Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0742/10
Data do Acordão:03/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
DESPACHO DE REVERSÃO
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
Sumário:I - A impugnação judicial é o meio processual adequado para apreciação da inexistência de facto tributário ou da ilegalidade da liquidação de juros de mora.
II - Por sua vez, é a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para contestar a ilegalidade do despacho de reversão.
III - Invocando o impugnante na sua petição de impugnação judicial factos que cabem naquelas duas formas processuais, mas tendo o impugnante declarado desistir dos factos que só podiam ser invocados na oposição, tem de prosseguir a impugnação para apreciação dos factos integradores da ilegalidade do acto tributário.
IV - É irrelevante para o caso que no pedido o impugnante se tenha referido ao despacho de reversão, quando do mesmo se infere que pretende a anulação da dívida tributária, ou seja das liquidações impugnadas.
Nº Convencional:JSTA000P12772
Nº do Documento:SA2201103300742
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, melhor identificado nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a excepção de erro na forma de processo, e, entendendo não ser legalmente possível a convolação para a forma processual adequada, absolveu a Fazenda Pública da instância, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
I) O ora recorrente intentou um processo de impugnação judicial dos fundamentos e do despacho que ordena a reversão para si da dívida exequenda da sociedade comercial “B…, Lda” proferido no processo de execução fiscal n.º 0388200601010107 contra o Serviço de Finanças de Celorico de Basto.
II) O recorrente atacou a decisão com base em quatro fundamentos essenciais, os quais fundam as quatro causas de pedir da anulação quer da própria liquidação (de IRC referentes aos anos de 2003 e 2004 e de IRS do ano de 2004 e respectivos juros de mora) quer da decisão de reversão em si mesma.
III) Com base na matéria de facto e de direito alegada destas quatro causas de pedir, o ora recorrente conclui de forma genérica e global, pedindo a anulação do despacho que determinou a reversão da suposta dívida tributária.
IV) Entendeu o Tribunal a quo que o aqui recorrente incorreu em erro na forma do processo uma vez que, no seu entendimento, a impugnação judicial não é o meio processual de reacção adequado, recomendando a oposição à execução.
V) O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão essencialmente no facto do pedido formulado nos autos ser a anulação do despacho que determinou a reversão da alegada dívida tributária.
VI) Nesta sequência, o Tribunal a quo considerou ser impossível o aproveitamento de qualquer acto processual praticado nos autos dado que, na data da apresentação da petição inicial, já havia decorrido o prazo da oposição à execução estabelecido no art.º 203, n.º 1 do C.P.P.T, absolvendo, como se disse, a Fazenda Pública da instância.
VII) Ora, os meios processuais de reacção à decisão administrativa de reversão de uma dívida tributária de uma sociedade comercial para o seu gerente/administrador, enquanto responsável subsidiário, ao dispor deste, subdividem-se em dois grupos: a reacção contra o acto tributário, questionando a origem da responsabilidade, isto é, a própria dívida, por um lado, e, por outro, contra o processo de reversão de execução fiscal, pondo em crise a verificação dos requisitos da subsidiariedade.
VIII) Além dos meios graciosos tais como a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, o meio contencioso adequado é a impugnação judicial para reagir contra a própria dívida, questionando a sua legalidade substancial ou quantitativa.
IX) Através da impugnação judicial deduzida nos autos, o ora recorrente alega nos art.º 1° a 36° da petição inicial a inexistência da própria dívida fiscal, atacando a materialidade subjacente às liquidações, objecto da execução fiscal, bem como a sua quantificação das mesmas, pondo assim em causa a origem da responsabilidade.
X) O mesmo se passa no que diz respeito à quarta e última causa de pedir em que se coloca em causa a quantificação da liquidação dos juros moratórios com base ao preceituado pelo art.º 44, n.º 2 da LGT, impugnando a liquidação e consequente reversão desses juros por um período superior a três anos.
