Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0848/18.0BESNT-S2
Data do Acordão:05/16/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CPTA
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:Não é de admitir recurso de decisão que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático da impugnação, no quadro do artigo 103.º-A do CPTA, quando o que está em causa é ponderação de interesses exigida pelo n.º 2 do art.º 120.º do CPTA e nada indica que o Acórdão recorrido tem decidido mal essa questão.
Nº Convencional:JSTA000P24558
Nº do Documento:SA1201905160848/18
Data de Entrada:05/07/2019
Recorrente:RTP-RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

RTP – Rádio e Televisão de Portugal, S.A (doravante RTP) requereu, no TAF de Sintra, nos termos do art.º 103.º/A, nº 1, do CPTA, o levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, no âmbito da acção de contencioso pré-contratual, intentada por A…………, S.A. contra ela.
O TAF deferiu a referida pretensão e o TCA Sul, para onde a A…………, S.A. apelou, revogou essa decisão e manteve o efeito suspensivo automático.
É desse Acórdão que a RTP vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A…………, S.A., que se dedica à prestação de serviços de segurança, candidatou-se ao concurso aberto pela RTP para a “Aquisição de serviços de segurança e vigilância para as instalações da RTP, S.A.” tendo sido notificada do Relatório Preliminar do Júri do Concurso onde viu a sua proposta ser classificada em 1º lugar. Posteriormente, foi notificada do 2.º Relatório Preliminar onde se propôs a exclusão da sua proposta e a classificação da proposta da B………… em 1º lugar.
A Autora, em sede de audiência prévia, expôs não só as razões pelas quais entendia que o 2.º Relatório estava incorrectamente elaborado e que a sua proposta deveria ser classificada em 1º lugar como as razões pelas quais considerava que várias propostas, entre elas a da B…………, deveriam ter sido excluídas. Sem sucesso já que o Júri manteve as conclusões desse Relatório o que levou a RTP a adjudicar o objecto do concurso à B………… e com ela celebrar o correspondente contrato.
Inconformada, a Autora instaurou a presente acção impugnando o acto de adjudicação e a RTP requereu o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no nº 1 do art.º 103º-A do CPTA, alegando que a manutenção desse efeito era gravemente prejudicial para o interesse público, concretamente, para a falta da garantia de segurança de pessoas e bens nas suas instalações.
Pretensão que o TAF deferiu pela seguinte ordem de razões:
“(…)
Verifica-se que os serviços de segurança e vigilância a prestar nas instalações da R., aqui em causa, são essenciais para o seu efetivo e normal funcionamento.
Aqui, e em sede incidental, apenas interessa o critério do prejuízo para o interesse público, o que é óbvio, conforme a alegação da RTP.
Além disso, também interessa o valor da estabilidade contratual para o bom funcionamento da Entidade Pública Demandada, requerente do levantamento, e para os serviços de vigilância e segurança prestados nas suas instalações.
Não nos oferece dúvida que o diferimento da execução do contrato adjudicado prejudica, no caso em presença, de forma grave, o interesse público acima referido e invocado pela requerente RTP.
Em face de tudo o exposto, esta conclusão constitui motivo suficiente para justificar, como vimos acima, o levantamento do efeito suspensivo automático, operado pelo artigo 103º-A, nº 1, do CPTA, em face da presente impugnação do ato de adjudicação.
..........
Ora, entendemos que, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, designadamente, os interesses públicos da RTP, os interesses particulares da A., A…………, e os interesses particulares da CI, B…………, entendemos que os danos que resultariam do indeferimento, ou seja da manutenção do efeito suspensivo, para o interesse público da RTP e para o interesse privado da adjudicatária, se mostram superiores aos danos que, para a A, podem, eventualmente, resultar do seu levantamento ou seja do deferimento.".

