Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:057/18
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
FALTA
PRESSUPOSTOS
Sumário:Se não se verifica, no recurso por oposição de acórdãos, identidade substancial das situações fácticas em confronto, nem divergência de soluções quanto à mesma questão de direito, deve o mesmo ser julgado findo, por falta de um dos pressupostos desse recurso, nos termos do disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P23325
Nº do Documento:SAP20180523057
Data de Entrada:01/24/2018
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:C..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………….. e B………….., ambos com os demais sinais dos autos, recorrem, por oposição de acórdãos, nos termos do disposto no art. 27º, nº 1, al. b) do ETAF e do art. 284° do CPPT, do aresto proferido na Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul, em 18/02/2016, no recurso que ali correu termos sob o nº 06796/13 e no qual, revogando-se a decisão que havia sido proferida no TAF de Leiria, se julgaram agora improcedentes os embargos de terceiro por aqueles deduzidos contra a penhora do prédio urbano sito no …………. e inscrito sob o artigo 2113 da freguesia e concelho de Alcanena, efectuada na execução fiscal nº 1937-90/70046.4 e instaurada pela C…………., S.A., no SF de Alcanena, contra D…………. e E…………… para cobrança de dívida a essa exequente.
Os recorrentes invocam oposição com o acórdão do TCA Sul (secção de contencioso tributário) proferido em 22/10/2015, no proc. nº 08884/15.

1.2. Para sustentar a alegação de oposição entre o acórdão recorrido e o referido acórdão fundamento, os recorrentes dizem, em síntese, o seguinte:
I - DO ACÓRDÃO RECORRIDO
1º. No recorrido decidiu o TCAS pela procedência do recurso interposto pela C………., SA e pela consequente revogação da decisão proferida em 1ª instância, que havia julgado, além do mais, procedentes os embargos de terceiro com o consequente levantamento da penhora sobre o prédio identificado os autos.
2º. Não obstante as alterações quanto à matéria de facto fixada na sentença da primeira instância, resultam provados no Acórdão recorrido os seguintes factos não alterados:
C) Foi estipulado no acordo, referido em A) que o preço da compra dos dois prédios urbanos era de 5.250.000$00, nos termos constantes de fls. 24 dos autos (...)
D) Em 15/4/1994, o embargante marido depositou a favor do embargado D………… a quantia de 1.750.000$00, nos termos constantes de fls. 24 e 25 dos autos (...)
F) Em 20/7/1994, o embargante marido passou um cheque ao embargado D…………., no valor de 500.000$00, como reforço de sinal, referente ao acordo referido em A) nos termos constantes de fls. 26 e 201 dos autos (...).
3º. Face ao referido no artigo anterior e não tendo sido alterada a resposta dada às alíneas D) e F) da matéria provada resulta evidenciado o seguinte:
• A entrega das quantias de 1.750.000$00 e de 500.000$00 pelos Recorrentes aos embargados D……………… e mulher;
• Resulta do Acórdão recorrido que, aquando da celebração da escritura de compra e venda do prédio inscrito sob o artigo 1760 foi pago o preço;
• O facto comprovado pela escritura de compra e venda de onde consta a declaração (confissão) dos vendedores, aqui embargados, (...) que pelo preço de 3.500.000$00, que já receberam vendem o prédio (...);
O que tudo conduz necessariamente à conclusão de que o preço foi totalmente pago, apesar do Tribunal recorrido não ter entendido desta forma.
4º. Também resultou provada a factualidade que permite concluir pela tradição da coisa prometida - o prédio penhorado foi colocado na disposição dos Embargantes no mês do ano de Outubro de 1994: matéria que consta da alínea L) a saber: “Pelo menos desde Outubro de 1994, os embargantes utilizam o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 2113” e alínea R) “Desde Outubro de 1994, que os embargantes ocupam ambas as casas sem objeção e com conhecimento dos vizinhos”.
5º. Da matéria de facto dada como provada resulta que os embargantes, ora Recorrentes, passaram a utilizar o prédio, praticando actos materiais de posse, inerentes à sua utilização, real e em nome próprio, como se fossem seus verdadeiros proprietários conforme resulta da matéria de facto dada como provada e transcrita nas alíneas G, M, N, O, P, Q e R, a saber:
G) Em 02/08/1994, o embargante marido celebrou, em seu nome, o contrato de fornecimento de electricidade, referente à morada ……, n° ………., nos termos constantes de fls. 186 dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
M) Os embargantes no nº ………. de polícia receberam a correspondência, familiares e amigos que os visitam [cfr. Documentos de fls. 35, 36, 186, 187, 190, 191, 193, dos autos (...), e cfr. depoimentos de todas as testemunhas].
N) Em 1994, o embargante marido requereu o fornecimento de água para o rés-do-chão do prédio situado no …………, na qualidade de proprietário, nos termos constantes de fls. 187 dos autos (...).
O) Os embargantes passaram a efectuar os pagamentos de água e electricidade, referente à morada ………., n° ………., Alcanena, nos termos constantes de fls. 35 e 36 dos autos (...).
P) Os embargantes pagam a prestação mensal referente a um empréstimo contraído para aquisição de habitação permanente, nos termos constantes de fls. 37 dos autos (...).
Q) Desde que tiveram as chaves das casas, referidas em A), os embargantes fizeram obras na casa, sob o artigo 1760, demoliram paredes, fizeram uma casa de banho nova, colocaram portas e janelas novas e um telhado novo, e na casa, sob o artigo 2113, demoliram paredes e fizeram uma casa de banho nova, nos termos constantes de fls. 38 a 40, 189, 190, 192, 193, 197 dos autos (...) e cfr. os depoimentos de todas as testemunhas.
R) Desde Outubro de 1994, que os embargantes ocupam ambas as casas sem objecção e com conhecimento dos vizinhos, cfr. os depoimentos de todas as testemunhas.
6º. Atenta a matéria de facto dada como provada, no Acórdão recorrido entendeu-se que os Embargantes, ora Recorrentes, não lograram “provar a posse do bem anterior à penhora quando não há pagamento de qualquer preço relativamente a esse bem no âmbito do contrato-promessa e não existe explicação convincente das razões pelas quais não se celebrou o contrato definitivo, estando o bem ocupado e habitado por terceiro que depositou rendas em nome do promitente-vendedor (senhorio)”.
II - DO ACÓRDÃO FUNDAMENTO
7º. A matéria de relevante no Acórdão fundamento apresenta indubitáveis traços de identidade com matéria relevante no Acórdão recorrido, sendo questão decidenda em ambos os acórdãos precisamente a mesma embora cheguem a divergentes conclusões (o que, por si só, determina a pertinência do recurso apresentado),
8º. Com efeito, no Acórdão fundamento expressa-se que existem situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche em circunstâncias excepcionais, os requisitos que fundamentam a verdadeira posse.