XI) As duas restantes causas de pedir consistem, por um lado, na falta de excussão prévia do património da sociedade executada, o qual é suficiente para o pagamento da quantia exequenda (art.º 23°, n.º 2 da Lei Geral Tributária) e, por outro, a falta de verificação do requisito legal plasmado na alínea b) do n.º 1 do art.º 24° da Lei Geral Tributária, ou seja, a falta de prova do incumprimento culposo do aqui recorrente, enquanto devedor subsidiário.
XII) No que respeita à 1ª e 4ª causas de pedir, através da alegação de tais factos e de tais fundamentos legais, o recorrente pugna pela inexistência da própria dívida tributária sob reversão, rebatendo directamente as respectivas liquidações adicionais oficiosas que lhe deram origem.
XIII) Assim, quanto a estes fundamentos fácticos e legais, a forma de processo escolhida - a impugnação judicial - é o meio próprio e adequado ao fim pretendido e peticionado.
XIV) Aliás, colhidos os vistos, foi precisamente esta a sua posição do Ministério Público expressa a fls. 70 e 71 dos autos, em que conclui que é admissível a impugnação quanto a estas causa de pedir.
XV) A sentença viola o disposto no art.º 97°, 98°, 99°, 203° e 204° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
XVI) O Tribunal a quo considerou que pela formulação do pedido e pela formulação do cabeçalho em que se refere “IMPUGNAR JUDICIALMENTE tal decisão de reversão fiscal”, o que o recorrente pretendeu era tão-somente reagir contra o processo de reversão de execução fiscal em si, e não contra as liquidações na origem da responsabilidade e da dívida em execução.
XVII) Como já se disse, é evidente da alegação contida nos artºs 1° a 36° da petição inicial que a pretensão do recorrente é a apreciação da legalidade das liquidações de IRS e IRC no sentido da anulação das mesmas, pelo que não pode o Tribunal concluir que o recorrente apenas quis atacar o processo de reversão fiscal.
XVIII) Como até se reconhece na própria sentença, o meio processual adequado para o efeito, é a impugnação judicial nos termos do disposto no art.º 97°, n.º 1, al. a), art.º 99°, al. a) conjugado com o art.º 204°, al. h) e i) a contrario, todos do CPPT.
XIX) O Tribunal a quo funda a sua decisão em meros argumentos literais, fazendo tábua rasa do alegado nos art.º 1° a 36° da petição inicial, sendo certo que não é apontada na douta sentença qualquer causa determinante da ineptidão da petição inicial.
XX) Tanto mais que na sequência do douto despacho de fls. 61, o ora recorrente veio dizer claramente a fls. 75 que pretendia colocar em crise “a dívida em si, que está na origem da responsabilidade”, razão pela qual optou pela impugnação judicial - esclarecimento este que, apesar de referido na douta sentença, não foi devidamente valorado.
XXI) Apesar do pedido não se referir expressamente à anulação das liquidações, a verdade é que a anulação das liquidações determina a anulação de todos os actos subsequentes e, assim, a anulação de todo o processo de reversão fiscal.
XXII) Não existe qualquer norma ou preceito legal que imponha a previsão expressa, no cabeçalho ou no pedido formulado a final, de todo itinere ou de toda a cadeia dos actos anuláveis e a anular, nada obstando a que se peticione apenas o último deles, o qual reconduz e comporta o efeito prático pretendido, como acontece no caso dos autos.
XXIII) A anulação da reversão mais não é do que o corolário automático e lógico da anulação das liquidações que lhe estão na origem; dito de outra forma, a anulação das liquidações conduz à anulação de todos os actos subsequentes, nos quais se inclui a anulação do processo e decisão de reversão fiscal.
XXIV) Nada obsta à formulação de um pedido global e genérico, como ocorreu no caso dos autos, pelo que se impõe a revogação da douta sentença proferida.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, anulando-se a douta sentença proferida e ordenando-se a cumprimento dos normais trâmites processuais, designadamente a produção de prova, fazendo-se assim JUSTIÇA”.
2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
3. O Mº Pº emitiu o parecer constante de fls.196 e segts., no qual defende a procedência do recurso.
4. Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
5. Nos presentes autos foi entendido que a impugnação judicial não era a forma legalmente adequada ao pedido, na medida em que este visava “o despacho que determinou a reversão da alegada dívida tributária no valor de 51.536,70 euros para o impugnante”, não estando, por isso, em causa a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Deste modo, e de acordo com o pedido, a forma processual correcta seria a oposição à execução fiscal. No entanto, uma vez que a petição foi apresentada para além do prazo referido no artº 203º, nº 1 do CPPT; não é legalmente admissível a convolação.