O TCA reputou de errada essa decisão pela seguinte ordem de razões:
“(…)
A decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos.
.....
Em síntese, o tribunal só pode levantar o efeito suspensivo automático quando, sopesando interesses e prejuízos, concluir que os danos decorrentes do efeito suspensivo para o interesse público (interesse coletivo; bem comum) e ou para os interesses dos contra-interessados são ou seriam consideravelmente superiores àqueles que advêm ou podem advir para o impugnante. Mário Aroso e Carlos Cadilha falam aqui em “desequilíbrio desproporcionado” em desfavor da entidade demandada ou dos contra-interessados (Comentário…, 4ª ed., p. 845).
.....
Ou seja, o juiz deve decretar procedente o incidente se a manutenção do efeito suspensivo automático causar ao requerente prejuízos muito superiores ou desproporcionados aos prejuízos que o levantamento causará aos interesses das contrapartes.
Portanto, tem de se atender ao critério dos prejuízos.
........
Do lado da entidade demandada e requerente do incidente de levantamento o que interessa, para se saber se teria prejuízos muito superiores ou desproporcionados relativamente aos das contrapartes, é a “realidade” normalmente criada pelo efeito suspensivo automático e sua manutenção, desconsiderando, logicamente, a eventual conduta reativa da entidade demandada em consequência do efeito suspensivo automático.
....
Portanto, sobre o critério decisório para o levantamento do efeito suspensivo automático, entende-se que do art. 103º-A do CPTA resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos:
a) grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
b) ponderação, sopesamento ou comparação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade, não bastando à entidade demandada e aos contra-interessados alegarem – e ficar provada – a existência de prejuízos para o interesse público e para os outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação e a aquisição processual de factos constitutivos da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos – cf. assim, além dos cits. Acs. deste TCA Sul de 24-11-2016 e de 04-10-2018, os Acs. deste TCA Sul de 24-05-2018, pr. Nº 78/17…, e de 04-10-2017, pr. Nº 1904/16…-A.
....
Assim sendo, como é, com base nos factos aqui provados temos de concluir, à luz do específico critério de desproporcionalidade exigido no artigo 103°-A do CPTA, acima explanado, que não existe qualquer prejuízo para a RTP e os interesses por si aqui prosseguidos se se mantiver o legal efeito suspensivo automático da adjudicação impugnada. E muito menos um prejuízo manifestamente desproporcionado. Nenhum facto concreto, alegado ou notório, o indicia sequer.
.....
Por isso se tem de concluir, sem mais, como concluiu a ora recorrente e requerida no incidente, a A…………. O tribunal “a quo” errou na ponderação ou sopesamento que pareceu fazer, especialmente porque não tinha sequer factos que permitissem obter a conclusão e as premissas - conclusivas – em que se baseou para decidir a final.”

3. A RTP não se conforma com tal decisão, pelo que pede a admissão desta revista para que se apreciem as seguintes questões:
- A primeira, relaciona-se com o efeito a atribuir ao recurso das decisões sobre o levantamento do efeito suspensivo automático proferidas no âmbito do incidente previsto no artigo 103.º-A do CPTA.
- a segunda, é a que resulta da aplicação e interpretação das regras jurídico-processuais nos casos em que os factos de que emerge o grave prejuízo para o interesse público são notórios, atendendo, designadamente, à natureza dos serviços que constituem o objecto do contrato, no caso de vigilância e segurança, mas não tiverem sido incluídos no segmento da decisão referente ao elenco de factos provados.
- a terceira, consiste saber se o Tribunal de apelação, confrontado com a insuficiência dos factos provados constante da decisão recorrida para a ponderação necessária à decisão prevista no artigo 103.º-A do CPTA, não deve verificar que se existem outros alegados e provados (designadamente por não terem sido impugnados) que se mostrem relevantes para a referida ponderação e, em caso afirmativo, tê-los em conta.

4. A questão suscitada nesta revista é, pois, como se vê, a de saber em que circunstâncias pode ser levantado o efeito suspensivo automático decorrente da mera propositura de acção de contencioso pré-contratual, onde se pede a anulação do acto de adjudicação e a paralisação da execução do correspondente contrato.
O regime previsto no art.º 103.º-A do CPTA – que prevê aquela suspensão - foi objecto de uma apreciação pelo STA, no Acórdão de 5/04/2017 (rec. 31/17), onde se concluiu que “A decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos.” O que significa que são as circunstâncias concretas de cada caso a determinar a decisão sobre o efeito suspensivo automático previsto no citado normativo.
É verdade que, no caso, as instâncias apreciaram diferentemente a factualidade apurada e que daí resultou a contradição de julgamentos. Todavia, não é menos verdade que, no essencial, essa divergência decorreu da forma como ponderaram os efeitos que decorreriam da suspensão do acto de adjudicação e da execução do correspondente contrato, concretamente dos prejuízos que adviriam daquela suspensão para o interesse público. Sendo certo que o fizeram com base na mesma factualidade, que a Recorrente reputa de insuficiente mas que tanto o TAC como o TCA consideraram ser a bastante.
Deste modo, não foi o julgamento da M.F. a fundamentar a divergência de julgamentos mas a forma como os factos foram interpretados pelas instâncias o que levou o Acórdão recorrido a afirmar que não temos de aditar ou considerar outros factos, designadamente notórios.
Sendo assim, sendo que o que ora está em causa é, no essencial, a apreciação da matéria de facto que se encontra assente e que nada indica que o Acórdão recorrido a tenha apreciado mal, não parece que a admissão desta revista seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
Acresce que a questão do efeito a atribuir ao recurso das decisões sobre o levantamento do efeito suspensivo automático não tem a relevância jurídica e social suficiente para merecer a reapreciação por este Supremo Tribunal.
É, pois, forçoso concluir que se não encontram reunidos os pressupostos de admissão do recurso.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Maio de 2019. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.