Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01187/10.0BEALM 0225/17
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TRIBUNAL SUPERIOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
JUIZ SINGULAR
Sumário:- O disposto no artigo 27º, n.ºs. 1 e 2 do CPTA, na redacção anterior àquela que resulta do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, não é aplicável nos Tribunais de 1ª instância, estando a sua aplicação reservada para os Tribunais Superiores, TCA e STA.
Nº Convencional:JSTA000P25125
Nº do Documento:SA22019110601187/10
Data de Entrada:04/18/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.- Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT veio interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto nos artigos 150.º e 144.º n.º 1 e 2 do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Outubro de 2016, que indeferiu a reclamação para a conferência do despacho do relator naquele TCA que, por não haver que conhecer do seu objecto, julgou findo o recurso que pretendera interpor da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 31 de Outubro de 2011, que julgou procedente a Acção Administrativa Especial interposta por A………….., SA, com os sinais dos autos, e verificou a caducidade da garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3530200701050672.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso de revista vem interposto do Douto Acórdão proferido em conferência pelo TCA Sul em 27-10-2016;
2. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que esse acórdão procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo esse Supremo Tribunal intervir em Revista, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito.
3. Nos presentes autos foi rejeitado o recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 31-10-2011, por ali se ter entendido ser aplicável ao caso – em que estava em causa uma acção administrativa especial em matéria tributária da competência e a correr termos num tribunal tributário – o regime jurídico previsto no art.º 40.º, n.º 3 do ETAF (para os tribunais administrativos de círculo) e, por isso, ser também aplicável ao caso a alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA.
4. Em consequência do que se decidiu que o meio de reacção adequado devia ter sido a reclamação nos termos do n.º 2 do citado artigo 27.º do CPTA e não aquele recurso jurisdicional, tendo este sido rejeitado por intempestividade.
5. A questão relevante controvertida nestes autos consiste, essencialmente, em saber se nas circunstâncias do caso, numa sentença proferida numa acção administrativa especial em matéria tributária, proferida num Tribunal Tributário, por juiz singular (como não podia deixar de o ser), o TCA, ao aplicar a alínea i) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, e isso por entender ser também aplicável o art. 40.º n.º 3 do ETAF procedeu a uma incorrecta aplicação do direito.
6. A questão enunciada é fundamental para garantir uma correcta e melhor aplicação do Direito e tal, note-se, numa matéria em constante aplicação nos tribunais.
7. E isso, além do mais, dado que, aquando da interposição, nos presentes autos, do recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário para o TCA Sul, a opção jurisprudencial que se encontrava firmada era no sentido de que das sentenças proferidas em primeira instância pelos tribunais tributários cabia sempre imediato recurso jurisdicional, a interpor no prazo de 30 dias após a notificação das mesmas, em conformidade com o nº 1 do artigo 144º do CPTA, pelo que a sua rejeição constituiu uma decisão totalmente imprevisível.
8. Apenas agora houve uma inflexão na jurisprudência respeitante às acções administrativas especiais em matéria tributária, tendo os tribunais tributários e os TCA começado a decidir que das sentenças proferidas pelos tribunais tributários cabe reclamação, nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA, e não recurso.
9. Face ao que se impõe reconhecer, in casu, a importância jurídica da questão e a sua relevância excepcional com vista a uniformizar as decisões e a permitir segurança no domínio do acesso à justiça, situação em que a Revista é essencial.
10. Em abono do referido veja-se o entendimento acolhido pelo douto acórdão desse Supremo Tribunal proferido no processo nº 1360/13, de 12-09-2013, que supra se transcreveu e que, atenta a sua bondade manifesta, damos como reproduzido, salientando-se aqui que, como aí se refere: «A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, (...)».
11. Termos em que, por estarem verificados os respectivos pressupostos legais, deve a Revista ser admitida.
12. No caso em apreço estamos perante uma acção administrativa especial cujo objecto consiste num acto administrativo em matéria tributária (que não comporta a apreciação do acto de liquidação - cf. 97, nº 1, alínea p) e nº 2 do CPPT).
13. A competência para conhecer desses actos administrativos respeitantes a questões fiscais (que não comportem a apreciação do acto de liquidação) foi atribuída aos tribunais tributários pelo artigo 49º, nº 1-a)-iv do ETAF.
