Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:095/21.3BALSB
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:Constitui requisito de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, a existência de oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Quando seja diverso o enquadramento jurídico da factualidade que dita a diferença das soluções adoptadas nas decisões arbitrais, não existe “identidade na questão fundamental de direito”.
Nº Convencional:JSTA000P28853
Nº do Documento:SAP20220126095/21
Data de Entrada:07/08/2021
Recorrente:ASSOCIAÇÃO DE ..............., - A...
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I - Relatório

1 – ASSOCIAÇÃO DE ………….. – A…, com os sinais dos autos, vem, nos termos dos artigos 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e 152.º do CPTA, interpor recurso para a uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral n.º 341/2020-T, proferida em 28 de Maio de 2021, pelo Centro de Arbitragem Administrativa, por considerar que esta decisão colide com a decisão arbitral de 23 de Dezembro de 2020 (processo n.º 340/2020-T), apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
«[…]
A. A decisão arbitral recorrida está em oposição com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 340/2020-T (Acórdão fundamento).
B. Compulsada a factualidade dada como provada em ambas as decisões, resulta evidente que os factos subjacentes aos litígios nelas dirimidos não são apenas idênticos, mas antes, e na verdade, os mesmos factos: nos dois processos foram impugnadas liquidações de IMI emitidas na sequência da inscrição na matriz de dois imóveis propriedade da Recorrente, omissos na matriz até 29/01/2014, e cedidos, gratuitamente, sem qualquer contrapartida, desde 1977, sucessivamente a duas entidades isentas daquele imposto, a saber, a Secretaria de Estado da Segurança Social (posteriormente, do Instituto de Segurança Social, I.P.) e a Santa Casa da Misericórdia de ……..
C. Partindo dessa factualidade, em ambas as decisões os Tribunais ad hoc apreciaram a mesma questão fundamental de direito: saber qual o facto determinante do reconhecimento da isenção prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF – que marca o termo inicial da contagem do prazo previsto no n.º 8 do referido artigo – a considerar quando a cedência seja anterior à entrada em vigor das referidas normas e, para além disso, os prédios sejam omissos na matriz.
D. Enquanto que no Acórdão fundamento o Tribunal considerou como termo inicial de contagem do prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 44.º do EBF a data de inscrição dos prédios na matriz,
E. o Tribunal a quo, ignorando em absoluto a circunstância de os prédios se encontrarem omissos na matriz e de a cedência ter ocorrido muito antes da criação do IMI, da entrada em vigor do referido preceito, ou sequer do EBF, considerou a data da cedência.
F. Assim: enquanto que o Tribunal a quo concluiu que o pedido era extemporâneo, razão pela qual o reconhecimento deveria considerar-se constitutivo, apenas se iniciando a isenção no exercício imediatamente seguinte ao da sua apresentação,
G. no Acórdão fundamento, o Tribunal entendeu que o pedido de isenção havia sido apresentado dentro do prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 44.º do EBF e, por conseguinte, que o reconhecimento deveria considerar-se declarativo,
H. sendo que, tendo em conta o facto de estarem em causa prédios omissos – que, enquanto tal, não poderiam ser tributados – os efeitos do deferimento do pedido de isenção deveriam retroagir ao primeiro momento, posterior ao da cedência (pressuposto da isenção), em que, deixando os prédios de estar omissos, a tributação passasse ser devida (dentro dos limites estabelecidos nos artigos 116.º do CIMI e 45.º da LGT);
I. ou seja, ao primeiro momento em que se verificassem simultaneamente os pressupostos da tributação (os prédios deixarem de estar omissos) e da isenção (que pressupõe, naturalmente, a sujeição a tributação) – neste caso, a cedência.
J. Assim, ao passo que no Acórdão fundamento, o Tribunal concluiu que, em 2012, a Recorrente deveria considerar-se beneficiária da isenção, no Acórdão recorrido, entendeu o Tribunal que a Recorrente, em 2013, não poderia considerar-se beneficiária da isenção.
K. Afigura-se, assim, notória a existência de oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, razão pela qual deve o presente recurso ser considerado admissível.
L. No entender da Recorrente, a interpretação literal que a AT e o Tribunal a quo fazem dos preceitos em causa – segundo a qual o prazo previsto no n.º 8 do artigo 44.º do EBF deve contar-se desde a cedência dos prédios, não obstante o facto de os prédios se encontrarem omissos na matriz e de a cedência ter tido lugar antes da criação do IMI, da entrada em vigor das normas em causa ou sequer do EBF – afigura-se manifestamente inaceitável face à factualidade subjacente, violando flagrantemente os princípios da capacidade contributiva, da boa fé (cfr. artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 55.º da Lei Geral Tributária) e da protecção da confiança.
M. Entende, assim, a Recorrente que a interpretação perfilhada no Acórdão Fundamento é a única que permite chegar a uma composição do litígio consentânea com os princípios da capacidade contributiva, da boa fé e da protecção da confiança,
N. razão pela razão pela qual deve o Acórdão Recorrido ser revogado com todas as consequências legais.

