Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:061/12
Data do Acordão:02/15/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
SUBIDA DA RECLAMAÇÃO
REGIME DE SUBIDA
SUBIDA IMEDIATA
Sumário:I - A compreensão do conceito de «prejuízo irreparável», susceptível de fazer subir imediatamente a reclamação prevista no artigo 276º do CPPT, tem que ser vista à luz da irreversibilidade sobre os interesses do executado dos efeitos produzidos pelo acto reclamado até ao termo do processo executivo.
II - A continuação da execução fiscal, numa situação em que há possibilidade da dívida estar prescrita, permite prognosticar a ocorrência de prejuízos irreversíveis, pelo que a reclamação deve subir imediatamente.
Nº Convencional:JSTA00067411
Nº do Documento:SA220120215061
Data de Entrada:01/24/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART278 ART276 ART169 ART175 ART204 N1 A
CONST76 ART20 N4 ART268
CPC96 ART691 N2 ART724 N2
LGT98 ART103 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC229/06 DE 2006/08/09; AC STAPLENO PROC459/11 DE 2011/07/06; AC STA PROC58/08 DE 2008/03/06
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. A……, Lda., melhor identificada nos autos, interpõe recurso jurisdicional do despacho do juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que não admitiu a subida imediata da reclamação que, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, deduziu do despacho do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda.
Para tal, nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
1. Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao douto Tribunal “a quo” que fundamenta o indeferimento da subida imediata da reclamação apresentada, por falta de invocação pela recorrente de factos que sustentem a existência de um prejuízo irreparável.
2. O Douto Tribunal “a quo” pode ou não concordar com a argumentação usada, pode ou não entender a mesma como suficiente, o que não pode é fazer como fez e dizer que a mesma é inexistente.
3. É que contrariamente ao referido na douta sentença recorrida a recorrente na reclamação que apresentou fundamentou de facto e de direito a subida imediata da reclamação, invocando, em suma que: - os bens penhorados e que consequentemente serão vendidos, garantem uma dívida inicial de €71.559,55, quando a mesma actualmente, a existir, no que não se concede, é de €21.076,06, ou seja 33% do seu valor, pelo que é desproporcional; - a venda do bem imóvel penhorado para garantia de €71.559,55, atendendo às péssimas, mas sobejamente conhecidas, condições do mercado imobiliário será, com toda a certeza, efectuada por valor muito abaixo do seu valor real e para pagamento de uma dívida de €21.076,06.
4. Pelo que, pese embora o Estado até pode devolver à recorrente o valor pago a título de quantia exequenda se esta for havida como prescrita, mas nunca devolverá à recorrente, nem a propriedade dos bens vendidos, nem o diferencial do valor da venda do prédio que obteria em condições normais de Mercado.
5. Acresce que há muito que é entendimento unânime do douto Tribunal “ad quem” que independentemente da alegação e prova de prejuízo irreparável, devem subir de imediato as reclamações cuja subida deferida lhes retiraria toda a utilidade.
6. Entendimento este imposto pelo n.º 4, do art. 268° da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a interpretação literal do disposto no art. 278° CPPT seria inconstitucional por violação do princípio da tutela judicial efectiva. “Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade” in Ac. STA de 29.07.2009, proc 589/09 — veja-se a este propósito, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 21/07/2004, no processo n° 0819/04; de 7/12/2004, no proc. n° 1216/04; de 2/03/2005, no proc. n° 10/05; de 18/01/2006, no proc. nº 1202/05; de 15/02/2006, no proc. n° 41/06; de 9/08/2006, no proc. n° 229/06; de 16/08/2006, no proc. n° 689/06; de 23/05/2007, no proc. n° 374/07; de 9 de Janeiro de 2008, no proc. n.° 738/07, de 6 de Março de 2008, no proc. n° 058/08; 29/10/2010 e ainda proc. n.° 678/07, de 29 de Setembro de 2010.
7. Ora, tal como supra se mencionou e se alegou em sede de reclamação, a subida deferida da reclamação apresentada torná-la-á absolutamente inútil uma vez que, o que a mesma visa impedir é a delapidação excessiva por um valor irrisório do património da recorrente, para pagamento de uma dívida inexigível.
8. O resultado da venda imediata dos bens penhorados é irreversível e de impossível de reparação como supra de referiu, sendo que a hipotética devolução do valor pago, de modo algum pode ser entendida como uma reparação.