9º. No Acórdão fundamento entende-se de forma absolutamente clara que, “são concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse; nestas situações excepcionais, em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiros que com base nela, sejam deduzidos”,
Ainda no acórdão fundamento se expende que:
10°. “Porém não cremos que a circunstância de não resultar dos factos provados (nem dos não provados) a entrega do referido monte, para daí concluir que não houve pagamento integral do preço, não cremos, repete-se, que, por si só, essa circunstância obste a que possa considerar, ponderado o restante circunstancialismo fáctico, que no caso a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse”.
E continuando:
“Contudo, repete-se o facto de o preço não ter sido integralmente pago não é, por si só, um facto que sirva para afastar uma situação de verdadeira posse; tudo dependerá da análise do circunstancialismo do caso concreto (...).
Temos, pois, que, perante a tradição do bem, o pagamento efectuado e a actuação que se seguiu (concretamente, a construção de uma casa no terreno, a qual passou a constituir a casa de morada de família do Embargante) se pode concluir que as partes anteciparam os efeitos do contrato definitivo - a transferência da propriedade para o comprador - podendo dizer-se que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse proprietário da coisa.
Com efeito, construir uma casa no terreno e aí passar a habitar, encerra. Inelutavelmente,a prática de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Mais, tal actuação, por parte do promitente-comprador, é levada a cabo em nome próprio, com intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real (como se a coisa fosse sua, julgando-se proprietário da coisa, apesar de a não ter comprado), ou seja, tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor. A prática de actos desta natureza, possessórios, revela o animus de exercício em seu nome do direito de propriedade.
Por conseguinte, perante a realidade concreta dos autos, podemos concluir que corpus e animus estão presentes na posse do promitente-comprador, ora Recorrido, o que nos permite falar em posse em nome próprio. E assim sendo, afigura-se-nos correta a conclusão a que a sentença chegou no sentido de procedência dos embargos deduzidos.”
11°. Citando o Acórdão da Relação de Coimbra de 24/11/09, transcreveu-se no Acórdão fundamento que “São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse.
(...)
III - DA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
12°. Em face da análise dos Acórdãos fundamento e recorrido não restam dúvidas de que a questão decidenda em ambos os acórdãos é precisamente a mesma que é a de saber se a posse tal como é configurada, com pagamento do preço ou de parte do preço e a prática de actos correspondentes ao exercício do direito propriedade, praticados em nome próprio, confere acesso aos meios de tutela da posse in casu: os embargos de terceiro.
13°. Contudo, nas duas decisões perfilham-se entendimentos antagónicos quanto à concreta questão, uma vez que no acórdão fundamento considera-se que o facto de o preço não estar integralmente pago não é fundamento para a improcedência dos embargos de terceiro, sendo sim verdadeiramente importante a tradição do bem e a actuação que se seguir se pode concluir que as partes anteciparam os efeitos do contrato definitivo - a transferência da propriedade para o comprador- podendo dizer-se que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse o proprietário da coisa.
14°. Já o acórdão recorrido coloca o cerne de toda a questão no pagamento do preço, para daí concluir que face à alteração da matéria de facto que não resultou provado o pagamento da totalidade do preço, aí colocando a pedra de toque que conduziu à improcedência dos embargos, conjugada com o facto de invocar que o prédio se encontrava arrendado, e não considerando toda a prova produzida relativamente à posse e às características da mesma.
15º. No entanto, no caso dos autos, enquadram-se todas as considerações feitas no acórdão fundamento para possibilitar a dedução de embargos de terceiro pelo promitente- comprador.
16°. Com efeito, no caso dos autos, os ora Recorrentes/Embargantes após a celebração do contrato-promessa entraram na posse dos imóveis prometidos vender, neles tendo celebrado obras, passando aí a habitar e receber os amigos e familiares, o que encerra a prática de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sendo tal actuação por parte dos ora Recorrentes levada à prática em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real (como se a coisa fosse sua, julgando-se proprietários da coisa, apesar de a não terem comprado), ou seja, tais actos não foram realizados em nome do promitente vendedor nem por mera tolerância deste.
17º. Perante a realidade concreta dos autos, podemos concluir que o corpus e animus estão presentes na posse dos promitentes-compradores ora Recorrentes/Embargantes, revelando uma posse real e efectiva, digna de tutela jurídica, posse essa incompatível com a penhora efectuada, por ser anterior a esta.
18º. Este entendimento sai reforçado se analisarmos a posição dos promitentes vendedores durante todo este processo, traduzidos na outorga da procuração para que os Recorrentes/Embargantes pudessem outorgar a escritura quando entendessem e a declaração apresentada ao Serviço de Finanças de Alcanena de que não eram proprietários de qualquer prédio no concelho de Alcanena Cfr. Alíneas H) e V) da matéria provada, pois está bem demonstrado o desligamento dos promitentes vendedores relativamente à propriedade dos prédios.
Daí que se considere, sem margem para dúvida razoável, existir entre os arestos a que vimos apelando, a oposição de julgados afirmada pelos Recorrentes e que justifica e fundamenta o presente recurso.
19º. É pois da mais cristalina clareza a oposição existente entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, sendo que este último claramente traduz aquele que vem sendo o entendimento reiterado da jurisprudência dominante e que se acolhe como sendo o mais correcto, de que em circunstâncias excepcionais a posse exercida pelo promitente-comprador é merecedora da tutela dos meios de defesa da posse.
20°. O acórdão fundamento entendeu assim que o facto de não ter resultado o pagamento da totalidade do preço (pois não havida sido entregue um montante que havia sido acordado no contrato-promessa de compra e venda como fazendo parte do preço) não impedia a procedência dos embargos, face à demonstração da posse exercida e nos moldes em que o foi e no acórdão recorrido resulta que face à matéria de facto alterada, não resultaria demonstrado o pagamento da totalidade do preço o que necessariamente conduzia à improcedência dos embargos.
21º. A interpretação feita no acórdão fundamento é actual e traduz a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais da Relação e Supremo Tribunal de Justiça (...).
(...)
22°. Entendem pois os Recorrentes que o dissentimento verificado não deve resolver-se do modo proposto pelo Acórdão recorrido, mas antes do modo proposto no Acórdão fundamento.
23º. A melhor jurisprudência é pois, no entender dos Recorrentes, a secundada pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo e também pelo Supremo Tribunal de Justiça espelhada no Acórdão fundamento.
24º. Sendo que o entendimento perfilhado pelo Acórdão recorrido afronta, de forma indelével, o princípio da verdade material e o princípio constitucional da tutela judicial efectiva ínsito no artigo 20º da CRP.
Terminam pedindo a admissão e consequente prosseguimento do recurso.

