Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0593/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
ILEGALIDADE ABSTRACTA
LIQUIDAÇÃO
Sumário:O acto de liquidação efectuado em aplicação de deliberação autárquica nula, inexistente ou inconstitucional padece de ilegalidade abstracta – arts. 286.º, n.º 1, al. a) do CPT e 204.º, n.º 1 do CPPT -, que, nos casos de cobrança coerciva, pode ser invocada até ao termo do prazo de oposição à execução fiscal, mesmo que posteriormente ao de impugnação de actos anuláveis mas nunca, consequentemente, a todo o tempo.
Nº Convencional:JSTA000P14928
Nº do Documento:SA2201211280593
Data de Entrada:05/28/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 27 de Fevereiro de 2012, que, nos autos de impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra a liquidação e cobrança de “encargo de compensação por melhor aproveitamento de lote” no valor de 18.175.500$00, julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu da instância a Câmara Municipal de Lisboa.
O recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A – A nossa Lei Fundamental consagra os princípios da legalidade e da reserva material em matéria de criação de impostos;
B – Tanto significa que a liquidação e cobrança de impostos estejam previstas em leis da Assembleia da República, ou Decretos Leis do Governo mediante prévia autorização parlamentar;
C – O Estado de Direito tem por objectivo imediato realizar a justiça material através do ordenamento jurídico vigente.
D – Incumbe ao Estado a iniciativa de promover a anulação de impostos indevidamente cobrados;
E – O recebimento por parte do Estado ou das autarquias Locais de impostos ou taxas que não sejam devidos reconduz-se a uma situação de enriquecimento sem causa.
F – As leis tributárias em geral obrigam à anulação oficiosa dos valores cobrados em tais circunstâncias.
G – Na douta sentença recorrida reconheceu-se expressamente que o imposto cobrado pela CML a título de compensação era nulo por força do disposto no art. 1 n.º 4 da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro.
H – No entanto, a CML recusou a restituição ao recorrente da quantia efectivamente cobrada.
I – O certo é que não só o imposto não era devido, como também a CML não cumpriu as obrigações a que se vinculara no contrato de permuta de lotes de terreno.
J – Efectivamente a autarquia não procedeu à abertura ou alargamento das vias públicas e às obras de urbanização indispensáveis.
K – Assim sendo, o imposto de compensação cobrado nem sequer era devido por razões exclusivamente imputáveis à CML.
L – A cobrança do imposto constitui pois um acto de enriquecimento injusto da Autarquia à custa do Recorrente.
M – Em tais circunstâncias a própria autarquia deveria ter anulado oficiosamente os actos de lançamento e liquidação do imposto em causa;
N – A liquidação do imposto constitui um momento que integra o conceito de acto tributário.
O – Ele representa apenas o momento da quantificação do imposto devido.
P – Não sendo devido o imposto por falta de assento legal, e declarada nula a sua liquidação, todos os actos subsequentes sofrem do mesmo vício;
Q – Ou seja, o reconhecimento da nulidade do acto tributário contamina de igual nulidade a sua liquidação;
R – A liquidação do imposto, fazendo parte do conceito do acto tributário, não pode considerar-se, pois, um acto jurídico meramente anulável, mas antes um acto jurídico ferido de nulidade absoluta;
S – Se a liquidação pudesse subsistir depois de declarada a nulidade do próprio imposto liquidado, estaríamos confrontados com uma obrigação destituída de causa.
T – O certo é que no nosso ordenamento jurídico os negócios abstractos têm natureza excepcional.
U – Em boa verdade, e na prática, os negócios abstractos são atendíveis e válidos tão somente no âmbito do direito cambiário.
V - A declaração de nulidade de um acto jurídico implica sempre a não produção de efeitos jurídicos;
W – A nulidade opera “ipso jure”, “ex nunc” e é ajurígena.
X – Tanto significa que a anulação de um imposto, por não estar contemplado na Lei, não produz qualquer efeito na vida jurídica.
Y – A Jurisprudência que considera a liquidação um acto meramente anulável, susceptível de consolidar-se se não for impugnado no prazo de 90 dias, embora dominante, não é pacifica, e não sendo pacífica na jurisprudência é totalmente repudiada pela doutrina.
Z – O artigo 123.º n.º 1 do CPT, em que se fundamenta a douta sentença recorrida, para considerar caducado o direito de impugnar o acto de liquidação, só deve aplicar-se aos casos em que o imposto liquidado tem existência legal.
AA – Com efeito, se o imposto não existe à face da lei, a sua liquidação não pode estar regulada nela.
AB – E se essa regulação não existe não se vê forma de impugnar a liquidação do imposto, por se ignorarem as regras violadas.
AC – O n.º 3 do art. 103.º da CRP, para além de afirmar que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos previstos na lei, também impõe que a liquidação – obviamente de um imposto existente – se faça nos termos nela previstos.
AD – Este preceito da Lei Fundamental destrói por completo a tese a que a douta sentença recorrida deu agasalho.
AE – Ao decidir nos termos em que decidiu, a douta sentença ora impugnada, violou o disposto nos artigos 103.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, artigo 1.º n.º 4 da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro e os artigos 17.º al. a) e 121.º do Código de Processo Tributário.
Nestes termos, deverá dar-se provimento ao recurso revogando-se a douta sentença impugnada e julgar-se procedente a impugnação, tudo por imperativo da lei e da JUSTIÇA