9. Tal como se referiu a subida deferida da reclamação, ao não evitar a venda de bens da recorrente, torna-a perfeitamente inútil, veja-se a esse propósito o referido no Ac. 09.08.2006, no proc. 229/2006: “É certo que, podendo a questão da prescrição ser a todo o momento apreciada (e reapreciada, pois que se trata de matéria sujeita à dinâmica que lhe imprime o decurso do tempo), a decisão da reclamação do despacho que a não ditou sempre mantém o seu efeito útil, quer suba num dado momento, quer noutro posterior — vd., a propósito, o artigo 175° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Mas isto em abstracto; porque, realizada a venda, breve se alcança o fim da execução pelo pagamento e depois, não pode ter lugar uma segunda extinção pela prescrição. Deste modo, o diferimento da subida da reclamação torna previsivelmente inútil a decisão judicial que sobre ela recair, ao não evitar a venda dos bens da reclamante”.
10. De facto, a jurisprudência tem sido unânime no sentido que as reclamações de decisões de não reconhecimento da prescrição de uma dívida tributária devem subir de imediato e não em deferido, a final (vide Ac. STA, 27.07.2011, proferido no processo n.º 347/11 e, bem assim o proferido em 06.07.2011, no proc. 459/ 11).
11. Mais, este ultimo acórdão, proferido em 06.07.2011, no proc. 459/11, numa situação em tudo semelhante à dos autos, é inequívoco: “Também no caso concreto, invocada a prescrição da dívida exequenda, não faz sentido nem é razoável conhecer só desta a final, prosseguindo com a execução para a cobrança desta, penhorando bens ou vendendo estes, sem qualquer utilidade se acaso a dívida estiver mesmo prescrita e podendo-se evitar a prática de eventuais actos lesivos e a verificação de prejuízos para a executada, ainda mais completamente desnecessários por a dívida exequenda se mostrar garantida (v. alínea d) do probatório).”
12. Pelo que: “Sob pena de violação do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos, constitucionalmente garantido, cujo alcance não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível, impõe-se a subida imediata da reclamação judicial para apreciação da prescrição da dívida exequenda. Doutro modo, seria desproporcional exigir à reclamante que suporte os prejuízos resultantes da prossecução duma execução que visa a cobrança de uma dívida que pode ser inexigível, por força da prescrição invocada, e que se mostra garantida daí que deva, por isso, seguir-se a jurisprudência deste STA que, ainda que sem tomada de posição expressa sobre a questão, tem vindo a admitir pacificamente a subida imediata de reclamações de decisões de não reconhecimento da prescrição da dívida exequenda (v. acórdãos de 9/8/2006, 22/11/2011, 2/3/2001, 24/2/2011 e 9/2/2011, nos recursos nºs 229/06, 165/11, 125/11, 50/11 e 1054/10, respectivamente)”.
1.2. O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso porque (i) “a recusa de apreciação imediata da legalidade da decisão do órgão da execução fiscal que não declarou a prescrição da dívida exequenda implicaria o prosseguimento da execução fiscal com a penhora e venda dos bens da executada, sem qualquer utilidade no caso de ulterior declaração judicial de prescrição, e de forma absolutamente desnecessária em face da prestação de garantia adequada (informação fls. 121); (ii) a subsequente extinção da execução pelo pagamento integral da dívida exequenda impossibilitaria uma posterior extinção com fundamento em prescrição; (iii) o prosseguimento da execução visando a cobrança coerciva de uma dívida garantida e de exigibilidade controvertida, na sequência da invocação da prescrição, constituiria violação do princípio da proporcionalidade, a observar na actuação dos órgãos administrativos (art. 266° nº 2 CRP)”
2. A decisão recorrida tem o seguinte teor:
A……,Lda., vem, ao abrigo do disposto no art. 276°, n.º 3, do CPPT, reclamar do despacho do órgão de execução fiscal que decidiu pela não verificação da prescrição.
O art. 276°, do C.P.P.T., dispõe que as decisões proferidas pelo O.E.F. e outras autoridades da A.T. que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.
Por sua vez, dispõe o art. 278°, do CPPT que o Tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.
Em contrapartida, dispõe o n.º 3, daquela norma, que a reclamação subirá de imediato nas situações em que se fundamente em prejuízo irreparável.
