Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0184/20.1BEAVR
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Sumário:I – Uma leitura teleológica da expressão “correcção justificada”, para efeitos do cálculo da variável S a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 15º do CIS, no âmbito da remissão do artigo 199.º-A do CPPT, exige a consideração da melhor tutela do crédito tributário.
II - É compatível com o desiderato da norma remissiva do n.º 2 do artigo 199.º-A do CPPT a leitura segundo a qual a expressão “com as correções que se revelem justificadas” permite, simultaneamente, não apenas a consideração (ou desconsideração) de factos verificados naquele exercício anterior, mas também a consideração (ou desconsideração) de factos ulteriores aquele, desde que anteriores à solicitação da constituição da garantia.
Nº Convencional:JSTA000P26222
Nº do Documento:SA2202007150184/20
Data de Entrada:06/22/2020
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............................., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações

Inconformada, a Fazenda Publica vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a reclamação apresentada por A………………, S.A., com os demais sinais dos autos, contra a decisão proferida pela Directora de Finanças Adjunta de Aveiro, que não reconheceu idoneidade à garantia oferecida para suspensão dos processos de execução fiscal n.º 0132201901120409, sendo o valor a garantir de € 760.699,79.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida considerou procedente a pretensão da Reclamante, justificando que o despacho sob escrutínio, que indeferiu a fiança prestada pela …………… S. A. não calculou devidamente o valor das participações desta sociedade, ao desconsiderar o aumento do capital ocorrido em 2019.
2. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, na avaliação das participações sociais, para o efeito de se determinar a idoneidade da fiança, a AT encontrava-se vinculada a uma fórmula matemática consagrada no artigo 15.º, n.º 3, alínea d) do CIS, aplicável nas participações que são designadas por acções, inexistindo margem para qualquer discricionariedade.
3. Este n.º 3, que diverge do n.º 1, aplicável à avaliação de participações que não sejam acções, estatui que, no cálculo das acções, relevam os resultados obtidos nas demonstrações financeiras dos dois últimos exercícios anteriores.
4. Por seu turno, a Reclamante antes sustenta que a análise da fiança não deveria ter em atenção apenas os resultados das demonstrações financeiras dos últimos dois anos, mas as informações atinentes ao ano de 2019, exercício que ainda não se tinha completado.
5. Nesse sentido, refere-se aos dois últimos balanços, expressão retirada do n.º 1 deste artigo 15.º, que nunca poderia ser aplicável à determinação do valor das ações, porquanto se reporta unicamente ao valor das quotas ou partes em sociedades que não sejam acções (o sublinhado é nosso).
6. No caso das ações, a lei diz expressamente que relevam “o valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior” (variável S) e os resultados líquidos obtidos “nos dois últimos exercícios anteriores” (variáveis R1 e R2) financeiras que não são as requeridas pelas normas legais aplicáveis, nem sequer a título complementar, ao contrário do que resulta do ponto 14.º da p. i.
8. Não influenciando os resultados líquidos dos dois anos anteriores, as demonstrações intercalares de 2019 não podem relevar para o cálculo plasmado no artigo 15.º.
9. Em nenhum momento da fórmula, a lei apela para factos posteriores aos exercícios das demonstrações aí consagradas, como a circunstância atinente ao aumento do capital evocada pelo TAF, ainda que seja um facto muito importante na esfera da sociedade fiadora.
10. As correcções aludidas pela alínea c), salvo o devido respeito, referem-se a correcções que se justifiquem ao valor contabilístico do exercício anterior, decorrentes de erros nas demonstrações financeiras consagradas pela norma, e não a factos susceptíveis de influenciarem o valor contabilístico dos exercícios posteriores, como é o aumento do capital posterior àquelas demonstrações financeiras.
11. Entende-se assim que o tribunal a quo, ao dar provimento à pretensão da Reclamante não interpretou correctamente o teor do artigo 15.º, n.º 3, alínea a), do CIS, onde se encontra plasmada a fórmula de cálculo do valor das participações sociais, porquanto teve em conta matéria factual que não é mencionada na fórmula matemática contida nesse preceito.”