2 – Contra-alegou a recorrida Câmara Municipal de Lisboa concluindo nos termos seguintes:

1. No ordenamento jurídico-administrativo português, o regime regra de invalidade dos actos é a mera anulabilidade, por razões de segurança jurídica, a qual assegura que, padecendo um acto de vício que implique a sua anulabilidade, decorrido determinado hiato temporal sem que a sua validade seja atacada, tal acto se converta em definitivo, tornando-se assim válido.
2. Com efeito, só são nulos os actos administrativos para os quais a lei expressamente comine tal forma de invalidade, designadamente aqueles a que falte algum dos seus elementos essenciais, ou que forem ofensivos do conteúdo essencial de direitos, liberdades ou garantias.
3. Os actos de liquidação praticados com fundamento em deliberações ilegais ou inconstitucionais são meramente anuláveis.
4. A douta Sentença Recorrida, ao contrário do invocado pelo ora Recorrente, não conheceu do mérito, mas da excepção da caducidade do direito de acção (que, aliás, obsta ao conhecimento do mérito), razão pela qual é, salvo o devido respeito, absolutamente despropositado o facto do Recorrente insistir que o Tribunal “a quo”, considerou que “o imposto cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa era nulo”, o que faz, por diversas vezes, ao longo das alegações que apresenta.
5. Em momento algum, ao contrário do defendido pelo Recorrente, a douta Sentença recorrida se pronunciou sobre o mérito, limita-se, tão pouco, a concluir, aliás no sentido unânime da douta Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que a proceder a tese alvitrada pelo Recorrente, a quantia liquidada sempre seria anulável e nunca nula, verificando-se, atento o prazo de interposição da presente impugnação judicial, a excepção de caducidade do direito de acção, excepção de conhecimento oficioso.
6. Efectivamente, ainda que procedesse o vício que o Recorrente invoca, o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio, a consequência do mesmo nunca seria a nulidade, como defende, mas a mera anulabilidade, tal como decidido e bem pelo Tribunal “a quo”.
7. Neste sentido tem sido unânime a Jurisprudência do STA, louvando-se a Recorrida, entre outros, seguintes Acórdãos deste Tribunal Superior: Acórdão de 10 de Janeiro de 2007, proferido no Proc. n.º 459/06; Acórdão de 29 de Novembro de 2006, proferido no Proc. n.º 479/06; Acórdão de 23 de Novembro de 2005, proferido no Proc. n.º 612/05; Acórdão de 22 de Junho de 2005, proferido no Proc. n.º 1259/04; Acórdão de 12 de Janeiro de 2005, proferido no Proc. n.º 19/04; Acórdão de 15 de dezembro de 2004, proferido no Proc. n.º 1920/03.
8. É precisamente esta a situação dos autos, face à qual permite-se a Recorrida concluir que a Jurisprudência maioritária daquele douto Tribunal, quanto à questão do prazo de propositura de Impugnação Judicial de actos de liquidação, com fundamento na inconstitucionalidade da deliberação na qual aquele acto colheu os seus fundamentos de direito, é a de que a mesma, por se fundar em alegado vício de anulabilidade, deverá ser intentada dentro dos prazos previstos na lei, e não a todo o tempo.
9. Encontra-se, assim, o acto impugnado sujeito ao prazo legal de apreciação da respectiva legalidade, “in casu”, a Impugnação Judicial, que o então em vigor Código de Processo Tributário, no seu artigo 123.º fixava em 90 dias, contados do termo do período de pagamento voluntário dos tributos (alínea a), do n.º 1).
10. Uma vez decorrido o mencionado prazo de instauração de Impugnação Judicial e consequentemente de apreciação da sua legalidade, tais actos tornam-se definitivos e, eventualmente, convalidam-se na ordem jurídica.
11. Atendendo à data de pagamento (da última prestação) do acto impugnado – 28 de Novembro de 2004 -, ao momento em que foi deduzida a Impugnação Judicial (decorridos mais de 5 anos) – 14 de Abril de 1999 – e ao referido prazo no referido art. 123.º do CPT, só pode necessariamente concluir-se pela sua extemporaneidade.
12. Bem decidiu, assim, o Tribunal “a quo” na douta sentença proferida em 27 de Fevereiro de 2012 que deve manter-se em vigor na ordem jurídica, estando isenta de qualquer reparo.
Nestes termos se conclui, invocando o Douto suprimento de V. Exªs, pela manutenção da douta Sentença recorrida, para que assim se faça a já costumada JUSTIÇA.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
A nosso ver o recurso não merece provimento, como muito bem sustente a recorrida CML e cuja fundamentação se subscreve.
A questão controvertida tem a ver com a caducidade do direito de acção.