Ora, é necessário, além do mais, que na sua reclamação, o interessado, invoque prejuízo irreparável.
Assim, o reclamante que pretenda a subida imediata deverá invocar a existência de um prejuízo irreparável.
No caso sub judicio, verificamos que o recorrente não alega qualquer facto que sustente a existência de um prejuízo irreparável que justifique a subida imediata da presente reclamação.
Logo, entendendo-se que a subida imediata da reclamação está, sempre, dependente do ónus de alegação e prova, que incumbe ao reclamante, da factualidade pertinente e susceptível de importar a verificação de prejuízo irreparável, sob pena daquela subida apenas ocorrer de acordo com o referido regime/regra o que no presente caso não sucedeu não pode a reclamação ser conhecida de imediato.
E analisando ainda a causa de pedir, em abstracto, entendemos que no caso, não se verifica o «prejuízo irreparável» legalmente exigido para o conhecimento imediato da reclamação, pois que, não é «irreparável» o prejuízo decorrente do pagamento que os executados, ora recorrentes, venham a ter de realizar de quantias exequendas cujas obrigações estejam efectivamente eivadas de prescrição — pois que, nesta hipótese, sempre haveria lugar à restituição do pagamento indevido por não ser caso de cumprimento espontâneo de uma obrigação mas antes de cobrança coerciva.
Pelo exposto, rejeito a subida imediata da presente reclamação devendo a mesma ser devolvida ao O.E.F., para prosseguimento da execução, subindo a final.
Custas pelo Autor, fixando a respectiva taxa de justiça pelo mínimo legal”
3. A decisão recorrida considerou que o tribunal não deve tomar conhecimento imediato da reclamação que a ora recorrente efectuou da decisão do órgão de execução fiscal que inferiu o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda, porque (i) “o recorrente não alega qualquer facto que sustente a existência de um prejuízo irreparável”, e porque (ii) “não é «irreparável» o prejuízo decorrente do pagamento que os executados, ora recorrentes, venham a ter de realizar de quantias exequendas cujas obrigações estejam efectivamente eivadas de prescrição — pois que, nesta hipótese, sempre haveria lugar à restituição do pagamento indevido por não ser caso de cumprimento espontâneo de uma obrigação mas antes de cobrança coerciva”.
A recorrente não se conforma com esta decisão por entender que invocou factos concretos demonstrativos do “prejuízo irreparável”, e que a subida diferida da reclamação, ao não evitar a venda imediata dos bens penhorados, torna a reclamação perfeitamente inútil e torna irreversível a reparação dos prejuízos por ela causados.
Efectivamente, a recorrente tem razão.
Pelo que diz respeito à alegação do «prejuízo irreparável», a condição essencial para o conhecimento imediato da reclamação, não há qualquer dúvida que a recorrente no capítulo IV do requerimento inicial expôs, de forma compreensível e suficiente, os factos que, na sua opinião, consubstanciam um dano irreparável, caso a reclamação só seja conhecida no final do processo executivo. Com efeito, alega que (i) a dívida exequenda, em consequência de parte das liquidações, ficou reduzida a €21.076,061, com uma garantia que foi prestada para o valor de €71.559,55; (ii) se a execução prosseguir, apesar da prescrição da dívida, o seu património dado como garantia, composto por um imóvel e por bens móveis, será vendido por um valor inferior ao valor, atendendo às péssimas condições de mercado; (iii) nessa eventualidade, a reclamação será perfeitamente inútil e desprovida de nexo, uma vez que será impossível a real reparação dos prejuízos que a venda judicial lhe causará.
Daí que não haja sequer que se levantar o problema da falta de alegação do prejuízo irreparável e que, por consequência, se esteja perante um erro de julgamento.
No tocante à efectiva comprovação do prejuízo irreparável, atendendo sobretudo ao significado global que a jurisprudência vem dando a esse conceito, quer-nos parecer que a decisão recorrida não escapa à crítica que a recorrente lhe faz.
A regra geral, constante do nº 1 do artigo 278º do CPPT, é que as reclamações das decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que no processo afectem os direitos e interesses legalmente protegidos do executado ou outros interessados apenas sobe ao tribunal tributário após a realização da penhora e da venda.