Nestes termos, requer-se a V. Exas., ao abrigo do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, e observado o regime do recurso regulado no artigo 152.º do CPTA aplicável ex vi n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, que seja fixado o entendimento perfilhado na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 340/2020-T, segundo o qual, estando em causa prédios omissos na matriz e cedidos antes da entrada em vigor do EBF, o prazo previsto no n.º 8 do artigo 44.º do EBF deveria contar-se a partir da respectiva inscrição na matriz.
[…]».


2 – A Fazenda Pública apresentou contra-alegações em que pugnou pela correcção jurídica da decisão arbitral recorrida.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no seguinte sentido
“[…] não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos artigos 25º, nº2 do RGAT e 152º do CPTA, pelo que somos do parecer que o mesmo não deve ser admitido.
[…]”.

Cumpre apreciar e decidir


II – Fundamentação

1. De facto
1.1. Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
«[…]
1. A C... é, desde 13.05.1977 e 28.08.1978, proprietária dos imóveis constantes do documento de liquidação de IMI referente ao ano de 2013 no valor de 16.686,54 €, com data de 8.03.2014, com a identificação de documento número 2013 …, os quais se encontraram omissos na matriz até 7.11.2013 e que originaram a referida liquidação (documento junto pela Requerente como doc. nº 4, que se dá por reproduzido).
2. Tais imóveis foram cedidos gratuitamente à Segurança Social, para prosseguimento dos seus fins, ficando organicamente dependentes da Secretaria de Estado da Segurança Social, por aplicação do Decreto-Lei… de 1977.
3. Por aplicação do Decreto-Lei … de 2011, foram definidos os termos da cedência dos imóveis em causa para a Santa Casa da Misericórdia de …… por um período de três anos, com início a 01/01/2011, com a previsão de que, findo esse período, os imóveis seriam restituídos definitivamente para a respetiva proprietária, ora Requerente.
4. Em 4 de Dezembro de 2013, o Senhor Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, seguindo o que estava legalmente definido, complementado por um memorando de entendimento celebrado entre a Requerente, o Instituto de Segurança Social, I.P. e a Santa Casa de Misericórdia de …… aprovou o retomo dos referidos imóveis, até então cedidos, ao domínio da Requerente enquanto proprietária.
5. Em 07.11.2013 foram entregues pela Requerente as declarações modelo 1 do IMI nºs … e … para inscrição matricial destes dois imóveis urbano omissos, propriedade da Requerente, e em consequência da entrega das declarações modelo 1 do IMI para inscrição na matriz daqueles prédios, teve lugar o normal procedimento de avaliação, nos termos do art.º 37º do CIMI.
6. Em 27.12.2013 foi solicitada isenção de IMI pela impugnante ao abrigo da al. f) do art. 44º do EBF, tendo esta sido concedida, nos termos da al. J) do art. 44º do mesmo diploma.
7. Em 08-03-2014, foi processada a liquidação de IMI para o ano de 2013 da qual resultou para os imóveis em causa a coleta de 16.686,54 €, tendo a Requerente sido notificada para pagar a 1ª prestação até ao final do mês de abril no montante de 5562,18 € e, também para pagar a 2ª prestação até final do mês de Julho de igual montante.
8. A Requerente após ter sido notificada da nota de cobrança relativa à 1ª prestação, em 26-03- 2014, deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IMI do ano de 2013 à qual foi atribuído o n.º ...2014....
9. Em 14-05-2014 foi proferido o projeto de despacho de indeferimento, propondo ainda a notificação ao reclamante para efeitos de exercício do direito de audição prévia nos termos do artº 60º da LGT, o qual foi enviado à Requerente por ofício nº …, de 15-05-2014.
10. Em 27-05-2014 foi rececionado o requerimento onde a Requerente exerceu o direito de audição prévia.
11. O projeto de decisão foi convolado em despacho definitivo no dia 23-06-2014, indeferindo assim a reclamação graciosa, tendo sido enviado ao sujeito passivo por ofício/notificação nº … de 24-06-2014.
12. Dessa decisão, em 22-07-2014, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico, que foi indeferido por decisão de 23.12.2019.

