanto às dívidas de IRS, IRC e IVA, questionou a sua responsabilização pelas dívidas de coimas com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 8º do RGIT, requerendo, ao órgão de execução fiscal, que reconhecesse a nulidade do despacho de reversão nessa parte.

Tal requerimento foi indeferido por despacho de 25/11/2011. Porém, em sede de reclamação judicial deduzida contra esse despacho de indeferimento, reconhecendo-se embora a insubsistência do invocado fundamento da inconstitucionalidade do art.º 8º do RGIT, foi determinada a anulação do despacho reclamado, por ilegal, na medida em que a reversão fora ordenada antes da entrada em vigor da alínea c) do artigo 148º do CPPT e não fora facultado aos revertidos o exercício do contraditório e da defesa relativamente às coimas aplicadas à devedora originária – cfr. acórdão do STA proferido nestes autos em 27/06/2012, no recurso que correu termos sob o nº 0623/12.

É, pois, fora de dúvida que a decisão proferida na reclamação contende, de forma exclusiva, com as dívidas de coimas, constituindo as dívidas de IRS, IRC e IVA obrigações distintas e autónomas; e daí que a responsabilização pelas obrigações tributárias que emergem destas liquidações, nos termos que decorrem do despacho de reversão, em nada possa ter sido afectada pela decisão judicial de anulação parcial da reversão na parte tocante às coimas.

Na verdade, da eliminação da reversão quanto às coimas apenas se pode retirar que a respectiva dívida não pode ser saldada à custa do património da Recorrente. E não tendo sido apontado qualquer vício à reversão da execução fiscal para cobrança das restantes dívidas, ele manteve-se incólume nessa parte. Pelo se torna inquestionável que o acto de reversão manteve a sua validade quanto a estas dívidas tributárias, e, por essa via, nada obstava a que a execução promovida para a sua cobrança prosseguisse contra a revertida, designadamente com a venda do imóvel que lhe foi penhorado para garantia do pagamento desses créditos.

Acresce que, como claramente resulta do acórdão proferido nestes autos em 27/06/2012, não foi a inconstitucionalidade do art.º 8º do RGIT que determinou a anulação do acto de reversão; o que determinou essa anulação (parcial) foi o facto de se ter julgado que as reversões determinadas antes da entrada em vigor da norma da alínea c) do art.º 148º do CPPT pela Lei 3-B/2010, de 18 de Abril, só são válidas se o potencial revertido exerceu o contraditório e a defesa relativamente à coima aplicada à sociedade devedora originária, o que, no caso, não havia acontecido.

Não tendo havido (nem podendo haver) a possibilidade de renovação do acto de reversão quanto a tais dívidas, atento o motivo determinante da sua parcial anulação, carece de razão a recorrente ao defender que a inconstitucionalidade decretada implicava a renovação ou reformulação do acto de reversão, com a produção de novo despacho que concedesse aos revertidos nova oportunidade para pagarem a quantia em dívida ou a nomeação de bens à penhora.

Em suma, é totalmente destituída de sentido a pretendida reformulação do despacho de reversão aventada nas conclusões 6ª e 7ª, já que tal representaria a prática de um acto inútil, ou, ainda, a concessão de uma moratória de duvidosa legalidade.

Resulta, pois, evidente que a venda do imóvel da propriedade da revertida, levada a efeito no âmbito das execuções destinadas, além do mais, à cobrança de IRS, IRC e IVA, não padece da nulidade que lhe vem assacada, e, nesta circunstância, nada mais resta do que confirmar a sentença que assim decidiu.

Improcedem, pois, todas as conclusões das alegações do recurso.


4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de Setembro de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão LopesAna Paula Lobo.