Só assim não ocorre quando, nos termos nº 3 daquele artigo, a reclamação se fundamentar em «prejuízo irreparável», causado pelos actos e ilegalidades nele enunciados, ou seja, prejuízo causado por penhora indevida ou imposição de garantia superior à devida. A «subida imediata» do processo incidental previsto no nº 2 do artigo 278º do CPPT tem pois por fundamento a existência: (i) de um acto lesivo de posições jurídicas processuais do executado; (ii) cuja ilegalidade pode causar prejuízos irreparáveis, se não for imediatamente eliminada.
Todavia, como diversas vezes tem sido considerado pela jurisprudência deste Tribunal, esses não são os únicos actos que identificam ou delimitam o objecto do processo de impugnação imediata previsto no nº 3 do art. 278º do CPPT. Tratando-se de «actos materialmente administrativos» (nº 2 do artigo 103º da LGT), que «afectam os direitos e interesses legítimos» que o executado pode fazer valer no processo (art. 276º do CPPT), não pode deixar de se interpretar extensivamente o nº 3 do artigo 278º, de modo a abranger também os demais actos causadores de prejuízos irreversíveis aos direitos e interesses legalmente protegidos do executado.
Na verdade, não deixaria de constituir uma restrição inadmissível aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e da garantia da via judiciária (cfr. art. 20º e nº 4 do art. 268º da CRP) se o conhecimento da impugnação de um acto lesivo praticado pelo órgão de execução fiscal fosse postergado para um momento em que os seus efeitos já se consumaram. Ora, a forma de evitar que tais actos criem situações de facto consumado ou de prejuízo irreparável é conhecer imediatamente do mérito da impugnação e não diferir a sua apreciação para o final do processo.
Sendo esse o espírito do nº 3 do art. 278º do CPPT, então há que alargar a sua norma, porventura fechada numa perspectiva casuística, a todas as reclamações cuja retenção tornaria irreparável ou irreversível a efectivação dos direitos e interesses do executado (cfr. acs. do STA. de 27/7/05, rec. nº 0897/05, de 16/8/2006, rec nº 06896, de 23/5/07, rec. nº 0374/07, de 28/11/2007, rec. nº 098/07, de 6/3/08, rec. nº 058/08 e do Pleno do CT, de 6/7/11, rec. nº 0459/11).
Ora, a jurisprudência deste Tribunal também tem vindo a considerar, por analogia com o então nº 2 do art. 724º do CPC (actual alínea m) do nº 2 do art. 691º), que a «inutilidade absoluta» resultante da subida diferida da reclamação é um conceito relacionado com a irreparabilidade do prejuízo, pois «é seguro que o legislador não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja retenção pode originar prejuízos» (cfr. Ac. de 8/6/2006, rec. nº 0229/06, de 23/5/2007, rec. nº 0374/07, de 6/3/2008, rec. nº 058/08).
Por conseguinte, só há prejuízo irreparável quando a retenção da reclamação a torne absolutamente inútil para os direitos e interesses que reclamante pretende assegurar na execução. Isso obriga, por vezes, a ter que se fazer um juízo de prognose, de forma a prever se é ou não provável que da retenção da reclamação não advenham quaisquer vantagens para o reclamante, por a revogação da decisão reclamada já não provocar quaisquer efeitos práticos. Portanto, movemo-nos num contexto de causalidade hipotética, num cenário em que se avaliam as consequências de só se conhecer a reclamação depois de realizada a venda e se comparam situações jurídicas, uma actual e outra virtual.
Tal comparação não pode ser feita apenas com base num critério de avaliação económica do dano e da reparação ou indemnização pecuniária a posteriori, como se fez na sentença recorrida. É evidente que, se o acto reclamado for anulado após a venda dos bens penhorados e o pagamento da quantia exequenda, a administração tributária poderá quantificar o prejuízo do executado, substituindo a reparação in natura por uma compensação indemnizatória em dinheiro, desde que se parta do principio da presunção da solvência da Administração.
Mas a possibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos pode não atender verdadeiramente aos interesses do executado/reclamante. A sua posição jurídica subjectiva, sobre a qual se projectam os efeitos do acto reclamado ilegal, pode não ser suficientemente acautelada através do pagamento de uma indemnização pecuniária. É que o interesse na apropriação de um certo e determinado bem só se satisfaz com a reintegração in natura dos bens vendidos, o que pode já não ser possível se a reclamação só for decidida no fim do processo. Considerando os efeitos reais inerentes à venda executiva, o executado corre o risco de ser privado de um bem que tem interesse em usar, fruir e dispor, um bem que lhe dá segurança económica, com as vantagens não económicas que indelevelmente lhe andam ligadas.