14. Em conformidade com essa norma, os recursos contenciosos - hoje acções administrativas especiais - em matéria tributária correm termos, em primeira instância, nos tribunais tributários.
15. A competência, organização e funcionamento dos tribunais tributários vem regulada no ETAF, no Capítulo VI desse diploma.
16. No que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais tributários, rege o artigo 46º do ETAF, decorrendo dessa norma que os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só assim não sendo por decisão do presidente do tribunal tributário em causa e na situação específica prevista no respectivo nº 2.
17. E, salvo o devido respeito, contrariamente ao que o TCA entendeu nos presentes autos, o entendimento da ora recorrente, acima expresso, não é posto em causa pelo regime constante nos artigos 9º-A e 49º-A, aditados ao ETAF pelo Decreto-Lei nº 166/2009, de 31-7.
18. Da interpretação sistemática do referido artigo 49º-A e atendendo ao Capítulo do ETAF onde está integrado, a conclusão a retirar é que não poderá aplicar-se ao juízo de pequena instância a norma do ETAF prevista no n.º 2 do artigo 46º.
19. Assim, reiterando o que já havíamos concluído - contrariamente ao que acontece com os tribunais administrativos de círculo - por imposição expressa do artigo 46º, nº 1 do ETAF os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só não sendo assim na situação específica prevista no nº 2 do mesmo preceito.
20. Diversamente do que acontece com os tribunais tributários, a organização, competência e funcionamento dos tribunais administrativos de círculo vem regulada no ETAF, no Capítulo V desse diploma e, dentro deste, no que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais administrativos de círculo, no artigo 40º.
21. O acórdão recorrido apela, em defesa da sua tese, para o nº 3 desse artigo 40º do ETAF, porém esse nº 3 (bem como, de resto, os números 1 e 2 do mesmo preceito) aplica-se apenas à jurisdição administrativa.
22. Deste modo, as acções administrativas especiais que aí se referem são as que correm termos nesses tribunais administrativos de círculo e não aquelas que o legislador entendeu serem da competência e deverem correr termos nos tribunais tributários, como acontece com a acção administrativa especial sub judice.
23. Decorrendo das normas referidas que, por opção do legislador, as acções administrativas especiais que correm termos nos tribunais tributários são, por regra, julgadas por juiz singular e que, por opção do mesmo legislador, as acções administrativas especiais que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, se de valor superior à alçada, por regra, são julgadas por tribunal colectivo.
24. Matéria que foi claramente explicitada, em termos que consideramos ser de acolher integralmente, pelo ilustre Conselheiro Lúcio Barbosa, no voto de vencido que proferiu no já atrás mencionado Acórdão desse Supremo Tribunal de 2-5-2007, Processo nº 01128/06; e mais recentemente pelo Ac. Proferido pelo TCA Sul de 08/10/2015 no Rec. 07554/14.
25. Sendo ainda de ter presente, a propósito, que, com também vimos nas presentes alegações, o legislador previu aquele particular regime das acções administrativas especiais da jurisdição administrativa, que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, com um objectivo específico.
26. Poderia, também, o legislador ter considerado ser necessária, por quaisquer razões, a intervenção do colectivo de juízes nas acções administrativas especiais no contencioso tributário, porém não o fez, não cabendo ao intérprete e aplicador do direito substituir-se ao legislador, sob pena de usurpação de poderes.
27. Do supra exposto decorre também, contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, a inaplicabilidade ao caso em apreço do regime estabelecido no artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA.
28. Funcionando os tribunais tributários, por determinação expressa da lei, com juiz singular, carece de sentido a atribuição de uma competência (ao juiz singular) para proferir despacho em ordem a afastar a necessidade de intervenção de colectivo.
29. Por outro lado, os tribunais tributários, como também já vimos, só funcionam em colectivo quando se verifica a situação prevista no nº 2 do artigo 46º, e, nessa situação, não se coloca, também, naturalmente, a hipótese de poder, depois, vir o relator proferir decisão nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA.
30. Não sendo esse artigo 27º, nº 1 alínea i) susceptível de aplicação no âmbito dos processos de acção administrativa especial em matéria tributária que correm termos nos tribunais tributários, o seu nº 2 também não é susceptível de ter aplicação nesse âmbito.
31. E, deste modo - contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, que procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação de todos os preceitos acima citados -, não cabia interpor qualquer reclamação, mas antes recurso jurisdicional, nos termos dos artigos 140º e 144º do CPTA.