1.3. Em contra-alegações, a recorrida C……… alega, em síntese:
1. Os Recorrentes defendem que existe oposição entre o douto Acórdão proferido em 18.02.2016 e o douto Acórdão proferido em 22.10.2015, com o que, salvo o devido respeito, não podemos concordar desde logo porque estamos perante realidades fácticas diferentes como de seguida passaremos a indicar.
2. No acórdão fundamento julgou-se provado, no âmbito dos factos provados, a existência de verdadeiros actos que consubstanciam a existência de uma posse real e efectiva, nomeadamente a construção de uma casa onde os Embargantes passaram a residir e aí fazerem a sua vida. Em consequência daqueles factos considerou-se que, assim, se verificou a tradição e posse do imóvel.
3. Pelo contrário, no acórdão recorrido o douto Tribunal a quo julgou que não ficou provado que os Embargantes tivessem uma posse efectiva, ou seja, não se logrou provar o animus possidendi, fundamental para que estejamos perante a situação excepcional que a Jurisprudência entende haver quando o promitente-comprador preenche todos os requisitos da verdadeira posse, passando a actuar como se fosse proprietário da coisa. Ao invés ficou provado que o imóvel estava arrendado a terceiros.
4. Acresce que o douto Acórdão recorrido não utiliza a falta de pagamento da totalidade do preço como o fundamento essencial ou único para julgar pela improcedência dos Embargos como os ora Recorrentes querem fazer crer, mas também invoca a falta do animus possidendi, imprescindível para se aferir da procedência dos embargos.
5. Com efeito, ficou provado que o imóvel penhorado se encontrava ocupado e habitado por terceiros, conforme consta na alínea AD aditada nos factos provados e foi demonstrada a falta de prova cabal de que, quer as despesas, quer os contratos de água e luz, dissessem respeito ao prédio penhorado, inscrito na matriz sob o artigo 2113.
6. Ficou ainda provado que os Embargantes não entraram na posse do imóvel penhorado uma vez que estava arrendado a terceiros, tendo apenas realizado obras num outro prédio (no prédio inscrito na matriz sob o artigo 1760), além de que as rendas pagas pelos arrendatários o foram por depósito na C……… por litígio com os executados/Embargados, nunca tendo sido pagas rendas aos Embargantes, como seria suposto caso os mesmos agissem como proprietários do prédio.
7. Perante a realidade que resultou provada nos autos, podemos concluir que ainda que os Embargantes tivessem o corpus, não detinham o animus necessário para que a posse dos promitentes-compradores ora Recorrentes, fosse digna de tutela jurídica e fizessem por isso proceder os embargos.
8. Pelo exposto estamos perante realidades distintas, sendo as duas situações de facto completamente distintas nos dois acórdãos, não se verificando qualquer oposição de acórdãos.
Termina pedindo a não admissão do recurso, por não se verificar a alegada oposição de acórdãos.

1.4. Em despacho proferido pela Exma. Relatora no TCAS, em 18/10/2017 (fls. 498 a 500) considerou-se existir a alegada oposição de acórdãos.

1.5. E notificadas as partes para alegarem nos termos do disposto no nº 2 do art. 284º e nº 5 do art. 284º, ambos do CPPT, os recorrentes vieram alegar, formulando a final, as conclusões seguintes:
A. O presente recurso por oposição de acórdãos nasce da inconformidade dos Recorrentes com o acórdão recorrido que julgou procedente o recurso interposto pela aqui Recorrida C………………, S.A., tendo sido admitido por a Exma. Senhora Juíza Desembargadora entender existir entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, a oposição de julgados afirmada pelos Recorrentes e que justifica e fundamenta o presente recurso, motivo pelo qual foi decidido estarem preenchidos os pressupostos para o prosseguimento tendo-se consignando expressamente nesse despacho que “(...) e a decisão impugnada não está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
B. Não estavam reunidos os pressupostos que permitissem ao Tribunal proceder à modificabilidade da decisão de facto nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, uma vez que o Tribunal que aprecia o recurso apenas pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1ª instância e dentro do restrito papel desse Tribunal em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto,
D. A alteração efectuada à alínea E) da matéria provada não encontra apoio na prova produzida, uma vez que as regras da experiência permitem concluir sem qualquer dificuldade que a celebração da escritura de compra e venda com mútuo e hipoteca, conduziu sem dúvida a que a quantia mutuada tenha sido entregue aos vendedores, pois sem que tal acontecesse, estes últimos não assinariam a escritura, nem teriam declarado que o preço havia sido recebido,
E. A partir do momento em que os vendedores declararam que receberam o preço, tal declaração consignada na escritura na presença do Sr. Notário, faz prova plena e apenas pode ser contraditada por apresentação de meio de prova cabal o que não aconteceu in casu;
F. A alínea aditada AD) também não encontra sustentação factual no depoimento da testemunha …………. uma vez que esta habitou no imóvel penhorado cerca de 5 anos antes dos Recorrentes o comprarem, quando instada referiu expressamente que tal ocorreu há mais de 18 anos, e que após essa compra ficou lá por 2/3 meses com autorização dos Recorrentes, e apenas pelo tempo necessário à conclusão da construção da sua casa,
G. A alínea AD) com a redacção que lhe foi dada no acórdão recorrido não traduz fielmente a matéria provada que é relevante para decisão a proferir no caso sub judice, estando até em contradição com a alínea L) dos factos provados,
H. Não se encontram invocadas no acórdão razões bastantes para alterar a factualidade apurada se o Senhor Juiz de Direito do Tribunal a quo tiver feito, como aconteceu in casu, a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos testemunhais e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro;
G. Considerando que o julgador de 1ª instância entendeu valorar num determinado sentido os depoimentos e documentos, não poderia o tribunal recorrido pôr em causa a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este último não detinha aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas),
H. O acórdão recorrido não logrou demonstrar que a douta sentença violasse qualquer dos passos para a formação da convicção do Tribunal, assentando a mesma na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, pelo que apenas haveria fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstrasse que tal juízo contraria as regras da experiência comum,
I. A matéria considerada provada pela primeira instância não merecia reparo, não se justificando a alteração e aditamento preconizados pelo tribunal recorrido a coberto do artigo 682° do CPC,
J. Resultam provados no acórdão recorrido os seguintes factos não alterados que impunham decisão diversa:
Alínea C) Foi estipulado no acordo, referido em A) que o preço da compra dos dois prédios urbanos era de 5.250.000$00, nos termos constantes de fls. 24 dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Alínea D) Em 15/4/1994, o embargante marido depositou a favor do embargado D………, a quantia de 1.750.000$00, nos termos constantes de fls. 24 e 25 dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Alínea F) Em 20/7/1994, o embargante marido passou um cheque ao embargado D……………., no valor de 500.000$00, como reforço de sinal, referente ao acordo referido em A) nos termos constantes de fls. 26 e 201, dos autos, em suporte papel”.