I.2 – Contra-alegações
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma;
“A) Está em causa o pedido de prestação de garantia formulado em Novembro de 2019 por parte da recorrida, através de fiança constituída pela sociedade “B……………., S.A.”, que a AT recusou por considerar que a mesma não se mostra idónea para a suspensão dos processos de execução fiscal em causa;
B) No âmbito da avaliação dessa garantia e em face do disposto no nº 2 do artigo 199º-A do CPPT, “Sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo” que, a este respeito e na alínea a) do nº 3, contém uma fórmula de cálculo em que a variável S corresponde ao valor substancial da sociedade, calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício e que deve ser sujeito às correcções que se revelem justificadas;
C) Em virtude de um aumento de capital de € 500.000,00 para € 11.400.000,00 realizado no primeiro trimestre de 2019, a situação patrimonial da sociedade garante transformou-se significativamente, registando um aumento substancial do valor dos seus capitais próprios, que passaram de € -1.327.980,49 em 31.12.2018 para € 6.170.672,29 em Março de 2019 e para € 6.692.487,04 em Julho de 2019;
D) Por essa razão, esta informação e a correspondente comprovação documental foi disponibilizada à AT com o pedido de prestação de garantia, em complemento dos demais elementos contabilísticos, através da junção do Balanço Intercalar de Janeiro a Março de 2019, acompanhado da respectiva certificação legal, que evidenciam o aumento de capital realizado e a corresponde alteração dos capitais próprios e da situação líquida e, também, do Balanço de Janeiro a Julho de 2019 e das Demonstrações de Resultados de Janeiro a Março de 2019;
E) Tendo em conta que a finalidade desta avaliação é, como indica o artigo 199º-A do CPPT, determinar o valor do património da sociedade garante a partir do «valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social» e tratando-se de uma alteração substancial do valor do capital social da sociedade garante que, por ser posterior ao encerramento do último exercício, não está reflectida nas demonstrações financeiras desse ano, constituindo, porém, um facto relevante para a avaliação das suas acções e do seu património, é de considerar que esta alteração da sua situação patrimonial conduz a uma correcção que se revela justificada – no cálculo da variável S a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 15º do CIS – ao valor contabilístico apurado com base no último exercício,
F) À semelhança do que sucederia caso se tivesse verificado uma redução substancial do capital social em momento posterior ao do encerramento do último exercício;
G) Não tendo a AT levado em consideração o aumento de capital realizado em 2019 e a alteração da situação patrimonial da sociedade garante provocada pelo mesmo, na avaliação da idoneidade da fiança por si constituída, incorreu em erro sobre os pressupostos em que deve assentar essa apreciação e decisão, motivo pelo qual deve a mesma ser anulada;
H) Pelas razões expostas, a sentença recorrida não cometeu erro de julgamento nem violou qualquer disposição legal ao caso aplicável, devendo ser integralmente mantida;
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE CONFIRME A DECISÃO RECORRIDA.”
II.3Tramitação do Recurso
Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, este por acórdão, a fls. 235 a 250 do SITAF, julgou procedente a Excepção de Incompetência Absoluta do Tribunal, em razão da Hierarquia, para conhecer do presente recurso que tem exclusivo fundamento em matéria de direito, pelo que não é o TCA Norte competente para dele conhecer, pertencendo a competência à Secção de Contencioso Tributário do STA, nos termos do art. 26º, al. b), do ETAF.

