Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0572/10
Data do Acordão:11/30/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IRS
SUJEITO PASSIVO
ERRO NA IDENTIFICAÇÃO
INCIDÊNCIA PESSOAL
Sumário: I – O IRS é um imposto que incide sobre o valor anual dos rendimentos empresariais e profissionais, ficando sujeitos a esse imposto o agregado familiar constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoa e bens e seus dependentes, bem como podem optar pelo seu regime de tributação as pessoas que vivam em união de facto e que preencham os pressupostos da lei respectiva (cfr artºs 1º, nº 1, 3º, nºs 2 e 3, 14º do CIRS).
II – Não obstante constar do comprovativo da declaração modelo 3 de IRS que os sujeitos passivos são casados, fixado no probatório que tal estado civil não corresponde à realidade e que os mesmos não viveram em economia comum, o impugnante não pode como tal ser considerado, sendo, em consequência, anulado o acto de liquidação do imposto.
III – O casamento, enquanto facto sujeito a registo civil obrigatório, apenas pode ser provado por documento autêntico (artºs 1º, al. d), 3º, 4º e 50º do CRC); todavia, a prova do facto negativo (não celebração do casamento) pode ser objecto de prova testemunhal.
Nº Convencional:JSTA000P12382
Nº do Documento:SA2201011300572
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A Fazenda Publica, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A… contra o acto de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2003, no valor global € 20.520,44, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A motivação subjacente ao segmento decisório da sentença recorrida estriba-se apenas na conclusão (cf. ponto 4. do probatório) de que o impugnante e B… não eram casados entre si.
2. Facto que o meritíssimo juiz a quo declarou provado socorrendo-se apenas dos testemunhos produzidos em sede de audiência contraditória.
3. A aptidão da prova testemunhal produzida nos autos, atenta a sua natureza, afigura-se, no caso concreto, completamente inidónea para alicerçar a decisão anulatória proferida.
4. O dever de apuramento da verdade material, a que o julgador se encontra legalmente adstrito, exige que o julgador tivesse, ex officio, diligenciado à obtenção de documento autêntico com vista à comprovação de facto que, de forma indevida, inscreveu no ponto 4 do probatório.
5. A sentença recorrida violou, desse modo, o princípio da verdade material, vigente no nosso ordenamento jurídico-tributário, ínsito no nº 3 do artigo 265º do Código de Processo Civil.
6. Sem prescindir, e em resultado da decisão judicial aqui recorrida, foram subtraídos à devida tributação os factos tributários, não controvertidos, plasmados na declaração de rendimentos a que se faz referência supra.
7. Nestes termos, e nos demais de direito, que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, com as legais consequências.
O recorrido não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, na medida em que “A liquidação de IRS impugnada não deve ser anulada mas apenas reformada, em consequência do erro na identificação de um dos sujeitos passivos, mantendo-se como sujeito passivo B… na medida em que não são controvertidos os proveitos resultantes da sua actividade, inscritos na declaração de rendimentos apresentada, indevidamente, com dois sujeitos passivos (art. 137° CPA).”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1- Em data que não se pode precisar foi o impugnante notificado da liquidação de IRS referente ao ano de 2003 e para pagar a quantia de 20.520,44 € referente a essa liquidação – cfr Fls. 17 da PA que aqui se dá por reproduzida;
2- Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de fls.14 a 22 do PA, respectivamente, “Declaração de Inscrição no registo/Inicio de Actividade” – referente a B… – e “Comprovativo da declaração Modelo 3 de IRS Via Internet – referente à declaração de IRS do ano de 2003 de B… e A…, aqui impugnante;
3 – A declaração a que aquele comprovativo respeita foi preenchida pelo Gabinete de Contabilidade que tratava da escrita B…;
4 – O impugnante e B… não são casados entre si e não viveram em economia comum nos anos de 2002e 2003.
3 – Na sentença recorrida, o Mmº Juiz “a quo” julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrido e, em consequência, anulou o acto de liquidação em causa, uma vez que e em suma, pese embora constasse do “Comprovativo da Declaração Modelo 3 de IRS Via internet” que o mesmo era casado com o outro sujeito passivo que no mesmo também figura, “…não pode o Impugnante ser sujeito passivo deste imposto como se de cônjuge da B… se tratasse, porque, efectivamente, e contrariamente ao declarado, não está com esta casado”.
É contra esta decisão que agora se insurge a Fazenda Pública.
Alega, em síntese, que “…A aptidão da prova testemunhal produzida nos autos, atenta a sua natureza, afigura-se, no caso concreto, completamente inidónea para alicerçar a decisão anulatória proferida…
O dever de apuramento da verdade material, a que o julgador se encontra legalmente adstrito, exige que o julgador tivesse, ex officio, diligenciado à obtenção de documento autêntico com vista à comprovação de facto que, de forma indevida, inscreveu no ponto 4 do probatório...
…e em resultado da decisão judicial aqui recorrida, foram subtraídos à devida tributação os factos tributários, não controvertidos, plasmados na declaração de rendimentos a que se faz referência supra...”.
Vejamos.
Estabelece o artº 1º, nº 1 do CIRS que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos empresariais e profissionais.
Por outro lado, dispõe o artº 3º, nºs 2 e 3 do mesmo diploma legal que ficam sujeitos a este imposto o agregado familiar, constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e seus dependentes.
Por último, determina o artº 14º ainda daquele diploma legal que as pessoas que vivam em união de facto e que preencham os pressupostos da lei respectiva, também podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
No caso em apreço, não há dúvidas, como resulta do probatório, que o impugnante, no ano de 2003, ano a que respeita o imposto em causa, não era casado, nem viveu em economia comum com a B…, que no predito comprovativo da declaração de IRS figura, também, como sujeito passivo (vide nº 4).
Não obstante, alega a recorrente FP que a prova testemunhal produzida nos autos era inidónea para alicerçar esse facto, devendo o tribunal recorrido ter diligenciado pela obtenção de documento autêntico com vista à comprovação desse facto.
Mas não tem razão.
Com efeito e como bem anota o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, “o casamento, enquanto facto sujeito a registo civil obrigatório, apenas pode ser provado por documento autêntico (arts. 1º, al.d), 3º, 4º e 50º do CRC; art. 363º nº2 CCivil); não obstante, a prova do facto negativo (não celebração do casamento) pode ser objecto de prova testemunhal, sem prejuízo da sua ilisão por prova plena resultante de documento autêntico (arts. 392º e 393º nº 2 CCivil)”.
Ora, no caso dos autos, a recorrente FP não contrariou a afirmação feita na sentença recorrida de que o impugnante e a B… não eram casados, nem viviam em economia comum nos anos de 2002 e 2003.
Pelo que o impugnante não pode, assim, ser sujeito passivo desse imposto.
Por último, sempre se acrescentará que o vício referido, incidindo sobre os pressupostos de facto, o mesmo afecta todo o acto de liquidação, já que não é, assim, divisível, o que tem como consequência a anulação deste acto de liquidação, no seu todo.
Improcedem, desta forma, as alegações do recorrente.
4 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 30 de Novembro de 2010. - Pimenta do Vale (relator) - António Calhau - Casimiro Gonçalves.