M. Face à matéria provada nas alíneas D) e F) resulta demonstrada: a entrega das quantias de 1.750.000$00 e de 500.000$00 pelos Recorrentes aos embargados D…………….. e mulher; que aquando da celebração da escritura de compra e venda do prédio inscrito sob o artigo 1760 foi pago o preço; o facto comprovado pela escritura de compra e venda de onde consta a declaração (confissão) dos vendedores, aqui embargados, (...) que pelo preço de 3.500.000$00, que já receberam vendem o prédio (...);
N. Os factos que resultaram provados conduziam necessariamente à conclusão de que o preço foi totalmente pago,
O. Aliada à factualidade que permite concluir pela tradição da coisa prometida - o prédio penhorado foi colocado na disposição dos Recorrentes/Embargantes de Outubro de 1994: matéria que consta da alínea L) a saber: “Pelo menos desde Outubro de 1994, os embargantes utilizam o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 2113” e alínea R) "Desde Outubro de 1994, que os embargantes ocupam ambas as casas sem objeção e com conhecimento dos vizinhos”.
P. Da matéria de facto dada como provada resulta que os Recorrentes/Embargantes, passaram a utilizar o prédio, praticando atos materiais de posse, inerentes à sua utilização, real e em nome próprio, como se fossem seus verdadeiros proprietários conforme resulta da matéria de facto dada como provada e transcrita nas alíneas G, M, N, O, P, Q e R,
R. A matéria relevante no acórdão fundamento apresenta indubitáveis traços de identidade com matéria relevante no acórdão recorrido, sendo questão decidenda em ambos os acórdãos precisamente a mesma, embora cheguem a divergentes conclusões, o que, por si só, possibilita a procedência do recurso,
S. No acórdão fundamento expressa-se que existem situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche em circunstâncias excepcionais, os requisitos que fundamentam a verdadeira posse, “são concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse; nestas situações excepcionais, em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiros que com base nela, sejam deduzidos”, que é actualmente a jurisprudência maioritária,
T. O acórdão fundamento e a jurisprudência maioritária seguem a linha de raciocínio de que a circunstância de não se demonstrar o pagamento integral do preço não obsta a que se possa considerar, ponderado o restante circunstancialismo fáctico, que no caso a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse,
U. Em face da análise do acórdão fundamento e recorrido não restam dúvidas de que a questão decidenda em ambos os acórdãos é precisamente a mesma, que é a de saber se a posse tal como é configurada, com pagamento do preço ou de parte do preço e a prática de actos correspondentes ao exercício do direito propriedade em nome próprio, confere acesso aos meios de tutela da posse in casu: os embargos de terceiro.
V. No acórdão fundamento considera-se que o facto de o preço não estar integralmente pago não é suficiente para a improcedência dos embargos de terceiro, sendo sim verdadeiramente importante a tradição do bem e a actuação que se seguir se pode concluir que as partes anteciparam os efeitos do contrato definitivo - a transferência da propriedade para o comprador - podendo dizer-se que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse o proprietário da coisa, jurisprudência essa a aplicar ao caso sub judice,
X. Resultou provado que os ora Recorrentes/Embargantes após a celebração do contrato promessa de compra e venda, entraram na posse dos imóveis prometidos vender, neles tendo celebrado obras, passando aí a habitar e receber os amigos e familiares, o que encerra a prática de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sendo tal actuação por parte dos ora Recorrentes levada à prática em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real, ou seja, tais actos não foram realizados em nome do promitente vendedor nem por mera tolerância deste,
Z. Resultou demonstrado o corpus e animus na posse dos promitentes-compradores ora Recorrentes/Embargantes, revelando uma posse real e efectiva, digna de tutela jurídica, posse essa incompatível com a penhora efetuada, por ser anterior a esta,
AA. Este entendimento sai reforçado se analisarmos a posição dos promitentes vendedores durante todo este processo, traduzidos na outorga da procuração para que os Recorrentes/Embargantes pudessem outorgar a escritura quando entendessem e a declaração apresentada ao Serviço de Finanças de Alcanena de que não eram proprietários de qualquer prédio no concelho de Alcanena Cfr. Alíneas H) e V) da matéria provada, pois está bem demonstrado o desligamento dos promitentes vendedores relativamente à propriedade dos prédios,
BB. Os Recorrentes lograram provar factos integradores da posse real e efectiva do prédio penhorado durante mais de 18 anos, e face a tal alegação nenhuma prova em contrário foi feita, pois que em nosso entendimento resultou provado que em 1994 os promitentes vendedores, receberam a totalidade do valor da venda, valor esse que fizeram seu e do qual deram a respectiva quitação e consequentemente entregaram os prédios aos Recorrentes para que estes os habitassem, pelo que logo naquela data os promitentes vendedores ao receberem o dinheiro e entregarem as chaves desligaram-se completamente da posse dos mencionados prédios,
CC. Os Recorrentes alegaram e lograram provar validamente factos permissivos de concluir pela sua posse nos termos e para os efeitos do artigo 237° do CPPT que dispõe que quando a penhora ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência de que seja titular um terceiro pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro,
DD. A oposição existente entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, é flagrante, sendo que este último claramente traduz aquele que vem sendo o entendimento reiterado da jurisprudência dominante e que se acolhe como sendo o mais correcto, de que em circunstâncias excepcionais a posse exercida pelo promitente-comprador é merecedora da tutela dos meios de defesa da posse.
EE. A interpretação feita no acórdão fundamento é actual e traduz a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais da Relação e Supremo Tribunal de Justiça, podendo citar-se a este respeito os acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-05-2012 Revista n° 430/07.7TVLSB.L1.S1-1ª SECÇÃO; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo: 00642/09.9BEBRG, 2ª Secção Contencioso Tributário de 18/01/2012, e Ac. do STJ de 21/03/13, processo 1223/05.1TBCS-B.L1.S1
FF. O Tribunal interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 237º do CPPT, e 396º do Cód. Civil e 655º, nº 1 e 682º do C.P.C aplicáveis ex vi do artigo 2° do CPPT,
GG. O acórdão recorrido viola o disposto artigos 237º do CPPT, e os artigos 1251º, 1263º, alínea b), 1268, 1285º do Código Civil e pelo que foi violado o disposto no artigo 682º do CPC aplicável ex vi do artigo 2º do CPPT, bem como o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, bem como a jurisprudência maioritária proferida nesta matéria,
HH. O acórdão recorrido deve ser alterado por acórdão a proferir por esse Supremo Tribunal Administrativo, que mantenha o decidido na sentença proferida em primeira instância.
Termina pedindo o provimento do recurso com fundamento em oposição de acórdãos, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido e julgando-se os embargos de terceiro procedentes tal como decidido em primeira instância.