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
[…]».


1.2. A decisão arbitral na qual a recorrente se apoia como fundamento do recurso de uniformização de jurisprudência, deu como assente a seguinte factualidade concreta:
«[…]
A. Factos provados
1. A Requerente, instituição particular de utilidade pública administrativa, é proprietária dos prédios urbanos inscritos sob o n.º ... e ..., da freguesia do ..., concelho de Lisboa (facto confirmado pela Requerida na Resposta);
2. Nos prédios urbanos identificados, funciona o Centro de Reabilitação de ..., criado pela Requerente e destinado à reabilitação de crianças com .........., que viria a ser oficializado pelo Decreto-Lei n.º 374/77, de 5.09, “ficando organicamente dependente(s) da Secretaria de Estado da Segurança Social” – artigo 1.º (cfr. Doc. 5 junto ao PPA);
3. Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 374/77, de 5.09, “Os edifícios onde funcionam os centros, quando sejam propriedade da A..., bem como o respetivo equipamento, serão utilizados gratuitamente, e com a mesma finalidade, pelos centros oficializados”, devendo a A... “promover a revisão dos seus estatutos por forma que das atividades nela previstas sejam excluídas as relativas à manutenção dos centros de reabilitação” – artigo 8.º, do citado Decreto-Lei (cfr. Doc. 5 junto ao PPA);
4. O Decreto-Lei n.º 16/2011, de 25.01, que definiu o regime legal da cedência dos estabelecimentos integrados do Instituto da Segurança Social, I. P., situados no distrito de Lisboa, à B... Lisboa, entre os quais o Centro de Reabilitação ... (Anexo I, a que se refere o artigo 2.º, do D. L. n.º 16/2011, de 25.01), por um período de 3 anos, com início em 01.01.2011 (Doc. 6 junto ao PPA);
5. Nos termos do memorando de entendimento entre a A..., o ISS, IP e a B..., homologado pelo Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, foi aprovada a entrega dos prédios identificados à Requerente (Doc. 7 junto ao PPA)
6. Os referidos prédios urbanos, propriedade da Requerente desde 13.05.1977 e 28.08.1978, estiveram omissos até à data da sua inscrição na matriz, com base nas declarações modelo 1 de IMI n.ºs ... e ..., de 07.11.2013, de cuja avaliação resultou, para o prédio U-..., o valor patrimonial tributário de € 1 949 180,00 e para o U-... o valor patrimonial de € 3 613 000,00 (artigo 6.º - d) da Resposta da AT);
7. Em 01.02.2014 foi processada a liquidação adicional de IMI para os imóveis identificados (emitida com data de 30.01.2014): • Prestação Única - ano de 2012 para o imóvel U-..., materializada na nota de cobrança n.º 2012..., num valor de imposto de € 5 847,54 e de juros no valor de € 0,00; • Prestação Única – ano de 2012 para o imóvel U-..., materializada na nota de cobrança n.º 2012..., num valor do imposto de € 10 839,00 e de juros no valor de € 0,00, num total de € 16 686,54 (artigo 6.º - e) da Resposta da AT; Doc. 4 junto ao PPA);
8. Em 07.02.2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IMI identificadas em 3, cuja decisão de indeferimento, conforme o despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, lhe foi notificada pelo ofício n.º..., de 05.05.2014, daquela Direção de Finanças (Doc. 3 junto ao PPA e PA);
9. Da informação que suportou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, consta, designadamente, o seguinte: “Os artigos matriciais supra referidos são propriedade da A... desde 13.05.1977 e 28.08.1978 conforme escrituras de aquisição à CML, tendo ficado omissos na matriz desde essas datas até à sua inscrição que ocorreu em 07.11.2013, ficando isentos a partir de 2014. (…)
Em 27.12.2013 foi solicitada isenção de IMI de acordo com a alínea f) do art. 44.º do EBF sendo esta concedida nos termos da alínea j).
(…) sendo os imóveis propriedade da A... desde 1977, esta deveria ter providenciado a inscrição dos imóveis e apresentado requerimento de pedido de isenção, devidamente documentado, no prazo de 60 dias contados do facto determinante da mesma isenção.
Apresentada para além do prazo referido a isenção inicia-se a partir do ano imediato, inclusive ao da sua apresentação nos termos dos n.ºs 8 e 9 do artº 44.º do EBF”.
10. Em 4.06.2014, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (Docs. 1 e 2 juntos ao PPA e PA);
11. O recurso hierárquico foi indeferido por despacho da Senhora Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, notificado à Requerente por ofício datado de 23.12.2019, da mesma Direção de Serviços (Doc. 1 junto ao PA e PPA);
12. No recurso hierárquico, foi prestada informação contendo a fundamentação da decisão de indeferimento, da qual consta, designadamente, o seguinte (Doc. 1 junto ao PA e PPA):
“3 - (…) em consequência da entrega das declarações modelo 1 do IMI, nos termos do artº 37º do CIMI (…).
4 - (…) para efeitos de notificação do resultado daquelas avaliações à aqui recorrente, foram enviados os ofícios sob registo postal (…) ambos emitidos em 2013.11.20, com indicação de recebidos em 2013.11.25.
5 - (…) aqueles valores tornaram-se definitivos e, consequentemente, registados na matriz em 2014.01.29 (…).
8 - (…) Com efeito, a redação vigente em 2012 da alínea c) do n.º 2 e do n.º 8 do artº 44º do EBF dispunha que:
«2 - As isenções a que se refere o número anterior iniciam-se:
(…)
c) Nos casos previstos nas alíneas j) e l), no ano, inclusive, em que se verifique a cedência;
(…)
8 - Nos restantes casos previsto neste artigo, a isenção é reconhecida pelo chefe do serviço de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no serviço de finanças da área da situação do prédio, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da isenção.»
Donde resulta que, em sede de IMI, para os imóveis beneficiarem da isenção da alínea j) n.º 1 do artº 44º, no ano de 2012, era e é condição sine qua non a apresentação, por parte do contribuinte, aqui recorrente, de um requerimento a solicitar a referida isenção (…)
Essa iniciativa, no caso concreto, face à cedência dos prédios em 1977, atendendo ao prazo da apresentação de 60 dias contados do facto determinante – data da cedência gratuita – não ocorreu e o respetivo prazo já tinha decorrido há muito.
Por outro lado, após a inscrição na matriz dos referidos imóveis, o aqui recorrente nunca manifestou interesse em solicitar a referida isenção, apenas demonstrou interesse aquando da apresentação em 2014.02.07 da reclamação graciosa a reagir contra a liquidação adicional de IMI do ano de 2012.” (…).

