Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01235/17
Data do Acordão:02/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:ALÇADA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Não deve ser admitido o recurso interposto para o STA da decisão de aplicação de coima se o valor do processo é apenas de 207,87 Eur. e não se verifica o requisito previsto no nº 2 do referido artigo 73º mostrar-se manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
II - A pronúncia que o Mº Juiz efectuou sobre questão prévia “Consequências da entrada em vigor da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho nos recursos de decisões de aplicação de coimas por não pagamento ou pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias” (questão procedimental) obstou, necessariamente, ao não conhecimento do mérito da questão da prescrição pelo que não ocorre omissão de pronúncia.
Nº Convencional:JSTA000P22889
Nº do Documento:SA22018020701235
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:A.........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO

A………… melhor identificado nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel na parte que não julgou a questão prévia da prescrição do procedimento de contra ordenação por falta de pagamento de taxa de portagem.

Inconformado com o assim decidido, vem a fls.158 e seguintes, apresentar as alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
«A. O presente recurso tem por objecto a Decisão, datada de 19.07.2017, proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente o recurso interposto pelo também aqui Recorrente e determinou a anulação das decisões administrativas de aplicação das coimas e a baixa dos autos à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove as decisões de aplicação das coimas, em conformidade com a Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho.
B. Apesar de, à primeira vista, parecer que o Recorrente obteve, com a decisão proferida em 1ª instância, vencimento na sua pretensão, tal não ocorreu, porquanto, não foi a questão prévia da prescrição do procedimento de contra-ordenação conhecida.
C. Consubstanciando a prescrição do procedimento de contra-ordenação de uma questão de natureza prévia, sendo a mesma conhecida e declarada pelo Tribunal como verificada, prejudica o conhecimento das restantes, colocando termo ao processo judicial.
D. Nestes termos, entende o Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao determinar a baixa dos autos sem antes conhecer da prescrição, tendo a Decisão ido ao arrepio do veiculado nas disposições conjugadas no n.º 1, do artigo 311.º e, bem assim, do n.º 1, do artigo 338°, do CPP, aplicável ex vi do n.º 4, do artigo 74.º, do RGCO.
E. Verifica-se, em conclusão, uma nulidade da decisão de que se recorre, por não ter apreciado uma questão que foi expressamente invocada aquando da primeira impugnação judicial (a da prescrição do procedimento contra-ordenacional), nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º, n.º 1, do RGCO, e, por sua vez, do artigo 3.º, alínea c),do RGIT.
F. Refira-se, por fim, que nos termos do artigo 379.º, n.º 2, do CPP, este Colendo Tribunal ao qual ora se recorre, está em condições de conhecer integralmente do objecto do presente recurso e de conhecer da questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, sem qualquer necessidade de baixa do processo ao Tribunal a quo, para tal conhecimento, munido que se encontra o Tribunal ad quem de todos os elementos que lhe permitam tomar uma decisão final sobre o específico thema decidendum.
G. Em face do acima exposto, deve a Decisão ser substituída por um Acórdão que apreciando ex novo a questão prévia da prescrição do procedimento de contra-ordenação, logre julgá-la procedente, declarando extinto o procedimento de contra-ordenação.
H. Com efeito, o prazo de prescrição aplicável, que é o prazo de um ano previsto na alínea c) do artigo 27.º do RGCO, contado da prática da contra-ordenação imputada ao Recorrente, já decorreu, motivo pelo qual deve a prescrição ser declarada.
I. Apesar de, à primeira vista, se poder pensar que em matéria de prescrição seria aplicável o RGIT, por força da remissão que para este diploma se faz no artigo 18.º, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, a verdade é que o RGCO contém disposições mais favoráveis ao Recorrente do que aquelas que resultam do RGIT na mesma matéria, o que, à luz do princípio da aplicação da lei penal mais favorável previsto no n.º 4, do artigo 29.º, da CRP e no n.º 4, do artigo 2.º, do CP, determina que o RGCO seja aqui aplicado em detrimento do RGIT.
J. Sendo o prazo de prescrição do procedimento de contra-ordenação previsto no RGCO (um ano, nos termos da alínea c), do artigo 27.º) mais favorável do que aquele que resulta do RGIT (de cinco anos de acordo com o n.º 1, do artigo 33.° ex vi artigo 18.º, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho), será aquele e não este o prazo aplicável.
K. Datando os factos descritos acima de 2012, o prazo de um ano de prescrição do procedimento já se verificou, à luz da alínea e), do artigo 27°, do RGCO aplicável ex vi n.º 4, do artigo 4°, do CP, motivo pelo qual deverá ser o processo de contra-ordenação ser declarado extinto para todos os efeitos legais.
L. Nessa medida, vem o Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, para que, nesta sede, seja conhecida a questão prévia que acima se aludiu, relativa à prescrição do procedimento de contra-ordenação e, em consequência, a Decisão de que ora se recorre ser substituída por um Acórdão que, apreciando ex novo a questão prévia da prescrição do procedimento de contra-ordenação, logre julgá-la procedente.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso judicial ser julgado procedente e em consequência ser a decisão de que ora se recorre revogada e substituída por acórdão que decrete a sua absolvição, por julgar verificada a ocorrência de prescrição do procedimento contra-ordenacional, tudo com as demais consequências legais.»