I.4 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
A Fazenda Pública recorreu para o TCA Norte da sentença proferida pelo TAF de Aveiro que julgou procedente o pedido da Reclamante A…………….., S.A. com o fundamento de que o despacho que indeferiu a fiança oferecida pela B……………., S. A. não calculou devidamente o valor das participações desta sociedade ao desconsiderar o aumento do capital ocorrido em 2019.
Os autos foram remetidos ao STA por decisão de 25.05-2020 do TCA Norte que julgou procedente “a Excepção de Incompetência Absoluta do Tribunal, em razão da Hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.”
De acordo com os termos conclusivos do recurso verifica-se que a Recorrente entende padecer a sentença recorrida de erro de julgamento de direito por não ter interpretado correctamente o teor do artigo 15.º, n.º 3, alínea a), do CIS, onde se encontra plasmada a fórmula de cálculo do valor das participações sociais, ao ter em conta matéria factual que não é mencionada na fórmula matemática contida nesse preceito na interpretação do artigo 15º do CIS.
A douta sentença recorrida considerando aplicável o estabelecido no artigo 15º, nº1 al a) do CIS entendeu que a alteração da situação patrimonial da fiadora, decorrente do aumento do capital social no início do ano de 2019 se traduz-se numa correcção que se revela justificada ao valor contabilístico que seria apurado tendo por base os documentos contabilísticos respeitantes ao exercício de 2018, tendo ordenado a anulação do despacho reclamado e “ … considerando que a AT, por laborar em erro quanto ao valor substancial da sociedade garante, não teve oportunidade de se pronunciar cabalmente sobre a garantia prestada [concretamente, levando em consideração, igualmente, as deduções a que se alude no n.º 4, do artigo 199.º-A, do CPPT], determina o Tribunal, além da anulação do despacho reclamado, como já se disse, a reapreciação pela AT da idoneidade da garantia prestada, ponderando, por um lado, a alteração da situação patrimonial da fiadora, espelhada nos balanços referentes ao 1.º trimestre e ao 1.º semestre de 2019 e, por outro, as deduções previstas no artigo 199.º-A, n.º 4, do CPPT que forem aplicáveis ao caso em apreço.”.
A questão essencial a dirimir tem a ver com a interpretação do artigo 15º, nº 3, al. a) do CIS na parte em que define o factor S para determinação do valor da sociedade considerando nesse cálculo “as correcções que se revelem justificadas”.
A introdução de “correcções que se revelem justificadas” previstas na alínea a) do nº 3 do artigo 15º do CIS é em relação ao valor substancial da sociedade garante (S), que corresponde ao valor do capital próprio e que é um dos componentes da fórmula de avaliação que se vai adicionar a RI e R2.
Com efeito, estabelece o nº3 a) do artigo 15º do CIS que :
“3 - O valor das ações, títulos e certificados da dívida pública e outros papéis de crédito é o da cotação na data da transmissão e, não a havendo nesta data, o da última mais próxima dentro dos seis meses anteriores, observando-se o seguinte, na falta de cotação oficial:
a) o valor das acções é o correspondente ao seu valor nominal, quando o total do valor assim determinado, relativamente a cada sociedade participada, correspondente às ações transmitidas, não ultrapassar (euro) 500 e o que resultar da aplicação da seguinte fórmula nos restantes casos:
Va = 1/(2 x n) x [S + ((R1+R2)/2) x f]
Sendo que Va representa o valor de cada ação à data de referência das demonstrações financeiras da sociedade garante;
n é o número de acções representativas do capital da sociedade garante;
S é o valor substancial, que corresponde ao valor do Capital Próprio àquela data;
R1 e R2 são os resultados líquidos obtidos no período e no período imediatamente anterior.
Os capitais próprios representam o património de uma entidade num determinado momento e são também designados por situação líquida, correspondendo ao valor dos bens (equipamentos, existências, meios monetários, etc.) e direitos (dívidas de terceiros), deduzidos do valor das obrigações (dívidas a terceiros).
Tem sido reiterada a jurisprudência no sentido de que “sendo oferecida fiança, a idoneidade da garantia deve ser apreciada pelo órgão competente da AT caso a caso, em concreto, em face da susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido”. (cfr., designadamente, douto Acórdão do STA, de 14/03/2012 proferido no proc.º 0208/12).
Um pedido desta natureza implica saber qual o património do fiador no momento da prestação da fiança (cfr., designadamente, douto Acórdão proferido em 19.09.12, proc.º 0909/12).
Na verdade, como é referido na douta sentença recorrida, com a avaliação concreta dos bens ou direitos oferecidos como garantia, “… pretender-se-á, pois, determinar, o mais aproximadamente possível, o valor dos bens ou direitos oferecidos e a liquidez que os mesmos são susceptíveis de gerar caso seja necessário executar a garantia.
Daqui sobressai que o real valor da situação patrimonial da sociedade garante deverá ser determinado com base nos documentos contabilísticos disponíveis que estejam mais próximos da data em que foi apresentada tal garantia…”.
Estipulando a alínea a) do nº3 do artº 15º do CIS que a componente S - o valor substancial da sociedade participada - é calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão com as correcções que se revelem justificadas, afigura-se-nos correcto o entendimento vertido na sentença recorrida de que atendendo a que o pedido de suspensão do processo executivo em causa, por prestação de garantia foi apresentado em 2019 configura uma correcção justificada ao valor contabilístico apurado com base no exercício de 2018, o aumento do capital social, que passou de € 500.000,00 [em 2018] para € 11.400.000,00 [em 2019], tal como resulta da conjugação dos factos 7) e 8) da matéria assente sendo que tal aumento de capital teve como consequência que os capitais próprios da fiadora que a 31-12-2018 eram negativos [no montante de € – 1.327.908,49] passassem para € 6.170.672,29 em 31-03-2019 e para € 6.692,487,04 em 31-07-20, [vide pontos 9) a 11) da factualidade apurada].
Em consequência, em nossa opinião, não padece a sentença recorrida, de erro de julgamento de direito na interpretação das normas legais aplicáveis, devendo manter-se na ordem jurídica.
Pelo exposto, emito parecer no sentido da improcedência do recurso.