32. Ao que acresce sublinhar que, como se explanou nas presentes alegações, no caso em apreço, não apenas a sentença não foi proferida por relator, como o não podia ter sido, pois in casu, de um lado nunca houve qualquer colectivo de que pudesse haver relator, por outro, de facto, todo o processo no tribunal a quo foi efectivamente conduzido, desde o seu início, por juiz singular.
33. O que, de resto, está em consonância com o facto de não haver sequer qualquer referência ao artigo 27º do CPTA na sentença do Tribunal Tributário ora em causa.
34. Por último, mas não menos importante, importa chamar a atenção desse Supremo Tribunal para que a interpretação acolhida nos presentes autos pelo TCA se traduz numa violação dos direitos de recurso e de defesa do Ministério das Finanças, pondo em causa a possibilidade de efectiva concretização dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, bem como os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigos 2º e 20º nº 2 e nº 4 da CRP, sendo por isso uma interpretação violadora da Constituição.
35. Entendimento que, diga-se, foi já acolhido pelo Tribunal Constitucional, em sede de contencioso administrativo, no Acórdão nº 124/2015, de 12-02-2015.
36. E se isso é assim em matéria de contencioso administrativo, por maioria de razão tal jurisprudência se há-de aplicar em matéria de contencioso tributário, onde, como oportunamente vimos, a “surpresa” do recorrente jurisdicional face ao regime de recurso aplicado foi total.
37. Caso a decisão do Acórdão recorrido prevaleça, ficará a Administração completamente impossibilitada de exercer o seu direito de reagir da sentença do Tribunal Tributário de 18-12-2014.
38. Para além do aclaramento legal, entretanto ocorrido com o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, de acordo com o qual desapareceu o julgamento em tribunal colectivo de 1.ª instância – artigo 40.º do ETAF -, e limitou-se a aplicação do artigo 27.º do CPTA aos despachos proferidos pelo relator em processos cuja tramitação em primeiro grau de jurisdição ocorra nos tribunais superiores, também,
39. Recentemente, este Tribunal Supremo, no acórdão proferido em 9 de Novembro de 2016, no âmbito do Recurso n.º 1568/15, recurso de revista idêntico ao agora interposto, decidiu conceder provimento ao recurso e ordenar a baixa dos autos ao TCA, para que aí se conheça do recurso interposto, com base em fundamentos que têm em comum, o evitar, a perda, nefasta, do direito ao recurso!
Termos pelos quais, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso de revista e, analisado o mérito do recurso, deve ser dado provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências, designadamente determinando-se a admissão do recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença do Tribunal Tributário de 31-10-2011.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por acórdão proferido em 14-03-2018 e que se encontra a fls.388-398, foi admitido o recurso.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 403/405 no sentido de que deve ser provido o recurso, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que admita o recurso da decisão proferida pelo juiz singular no tribunal tributário e ordene a devolução do processo ao TCAS para o seu conhecimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir do recurso.
*


2. Fundamentação


Como da sua leitura se constata (vide fls. 343 a 351) o acórdão recorrido desatendeu a reclamação deduzida contra o despacho do Exmº relator proferido em 07-04-2016 (vide fls. 265/269 do processo físico) que, no TCAS, rejeitou o recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 31-10-2011, por ali se ter entendido ser aplicável ao caso – em que estava em causa uma acção administrativa especial em matéria tributária da competência e a correr termos num tribunal tributário – o regime jurídico previsto no art.º 40.º, n.º 3 do ETAF (para os tribunais administrativos de círculo) e, por isso, ser também aplicável ao caso a alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA, em consequência do que se decidiu que o meio de reacção adequado devia ter sido a reclamação nos termos do n.º 2 do citado artigo 27.º do CPTA e não aquele recurso jurisdicional, tendo este sido rejeitado por intempestividade por ter, outrossim, entendido que o requerimento de interposição do recurso foi apresentado em 07-12-2011 (cfr. fls. 126) havendo o recorrente sido notificado da decisão em 04-11-20111 (Cfr. fls. 123/124), não havendo lugar à convolação daquele requerimento em reclamação para a conferência.

Ponderemos.

Como se consignou no acórdão que acolheu o presente recurso de revista, está aqui em causa determinar se da decisão de 1.ª instância, proferida por juiz singular em acção administrativa especial em matéria tributária de valor superior ao da alçada do tribunal é ou não admissível recurso ordinário directo ou se, pelo contrário, há necessidade de prévia reclamação para a conferência por, alegadamente, ser aplicável o normativo do artigo 40º/3 do ETAF.