À semelhança do actual CPPT, o CPT não continha um elenco dos actos nulos ou anuláveis, sendo certo que, também, não distinguia o prazo de impugnação de actos tributários consoante fossem nulos ou anuláveis, sem prejuízo desse diferente regime poder resultar da demais legislação em vigor.
Ao contrário da tese do recorrente, os normativos constantes dos artigos 88º/1/c) do DL 100/84 e 1º da Lei 1/87, de 6 de Janeiro estabelecem a nulidade de deliberações de órgãos autárquicos relativas ao lançamento ou criação de impostos e não dos actos administrativos de liquidação dos respectivos tributos (Acórdãos do STA, de 2 de Maio de 2001, do PLENO, de 30 de Maio de 2001 e de 10 de Janeiro de 2007, proferidos nos recursos n.º 25.696, 22.251 e 459/06, respectivamente, disponível no sítio da INTERNET www.dgsi.pt).
Inexiste norma legal que consagre, expressamente, a nulidade do acto de liquidação sindicado.
O acto de liquidação deveria ter sido, pois, impugnado no prazo de 90 dias a contar dos factos elencados no artigo 123.º/1 do CPT.
Mas, mesmo que se considerasse nulo (que não é) o acto de liquidação, por via da inconstitucionalidade da norma em que se funda, sempre tal ilegalidade abstracta teria de ser deduzida até ao termo do prazo para dedução de oposição à execução fiscal, atento o disposto no artigo 286.º/1/a) do CPT.
Face ao regime actualmente em vigor, também chegaríamos à conclusão de que o acto de liquidação sindicado seria anulável e não nulo.
“A sanção geral da invalidade do acto administrativo desconforme com o ordenamento jurídico, por ofensa ou dos princípios gerais de direito ou de normas jurídicas escritas constitucionais, comunitárias, legais ou regulamentares, ou, ainda, por ofensa de vinculações derivadas de acto jurídico ou contrato administrativo anterior é a da anulabilidade.
Compreende-se a regra: ela decorre dos tópicos caracterizadores da posição da administração e do modelo de relação que se estabelece entre ela e os cidadãos nos sistemas ditos de Administração executiva. Contraria tal modelo um regime regra de nulidade, que implica a improdutividade automática imediata do acto administrativo – correspondendo, por isso, a um enfraquecimento da posição da Administração, que não poderia executar o acto nem pretender que os seus destinatários lhe obedeçam. Considera-se, então, mais ajustado, num sistema como o nosso, o princípio de que os actos ilegais são anuláveis, permitindo a eficácia (provisória, pelo menos) do acto e impondo ao interessado o ónus de pôr em movimento o sistema de garantias para fazer valer essa invalidade (Código de Procedimento Administrativo, 2.ª edição, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, página 565).
Os actos administrativos são nulos quando a lei preveja tal sanção.
Por força do disposto no artigo 133º do CPA, são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine, expressamente, essa forma de invalidade.
São, designadamente, actos nulos, nos termos dessa disposição legal, os referidos no n.º 2 do dito normativo.
Como defendem os autores citados, a página 643, como linha de orientação poderá dizer-se que o acto administrativo que seja execução de norma inconstitucional (ou que viole o Direito Comunitário) não será nulo, mas sim anulável, por erro nos pressupostos de direito se esse for o único vício do acto e se ele não for enquadrável em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 133º do CPA, sobretudo a alínea d) (Acórdão do STA, 1ª secção, de 27 de Junho de 1995, AD, 409º-75).
A eventual nulidade do acto de liquidação sindicado, apenas, se poderia, em hipótese, enquadrar na alínea d) do n.º 2, a saber: “Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”.
Ora, quer-nos parecer que o acto em causa não ofende o conteúdo essencial de qualquer direito fundamental, que são aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias.
Um acto, como o sindicado, que, em aplicação da lei ordinária, viola, alegadamente, o princípio da legalidade tributária não é nulo, mas anulável.
O direito de resistência estatuído no artigo 103.º/3 da CRP, apenas reclama a invocação da ilegalidade abstracta no PEF, mas não torna nulos os actos de liquidação, não impondo a sua impugnabilidade a todo o tempo.
Como resulta do probatório o prazo de pagamento voluntário terminou em 28 de Novembro de 1994, sendo certo que a impugnação judicial foi deduzida em 14 de Abril de 1999, portanto, manifestamente, para além dos 90 dias.
Verifica-se, pois, a caducidade do direito de acção, como muito bem decidiu a sentença recorrida, pelo que não merece censura.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 285 a 287 dos autos), nada vieram dizer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