Ora, em certos casos, pode ser difícil restaurar «in natura» os prejuízos causados ao executado pela venda judicial, sem que a compensação económica se mostre adequada a satisfazê-los. Por isso, a compreensão do conceito de «prejuízo irreparável», susceptível de fazer subir imediatamente a reclamação, tem que ser vista à luz da irreversibilidade sobre os interesses do executado dos efeitos produzidos pelo acto reclamado até ao termo do processo executivo.
Assim acontece quando, perante a possibilidade da dívida exequenda estar prescrita, se deixa prosseguir o processo executivo para a fase da venda dos bens penhorados.
Nos autos de execução fiscal, a executada indicou à penhora um terreno destinado a exposições comerciais e várias máquinas de reparação de automóveis. Se tais bens forem vendidos a terceiros, mesmo que por hipótese a venda pudesse ser anulada, o desapossamento de tais bens, ainda que temporário, pode gerar prejuízos dificilmente reparados ou compensados. Basta pensar nos danos que eventualmente podem advir à sua actividade comercial com a privação das máquinas e do terreno para exposição dos bens do seu ramo comercial. A própria venda executiva, pela exposição pública que tem, não deixa de ser um acto que em si e por si pode afectar situações economicamente vantajosas ou meros valores de acreditamento ou de fama, como são as relações de facto com os clientes, fornecedores, financiadores (o avviamento), a clientela, o nome e a imagem do estabelecimento comercial, situações e valores que são insusceptíveis de exacta avaliação pecuniária.
A continuação da execução fiscal, num contexto em que há possibilidade da dívida estar prescrita, permite prognosticar a ocorrência dessa espécie de prejuízos. Ora, se é provável ou verosímil que eles ocorram, o mais racional e adequado é tomar imediatamente conhecimento da reclamação e decidir se a dívida que se pretende cobrar está ou não prescrita. De outro modo, realizada a venda dos bens penhorados, a eficácia real da sentença anulatória do acto reclamado, que implica a extinção da execução por prescrição, não conseguirá eliminar todos os prejuízos entretanto causados, incluindo neles a possível extinção da execução pelo pagamento.
Daí que se deva continuar a seguir-se a jurisprudência deste Tribunal, produzida sobre esta mesma questão, sempre no sentido da subida imediata da reclamação, seja porque “o deferimento da subida da reclamação torna previsivelmente inútil a decisão judicial que sobre ela recair, ao não evitar a venda dos bens da reclamante” (cfr. ac. do STA de 9/8/2006, rec nº 0229/06) seja porque “não faz sentido nem é razoável conhecer só desta a final, prosseguindo com a execução para cobrança desta, penhorando bens ou vendendo estes, sem qualquer utilidade se acaso a dívida estiver mesmo prescrita e podendo-se evitar a prática de eventuais actos lesivos e a verificação de prejuízos para a executada, ainda mais completamente desnecessários por a dívida exequenda se mostrar garantida” (cfr. ac de 6/7/2011, rec. nº 0459/11).
Se bem repararmos, se a prescrição tivesse sido invocada como fundamento de oposição à execução, uma vez que a penhora garante a totalidade da dívida exequenda, a execução ficaria suspensa até à decisão da oposição (al. d) do nº 1 do art. 204º e nº 1 do art. 169º do CPPT). Mas, como se tratar de uma questão de conhecimento oficioso (art. 175º da CPPT), o executado pode suscitá-la a todo o tempo, mesmo que tenha caducado o direito a deduzir a oposição, o que bem se compreende, na medida em que a prescrição depende do decurso do tempo. Ora, não há fundamento razoável para que se dê a suspensão da execução se o decurso do tempo ocorreu até ao prazo da oposição, quando lhe servir de fundamento, e não suspendê-la quanto suscitada ao órgão de execução fiscal após esse prazo. Em ambas a situações, o que está em causa é a mesma questão: extinguir a execução por prescrição da dívida exequenda. Questão que se impõe decidir imediatamente, para que se evitem prejuízos irreparáveis ao executado.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos para que aí se conheça, de imediato, da reclamação judicial apresentada.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.