O recorrente, por sua vez, entende que atacou a decisão com base em quatro fundamentos essenciais, os quais fundam as quatro causas de pedir da anulação quer da própria liquidação (de IRC referentes aos anos de 2003 e 2004 e de IRS do ano de 2004 e respectivos juros de mora) quer da decisão de reversão em si mesma.
E com base na matéria de facto e de direito alegada destas quatro causas de pedir, o ora recorrente conclui de forma genérica e global, pedindo a anulação do despacho que determinou a reversão da suposta dívida tributária.
Através da impugnação judicial deduzida nos autos, o ora recorrente alega nos art.º 1° a 36° da petição inicial a inexistência da própria dívida fiscal, atacando a materialidade subjacente às liquidações, objecto da execução fiscal, bem como a sua quantificação das mesmas, pondo assim em causa a origem da responsabilidade.
O mesmo se passa no que diz respeito à quarta e última causa de pedir em que se coloca em causa a quantificação da liquidação dos juros moratórios com base ao preceituado pelo art.º 44, n.º 2 da LGT, impugnando a liquidação e consequente reversão desses juros por um período superior a três anos.
As duas restantes causas de pedir consistem, por um lado, na falta de excussão prévia do património da sociedade executada, o qual é suficiente para o pagamento da quantia exequenda (art.º 23°, n.º 2 da Lei Geral Tributária) e, por outro, a falta de verificação do requisito legal plasmado na alínea b) do n.º 1 do art.º 24° da Lei Geral Tributária, ou seja, a falta de prova do incumprimento culposo do aqui recorrente, enquanto devedor subsidiário.
No que respeita à 1ª e 4ª causas de pedir, através da alegação de tais factos e de tais fundamentos legais, o recorrente pugna pela inexistência da própria dívida tributária sob reversão, rebatendo directamente as respectivas liquidações adicionais oficiosas que lhe deram origem.
Assim, quanto a estes fundamentos fácticos e legais, a forma de processo escolhida - a impugnação judicial - é o meio próprio e adequado ao fim pretendido e peticionado.
O Tribunal a quo considerou que pela formulação do pedido e pela formulação do cabeçalho em que se refere “IMPUGNAR JUDICIALMENTE tal decisão de reversão fiscal”, o que o recorrente pretendeu era tão-somente reagir contra o processo de reversão de execução fiscal em si, e não contra as liquidações na origem da responsabilidade e da dívida em execução.
Como já se disse, é evidente da alegação contida nos artºs 1° a 36° da petição inicial que a pretensão do recorrente é a apreciação da legalidade das liquidações de IRS e IRC no sentido da anulação das mesmas, pelo que não pode o Tribunal concluir que o recorrente apenas quis atacar o processo de reversão fiscal.
Como até se reconhece na própria sentença, o meio processual adequado para o efeito, é a impugnação judicial nos termos do disposto no art.º 97°, n.º 1, al. a), art.º 99°, al. a) conjugado com o art.º 204°, al. h) e i) a contrario, todos do CPPT.
Tanto mais que na sequência do douto despacho de fls. 61, o ora recorrente veio dizer claramente a fls. 75 que pretendia colocar em crise “a dívida em si, que está na origem da responsabilidade”, razão pela qual optou pela impugnação judicial - esclarecimento este que, apesar de referido na douta sentença, não foi devidamente valorado.
Apesar do pedido não se referir expressamente à anulação das liquidações, a verdade é que a anulação das liquidações determina a anulação de todos os actos subsequentes e, assim, a anulação de todo o processo de reversão fiscal.
A anulação da reversão mais não é do que o corolário automático e lógico da anulação das liquidações que lhe estão na origem; dito de outra forma, a anulação das liquidações conduz à anulação de todos os actos subsequentes, nos quais se inclui a anulação do processo e decisão de reversão fiscal.
