Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0259/18
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
ATRASO NA JUSTIÇA
DANO MORAL
Sumário:Justifica-se a admissão da revista de acórdão do TCA que exige ao autor a invocação de factos concretos em que se traduz o dano moral decorrente de atraso na realização da justiça.
Nº Convencional:JSTA000P23161
Nº do Documento:SA1201804120259
Data de Entrada:03/08/2018
Recorrente:A............, SGPS, SA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………… SGPS SA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 19 de Dezembro de 2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, que por seu turno julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM por si intentada contra o ESTADO PORTUGUÊS, por atraso na realização da justiça, por falta de alegação de factos constitutivos do dano.

1.2. Justifica a admissibilidade da revista por se tratar de questão que tem suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e da doutrina, sendo que a decisão recorrida está a seu ver em contradição com a jurisprudência do STA, dos TCAs e do TEDH.

1.3. O Ministério Público, em representação do Estado Português, considera que não estão preenchidos os pressupostos de admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Tanto a 1ª instância, como o TCA Sul entenderam que não foram alegados factos concretos e constitutivos do dano, e sem necessidade de apreciar a existência de outros requisitos da responsabilidade civil extracontratual, julgaram a acção improcedente.

3.3. A sentença proferida na 1ª instância não ignorou o acórdão deste STA de 9-10-2008, proferido no processo 0319/08, segundo o qual “constitui facto notório, como tal não carecendo de alegação nem de prova o dano psicológico emergente do atraso na realização da justiça. Todavia o seu julgamento como disse a sentença “diverge, no entanto do douto acórdão seguindo antes a linha de entendimento expressa no voto de vencido nele vertido”.

A questão é assim a de saber se o dano moral sofrido pelo atraso na justiça é um facto notório – e portanto sem necessidade de ser fundado em outros factos concretos - cabendo ao réu a prova de que o mesmo se não verificou ou se, por contrário, o lesado tem que alegar sempre factos concretos de onde resulta aquele dano moral, parece ter sido decidida em sentido contrário a do citado acórdão do STA – como de resto a sentença expressamente afirmou.

Com efeito, naquele acórdão decidiu-se, além do mais que “Os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na actuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso. Se a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu”.

Trata-se, a nosso ver, de questão com virtualidade de se repetir no futuro, versando sobre matéria de grande relevância jurídica e social e objecto de larga controvérsia jurisprudencial. Por outro lado, a decisão recorrida, parece afastar-se do entendimento seguido por este STA, pelo que se justifica claramente a intervenção deste Tribunal com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

Justifica-se assim a admissão da revista.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 12 de Abril de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.