Não foram apresentadas contra alegações.

O Ministério Público, na 1ª Instância, a fls. 201 e seguintes dos autos veio apresentar resposta ao recurso interposto pelo recorrente, A.........., com as seguintes conclusões:
1.ª - A questão DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE CONTRA-ORDENAÇÃO não foi conhecida pelo Tribunal a quo, como o/a R. expressa e repetidamente alega, arguindo aliás a nulidade da decisão de que se recorre, precisamente pela invocada omissão de pronúncia que portanto constitui então e assim, o único fundamento do interposto RECURSO e, nessa medida, a única questão a apreciar.
2.ª- Abstém-se por conseguinte o MP de tecer quaisquer considerações quanto à sobredita questão DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE CONTRA-ORDENAÇÃO, contra-argumentando apenas quanto à alegada omissão de pronúncia e à arguida nulidade da decisão nos termos do artigo 379.º n. ° 1, alínea c) do CPP.
3.ª- Por economia processual remete-se para a Motivação. De direito, constante da Decisão recorrida, designadamente para a douta Jurisprudência citada e aplicada.
4.ª- Só ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao caso.
5.ª- In casu, resulta implícita mas inequivocamente da Decisão, que o conhecimento da questão da prescrição do procedimento de contra-ordenação ficou prejudicado face à decidida Questão prévia, respectiva natureza e consequências.
6.ª- Com efeito, antes do conhecimento de qualquer das questões colocadas no interposto RECURSO JUDICIAL ou seja, antes de conhecer de mérito, em sede Questão prévia: que, vista a respectiva natureza, poderia obstar à apreciação do mérito da causa, como efectivamente obstou, decidiu o/a Mmo/a Juiz a quo, em consonância e aplicando a douta Jurisprudência que cita, por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável, determinar a baixa dos autos à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove as decisões de aplicação das coimas em conformidade com a Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho, não tendo, por conseguinte, apreciado do mérito da causa, desde logo por manifesta falta de objecto.
7.ª - Tendo em conta o referido princípio constitucional e legal e a citada Jurisprudência, bem andou a Decisão recorrida ao decidir que perante a citada Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho ficava prejudicada a apreciação do mérito do interposto RECURSO JUDICIAL pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao determinar a baixa dos autos sem antes conhecer da prescrição.
8.ª - Não se verifica a arguida nulidade por omissão de pronúncia pois que resulta/m da Decisão recorrida implicitamente evocada/s as razões que justifica/m a abstenção de conhecimento do mérito do interposto RECURSO JUDICIAL não se verificando portanto a nulidade da decisão de que se recorre, por não ter apreciado uma questão que foi expressamente invocada.
9.ª - A douta Decisão posta em crise não padece do vício de omissão de pronúncia, nem aliás de qualquer outro, não se verificando portanto a arguida nulidade.»
Neste Supremo Tribunal, o Sr. Procurador Geral Adjunto destacou a pronúncia já emitida pelo Mº Pº do TAF de Penafiel.
2 – Fundamentação
Factos dados como provados na decisão recorrida:
1.º - A decisão de aplicação da coima têm o conteúdo da decisão que consta de fls. 70 a 71 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido (decisão de conteúdo idêntico á do processo apenso).
A decisão sob recurso tem o seguinte teor:
Questão prévia: o efeito da entrada em vigor da Lei n.º 50/2015, de 8 de junho. (trata-se de lapso de escrita, repetido mais 3 vezes; quereria dizer Lei 51/2015 de 8 de junho).
Esta questão foi suscitada oficiosamente pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo, no seu douto acórdão de 14/10/2015, proferido no processo n.º 0766/15, que, em síntese e entre o mais, deliberou: «Estando em causa nos presentes autos decisões de aplicação de coimas por não pagamento ou pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias, p.p. pela Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, e, sendo do conhecimento público que esta lei foi objecto de recente alteração pela Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho, concluindo-se que esta Lei se repercute necessária e inelutavelmente nas decisões de aplicação de coimas questionadas nos autos - por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que oficiosamente ordenar a baixa dos autos à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove as decisões de aplicação da coima em conformidade com o disposto na Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho.”.
O caso em apreço nos presentes autos é exatamente idêntico ao julgado neste douto Acórdão.
Assim sendo, este Tribunal entende que deve pugnar pela aplicação desta jurisprudência, porquanto estão em causa diversas infrações em processos de contraordenação autónomos, sendo que, muitos deles já se encontram apensados por este Tribunal, às quais se terá de aplicar o regime da Lei n.º 50/2015.
III - Decisão.
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente e, em consequência, anulam-se as decisões administra de aplicação das coimas e determina-se a baixa dos autos à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove as decisões de aplicação das coimas em conformidade com a Lei n.º 50/2015, de 8 de junho.