B. Factos não provados:
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
[…]».


III. De direito

1. Da admissibilidade do recurso
1.1. Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso à data em que o mesmo foi interposto:
1.º que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);
2.º que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral, ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);
3.º que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].
4.º que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º,
ii) o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
Finalmente, entende-se que os dois acórdãos estão em oposição entre si
n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do 281.º do CPPT).
Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:
i) as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais; quando se opõem as decisões respectivas (e já não será assim quando apenas se oponham os seus fundamentos).
Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).
Cumpre analisar se estão verificados estes pressupostos de admissão do recurso.

Vejamos, então, se estão preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso para cada uma das situações de oposição que vêm alegadas nos autos.

1.2. Nas duas decisões arbitrais existe identidade substancial entre as situações fácticas em litígio. Com efeito, nos dois casos estamos perante: i) prédios urbanos que eram propriedade da Requerente desde 1977 e 1978; ii) prédios que estiveram omissos na matriz até 07.11.2013; iii) prédios abrangidos pelo regime jurídico do Decreto-Lei n.º 16/2011, de 25 de Janeiro, ou seja, sujeitos ao regime legal da cedência dos estabelecimentos integrados do Instituto da Segurança Social, I. P., situados no distrito de Lisboa, à Santa Casa da Misericórdia de …….., por um período de três anos com início em 1 de Janeiro de 2011; iv) prédios que “retornaram” à titularidade da Requerente em 2014; v) a Requerente havia solicitado em 27.12.2013 a isenção de IMI para os dois imóveis de acordo com a alínea f) do artigo 44.º do EBF, a qual foi concedida nos termos da alínea j) do mesmo artigo; vi) em ambos casos foi processada em 2014 a liquidação de IMI relativa aos referidos prédios para o ano de 2013 no caso da decisão arbitral fundamento e para o ano de 2012 no caso da decisão arbitral recorrida; vii) nos dois casos (ou seja, daquelas duas liquidações) a Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo a AT considerado que, por o pedido de isenção de IMI ter sido apresentado fora do prazo legal (prazo que, no entender da AT era de sessenta dias contados do facto determinante da isenção), a isenção apenas poderia começar a produzir efeitos a partir do ano imediato ao da sua apresentação, como resultava do disposto no artigo 44.º, n.ºs 8 e 9 do EBF.