1.6. Também a recorrida C………….. contra-alegou, formulando as Conclusões seguintes:
A) Vêm os Recorrentes interpor recurso com fundamento em Oposição de Acórdãos, nos termos do art. 284º do CPPT, invocando como Acórdão Fundamento o proferido pelo douto TCA Sul de 22.10.2015 (Proc. nº 088884/15), alegadamente em contradição com o Acórdão recorrido, proferido pelo TCA Sul, no âmbito dos presentes autos, em 18.02.2016, sem que no entanto estejam verificados os necessários requisitos de admissibilidade de tal recurso, mormente, por estarmos perante realidades fácticas substancialmente diferentes, não havendo subsunção às mesmas normas legais, nem sequer configurando a alegada oposição de Acórdãos decisões opostas expressas.
B) No Acórdão Fundamento está em causa um contrato-promessa de compra e venda de um terreno/monte, onde os Embargantes construíram uma casa de raiz, onde passaram a residir e aí fizeram a sua vida, numa manifestação de uma verdadeira actuação uti dominus sobre a coisa, como se fossem proprietários da mesma; ao invés no Acórdão recorrido resulta provado que no imóvel penhorado viviam, pelo menos desde a data de celebração do contrato-promessa (em 1994) terceiras pessoas arrendatárias, que não os Embargantes, que só adquiriram o mesmo por compra e venda celebrada em 14.11.2005, muito depois da penhora efectuada em 14.02.2001, cfr. facto provado AD).
C) Acresce que, ao contrário do que os Recorrentes querem fazer crer, a questão do pagamento do preço na sua totalidade não é sequer central, não integrando, em verdade, a decisão expressa do mesmo, apenas servindo de sua fundamentação, ao afirmar-se que "o preço não ter sido integralmente pago não é, por si só, um facto que sirva para afastar uma situação de verdadeira posse". Tal questão não vem sequer elencada no sumário do Acórdão Fundamento, já que o que releva em verdade são as circunstâncias excepcionais do caso, capazes de consubstanciar uma verdadeira posse material e intencional, passível de defesa ou oponível em sede de embargos de terceiro.
D) O pagamento ou não pagamento do preço não releva de per se para traduzir a referida posse, tal como se retira dos dois Acórdãos em suposta oposição, afirmando-se apenas no Acórdão ora recorrido que para além de não se ter provado o pagamento integral do preço, também não se provou qualquer circunstancialismo capaz de consubstanciar uma verdadeira posse, ficando pelo contrário provado que tal imóvel (matriz 2113) estava afinal ocupado por terceiras pessoas arrendatárias (facto provado AD), o que não permitiu aos Embargantes provar a alegada posse, ou mesmo a tradição do bem, que teria de ser sempre anterior à data da referida penhora, não tendo ainda os Embargantes logrado fazer prova cabal de que, quer as despesas, quer os contratos de água e luz, dissessem respeito ao prédio penhorado, inscrito na matriz sob o artigo 2113, mas apenas ao referido imóvel com o nº de polícia …………… que servia para identificar o outro imóvel (matriz 1760).
E) Diga-se ainda que não podem os Recorrentes pretender que o douto Tribunal ad quem venha agora alterar a matéria de facto definitivamente fixada pelo Tribunal a quo, uma vez que de acordo com o art. 26º, al. b) do ETAF, só é admissível recurso para o STA com "exclusivo fundamento em matéria de direito".
F) Ainda que assim não se entendesse, os Recorrentes nas suas alegações de recurso, nunca põem em causa o facto aditado pelo douto Tribunal a quo, denominado "AD) O prédio penhorado nos autos inscrito na matriz sob o artigo 2113 encontrava-se ocupado e habitado por …………. e marido na data em que os Embargantes foram viver para o prédio inscrito na matriz sob o art.s 1760º (cfr. testemunho de ………, …………, ..……..)", i.e. em 1994, de acordo com o facto provado E), perante o qual é forçoso concluir que nem sequer houve tradição do imóvel penhorado, quanto mais uma verdadeira posse oponível em sede de embargos.
G) Dizer ainda que dos factos provados D), F), L) e R) se retira a prova da alegada posse é completamente distorcido face aos restantes factos provados, mormente aos aditados pelo Tribunal a quo e à própria fundamentação deste Tribunal no Acórdão recorrido, desde já porque a utilização do imóvel com o eventual consentimento dos terceiros arrendatários, não se confunde com o conceito jurídico de posse, muito menos com a necessária para sustentar os presentes embargos.
H) De notar igualmente que os factos provados em que se menciona o número de polícia …………., mormente os alegados factos M) e O), não se referem ao imóvel penhorado, já que tal numeração de polícia era utilizada para identificar os dois imóveis - o penhorado e o outro correspondente à matriz 1760, onde de facto os Embargantes habitavam, pelo que dos mesmos não se pode retirar a prova que pretendem os Recorrentes.
I) Pelo contrário, os Recorrentes embargantes não lograram fazer a prova de que antes da penhora (14.02.2001) do imóvel correspondente à matriz 2113, tivessem tomado posse efectiva do mesmo, não se verificando qualquer circunstância excepcional que permitisse ponderar estarmos perante uma posse capaz de fundamentar os presentes embargos, nunca tendo os mesmos exercido sobre o imóvel um uti dominus, já que tal como bem refere o Tribunal a quo, existe um facto "completamente desconsiderado pela sentença recorrida e que é de enorme importância para a descoberta da verdade material" - o facto AD supra citado - de que tal imóvel esteve sempre arrendado e que tais arrendatários, cujo depoimento constituiu prova testemunhal dos autos. 
J) Por tudo o exposto, deverá o presente recurso não ser admitido por falta dos requisitos de admissibilidade legais da Oposição de Acórdãos previsto no art. 284º do CPPT, ou ainda que assim não se entenda deverá ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a douta decisão do Tribunal a quo.
Termina pedindo que o recurso não seja admitido por não estarem verificados os respectivos pressupostos legais de admissibilidade do Recurso de Oposição de Acórdãos, previsto no art. 284º do CPPT, ou caso assim não se entenda, ser o mesmo julgado improcedente, por não provado, com as demais consequências legais.

1.7. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«Recurso por oposição de acórdãos interposto por A………… e B………., sendo recorridos o representante da Fazenda Pública e a C…………., S.A.:
O recurso mostra-se admitido e foi proferido despacho pela Exmª Srª Desembargadora relatora quanto à questão preliminar da existência de alegada oposição de acórdãos (fls. 498 a 500).
Com efeito, a oposição de acórdãos depende de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, o que pressupõe serem idênticas a regulamentação e as situações de facto, da decisão indicada em fundamento ter transitado em julgado, bem como ainda do decidido não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada - artigos 284° do C.P.P.T. e 152°, n°s 1 al. a) e 3 do C.P.T.A., subsidiariamente aplicável.