Como se enfatizou na decisão que admitiu a revista, “Para questões similares tem esta formação admitido os respectivos recursos de revista excepcionais interpostos para o STA, para que a pronúncia que venha a emitir sobre a questão possa servir como orientação para os tribunais de que é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito – cfr., entre outros mais recentes, os Acórdãos deste STA de 7 de Outubro de 2015, rec. n.º 0689/15, de 25 de Novembro de 2015, rec. n.º 01116/15 e de 9 de Março de 2016, rec. n.º 1568/15 -, justificando-se a admissão da presente revista por paridade de razões.
Acresce que este STA já teve ocasião de decidir da questão de mérito, tendo-o feito em sentido diverso do adoptado no Acórdão do TCA recorrido – cfr., entre outros, o Acórdão deste STA de 9 de Novembro de 2016, rec. n.º 1568/15 -, havendo, também aqui por paridade de razões, que permitir a possibilidade de conferir igualdade de tratamento.
Assim, enfrentando a questão sub judicibus da (in)admissibilidade de recurso ordinário directo da decisão proferida em tribunal de 1ª instância por juiz singular, em acção administrativa especial em matéria tributária com valor superior à alçada do tribunal, sem necessidade de prévia reclamação para a conferência, como bem denota o EPGA junto deste STA, sufragando os fundamentos de admissão do recurso, a necessidade de melhoria na aplicação do direito justifica a solução da questão por adesão à doutrina do acórdão do STA-SCT de 9.11.2016 (processo n°1568/15) cujo sumário se transcreve:
“O disposto no art.27°,n°s 1 e 2 do CPTA, na redacção anterior àquela que resulta do Decreto-Lei n°214-G/2015, de 2/10, não é aplicável nos Tribunais de 1ª instância, estando a sua aplicação reservada para os Tribunais Superiores, TCA e STA”.
Esse aresto foi relatado pelo Exmº 2º adjunto desta formação, Sr. Juiz Conselheiro Aragão Seia, justificando assim a solução ditada (extracto):
“A apreciação da questão suscitada não tem obtido unanimidade de posições.
Com efeito, no que concerne às formações de julgamento, a deliberação do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 2/5/2007 (recurso nº 01128/06) em que se decidiu que «as ações administrativas especiais da competência dos tribunais tributários de 1ª instância são julgadas por uma formação de três juízes, à qual cabe o julgamento da matéria de facto e de direito, quando o seu valor seja superior à alçada estabelecida para os tribunais administrativos de círculo», não foi tomada por unanimidade (foi lavrado voto de vencido), sendo que, posteriormente, veio a ser proferido acórdão da Secção, em 30/6/2010 (rec. nº 156/10) em que, além do mais, se pressupõe que a decisão do relator sobre o mérito da causa, proferida com a invocação dos poderes conferidos pela al. i) do nº 1 do art. 27.º do CPTA, não era passível de recurso mas de reclamação para a conferência.
E também a jurisprudência da Secção do Contencioso Administrativo do STA não tem obtido unanimidade de posições: a tese da obrigatoriedade da reclamação para a conferência foi acolhida no acórdão de 19/10/2010 (rec. nº 0542/10), e reafirmada no acórdão para uniformização de jurisprudência, de 5/6/2012 (rec. n.º 420/12 - acórdão n.º 3/2012, publicado no DR, I série, de 19/9/2012), vindo em posterior acórdão, também proferido em formação alargada, ao abrigo do art. 148º do CPTA, de 5/12/2013 (rec. nº 01360/13) publicado no DR, 1ª Série, de 30/1/2014, sob o n.º 1/2014, a ser reiterada, mas com um voto de vencido. (Neste acórdão uniformizador considerou-se que «Das decisões sobre o mérito da causa proferidas pelo juiz relator, nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal (cujo julgamento de facto e de direito cabe a uma formação de três juízes, nos termos do art. 40º, 3 do ETAF) cabe reclamação para a conferência, nos termos do art. 27º, 2, do CPTA, quer tenha sido ou não expressamente invocado o disposto no art. 27º, 1, al. i) do mesmo diploma legal» e que «O referido regime é aplicável aos processos do contencioso pré-contratual que por força da remissão do art. 102º do CPTA obedecem à tramitação estabelecida para as ações administrativas especiais.»)