I.5 - Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
1) Por requerimento remetido sob registo postal em 20-11-2019 [vide fls. 16, numeração SITAF], veio a ora reclamante requerer a suspensão do processo executivo n.º 0132201901120409 e apensos, apresentando para o efeito, fiança constituída pela sociedade “B……….., S.A.” no valor de € 760.700,00 a favor da ora reclamante, juntando “Termo de Fiança” e “Deliberação Unânime por Escrito”, bem como o último balanço da sociedade fiadora [detentora de 95,91% do capital social da executada+, constando do “Termo de Fiança”, além do mais, que a sociedade “B………….., S.A.” «se constitui solidariamente fiador e principal pagador da dívida fiscal a que respeita o Processo nº 0132201901120409 e apensos» - cfr. resulta de fls. 6 a 14, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
2) Por requerimento remetido sob registo postal em 06-12-2019 [vide fls. 78, numeração SITAF], veio a ora reclamante juntar o Balanço conforme a IES/2018; o Balanço intercalar de Janeiro a Março/2019; as Demonstrações de Resultados de 2018 e de Janeiro a Março/2019; o Relatório de Contas de 2018 [de que fazem parte as demonstrações de fluxos de caixa; o mapa de alterações de capitais próprios; o anexo às demonstrações e a informação sobre passivos contingentes]; a certificação legal das contas de 2018; o relatório e parecer do Fiscal Único; a certificação do Balanço Intercalar de Janeiro a Março/2019 e a listagem da Central de Responsabilidades de Crédito emitida pelo Banco de Portugal reportada a Março de 2019 – cfr. resulta de fls. 18 a 76, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
3) Sobre o requerimento mencionado em 1) recaiu a seguinte INFORMAÇÃO:











(…)» - cfr. fls. 79 a 83, numeração SITAF;
4) Em 13-12-2019 pela Directora de Finanças Adjunta de Aveiro [por delegação do Director de Finanças] foi proferido o seguinte DESPACHO: «Concordo.
Pelos motivos expostos na informação infra não reconheço idoneidade à garantia oferecida para suspensão dos processos de execução fiscal identificados. Proceda-se como proposto.» - cfr. fls. 79, numeração SITAF;
5) Pelo ofício n.º 4452, de 19-12-2019 e recepcionado em 02-01-2020 foi a ora reclamante notificada do despacho mencionado na alínea antecedente – cfr. fls. 84 e 85, numeração SITAF;
6) Em 10-01-2020 foi remetido sob registo postal ao Serviço de Finanças2 de Oliveira de Azeméis a presente reclamação judicial – cfr. resulta de fls. 87 a 94 conjugado com fls. 115, numeração SITAF;
MAIS SE PROVOU QUE:
7) Até 31-12-2018 o capital social da sociedade “B……….., S.A.” correspondia ao valor de € 500.000,00 – por acordo [corroborado por fls. 23 dos autos, numeração do SITAF];
8) Desde o início de 2019 que o capital social da sociedade “B……………, S.A.” corresponde ao valor de € 11.400.000,00 *composto por 2.280.000 acções nominativas com o valor nominal de € 5,00+ – por acordo [corroborado por fls. 8, 14 e 24 dos autos, numeração SITAF];
9) Em 31-12-2018, o total dos capitais próprios da sociedade “B…………….., S.A.” ascendia ao montante *negativo+ de € 1.327.908,49 – por acordo [corroborado por fls. 23 dos autos, numeração SITAF];
10) Em 31-03-2019, o total dos capitais próprios da sociedade “B…………….., S.A.” correspondia ao montante *positivo+ de € 6.170.671,29 – por acordo [corroborado por fls. 25 dos autos, numeração SITAF];
11) Em 31-07-2019, o total dos capitais próprios da sociedade “B………………., S.A.” ascendia ao montante *positivo+ de € 6.692.487,04 – por acordo [corroborado por fls. 14 dos autos, numeração SITAF].