No entanto, na situação dos presentes autos veio a decidir-se pela procedência dos embargos apresentados pelos ora recorrentes, considerando um circunstancialismo de facto diverso do acórdão fundamento, conforme bem assinala a C………… nas contra-alegações que apresentou.
Assim, creio que melhor é decidir não estarem reunidos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso interposto, nomeadamente, a existência de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, sendo com esse fundamento de julgar o recurso findo.
Para tal, importa que seja proferida decisão pelo Pleno da secção do contencioso tributário do S.T.A., conforme decorre, entre outras disposições legais, do previsto nos artigos 17º n° 2 e 27º nº 1 al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, cumpridas que sejam as formalidades legais previstas no art. 289º nº 2 do C.P.P.T..
Concluindo:
Creio que melhor é decidir não se verificarem os requisitos constantes dos artigos 284° do C.P.P.T. e 152°, n°s 1, al. a) e 3 do C.P.T.A., subsidiariamente aplicável, nomeadamente, contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, sendo com esse fundamento de julgar o recurso findo por decisão a proferir pelo Pleno da S.C.T. do S.T.A., cumpridas que sejam as formalidades legais previstas no art. 289º nº 2 do C.P.P.T..»

1.8. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. No aresto recorrido julgou-se provada a factualidade seguinte (sendo que os factos constantes das alíneas E), I) e M) resultam de alteração introduzida no Probatório pelo acórdão recorrido e que os constantes das alíneas AA) a AD) foram aditados ao mesmo Probatório, tudo ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 662º do CPC):
A) Em 16/4/1994, D………… e mulher E………….., celebraram com os embargantes, um acordo, por escrito particular, denominado por «CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA», pelo qual os primeiros declararam prometer vender aos segundos, e estes comprar, o prédio urbano, sito na ………., freguesia e concelho de Alcanena, composto de barracão com 4 divisões para habitação, com 1 quarto, palheiro, 1 alpendre, 1 cozinha e 1 arrecadação, com a superfície coberta de 130,m2, inscrito na matriz sob o artigo 1760, e o prédio urbano, sito em …………, freguesia e concelho de Alcanena, destinado a habitação com 1 sala de estar, 2 quartos, 1 cozinha, 1 sala de jantar, 1 despensa, 1 casa de banho, com a superfície coberta de 64 m2 e logradouro com 136 m2, inscrito na matriz sob o artigo 2113, nos termos constantes de fls. 24, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e depoimento da testemunha ……………..
B) O prédio urbano, sob o artigo 2113, está inscrito na matriz desde 1988, nos termos constantes de fls. 217 a 227, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) Foi estipulado no acordo, referido em A), que o preço da compra dos dois prédios urbanos era de 5.250.000$00, nos termos constantes de fls. 24, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Em 15/4/1994, o embargante marido depositou a favor do embargado D……… a quantia de 1.750.000$00, nos termos constantes de fls. 24 e 25, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) Foram entregues aos embargantes antes da escritura de compra e venda do prédio, inscrito na matriz sob o artigo 1760, realizada em 11/8/1994 as chaves deste prédio cfr. depoimento das testemunhas ………………, ………….. e ……………….
F) Em 20/7/1994, o embargante marido passou um cheque ao embargado D…………., no valor de 500.000$00, como reforço de sinal, referente ao acordo referido em A), nos termos constantes de fls. 26 e 201, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e cfr. depoimento da testemunha …………..
G) Em 2/8/1994, o embargante marido celebrou, em seu nome, o contrato de fornecimento de electricidade, referente à morada ……., n° ……., nos termos constantes de fls. 186, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
H) Em 11/8/1994, foi acordado entre os embargantes e os segundos embargados que a celebração da escritura de compra e venda seria realizada quando os primeiros o entendessem, tendo outorgado procuração, conferindo poderes ao Solicitador ………….., para a venda dos prédios, nos termos constantes de fls. 183 a 185, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
I) Em 11/8/1994 a F……………., S.A. mutuou a quantia de 3.000.000$00 aos Embargantes aquando da celebração da escritura de compra e venda do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 1760, e para a sua aquisição, tendo contraído um empréstimo bancário no mesmo valor, nos termos constantes de fls. 28 a 34, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (com efeito, o documento em causa que se trata de um documento complementar que integra o contrato de compra e venda apenas prova a concessão do mútuo aos Embargantes, nada se provando se esse dinheiro mutuado foi entregue totalmente ou parcialmente aos embargados).
J) Pelo menos desde Agosto de 1994, os embargantes habitam no prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 1760, cfr. depoimento de todas as testemunhas.
K) Nele dormindo, comendo e fazendo a sua higiene pessoal, cfr. depoimento de todas as testemunhas.
L) Pelo menos desde Outubro de 1994, os embargantes utilizam o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 2113, cfr. depoimento da testemunha ……………
M) Os embargantes no nº ………… de polícia receberam correspondência, familiares e amigos que os visitam (cfr. documentos de fls. 35, 36, 186, 187, 190, 191, 193, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e cfr. depoimentos de todas as testemunhas.)
N) Em 1994, o embargante marido requereu o fornecimento de água para o rés-do-chão do prédio situado no ………….., na qualidade de proprietário, nos termos constantes de fls. 187, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
O) Os embargantes passaram a efectuar os pagamentos da água e da electricidade, referente à morada ……….., n° …………, Alcanena, nos termos constantes de fls. 35 e 36, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
P) Os embargantes pagam a prestação mensal referente a um empréstimo contraído para aquisição de habitação permanente, nos termos constantes de fls. 37, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Q) Desde que tiveram as chaves das casas, referidas em A), os embargantes fizeram obras, na casa, sob o artigo 1760, demoliram paredes, fizeram uma casa de banho nova, colocaram portas e janelas novas e um telhado novo, e na casa, sob o artigo 2113, demoliram paredes e fizeram uma casa de banho nova; nos termos constantes de fls. 38 a 40, 189, 190, 192, 193, 197, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e cfr. os depoimentos de todas as testemunhas.
R) Desde Outubro de 1994, que os embargantes ocupam ambas as casas sem objecção e com conhecimento dos vizinhos, cfr. os depoimentos de todas as testemunhas.
S) Os prédios, referidos em A), têm um único número de polícia – ………….,, nos termos constantes de fls. 38 e 39, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e cfr. os depoimentos das testemunhas …………. e ……………..
