Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0590/17.9BEAVR
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PENSÃO DE REFORMA
BANCO
Sumário:Justifica-se a admissão de recurso de revista em que se suscitam questões jurídicas complexas e cuja resolução concreta suscita dúvidas legítimas.
Nº Convencional:JSTA000P32035
Nº do Documento:SA1202403210590/17
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA - autor da presente acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 17.11.2023 - que concedeu provimento ao recurso de «apelação» do réu - INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL/CENTRO NACIONAL DE PENSÕES - e, em conformidade, revogou a sentença do TAF de Aveiro - de 03.02.2023 - e julgou improcedente a acção.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância social e jurídica da questão» - artigo 150º, nº1, do CPTA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor da acção administrativa - AA - demandou o réu - INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL/CENTRO NACIONAL DE PENSÕES - pedindo ao tribunal - TAF de Aveiro - que anulasse a decisão da entidade demandada nos segmentos em que procede à contagem do seu tempo de serviço e descontos e fixa o valor da pensão, para o ano de 2017, em 2.105,23€, e a condenasse a praticar novo acto que, relevando o período temporal de 10 anos em que esteve abrangido pelo regime previdencial dos bancários, fixe o seu tempo de serviço e descontos em 40 anos, e proceda ao cálculo da pensão de acordo com esses elementos, pagando-lhe as importâncias em dívida, vencidas e vincendas, acrescidas dos respectivos juros de mora.

De facto, as partes divergiam quanto à questão de saber se o período de 03.04.1978 a 31.01.1989 em que o autor trabalhou para o Banco 1... e para a A..., com descontos ao abrigo do regime previdencial aplicável ao sector bancário, devia ser contabilizado pelo réu para efeitos de atribuição da pensão de reforma, desse modo considerando uma carreira de 40 anos, relevante para o cálculo da respectiva pensão.

O TAF de Aveiro - por sentença datada de 03.02.2023 - resolveu a questão dos autos colocando o acento tónico no artigo 63º, nº4, da CRP, cuja interpretação restritiva considerou como inadmissível por contrária à própria Constituição. E, assim, decidiu anular o acto impugnado e condenar o réu a proceder ao cálculo da pensão do autor tendo em conta o tempo de serviço por ele reclamado, e a pagar-lhe as importâncias resultantes desse novo acto, acrescidas de juros de mora sobre o montante da pensão em dívida desde a data do respectivo vencimento até efectivo pagamento.

Interposta «apelação», pelo réu, desta decisão da 1ª instância, o TCAN concedeu-lhe provimento, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a acção, adoptando uma interpretação e aplicação das pertinentes normas legais aos factos provados algo diferente do tribunal «a quo». Na verdade o acórdão do tribunal de apelação resolve a questão como se o autor tivesse descontado para um fundo de pensões, como se ele estivesse abrangido pelo ACT dos bancários - publicado no BTE nº3/2011, de 22.01 -, como se ele pudesse agora dirigir-se a um qualquer fundo de pensões - que inexiste - ou mesmo à própria A... - que também já não existe - a fim de lhes solicitar aquilo que o réu lhe recusa.

Agora é o autor - AA - que discorda, e pede revista do decidido pelo acórdão do tribunal de apelação, apontando-lhe «erro de julgamento de direito», pedindo a sua revogação e a manutenção do decidido em 1ª instância. Alega que é errado considerar-lhe aplicável o já referido ACT dos bancários - em particular as suas cláusulas 136ª e 137ª - e nisso assentar grande parte da fundamentação decisória; que não há fundo de pensões, constituído pela A..., para o qual tenha descontado; e que a manter-se o acórdão recorrido veria retirada relevância previdencial a período de tempo em que efectivamente trabalhou e descontou. Alega que são inconstitucionais - no sentido em que foram interpretados e aplicados no acórdão recorrido - os artigos 2º, 3º, 6º nº2, do DL nº1-A/2011, de 03.01, 11º do DL nº127/2011, de 31.12, as cláusulas 136º e 137º do ACT para o sector bancário - publicado no BTE nº3/2011, de 22.01 - e, «a contrario», os artigos 1º, 2º, 3º e 5º do DL nº127/2011, de 31.12, quer porque tal entendimento é violador do artigo 63º, nº4, da CRP, quer porque viola os princípios constitucionais do direito à segurança social, da universalidade, da igualdade, da equidade, da garantia judiciária e do primado da segurança social.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Feita tal apreciação, cremos que a presente pretensão de revista deverá ser admitida. Na verdade, a questão em análise consiste na relevância, para o cálculo da pensão de velhice do autor do tempo de trabalho entre 03.04.1978 e 31.01.1989, período em que foi trabalhador do Banco 1... [de 03.04.1978 a 31.12.1980] e da A... [de 01.01.1981 a 31.01.1989], e em que esteve abrangido pelo regime previdencial dos bancários. Trata-se, de facto, de questão com «significativa complexidade», por envolver enquadramento normativo especialmente intrincado, composto pelas disposições previdenciais dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho dos bancários ao longo dos anos, desde 1978, e pelos diversos diplomas que regularam a integração dos bancários no regime geral da segurança social - em particular o DL nº187/2007, de 10.05, o DL nº54/2009, de 02.03, o DL nº127/2011, de 31.12, o DL nº1-A/2011, de 03.01, o DL nº247/2012, de 19.11, o DL nº125/79, de 10.05, o DL nº310/79, de 20.08, o DL nº46302, de 27.04.1965 - estes 3 últimos referentes à criação da A... e aplicação aos seus trabalhadores do regime previdencial dos bancários. A complexidade é ainda potenciada pelo facto deste regime se ter aplicado ao autor por duas vias, ou seja, por ter sido trabalhador bancário tout court [entre 03.04.1978 e 31.12.1980, em que trabalhou no Banco 1...] e por força da lei [de 01.01.1981 a 31.01.1989, em que trabalhou na A...], e pelas problemáticas da aplicação e revogação de leis e instrumentos de regulação colectiva do trabalho. É, aliás, uma matéria que tem suscitado dúvidas pertinentes na jurisprudência - como é bem patente na divergência das presentes decisões dos tribunais de instância - e que, por isso mesmo, é de toda a conveniência alcançar clarificação e segurança que oriente a decisão de outros casos concretos semelhantes.

Assim, e sem mais delongas, quer em nome da necessidade de esclarecer, e solidificar, a decisão jurídica da referida questão, quer em nome da importância fundamental que lhe assiste, é de admitir a presente revista.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.