Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01838/17.5BELSB
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INSPECTOR TRIBUTÁRIO
ESTAGIO PROFISSIONAL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por não se vislumbrar a sua importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P28645
Nº do Documento:SA12021120901838/17
Data de Entrada:11/30/2021
Recorrente:A........
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A………… - autor desta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão do presente «recurso de revista», do acórdão do TCAS, de 23.09.2021, que negou provimento à sua «apelação» e manteve a sentença do TAC de Lisboa - de 24.03.2021 - que havia julgado improcedente a impugnação que interpusera do despacho nº300/2017-XXI - datado de 12.07.2017 - do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que lhe indeferiu recurso hierárquico do despacho de 19.05.2017, da Directora-Geral da Autoridade Tributária [AT], que homologou a lista de classificação final do estágio para ingresso na categoria de inspector tributário, nível I do grau 4, da carreira de inspecção tributária do mapa de pessoal da Autoridade Tributária e Aduaneira - realizado no âmbito do concurso interno aberto por Aviso nº15564/2012, publicado no DR, 2ª série, nº225, de 21.11.2012.
Defende que a revista interposta - e que pretende ver admitida - se mostra necessária a uma melhor aplicação do direito, e é relativa a uma questão que considera de «importância fundamental».

A entidade recorrida - «AT- Autoridade Tributária e Aduaneira» - defende, por sua vez, nas respectivas contra-alegações, que a «revista» não deve ser admitida por «não estarem preenchidos os pressupostos legalmente exigidos» para o efeito.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O pedido formulado pelo autor, tendo como objectivo central a impugnação do acto que manteve a homologação da lista de classificação final supra identificada [ver ponto 1], desdobra-se, porém, nestes pedidos parcelares: - revogação [sic] do despacho de 12.07.2017; - alteração da cotação atribuída à questão nº4, do 2º teste de conhecimentos, de avaliação do seu estágio, alterando-se a classificação de 16,50 para 17,00 valores; - alteração da avaliação do desempenho do seu estágio para 20,00 valores, ou, pelo menos, 19,20 valores, ou, em alternativa, substituir a avaliação do desempenho de estágio pela sua avaliação de serviço do ano anterior à conclusão do mesmo - 19,07 valores; - alteração da lista de classificação final de estágio; - facultar-lhe a possibilidade de optar pela sua afetação a uma das unidades orgânicas pertencentes aos Serviços Centrais da AT; - condenação do réu a pagar-lhe indemnização correspondente a uma quantia nunca inferior a 10 000,00€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos; - condenação do réu em todas as demais despesas resultantes da avaliação de estágio.

O tribunal de 1ª instância - que procedeu à «convolação» dos autos num processo relativo ao «contencioso de procedimentos de massa» [artigo 99º do CPTA] - apreciou todos os fundamentos invocados pelo autor, para alicerçar o seu «pedido», e julgou-os improcedentes.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento à sua «apelação», tendo, para tal efeito, apreciado e julgado improcedentes os seguintes erros de julgamento apontados à sentença recorrida: - «erro de julgamento de facto» uma vez que o apelante pretendia ver aditados quatro pretensos factos ao acervo provado; - «erro de julgamento de direito» na decisão da questão nº4, do 2º teste de conhecimentos, por violação do artigo 63º-B, nº2 e nº5, da Lei Geral Tributária, bem como na decisão da pretendida correcção da avaliação da competência comportamental, e, ainda, na decisão sobre a alegada violação do princípio da igualdade, ao ser afastada a aplicação dos artigos 30º, nº3 alínea a), nº5 e nº6, do DL nº557/99, de 17.12, e 12º, nº2, do Regulamento de Estágio aplicável ao caso.

Novamente o autor, e apelante, discorda, e, na sua pretensão de «revista», imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento «no tocante à invocada violação do princípio da igualdade, da segurança e irretroactividade normativa», atenta a interpretação jurídica realizada dos «artigos 30º, nº3, alínea a), nº5 e nº6, do DL nº557/99, de 17.12, 12º, nº2, do Regulamento de Estágio, 3º, nº1, do DL nº17/2017, de 10.02, e 2º do Despacho 1552-A/2017, de 14.02». Sublinha que viu alterado o critério de classificação do seu estágio muito depois da conclusão do mesmo e na fase terminal do concurso, o que resultou, a seu ver, «numa clara violação de expectativas seguras e legitimamente fundadas, por via do regime normativo em vigor antes e durante o período de estágio. E termina pedindo ao tribunal de revista que substitua a sua avaliação de desempenho de estágio pela avaliação de serviço do ano anterior à conclusão do mesmo, alterando, assim, a cotação da avaliação de desempenho do estágio para 19,07 valores, e a lista de classificação final do mesmo, com os respectivos efeitos em sede de colocação nos Serviços Centrais da AT.

Mas a verdade é que a argumentação vertida pelo agora recorrente nas suas alegações não é susceptível de arredar o mérito interpretativo do entendimento que foi adoptado quer pela entidade demandada - AT - quer pelos dois tribunais de instância - TAC e TCAS -, o qual não aparenta padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, uma vez que o seu discurso fundamentador está, no essencial, alicerçado numa interpretação cuidada, coerente e razoável das regras e dos princípios de direito, aplicáveis ao caso, e, ainda, em jurisprudência deste Supremo e do Tribunal Constitucional.

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

Mostrando-se a decisão das instâncias, e, mormente a do acórdão recorrido, razoável e juridicamente aceitável, é evidente que não emerge, nos termos assinalados, a «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito».

A jurisprudência desta «Formação» tem considerado também, que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência ou da doutrina. E que a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

No presente caso, sendo certo que estamos perante um processo do «contencioso de procedimentos de massa» [artigo 99º do CPTA], a verdade é que a questão, ainda litigada, e que se nucleariza no alegado desrespeito por princípios jurídicos - «igualdade, segurança e irretroactividade normativa» - não se mostra deveras complexa, como o demonstra, aliás, a solução jurídica lógica e aceitável das instâncias. E, atento o circunstancialismo do caso em termos factuais e jurídicos, não se vislumbra a sua vocação paradigmática.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto por A………..

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.