DECIDINDO NESTE STA
E em primeiro lugar coloca-se a questão da admissibilidade do presente recurso.
Quadro Legal:
Artigo 83.º do RGIT, sob a epígrafe “Recurso da sentença”:
1 - O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, exceto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
2 - Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
3 - O recurso é interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho, da audiência do julgamento ou, caso o arguido não tenha comparecido, da notificação da sentença.

Estabelece o artigo 73.º do RGIMOS, aplicável por força do disposto no artigo 3º, al. b) do RGIT, sob a epígrafe “Decisões judiciais que admitem recurso”:
1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.

O valor da alçada dos tribunais tributários encontra-se fixada em € 5.000,00, a partir de 1 de Janeiro de 2015 face à Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que conferiu nova redacção ao art. 105º da LGT, o qual passou a estabelecer que "A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância".
Deste conjunto normativo, bem como pelo facto de o valor do processo ser de apenas 207,87 Eur., à partida, nos presentes autos, não é admissível o recurso ordinário para este STA previsto nos referidos artigos 83º e 73º.
Apenas seria admissível o recurso previsto no nº 2 do referido artigo 73º se tal se mostrasse manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. Porém, a sentença recorrida decidiu na linha do entendimento do acórdão deste, STA de 14/10/2015 tirado no recurso 0766/15 a que se seguiram muitos outros todos no sentido de que a resposta correcta face à questão prévia, Consequências da entrada em vigor da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho nos recursos de decisões de aplicação de coimas por não pagamento ou pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias é: “As decisões de aplicação de coimas que estão na origem dos presentes autos – como, aliás, a decisão recorrida -, foram tomadas em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei, mas esta repercute-se inelutavelmente nelas, como supra demonstrado, impedindo que possam subsistir nos termos em que foram proferidas.
Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de as rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina”.
Aliás o recorrente nem questiona a sentença neste segmento decisório que afirma ser-lhe favorável, questionando apenas a parte que não julgou a questão prévia da prescrição do procedimento de contra ordenação por falta de pagamento de taxa de portagem.
Mas, a não apreciação da eventual ocorrência de prescrição decorre da consideração de que se impunha uma questão prévia que obstava ao conhecimento de mérito desde logo no que respeita à eventual ocorrência de prescrição.
E esta pronúncia que o Mº Juiz efectuou sobre a referida questão prévia (questão procedimental) obstou, necessariamente, o não conhecimento do mérito da questão da prescrição. Ainda que tivesse sido suscitada a questão da prioridade de conhecimento da questão prévia conhecida e da intitulada questão prévia não conhecida “geradora” da alegada omissão de pronúncia (o que não resulta clarificado no recurso) já que apenas se fala da omissão de pronúncia a qual está justificada pelo teor da decisão ora recorrida; tal nunca pode/poderia justificar o presente recurso uma vez que como bem salienta na sua resposta o Ministério Público na primeira instância, o conhecimento da questão da prescrição do procedimento de contra-ordenação (conhecimento de mérito) ficou prejudicado face à questão prévia, que foi decidida, respectiva natureza e consequências, sendo que esta tem tido pronúncia uniforme da Jurisprudência deste STA que a tem considerado como sendo a primeira a decidir antes de qualquer conhecimento de mérito.
Assim sendo, cremos ter evidenciado que, o presente recurso não é admissível, o que decidiremos de seguida.

4- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o presente recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2018. - Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula Lobo – António Pimpão.