5 – Questão a decidir

É a de saber a sentença recorrida cometeu erro de julgamento ao julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção em razão da intempestividade da impugnação deduzida contra o “encargo de compensação por melhor aproveitamento de lote e aumento de volumetria” que lhe foi liquidado pela Câmara Municipal de Lisboa.


6 – Matéria de facto

Para decidir da excepção de caducidade do direito de acção, a sentença recorrida fixou os seguintes factos:

a) Em 13 de Dezembro de 1985, o impugnante adquiriu, por permuta com a Câmara Municipal de Lisboa, os lotes de terreno designados pelos nºs 1772 e 1773, sitos na Avenida ….., freguesia de …., concelho de Lisboa (documento de fls. 15 a 21 dos autos).
b) Em data não concretamente apurada, o impugnante apresentou à Câmara Municipal de Lisboa um pedido de licenciamento com vista à alteração da implantação dos lotes 1772, 1773 e 1785, em virtude do lote 1772 ser afectado por um colector municipal (documento de fls. 22 e 23 dos autos).
c) Em 14 de Junho de 1989, o impugnante submeteu à apreciação da Câmara Municipal de Lisboa o projecto de construção (documento de fls. 1 do processo administrativo apenso).
d) O pedido referido em c) deu origem ao Processo n.º 2840/0B/89 (documento de fls. 1 do processo administrativo apenso).
e) O processo n.º 2840/0B/89 foi considerado tacitamente deferido em 28 de Junho de 1990 (documento de fls. 68 do processo administrativo apenso).
f) Em 4 de Outubro de 1991, foi prestada a Informação nº 1084/DP, onde se conclui que o licenciamento do processo de construção ficava condicionado ao pagamento de compensação no montante de 18.175.500$00 pelo melhor aproveitamento do lote e aumento da área de construção utilizável e à prévia celebração da escritura a que se referia o processo privativo n.º 21/DP/91 (documento de fls. 349 do processo administrativo apenso).
g) Por ofício da mesma data, o impugnante foi notificado do teor da informação referida em f) (documento de fls. 29 a 31 dos autos).
h) Em 24 de Outubro de 1991, foi proferido despacho de concordância com a informação referida em f) (documento de fls. 349 do processo administrativo apenso).
i) O impugnante procedeu ao pagamento do valor da compensação pelo melhor aproveitamento do lote e pelo aumento da área de construção utilizável em seis prestações mensais (documentos de fls. 32 a 40 dos autos).
j) O impugnante procedeu ao pagamento da primeira prestação em 4 de Junho de 1992 e da última prestação no dia 28 de Novembro de 1994 (documento de fls. 357 do processo administrativo apenso e documento de fls. 40 dos autos).
k) Em 17 de Novembro de 1997, o impugnante requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa a devolução da quantia paga a título de compensação pelo melhor aproveitamento do lote e pelo aumento da área de construção utilizável no valor de 18.175.500$00 (documento de fls. 46 a 48 dos autos).
