Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:046/23.0BECBR
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:É de admitir o recurso de revista que tem por objecto determinar o tribunal materialmente competente - se o tribunal da jurisdição administrativa se o tribunal arbitral do desporto - para apreciar um litígio emanado da homologação, alegadamente ilegal, de um determinado calendário desportivo.
Nº Convencional:JSTA000P31872
Nº do Documento:SA120240201046/23
Recorrente:A...
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE COLUMBOFILIA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O A... [A... - Secção de Columbofilia] - requerente cautelar - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 20.10.2023 - que, concedendo provimento às «apelações» interpostas pela FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE COLUMBOFILIA [FPC] - requerida cautelar -, revogou as decisões proferidas pelo TAF de Coimbra - despachos de 24.02.2023 e de 17.03.2023, e sentença de 27.03.2023 - com base no julgamento de procedência da «incompetência absoluta do tribunal administrativo» para apreciar o litígio, julgando «prejudicado o conhecimento» dos outros recursos que foram interpostos a título principal e subordinado.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

As ora recorridas - FPC e a contra-interessada ASSOCIAÇÃO COLUMBÓFILA DO DISTRITO DE ... [ACD...] - contra-alegaram defendendo, além do mais, a «não admissão da revista» por falta de preenchimento dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social «se revista de importância fundamental» ou quando a admissão do recurso seja «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O requerente cautelar - A... - demandou a FPC e a «contra-interessada» - ACD... - pedindo ao tribunal administrativo - TAF de Coimbra - a suspensão de eficácia do «acto administrativo» alegadamente consubstanciado na decisão de aprovação do calendário desportivo da ACD... - praticado em 10.11.2022 pelo Coordenador Desportivo da FPC -, apontando-lhe, além do mais, «clara violação dos respectivos Estatutos, nomeadamente os artigos 18º, alínea e), e 20º, nº4» dos mesmos.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Coimbra - proferiu despacho a 24.02.2023 - que declarou a ineficácia do acto de execução praticado a 18.02.2023 e julgou improcedente a resolução fundamentada apresentada pela FPC - e a 17.03.2023 - que declarou a ineficácia do acto de execução de 26.02.2023 - e proferiu saneador-sentença a 27.03.2023, no qual julgou improcedentes excepções deduzidas nas «oposições» da FPC e da contra-interessada ACD... - incompetência material, inimpugnabilidade do acto, ilegitimidade activa e passiva, e caducidade da providência - e, avançando para o mérito da pretensão cautelar, julgou não verificado, desde logo, o indispensável requisito do periculum in mora tendo - em conformidade - indeferido a pretensão cautelar.

O A... interpôs recurso de apelação do saneador-sentença - de 27.03.2023 - enquanto julgou improcedente a sua pretensão cautelar; A FPC «apelou» dos ditos despachos de 24.02.2023 e de 17.03.2023, e da sentença, esta - recurso subordinado - enquanto julgou improcedentes as excepções da «incompetência absoluta» do tribunal administrativo e da «caducidade da providência»; a contra-interessada ACD... apelou - recurso subordinado - da sentença, enquanto julgou improcedente a excepção da «incompetência absoluta» do tribunal administrativo - por preterição de «tribunal arbitral necessário» - e a «caducidade da providência».

O tribunal de 2ª instância - TCAN - concedeu provimento às «apelações» da FPC, e, em conformidade, revogou as três decisões do tribunal de 1ª instância postas em crise - de 24.02.2023, de 17.03.2023, e de 27.03.2023 - com fundamento no «julgamento de procedência da excepção dilatória da incompetência absoluta dos tribunais da jurisdição administrativa para conhecer do mérito dos autos por ser materialmente competente para o efeito o Tribunal Arbitral do Desporto [TAD]», e considerou como «prejudicado» o conhecimento dos demais recursos de apelação interpostos a título principal e subordinado. Entendeu o tribunal de apelação - fundamentalmente - que o litígio não tem subjacente uma relação jurídico-administrativa nos moldes exigidos no artigo 212º, nº3, da CRP, antes releva, diz, do ordenamento jurídico-desportivo, já que relacionada com a prática do desporto.

O requerente cautelar não se conforma, e pede revista do assim decidido no «acórdão do tribunal de apelação», qualificando de «errado o seu julgamento de direito». Alega, em substância, que a relação jurídica que invocou, no seu requerimento cautelar, é de natureza administrativa, e é essa relação jurídica, tal como invocada, que deve ser tida em conta para aferir a competência material do tribunal. Sublinha que o «acto» cuja suspensão de eficácia pediu é o praticado em 10.11.2022 pelo Coordenador Desportivo da FPC e não qualquer deliberação da Direcção da FPC, e que tem a ver com a falta de cumprimento dos Estatutos e não com a prática desportiva, pelo que ficará excluída, a seu ver, «a arbitragem necessária do TAD, bem como qualquer reclamação ou recurso hierárquico necessário», nos termos do artigo 193º do CPA. Conclui que ao considerar que a busca de tutela jurisdicional só poderia, no caso, ser alcançada junto do TAD, o acórdão recorrido desrespeita o disposto nos artigos 20º, 46º, 212º, nº3, da CRP, 13º, 148º, 185º, do CPTA, 4º, do ETAF, 83º e 86º do Regulamento Desportivo Nacional da FPC.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Feita uma tal apreciação, e não obstante estarmos no âmbito da tutela cautelar cremos que se nos impõe a admissão da presente pretensão de revista. Na verdade, a questão que se coloca nas alegações de revista, e que tem a ver com a determinação, no caso concreto, de qual o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir o litígio, se o tribunal administrativo se o tribunal arbitral do desporto, exige, a seu montante, a apreciação da natureza da relação jurídica litigada, se a administrativa ou de «carácter meramente desportivo». Ora, isto impõe uma abordagem algo complexa dos regimes jurídicos em causa, e uma interpretação e aplicação sagaz das suas normas chamadas a intervir. A solução encontrada pelo acórdão recorrido surge como pouco convincente, e, não obstante poder estar correcta, carece de um tratamento jurídico que lhe confira maior clareza, imprimindo-lhe mais certeza, até porque pôs um ponto final aos autos, considerando prejudicado todo o demais que neles pendia. A questão tem, ainda, forte pendor paradigmático, já que poderá surgir facilmente noutros casos futuros e é de toda a conveniência criar um lastro jurisprudencial para a sua correcta decisão.

Assim, quer em nome da necessidade de uma maior segurança na decisão de questão juridicamente relevante, quer em nome da necessidade de buscar uma melhor e mais clara decisão de direito, é de admitir a presente revista.

Importa, pois, quebrar neste caso a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e admitir o aqui interposto pelo A....

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.