No seu parecer de fls. 196 e segs., o MºPº pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, louvando-se nos seguintes argumentos:
O recorrente questionou na impugnação judicial a legalidade da dívida exequenda (artºs 1º a 36º).
Embora com equívoca formulação, o pedido de anulação do despacho de reversão deve ser interpretado como meramente consequencial do pedido de anulação dos actos tributários de anulação de IRC.
O esclarecimento prestado mediante o requerimento apresentado em 05.04.2010, deve ser interpretado à luz de uma eventual cumulação ilegal de impugnações de actos tributários de liquidação e de anulação de despacho de reversão.
Na verdade, o requerente (ora recorrente) pretende o prosseguimento dos autos quanto à impugnação de IRC dos anos de 2003 e 2004. Deste modo, o tribunal deve apreciar o fundamento invocado adequado à impugnação judicial e desprezar os fundamentos invocados, específicos da ilegalidade do despacho de reversão, cuja apreciação deve ser efectuada na oposição à execução fiscal segundo doutrina qualificada e jurisprudência consolidada.
Vejamos então se o recurso deve ou não proceder.
5.1. Na sua petição inicial (fls. 31 e segs.), o recorrente veio “Impugnar judicialmente tal decisão de reversão (proferida no processo de execução fiscal nº 038820060101017) contra o Serviço de Finanças de Cabeceira de Basto”, terminando com o seguinte pedido:
Termos em que deve ser recebida a presente impugnação judicial do despacho que determinou a reversão alegada da dívida tributária no valor de 51.536,70 euros para o aqui impugnante, por contrária à lei e, em consequência, ser a mesma anulada”.
No articulado da mesma petição o recorrente veio invocar:
a) A inexistência da dívida fiscal (artºs 1º a 36º),
b) Ilegalidade dos juros de mora (artºs 57º e 58º);
c) Inexistência do requisito do nº 2 do artº 23º da LGT (v. artigos indicados na alínea B) da petição);
d) Inexistência do requisito da alínea b) do nº 1 do artº 24º da LGT (v. artigos indicados na alínea C) da petição).
5.2. Ora, como bem refere o MºPº no seu citado parecer, o meio legal adequado para impugnar o despacho de reversão é o processo de execução fiscal (neste sentido v. Jorge Lopes de Sousa – CPPT Anotado e Comentado-5ª edição - Vol II, pág. 355 e, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal e Secção, de:
- 29.06.2005, proferido no Recurso nº 501/05;
- 08.03.2006, proferido no Recurso nº 1249/05;
- 04.06.2008, proferido no Recurso nº 76/08;
- 25.06.2008, proferido no Recurso nº 123/08;
- 19.11.2008, proferido no Recurso nº 711/08;
- 27.05.2009, proferido no Recurso nº 448/09).
Porém, já o meio processual adequado para atacar a inexistência da dívida fiscal e respectivos juros é a impugnação judicial, de acordo com os artºs 99º e segs. do CPPT.
5.3. O recorrente invocou a ilegalidade das liquidações por entender que, ao contrário do decidido pela Administração Tributária, as facturas alegadamente falsas correspondem a serviços prestados, tendo indicado prova testemunhal e documental. Deste modo, está invocada a inexistência de facto tributário.
Sendo assim, e tendo ainda em atenção que no seu requerimento de fls. 75 declarou que desiste do pedido “referente a IRS, devendo prosseguir os autos apenas quanto à impugnação de IRC dos anos de 2003 e 2004”, a impugnação tem de ser apreciada nesta parte, uma vez que para este pedido esta é a forma processual adequada.
É certo, como refere o MºPº, que o pedido final do recorrente não prima pela clareza. No entanto, infere-se da sua parte final que o recorrente pretende a anulação da dívida tributária, ou seja das liquidações (“ … dívida tributária no valor de 51.536,70 euros para o aqui impugnante, por contrária à lei e, em consequência, ser a mesma anulada”).
Pelo que ficou dito, o recurso merece procedência.
6. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a substituição por outra que determine a ulterior tramitação processual da impugnação (com produção de prova ou decisão de mérito), se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Março de 2011. - Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.