l) Em 10 de Agosto de 1998, o impugnante foi notificado do indeferimento do pedido referido em K) (documento de fls. 51 a 55 dos autos).
m) A presente impugnação deu entrada no dia 14 de Abril de 1999 (cfr. carimbo aposto na petição inicial a fls. 3 dos autos).

7 – Apreciando
7.1 Da excepção de caducidade do direito de acção
A sentença recorrida, a fls. 200 a 210 dos autos, julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo a Câmara Municipal de Lisboa da instância, atento a que a impugnação deu entrada no dia 14 de Abril de 1999 (alínea m) dos factos provados), e que o pagamento da última prestação foi efectuado em 28 de Abril de 1994 (alínea j) dos factos assentes), concluindo-se que foi ultrapassado o prazo de 90 dias previsto no citado artigo 123.º n.º 1 do CPT, pelo que caducou o direito de acção do impugnante (cfr. sentença recorrida, a fls. 210 e 209 dos autos).

Fundamentou-se o decidido na consideração – de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal em casos semelhantes (cfr. o Acórdão do Plenário de 30 de Maio de 2001, que cita e transcreve) –, de que o acto de liquidação em causa – “de compensação por melhor aproveitamento do lote e aumento de volumetria” -, a padecer dos vícios que lhe são imputados pelo impugnante (matéria de que se não conheceu, pois que a sentença apenas versou sobre a verificação de excepção que, precisamente, obsta ao conhecimento do mérito), não seria nulo, mas anulável, acrescendo que o vício do acto de liquidação decorrente deste se fundar em norma inconstitucional – ilegalidade abstracta da liquidação – não é invocável a todo o tempo, como é característico do regime da nulidade, uma vez que se limita a sua invocação ao prazo para deduzir oposição na execução fiscal, pelo que, ainda que se concluísse pela nulidade dos actos impugnados, tal circunstância não teria como consequência a possibilidade de impugnação a todo o tempo, pelo que, não tendo havido execução fiscal, atento o pagamento voluntário pelo impugnante, sempre se teria de concluir pela aplicação do prazo de 90 dias fixado no artigo 123.º do CPT.

Discorda do decidido o recorrente, que, reconhecendo embora que a orientação perfilhada na sentença recorrida corresponde à da jurisprudência dominante, com ela não se conforma, pugnando por que se reconheça que o acto de liquidação impugnado é nulo e consequentemente tempestiva a impugnação deduzida, pois que de uma deliberação nula, não produzindo quaisquer efeitos, não podem derivar actos consequentes meramente anuláveis.

A recorrida invoca a jurisprudência deste Supremo Tribunal para defender a manutenção do decidido e também o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal defende o não provimento do recurso.

Vejamos.

A questão objecto dos presentes autos não é nova.