Por outro lado, também não foi tirado por unanimidade (este acórdão foi tirado por maioria de oito votos, com uma declaração de voto e três votos contra) o acórdão de 26/6/2014, rec. nº 01831/13, igualmente em formação alargada, embora tenha prevalecido o entendimento de que, mesmo relativamente a decisões proferidas antes do acórdão uniformizador n.º 3/2012, a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência só seria possível se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.
E mais recentemente, a mesma Secção de Contencioso Administrativo do STA tem rejeitado o recurso de revista em casos de não admissão do recurso jurisdicional de sentença de juiz singular proferida nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. i), do CPTA, por considerar que existe já jurisprudência consolidada deste tribunal sobre essa questão (cfr. os acórdãos de 13/2/2014, 3/2/2015 e 16/2/2015, recursos n.ºs 1856/13, 060/15 e 092/15, respetivamente), admitindo, todavia, o recurso de revista nos casos em que o recurso jurisdicional de sentença é interposto antes da data da publicação do acórdão uniformizador n.º 3/2012, porque antes dessa data ainda não se encontrava fixada a orientação jurisprudencial nessa matéria (acórdão de 29/05/2014, rec. n.º 1886/13) e relativamente aos casos onde a decisão do juiz singular é proferida no despacho saneador por se considerar que não existe entendimento que possa considerar-se consolidado (cfr. os acs. de 29/1/2015, 12/4/2015 e 22/4/2015, recs. nºs 099/14, 202/15, 204/15 e 66/15, respetivamente).
A questão foi também apreciada no Tribunal Constitucional, primeiro no acórdão nº 846/13, de 10/12/2013, no qual se decidiu «Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, interpretado com o sentido de que das sentenças proferidas no âmbito de ações administrativas especiais de valor superior à alçada, julgadas pelo Tribunal singular ao abrigo da referida alínea i), do n.º 1, do artigo 27.º, não cabe recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo, mas apenas reclamação para a conferência» e, posteriormente, no âmbito dos acórdãos nº 101/14, de 12/2/2014 e nº 124/2015, processo nº 629/2014, de 12/02/2015, tendo este último julgado inconstitucional, «por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição, a norma do artigo 27º, n.º 1, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo».
Ora, apesar de o sentido da decisão do TC também assentar no argumento de que «não são também aceitáveis as interpretações normativas que de forma inovatória e surpreendente, face aos textos legais e às orientações consolidadas da jurisprudência, venham impor exigências formais com que as partes não podiam razoavelmente contar e sancionem o incumprimento desculpável desses requisitos em termos definitivos e irremediáveis, de modo a impedir qualquer forma de suprimento ou correção (neste sentido, LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pág. 840)», não cremos que tal circunstancialismo fique afastado, no caso vertente, tão só por a decisão de não admitir o recurso jurisdicional haver sido proferida depois das várias pronúncias do STA sobre a matéria, em termos de se poder concluir que o recorrente já podia razoavelmente contar com a mesma.
Como ponto preliminar importa que se diga que a controvérsia em apreciação nestes autos perdeu sentido face à alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, uma vez que fez desaparecer o julgamento em tribunal coletivo na 1ª instância, cfr. artigo 40º do ETAF, e limitou a aplicação do artigo 27º do CPTA aos despachos proferidos pelo relator em processos cuja tramitação em primeiro grau de jurisdição ocorra nos tribunais superiores.
Assim, toda a análise que se faça desta questão implica sempre que se trate de processos não abrangidos pelas alterações introduzidas por aquele DL de 2015.
Que, à data, as ações administrativas especiais que corressem os seus termos nos Tribunais Tributários de 1ª instância e devessem ser subsumidas ao disposto no revogado artigo 40º, n.º 3 do CPTA deveriam ser julgadas por uma formação de três juízes, à qual cabia o julgamento da matéria de facto e de direito, já o decidiu este Supremo Tribunal, em Pleno da secção do contencioso Tributário, no processo n.º 01128/06, de 02.05.2007, não se vendo agora razão material ou legal para se contrariar a argumentação aí expendida.
Portanto, a questão que se coloca nos autos passa por saber qual o modo de reação das partes relativamente à decisão final de mérito, quando o juiz a quem havia sido distribuído o processo que devesse ser julgado por uma formação de três juízes, o decidisse sem reunir essa mesma formação de três juízes.