T) O acesso às casas, referidas em A), faz-se pelo mesmo portão, nos termos constantes de fls. 38 e 39, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e cfr. os depoimentos das testemunhas ……………, ………… e ………………
U) Em 14/2/2001, no âmbito do processo de execução fiscal n°1937-90/70046.4 movido contra D………. e E……………, foi penhorado pela Fazenda Nacional o prédio urbano, com a superfície coberta de 64m2 e logradouro com 136 m2, sito no ..........., freguesia e concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n° 00226/031186, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2113, com o valor patrimonial de 451,45 €, e registada a penhora em 22/6/2001, nos termos constantes de fls. 22 a 23, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
V) Em 1/6/2004, o segundo embargado declarou ao Serviço de Finanças de Alcanena não ter qualquer imóvel na área desse Serviço de Finanças, nos termos constantes de fls. 198 a 200, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
W) Os embargantes tomaram conhecimento da penhora, referida em U), no dia 26/10/2005, através de um anúncio no jornal "…………", onde constava a marcação da venda judicial para o dia 11/6/2006, referente ao prédio urbano, sito no …………, freguesia e concelho de Alcanena, inscrito na matriz sob o artigo 2113, penhorado aos executados D……….. e E………….., nos termos constantes de fls. 46, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e cfr. os depoimentos das testemunhas ……………. e ……………
X) Em 14/11/2005, os embargantes celebraram a escritura pública de compra e venda do prédio penhorado e registaram-no a seu favor em 5/12/2005, nos termos constantes de fls. 43 a 45 e 211 a 212, dos autos, em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Y) A celebração da escritura referida em X) esteve apenas dependente dos embargantes e não foi celebrada anteriormente por dificuldades económicas, cfr. os depoimentos das testemunhas …………, ………. e …………….
Z) A petição de embargos deu entrada no Serviço de Finanças de Alcanena, em 23/11/2005, cf. carimbo aposto a fls. 4, dos autos, em suporte de papel.
AA) Na escritura mencionada na alínea I) os embargados declararam vender o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1760 pelo preço de 3.500 contos (cfr. escritura de compra e venda a fls. 28 a 31 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
AB) Em 30/09/1994 foi emitida factura em nome do Embargante no valor de 55.259$00, na qual consta, para além do mais, que foram fornecidas 1 banheira, 1 lavatório, 1 bidé, 1 autoclismo (cfr. fls. 89 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido).
AC) Foram emitidas no nome do Embargante e com a indicação da morada “……….. nº …………” facturas datadas de 18/09/2001, 14/11/2001, 05/11/2004, 20/12/2005, 03/12/2004, 12/12/2005, 11/11/2005 das quais constam vários materiais de construção civil (cfr. documentos de fls. 89 a 197, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido).
AD) O prédio penhorado nos autos inscrito na matriz sob o artigo 2113 encontrava-se ocupado e habitado por ………….. e marido na data em que os Embargantes foram viver para o prédio inscrito na matriz sob o art. 1760 (cfr. testemunho de …………, ………….., …………..).

3.1. Como se referiu, os recorrentes alegam que, existe oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido em 18/02/2016, na Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul, no recurso que ali correu termos sob o nº 06796/13.
Importa, portanto, antes de mais, averiguar se os requisitos da alegada oposição quanto a tal questão se verificam, já que, não obstante ter sido proferido despacho pelo Ex.ma. Relatora (fls. 498/500), a considerá-la verificada, tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal, (Cfr., entre outros, o ac. de 7/5/2003, rec. nº 1149/02.) não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar. (Cfr. o nº 5 do art. 641 do CPC; cfr. também neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 479 (anotação 15 ao art. 284º).)
Vejamos.

3.2. Sendo aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos arts. 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002, de 19/2, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, al. b) do ETAF e 152º do CPTA, depende, como se deixou expresso no ac. de 26/9/2007, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no processo nº 0452/07, da satisfação dos seguintes requisitos:
«– existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (( ) Acórdão de 29-3-2006, recurso nº 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da SCA:
– de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05;
– de 17-1-2007, recurso n.º 48/06;
– de 6-3-2007, recurso n.º 762/05;
– de 29-3-2007, recurso n.º 1233/06.
No mesmo sentido, pode ver-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, páginas 765-766.)».
Por um lado, portanto, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

4. Apliquemos estas considerações ao caso concreto dos autos:
4.1. No acórdão recorrido aduz-se, em síntese, a seguinte fundamentação:
— Não resulta provado nos autos que os embargantes tenham efectivamente pago a totalidade do preço previsto no contrato-promessa para a aquisição dos dois prédios urbanos, o que desde logo enfraquece a tese dos embargantes, sendo que nada impede que após a celebração do contrato-promessa as partes tenham chegado a um outro acordo no que diz respeito ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 2113 (prédio penhorado nos autos de execução fiscal), aliás até resulta dos factos provados que as partes alteraram aquele acordo em diversos pontos.
— Portanto, fica evidenciado que aquele contrato-promessa inicialmente acordado foi posteriormente alvo de alterações acordadas pelas partes.
Daí que, o facto de constar como objecto daquele contrato-promessa a compra e venda de dois prédios urbanos, não obsta a que as partes, posteriormente, por qualquer razão, tenham acordado que relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 2113 já não se fizesse a transmissão do bem, que se tenha desistido de vender e/ou de comprar por mútuo acordo.
Aliás, estranha-se o facto de não se fazer menção naquele contrato-promessa de que o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2113 (que é um anexo) se encontrava ocupado.
— Não obstante as circunstâncias concretas desse arrendamento não tenham resultado precisas, a verdade é que é o suficiente para também colocar em causa toda a tese da embargante que sempre habitou o prédio penhorado, quando afinal se revela na inquirição de testemunhas que por um período de tempo após a aquisição do outro prédio pelos embargantes (que não se determinou) o anexo penhorado se encontrava ocupado. Mas estranhamente, também não resulta provado que os embargantes tenham recebido qualquer renda, apesar de a testemunha ter afirmado que ocupava o anexo na qualidade de arrendatária e que se encontrava a depositar rendas na C………….. por litígio com os executados, mas nunca pagou rendas aos embargantes.
Por conseguinte, não se pode acompanhar a sentença recorrida quando afirma que “os embargantes, desde 1994, agem como proprietários de ambas as casas”.
— Mas outros factos dados como provados, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, não conduzem à prova do animus possidendi, sendo que a valoração que o tribunal recorrido fez da alínea Q) dos factos provado é errada, pois havia ainda que ter em consideração as datas das facturas e o seu teor (aditados oficiosamente sob as alíneas AB) e AC).
— Em suma, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida os factos provados são insuficientes para que se possa concluir pelo animus possidendi relativamente ao anexo penhorado nos autos de execução fiscal e relativamente a data anterior a essa penhora, e portanto os embargos, ao contrário do decidido na 1ª instância, devem improceder.

4.2. Por sua vez, no acórdão fundamento considera-se a seguinte fundamentação:
— Em regra, o contrato-promessa de compra e venda, ainda que seja acompanhado de tradição da coisa, não transfere a posse ao promitente-comprador o qual adquire o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ou seja, a sua situação é a de mero detentor ou possuidor precário.