II.3 – De Direito
I. O presente recurso versa sobre a questão de saber como determinar, no caso da prestação de uma fiança, o valor patrimonial de um garante pessoa coletiva, estabelecendo a tal respeito o n.º 2 do artigo 199.º-A do CPPT que: “Sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo.
Por seu turno, a norma remetida estabelece: “O valor das acções, títulos e certificados da dívida pública e outros papéis de crédito é o da cotação na data da transmissão e, não a havendo nesta data, o da última mais próxima dentro dos seis meses anteriores, observando-se o seguinte, na falta de cotação oficial:
a) O valor das acções é o correspondente ao seu valor nominal, quando o total do valor assim determinado, relativamente a cada sociedade participada, correspondente às acções transmitidas, não ultrapassar (euro) 500 e o que resultar da aplicação da seguinte fórmula nos restantes casos:
Va = [1 / ( 2 x n ) ] x [ S + ( (R1 + R2) / 2 ) x f ]
em que:
Va representa o valor de cada ação à data da transmissão;
n é o número de ações representativas do capital da sociedade participada;
S é o valor substancial da sociedade participada, o qual é calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão com as correções que se revelem justificadas, considerando-se, sempre que for caso disso, a provisão para impostos sobre lucros;
R1 e R2 são os resultados líquidos obtidos pela sociedade participada nos dois últimos exercícios anteriores à transmissão, considerando-se R1 + R2 = 0 nos casos em que o somatório desses resultados for negativo, sendo f o fator de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no jornal da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão, acrescida de um spread de 4 %;”.

II. Comecemos por esclarecer que a, aparente, incoerência entre avaliar a força patrimonial de uma sociedade garante pelo valor das respetivas partes sociais apenas é compreensível quando se atenta aos termos da fórmula contida no artigo 15.º, n.º 3, alínea a) do CIS, a qual se estriba, precisamente, nos resultados líquidos da sociedade e no valor contabilístico do exercício – dados fornecidos pelo Balanço Social e que refletem devidamente a situação patrimonial da empresa fiadora.
É, portanto, sobre esta norma que cabe versar, sem deixar de se ter presente que a sua aplicação remissiva deverá sempre ocorrer, pela própria natureza das coisas, com as devidas e forçosas adaptações à situação a regular. Trata-se de um pressuposto hermenêutico que não pode deixar de ser considerado.

III. Ora, como sublinhou a sentença recorrida, também aqui recordaremos que “não há qualquer divergência entre as partes quanto à aplicação [adaptada] da fórmula prevista no artigo 15.º, n.º 3, alínea a), do CIS para aferir da suficiência da fiança prestada.
A divergência entre as partes resulta em considerar (ou não) para efeitos de avaliação da idoneidade da fiança, no que respeita à variável “S”, correspondente ao valor substancial da fiadora, o valor contabilístico apurado com base no balanço do último exercício [2018], tal como considerou a Administração Tributária, ou com base nos balanços do 1.º trimestre e do 1.º semestre de 2019, ainda assim anteriores ao pedido de suspensão do PEF mencionado em 1), posição esta assumida pela reclamante.
Em suma, enquanto a Fazenda Pública Recorrente considera que seria à data do último balanço que se determinaria sempre o valor patrimonial da sociedade fiadora, já a Recorrida sustenta (à semelhança da sentença de 1.ª Instância) que na variável S, a expressão “com as correções que se revelem justificadas permite considerar evoluções ulteriores do Balanço, desde que anteriores ao pedido de constituição da garantia pessoal ora em causa.