Já vimos, pela síntese jurisprudencial atrás elencada, que a secção do contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal tem dado resposta a esta questão no sentido de que, proferindo o juiz, a quem o processo foi distribuído, a decisão final, nos termos e independentemente de ser invocado o disposto no artigo 27º, n.º 1, al. i) do CPTA, cabe sempre reclamação para a conferência e, da pronúncia desta, é que cabe o recurso jurisdicional.
No caso dos autos sempre se poderia argumentar que havia e há diferenças substanciais entre a tramitação dos processos do contencioso tributário e a tramitação dos processos do contencioso administrativo, enquanto que relativamente aos processos tributários, regulados no CPPT, a regra era sempre a da intervenção do juiz singular, tanto no julgamento da matéria de facto, como na elaboração da sentença, cfr. artigo 46º do ETAF, (na redação à data da interposição do recurso), já nos processos do contencioso administrativo a intervenção do juiz singular na fase de julgamento dependia da forma que o processo seguia e da vontade das partes, quando se tratava de acção administrativa comum, cfr. n.º 2 do artigo 40º, e nas ações administrativas especiais a regra era a da intervenção do juiz singular, intervindo a formação de três juízes, em função do valor da ação.
Na concreta situação dos autos, apesar de estar em discussão matéria tributária, estamos perante uma ação administrativa especial que segue a tramitação prevista no CPTA, cfr. artigos 97º, n.º 2 do CPPT e 191º do CPTA.
Portanto, é neste último Código, no CPTA, que temos que encontrar a regulamentação de toda a tramitação de uma ação como a dos autos, em nada diferindo, assim, da tramitação das ações administrativas especiais em que se discuta matéria exclusivamente administrativa, esta é, no essencial, a argumentação expendida no já referido acórdão do Pleno desta secção datado de 02.05.2007.
Dispunha à data o artigo 27º do CPTA:
1 - Compete ao relator, sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código:
a) Deferir os termos do processo, proceder à sua instrução e prepará-lo para julgamento;
b) Dar por findos os processos;
c) Declarar a suspensão da instância;
d) Ordenar a apensação de processos;
e) Julgar extinta a instância por transação, deserção, desistência, impossibilidade ou inutilidade da lide;
f) Rejeitar liminarmente os requerimentos e incidentes de cujo objeto não deva tomar conhecimento;
g) Conhecer das nulidades dos atos processuais e dos próprios despachos;
h) Conhecer do pedido de adoção de providências cautelares ou submetê-lo à apreciação da conferência, quando o considere justificado;
i) Proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada;
j) Admitir os recursos de acórdãos, declarando a sua espécie, regime de subida e efeitos, ou negar-lhes admissão.
2 - Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com exceção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal.
Surpreende-se que esta norma do artigo 27º “…definindo os poderes do relator nos tribunais superiores, corresponde ao estabelecido no artigo 9º da LPTA (que definia as competências do relator no Supremo Tribunal Administrativo e no Tribunal Central Administrativo), com o aditamento da possibilidade de o relator julgar, singular e liminarmente, as providências cautelares requeridas, quando tal se mostre justificado, e, bem assim, o objeto do recurso ou da ação nos casos de manifesta improcedência ou de o mesmo versar sobre questões simples e já repetidamente apreciadas pela jurisprudência (alíneas h) e i). O elenco das competências do relator surge, assim, significativamente ampliado, em sintonia com as medidas simplificadoras do processo igualmente instituídas pela reforma do CPC (cfr. artigo 700º, n.º 1, alínea g) do CPC), cfr. M. Aroso de Almeida e outro, CPTA anotado, 2ª edição, pág. 155.
Já vimos anteriormente que, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, esta norma passou a regular exclusivamente os poderes do relator nos processos em primeiro grau de jurisdição em tribunais superiores, ou seja, repetiu em substância e com uma roupagem mais atual, como já fizera neste artigo 27º, o que já resultava do artigo 9º da revogada LPTA, destinando-se, assim, apenas a ser aplicada nos Tribunais Superiores, que por natureza funcionam em Tribunal Coletivo, e não nos Tribunais de 1ª instância.