1.3. E o quadro legislativo aplicável é também o mesmo nas duas decisões.
Porém, para que possamos estar perante uma oposição a respeito de uma mesma questão fundamental de direito não basta que exista identidade entre o quadro factual e o quadro legislativo aplicável é ainda necessário que as diferentes decisões tenham sido alcançadas em resultado de uma divergência interpretativa a respeito daquele quadro normativo. Caso contrário, se a diferença entre as decisões resulta, a final, de uma diferente subsunção da factualidade ao direito ou de uma diferente ponderação dessa factualidade face ao mesmo direito, não existe verdadeiramente oposição quanto à mesma questão jurídica, mas tão só uma diferente decisão jurídica de casos semelhantes que pode ter diversas causas, como o erro de julgamento. Ora, como este Supremo Tribunal Administrativo tem acentuado, não basta o dissídio na decisão para que exista objecto para uma tarefa uniformizadora, é necessário que uma tal decisão seja necessária para esclarecer uma divergência interpretativa do mesmo direito, sendo desvirtuante utilizar esta via de recurso para outras tarefas, designadamente, para corrigir erros de julgamento ou para esclarecer interpretações normativas que não tenham por base verdadeiras oposições.
1.4. E no caso em apreço não existe uma verdadeira oposição na questão fundamental de direito. Senão vejamos.

1.4.1. As duas decisões arbitrais identificam a questão a decidir de modo diferente:
A decisão arbitral fundamento enuncia a questão a decidir da seguinte forma:
[…] A questão submetida à apreciação do tribunal arbitral consiste em saber se os prédios de que a Requerente é proprietária desde 13.05.1977 e 28.08.1978, omissos na matriz até 29.01.2014, podem beneficiar, no ano de 2012, da isenção de IMI a que se refere a alínea j) do n.º 1, do artigo 44.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por se encontrarem cedidos gratuitamente, sem qualquer contrapartida, desde 1977, sucessivamente à Secretaria de Estado da Segurança Social (posteriormente, do Instituto de Segurança Social, IP) e à B..., entidades isentas daquele imposto […]

Já para a decisão arbitral recorrida a questão a decidir foi perspectiva e enunciada desta outra forma:
[…] Cumpre solucionar a questão da ilegalidade da liquidação de IMI relativa ao ano de 2013, efetuada pela Requerida, tendo como sujeito passivo a Requerente (…) No caso em apreço, a Requerente afirma que não requereu a isenção “dentro do prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da isenção”. Porém, sustenta que “sendo evidente a conformação material da referida isenção, não pode o direito à mesma ficar prejudicado por incumprimento de uma mera formalidade” e que “o incumprimento do prazo de entrega de um requerimento devidamente documentado destinado ao pedido de isenção, não pode implicar a exclusão da isenção em causa, sob pena de se negar o reconhecimento da devida relevância fiscal a um conjunto de factos perfeitamente subsumíveis à norma que conforma os termos dessa relevância — e de, portanto, neste caso concreto, se violar a própria alínea j) do número 1 artigo 44.º do EBF e, bem assim, os princípios da legalidade e igualdade tributárias”.

Assim, resulta evidente que o acórdão fundamento entendeu que a questão em apreço se reconduzia ao problema de saber – como expressamente se afirma depois na fundamentação da decisão arbitral – “se seria possível à Requerente apresentar pedido de isenção de IMI para prédios omissos na matriz e se, encontrando-se os prédios omissos, seria possível que a AT reconhecesse o benefício fiscal” para depois concluir que “[D]o mesmo modo se deverá entender que, não estando o prédio inscrito na matriz, nem sendo possível liquidar o imposto correspondente, também não seria possível requerer ou reconhecer uma isenção de um imposto que, por esse motivo, não podia ser liquidado, pois as normas que consagram os benefícios fiscais têm o efeito de afastar a “tributação-regra”. Acrescentando ainda que “será a inscrição na matriz, enquanto momento determinante para que a realidade física pré-existente preencha os requisitos previstos na norma de incidência, que marcará o termo inicial para o pedido de isenção, constituindo facto determinante do reconhecimento do benefício fiscal a cedência que se mantenha atual no momento do início da tributação”.
E assim, chega à decisão de anulação da liquidação não por considerar que a AT interpretou mal o disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 44.º do EBF, mas por entender que nessa decisão não teve em devida conta a factualidade subjacente – leia-se – a falta de inscrição dos prédios na matriz.