IV. Vejamos, a tal respeito, os dados essenciais do presente caso.
Em virtude de um aumento de capital de € 500.000,00 para € 11.400.000,00 realizado no primeiro trimestre de 2019, a situação patrimonial da sociedade fiadora transformou-se significativamente, registando um aumento substancial do valor dos seus capitais próprios, que passaram de € -1.327.980,49 (em 31 de Dezembro de 2018) para € 6.170.672,29 (em Março de 2019) e para € 6.692.487,04 (em Julho de 2019).
Considerando que o valor da dívida fiscal em execução se situa em € 760.700,00 e o aumento de capital ascende a quase € 11.000.000,00, o valor deste último (já após o último exercício) veio reforçar o património social em quase 15 vezes face ao valor da dívida objeto da fiança, sendo a relação entre Capitais Próprios e aquela dívida (a Julho de 2019) de quase 10:1.
Tratam-se de factos que não podem ser descurados, uma vez interpretada a lei: um aumento tão significativo do capital social da sociedade garante não deve ser irrelevante.
Veja-se, neste sentido, que é a própria Recorrente a reconhecer o “aumento do capital evocada pelo TAF [como] um facto muito importante na esfera da sociedade fiadora.”, embora não deixe, em paralelo, de sustentar que tal facto não pode, apesar disso, ser considerado na avaliação da sociedade fiadora, por a tal a fórmula legal obstar.
Temos, assim, a Recorrente vergada ao próprio peso de uma interpretação estrita da lei, com prejuízo notório da justiça material, e que pode, aliás (noutros circunstancialismos, não difíceis de imaginar nos tempos correntes), ser altamente prejudicial para o próprio credor tributário.

V. Cabe, portanto, decidir se o intérprete, na adaptação da norma objeto de remissão, pode sustentar a solução objeto da sentença recorrido, por consideração da alteração da situação patrimonial da sociedade garante como uma “correcção justificada”, para efeitos do cálculo da variável S a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 15.º do CIS.
Ora, e recordando que estamos perante um processo de solução por via remissiva, estamos bem em crer que tem razão a Recorrida.
Por um lado, consideramos que é, desde logo, a própria função garantística da boa cobrança do crédito tributário desempenhada pelo n.º 2 do artigo 199.º-A do CPPT que o parece exigir: o legislador não pode ter deixado, na norma remissiva, de pretender assegurar que a condição patrimonial da fiadora seja o mais sólida possível, à data da assunção daquela garantia pessoal, com isto evitando cenários que se possam revelar anacrónicos (e com prejuízo para a boa cobrança do crédito tributário) à data da efetiva prestação da fiança.
Por isso, considerar os dados da condição patrimonial desta em 2019 é, certamente, mais adequado a um tal desiderato legal do que fazê-lo relativamente ao balanço de 2018.
Por outro lado, uma leitura teleológica da expressão “correcção justificada”, para efeitos do cálculo da variável S a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 15º do CIS é perfeitamente compatível com este desiderato da norma remissiva. Com efeito, na redação daquela norma, ao considerar o valor da sociedade por referência ao “valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão com as correções que se revelem justificadas”, o legislador parece abrir lugar, simultaneamente, não apenas à consideração (ou desconsideração) de factos verificados naquele exercício (de que é, aliás, dado o exemplo das “provisões para impostos sobre lucros”), mas também à consideração (ou desconsideração) de factos ulteriores aquele, desde que anteriores à solicitação da constituição da garantia. Uns e outros podem conduzir a correções que se revelam justificadas, como forma de melhor tutelar o crédito fiscal.
É, deste modo – em atenção à finalidade da lei e não exclusivamente à sua literalidade – que se impõe interpretar um conceito vago e indeterminado como o presente conceito de “correções que se revelem justificadas”.

VI. Não se concede, por todo o exposto, razão à Recorrente.


III. CONCLUSÕES
I – Uma leitura teleológica da expressão “correcção justificada”, para efeitos do cálculo da variável S a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 15º do CIS, no âmbito da remissão do artigo 199.º-A do CPPT, exige a consideração da melhor tutela do crédito tributário.
II - É compatível com o desiderato da norma remissiva do n.º 2 do artigo 199.º-A do CPPT a leitura segundo a qual a expressão “com as correções que se revelem justificadas” permite, simultaneamente, não apenas a consideração (ou desconsideração) de factos verificados naquele exercício anterior, mas também a consideração (ou desconsideração) de factos ulteriores aquele, desde que anteriores à solicitação da constituição da garantia.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 15 de Julho de 2020. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.