Para os Tribunais de 1ª instância, no julgamento das ações administrativas especiais, o legislador previu, à data, expressamente que o juiz, ou relator, possa proferir a decisão em primeira instância sem reunir o coletivo, cfr. artigo 94º, n.º 3 do mesmo CPTA (quando o juiz ou relator considere que a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada, a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia), sendo que dessa decisão poderia ser interposto de imediato recurso nos termos do disposto nos artigos 140º e ss. do CPTA, por ser esse o único meio legalmente previsto para o efeito.
É certo que o julgamento da causa, de facto e de direito, por juiz singular, quando a competência pertence a uma formação de três juízes, e fora dos casos previstos no artigo 94º, n.º 3 do CPTA era geradora da incompetência relativa do Tribunal singular, que sempre poderia ser conhecida nos termos do disposto nos artigos 110º, n.º 4 e 646º, n.º 3 do CPC.
Mas se o relator, como juiz singular, decide causa que possa ser subsumida ao disposto naquele preceito legal, estaria a agir dentro dos poderes que lhe eram conferidos pela própria lei, não se vendo, por isso, que essa decisão assim proferida deva ser objeto de reclamação prévia para a formação de três juízes, como preliminar da interposição de recurso jurisdicional.
A exigência do julgamento pela formação de três juízes nas ações administrativas especiais previstas no artigo 40º, n.º 3 do CPTA, prende-se precisamente com a maior exigência das causas e das questões que são discutidas nessas mesmas ações, quer essa maior exigência diga respeito aos sujeitos, quer diga respeito ao objeto, portanto, se a decisão da concreta causa puder ser subsumida ao disposto no referido artigo 94º, n.º 3 do CPTA, não faria qualquer sentido a intervenção do Tribunal Coletivo para a prolação da mesma, seria mesmo um contrassenso, e menos sentido faria, ainda, que pudesse haver reclamação da decisão do juiz singular proferida ao abrigo do disposto naquele n.º 3 para a formação de três juízes.
Diferentemente se passa nos Tribunais Superiores. Todos os despachos ou decisões proferidos pelo relator que contendam direta ou indiretamente com a decisão do mérito da causa são suscetíveis de reclamação para a conferência, e isto é assim porque não é admissível recurso jurisdicional de tais pronúncias, antes se impõe a reclamação para a conferência, uma vez que a regra é sempre a da decisão em formação de três juízes e cabe à conferência sindicar a bondade dos despachos do relator, o que não se passa em 1ª instância.
Portanto, aplicando-se à 1ª instância uma norma própria reservada à tramitação dos processos nos Tribunais Superiores, que implicaria uma alteração na tramitação dos processos na fase da impugnação da decisão -quando é certo que nem sequer existem normas regulamentadoras do modo pelo qual se deve processar a dita reclamação nos Tribunais de 1ª instância-, estar-se-ia a criar uma dificuldade acrescida às partes que, na verdade, pode contender com o direito a um processo equitativo, cfr. artigo 20º, n.º 4 da CRP.
A introdução da exigência de reclamação da decisão do juiz singular para a formação de três juízes, como antecâmara da abertura da via do recurso jurisdicional dirigido aos Tribunais Superiores, constitui uma “inovação” que não encontra explicação ou justificação no conjunto das normas que regulam a tramitação dos processos em 1ª instância, nem se coaduna com as mesmas, porque acarreta um ónus acrescido para as partes ao qual se associa uma consequência deveras nefasta, a perda do direito ao recurso.”
Como também destaca o EPGA, a doutrina do acórdão cujos sumário e fundamentação se acabaram de transcrever, foi reafirmada nos acórdãos STA-SCT 30.11.2016 (processo n° 689/15); 14.12.2016 (processo n° 1484/15); 18.01.2017 (processo n° 1116/15); 22.02.2017 (processo n° 673/17); 21.06.2017 (processo n° 1327/16); 4.10.2017 (processo n° 120/17), sendo de preservar a sua continuidade, em homenagem ao princípio da interpretação e aplicação uniformes do direito (art.8° n°3 CCivil).
Destarte, é forçoso concluir que a decisão recorrida não se pode manter, antes devendo ser substituída por outra que conheça do mérito do recurso.
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3. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta secção do contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, ordenar a baixa dos autos ao TCA para que aí se conheça do recurso interposto, de facto e de direito, se não houver qualquer outra causa que obste a esse conhecimento.

Custas pela recorrida.
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Lisboa, 6 de Novembro de 2019. – José Gomes Correia (relator) – Francisco Rothes – Paulo Antunes.