E resulta igualmente evidente da leitura da decisão arbitral recorrida que aquela factualidade – a omissão dos imóveis na matriz até Novembro de 2013 – foi totalmente irrelevante para a decisão que aí foi proferida, pois atentou-se apenas na tipologia do benefício fiscal em causa (um benefício sujeito a reconhecimento nos termos do artigo 5.º do EBF), na existência de um ónus que impendia sobre o titular do benefício fiscal (o de o requerer no prazo de 60 dias a contar do facto determinante da isenção) e no regime legal que determina que a produção de efeitos jurídicos da isenção nestes casos apenas vale para o ano imediato ao da sua apresentação.

Assim, a circunstância de as decisões arbitrais em confronto terem enveredado por diferentes elementos da factualidade dada como provada para fundamentar a decisão a que chegaram, e de não existir uma divergência na interpretação que fazem das normas, não podem ter-se como preenchidos os requisitos de admissão do recurso.

É que a decisão arbitral fundamento, não censura a interpretação das normas sufragada pela AT na fundamentação da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico, ela baseia-se numa “questão jurídica diferente”, a que a AT não fez alusão nas suas decisões (omissão dos imóveis na matriz), para a partir dela construir um quadro jurídico diverso daquele que tinha sido ponderado pela AT e a ele subsumir a factualidade apurada, concluindo depois que o acto de liquidação era ilegal por não subsumir a factualidade ao direito de acordo com a solução jurídica que ela “inovadoramente” apresentou.
Já a decisão arbitral recorrida fez apenas um juízo sobre a legalidade da decisão à luz do quadro normativo e jurídico em que a mesma havia sido adoptada pela AT, concluindo pela correcta interpretação normativa adoptada e, consequentemente, pela inexistência de qualquer vício assacável ao acto.

Assim, afigura-se-nos que é o já mencionado diverso enquadramento jurídico do problema que dita a diferença das soluções adoptadas. E neste caso não pode haver uniformização, porque ela não visa definir critérios para uma correcta subsunção dos casos ao direito. A tarefa de uniformização exige ou pressupõe que tenha havido uma identidade substancial na subsunção da factualidade (que os factos tenham sido analisados pela decisão judicial sob o “mesmo direito”) e uma divergência na decisão, porque é só aí que podemos identificar a divergência na interpretação e aplicação do direito que reclama a intervenção uniformizadora do Tribunal.
IV. Decisão
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.


Custas pela Recorrente.
Registe-se, notifique-se e comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2022. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido conforme voto anexo) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.

Declaração de voto
Vencido.
A meu ver, a tarefa da uniformização exige ou pressupõe que tenha havido uma identidade substancial dos factos e não na subsunção os factos.
Porque entendo que a tarefa de uniformização serve para resolver todas as contradições de direito, incluindo as que derivam da operação de subsunção de factos idênticos.
Assim, o que releva para saber se a questão é idêntica é a identidade substancial da factualidade a subsumir e não o enquadramento jurídico que lhe foi dado nas decisões em confronto.
Pelo que, se o que está em causa é saber se factos idênticos devem ser subsumidos à mesma norma jurídica, a questão é a mesma, mesmo que as decisões em confronto assim não o tenham entendido.
Em ambos os casos, as decisões arbitrais foram confrontadas com a questão de saber se o sujeito passivo tem direito à isenção a que alude a alínea j) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF com referência a período anterior aquele em que a o respetivo pedido foi apresentado.
A decisão arbitral fundamento entendeu que sim, relevando (a atender aos dois últimos parágrafos da fundamentação) o facto de já se verificar então o pressuposto de que dependia a isenção (a cedência do imóvel a entidades públicas isentas).
A decisão arbitral recorrida entendeu que não, relevando o teor do n.º 9 do artigo 44.º segundo o qual a isenção se inicia a partir do ano imediato, inclusive, ao da apresentação do pedido.
Assim sendo, as decisões contradizem-se entre si precisamente porque uma entendeu que a norma jurídica do caso era aquele n.º 9 do artigo 44.º citado e a outra entendeu que não.

Nuno Bastos