Foi no passado objecto de vivo debate jurisprudencial, no termo do qual se firmou uma corrente jurisprudencial uniforme, embora não pacífica (como se colhe nos votos de vencido lavrados nos Acórdãos do Plenário de 30 de Maio de 2001, proc. n.º 22.251 e de 7 de Abril de 2005, proc. n.º 1108/03), no sentido de que não são impugnáveis a todo o tempo os actos de liquidação como o que está em causa nos autos, antes têm de ser impugnados no prazo de impugnação dos actos anuláveis ou, nos casos em que haja instauração de execução fiscal, até ao termo do prazo de oposição.

Esta orientação jurisprudencial foi reafirmada em pelo menos três acórdãos do Pleno da secção de Contencioso Tributário deste STA (Acórdãos de 22 de Junho de 2005, proc. n.º 1259/04, de 16 de Novembro de 2005, proc. n.º 019/04 e de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 479/06), todos tomados por unanimidade, e foi reafirmada posteriormente em vários outros acórdãos da secção, entre os quais o Acórdão de 10 de Janeiro de 2007, rec. n.º 459/06.

Nas suas alegações de recurso, sintetizadas nos termos supra reproduzidos, o recorrente nenhum argumento novo aporta à discussão que, por não ter sido antes considerado ou por se impor sobre todos os demais, conduza a contrariar a jurisprudência firmada no sentido da não impugnabilidade a todo o tempo dos actos de liquidação como os que estão em causa nos autos.

De facto, se parece um ilogismo jurídico que os actos consequentes de uma norma ou deliberação ferida pela lei com o vício da nulidade sejam meramente anuláveis, também o seria reconhecer que a “ilegalidade abstracta”, em sede de execução, teria de ser invocada no prazo de oposição à execução, mas a impugnação da respectiva liquidação poderia fazer-se “a todo o tempo”.

Perfilharemos, pois, a orientação jurisprudencial no sentido de que está sujeita a prazo – correspondente ao prazo de impugnação previsto no n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Tributário (a que corresponde o actual n.º 1 do artigo 102.º do CPPT), quando não haja lugar a execução fiscal - a impugnação de acto de liquidação de “compensação por melhor aproveitamento de lote e aumento de volumetria”, sendo, pois, extemporânea a impugnação deduzida pelo ora recorrente, como bem decidiu a sentença recorrida, que nenhuma censura merece, e pelos fundamentos constantes do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA de 22 de Junho de 2005, proc. n.º 1259/04, no qual se consignou o seguinte entendimento:

«(…) No domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a inexistência de norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação, com o regime que resulta da al. a) do n.º 1 do art. 286.º do CPT (aplicável ao caso).

Assim, a serem nulas as deliberações camarárias que prevêem o lançamento dos tributos liquidados pelos actos impugnados, estes enfermarão de ilegalidade abstracta que poderia ser invocada até ao termo do prazo de oposição, se tivesse tido lugar a cobrança coerciva.
Tendo havido pagamento voluntário, a impugnação dos actos referidos apenas poderia ter lugar de acordo com o regime legal de impugnação de actos anuláveis.
E o mesmo se diga,
mutatis mutandis, em relação a acto que aplique norma inconstitucional, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental - al. d) do n.º 2 do art. 133.º do CPA - o que não é o caso do princípio da legalidade ou do direito à propriedade privada que não é absoluto ou ilimitado, como o TC vem acentuando.
As imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de propriedade mas antes como limites implícitos deste direito, mesmo que se considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
Cfr. os Acs. do STA de 30/05/2001 rec. 22.251 (Plenário) e de 29/06/2005 rec. 117/05, 22/06/2005 rec. 1259/04 (Pleno), 25/05/2004 rec. 208/04, 25/05/2004 rec. 1708/03, 12/01/2005 rec. 19/04, 28/01/2004 rec. 1709/03, 14/01/2004 rec. 1678/03, 15/12/2004 rec. 1920/03; do TC n.º 67/91
in BMJ 406-190 e o Parecer da Procuradoria Geral da República de 30/06/2005, in DR, II Série, de 26/09/2005» (fim de citação).
Improcedem, deste modo, as alegações do recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Lisboa, 28 de Novembro de 2012. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Dulce Neto.