Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0741/16
Data do Acordão:06/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir o recurso quando a divergência entre as instâncias e a discordância do recorrente com o acórdão recorrido decorre da determinação da causa de pedir e esta, por seu turno, da interpretação das concretas peças processuais e não vem suscitada questão jurídica que possa revestir-se de interesse geral e cuja solução tenha potencialidade de transcender o caso sujeito.
Nº Convencional:JSTA000P20723
Nº do Documento:SA1201606230741
Data de Entrada:06/08/2016
Recorrente:MUNICÍPIO DE PORTIMÃO
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. O Município de Portimão, réu na acção que lhe move A……….. SA, pede revista, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão do TCA Sul de 24/2/2016 (P. 12860/16) que concedeu provimento a recurso interposto de saneador sentença do TAF de Loulé que julgara procedente a excepção de prescrição.

O recorrente defende a admissão do recurso por estar em discussão uma questão de alcance fundamental que consiste em saber qual o regime de responsabilidade - contratual ou extracontratual - aplicável à situação em apreço, com a inerente consequência na determinação do prazo respectivo. Além disso, sustenta que não foi cometida a nulidade processual que o TCA julgou verificar-se.

A recorrida opõe-se à admissão do recurso, por não estar em discussão uma questão jurídica de alcance geral ou repercussão social.

2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3. A Autora, como empreiteira, celebrou com o Réu (ora recorrente), como dono da obra, um contrato de empreitada para construção de uma Escola. Propôs uma acção, em que pediu a condenação do Réu a pagar-lhe quantias que somam €1.115.138,94, correspondente a reposição do equilíbrio financeiro do contrato e à execução de trabalhos não previstos e respectivos juros de mora. Alegou factos do seu relacionamento com o Réu no decurso da execução do contrato e a seu propósito, de que teriam resultado perturbações do normal andamento dos trabalhos, imputáveis ao dono da obra e geradores de sobrecustos e prejuízos de diversa índole que a este incumbe suportar ou ressarcir.

Além do mais, o Réu opôs a prescrição do direito, nos termos do n.º 1 do art.º 498.º do Código Civil. No saneador, o TAF acolheu esta excepção e absolveu o Réu do pedido. O acórdão recorrido, julgou verificada uma nulidade processual por preterição do contraditório e, entrando no conhecimento do mérito do recurso relativamente à prescrição, concedeu-lhe provimento, determinando o prosseguimento da acção, considerando que o direito que a Autora pretendia exercer decorre da execução do contrato e empreitada celebrado em 2009 e, nessa medida, o que está em causa é a efectivação da responsabilidade contratual do Município, não sendo aplicável o prazo de 3 anos previsto no art.º 498.º do Cód. Civil, valendo para efeito o prazo geral de prescrição ordinária previsto no art.º 309.º e, quanto aos juros, o referido no art.º 310.º, al. d), deste Código.

Quanto à determinação do prazo prescricional aplicável, o Réu insiste em que os danos referidos pela Autora não decorrem de qualquer obrigação contratual incumprida por si, mas antes de factos exteriores ao próprio contrato de empreitada, designadamente da introdução de novos elementos ao projecto que, todavia, não consubstanciam violação de obrigações contratuais. Em seu entender, estaríamos perante violação de deveres genéricos de respeito de normas gerais destinadas à protecção de outrem e não perante violações de deveres ou obrigações decorrentes da relação contratual.

4. Sucede que, a mais desta frontal contraposição de afirmações, não se descortina no recurso uma questão jurídica, consistentemente suscitada, que possa revestir-se de interesse geral e cuja solução tenha potencialidade de transcender o caso sujeito, por poder ser vista como um tipo e de repetir-se nos mesmos termos essenciais. A divergência entre as instâncias e a discordância do recorrente com o acórdão recorrido decorre da determinação da causa de pedir e esta, por seu turno, da interpretação das concretas peças processuais. A Autora alegou factos que consistiram na falta de elementos que o dono da obra incumbiria proporcionar ou do atraso na tomada de decisões necessárias à execução dos trabalhos e na introdução de alterações ao projecto, de que teriam resultado atrasos importantes que implicaram a prorrogação do prazo por 102 dias, suportando o empreiteiro o encargo adveniente, designadamente em custos de estrutura, subfacturação e fortes quebras de produtividade resultantes das novas condições de execução da empreitada, com a consequente quebra do equilíbrio financeiro do contrato. O acórdão recorrido identificou a causa de pedir assim substanciada como sendo de base contratual. Nem o recorrente demonstra existir, nem se vislumbra, estar aí presente a opção por uma qualquer tese susceptível de generalização, designadamente, quanto ao que deve ser levado a violação de deveres gerais ou de obrigações contratuais dos entes públicos. Tudo se resume à descoberta da concreta configuração da lide e à extracção de consequências que daí directamente derivam.

Por outro lado, quer nessa determinação da causa de pedir, quer na consequente conclusão de que o regime de prescrição não seria o da responsabilidade extracontratual não se vislumbra erro lógico ou jurídico manifesto.

Pelo exposto, não se justifica a admissão do recurso excepcional.

5. Decisão
Pelo exposto, não se admite o recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Junho de 2016. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.