Porém, como a jurisprudência inúmeras vezes vem considerando, excepcionalmente, são admissíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche todos os requisitos de uma verdadeira posse, actuando uti dominus. Em determinados casos, portanto, dependendo de uma análise casuística, podemos ser levados a concluir que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse o proprietário da coisa.
— Como regra, o promitente-comprador que obteve a traditio da coisa apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um possuidor ou detentor precário (art. 1253º do CC –, já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) – art. 1251º do CC.
Todavia, pode em circunstâncias excepcionais a tradição da coisa, em contrato-promessa, envolver a transmissão da posse a favor do promitente-comprador (transformando este num verdadeiro possuidor), tudo dependendo do animus que acompanha o corpus, e a forma como ambos são exercidos ou se revelam na concreta realidade.
E isso (a qualificação da posse do promitente-comprador como precária ou como posse em nome próprio) só poderá ser avaliado casuisticamente, ou seja, perante cada realidade concreta.
— No caso concreto, verifica-se que em 1975 foi celebrado um contrato-promessa, assumindo o embargante a posição de promitente comprador do lote de terreno. Verifica-se que aí, nesse terreno, o embargante construiu uma casa, onde passou a viver com a sua família, sendo que a circunstância de não ter havido o pagamento integral do preço, não será, por si só, circunstância que obste a que se possa considerar, ponderado o restante circunstancialismo fáctico, que no caso a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse: tudo dependerá da análise do circunstancialismo do caso concreto.
— Temos, pois, que, perante a tradição do bem, o pagamento efectuado e a actuação que se seguiu (concretamente, a construção de uma casa no terreno, a qual passou a constituir a casa de morada de família do embargante) se pode concluir que as partes anteciparam os efeitos do contrato definitivo – a transferência da propriedade para o comprador – podendo dizer-se que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse o proprietário da coisa.
— Por conseguinte, perante a realidade concreta dos autos, podemos concluir que corpus e animus estão presentes na posse do promitente-comprador, o que nos permite falar em posse em nome próprio. E assim sendo, afigura-se-nos correcta a conclusão a que a sentença chegou no sentido da procedência dos embargos deduzidos.

4.3. Conforme se disse, os recorrentes identificam a questão como sendo a de saber se a posse, tal como é configurada, com pagamento do preço ou de parte do preço e a prática de actos correspondentes ao exercício do direito propriedade, praticados em nome próprio, confere acesso aos embargos de terceiro, como meio de tutela da posse. Na alegação dos recorrentes, enquanto no acórdão recorrido se conclui, face à matéria de facto (alterada e aditada pelo próprio acórdão), que o não pagamento da totalidade do preço necessariamente conduzia à improcedência dos embargos, já no acórdão fundamento o que se entendeu é que a circunstância de não ter ficado provado o pagamento da totalidade do preço (por não ter sido entregue o montante acordado no contrato-promessa de compra e venda como fazendo parte do preço) não impedia a procedência dos embargos, face à prova da posse exercida e nos moldes em que o foi.
Ora, logo perante esta alegação se manifesta, a nosso ver, a inexistência de oposição entre os arestos em questão.
Na verdade, os recorrentes reconhecem que no âmbito da decisão operada no acórdão fundamento, relevou, além da questão da prova do pagamento preço, também a prova da posse exercida e nos moldes em que o foi.
Mas, por outro lado, como bem resulta da fundamentação dos arestos em confronto, e sublinha na contra-alegação da recorrida, o acórdão recorrido também nem sequer utiliza a falta de pagamento da totalidade do preço como fundamento essencial ou único para julgar pela improcedência dos embargos: invoca-se, igualmente, a falta do animus possidendi, (i) considerando que o imóvel penhorado se encontrava ocupado e habitado por terceiros (conforme consta na alínea AD aditada nos factos provados), (ii) face à falta de prova de que, as despesas e os contratos de água e luz dissessem respeito ao prédio penhorado, inscrito na matriz sob o art. 2113 (iii) e face à prova de que os embargantes não entraram na posse do imóvel penhorado [uma vez que estava arrendado a terceiros, tendo apenas realizado obras num outro prédio (o inscrito no art. 1760 da matriz), além de que as rendas pagas pelos arrendatários o foram por depósito na C……….. por litígio com os executados/Embargados, nunca tendo sido pagas rendas aos embargantes, como seria suposto caso os mesmos agissem como proprietários do prédio].
Em suma, a conclusão a que se chegou no acórdão recorrido (no sentido de que os embargantes não lograram provar a posse do bem anteriormente à penhora) decorre, nos termos da fundamentação do acórdão recorrido, da circunstância de não se ter provado o pagamento de qualquer preço relativamente a esse bem no âmbito do contrato-promessa de compra e venda e de não existir explicação convincente das razões pelas quais não se celebrou o contrato definitivo, estando o bem ocupado e habitado por terceiro que depositou rendas em nome do promitente-vendedor (senhorio). Ou seja, considerou-se que os embargantes, embora tivessem o corpus (para efeitos de posse), não lograram fazer prova de que tivessem uma posse efectiva (animus possidendi) de modo a poderem enquadrar-se na situação excepcional que a jurisprudência entende relevar quando o promitente-comprador preenche todos os requisitos da verdadeira posse, passando a actuar como se fosse proprietário da coisa (invertendo-se o título da posse), até porque ficara provado que o imóvel estava arrendado a terceiros.
Enquanto que, ao invés, no acórdão fundamento, na valoração dos factos ali julgados provados, se concluiu que haviam sido praticados verdadeiros actos consubstanciadores da existência de uma posse real e efectiva (nomeadamente a construção de uma casa onde os embargantes passaram a residir e aí fazendo a sua vida) e foi em consequência da prática desses factos que se considerou ter ocorrido a tradição e posse do imóvel.
Inexiste, assim, a pretendida identidade de situações de facto entre as apontadas decisões, sendo, precisamente, a diversidade dessas situações de facto e os distintos juízos de facto que se formularam sobre a prova produzida nos respectivos autos, a imporem as diferentes soluções jurídicas em cada caso.
Acrescendo que nem a apreciação da matéria de facto é, nesta sede, sindicável, nem o eventual erro de julgamento de facto cabe no âmbito e objecto do recurso por oposição de acórdãos.

4.4. E, assim, concluímos que, no caso presente e no contexto factual e jurídico acima referenciado, a diversidade de soluções a que o Tribunal chegou não determina qualquer oposição de julgados, na medida em que não se verificam nem a alegada identidade substancial das situações fácticas em confronto nem divergência de soluções quanto à mesma questão de direito.
Pelo que, por falta dos pressupostos do recurso de oposição de acórdãos, deve o mesmo ser considerado findo, atento o disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.

DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em julgar findo o recurso.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 23 de Maio de 2018. – Joaquim Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.