Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0124/18
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:TAXA
PORTAGEM
COIMA
NOTIFICAÇÃO
ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA
Sumário:I - A taxa de portagem é uma taxa a que se adicionam custos administrativos que, quando não pagos, dão lugar a uma contraordenação que pode originar uma coima desde que tenha sido instaurado um processo de contraordenação em que, com observância do formalismo legal, se haja concluído pela sua aplicação.
II - Se a dívida é posterior à declaração de insolvência, ainda assim, o insolvente tem direito de a discutir e mostrar que não é de sua responsabilidade no que terá o maior interesse se a empresa vier a ser objecto de recuperação.
III - Após a declaração de insolvência, todas as notificações, em matéria patrimonial e tributária têm que ser efectuadas, obrigatoriamente, na pessoa do administrador de insolvência por força do disposto nos artigos 81.°, n.º 4 do CIRE e 41.°, n.º 3 do Código de Processo e Procedimento Tributário seja de liquidação de impostos, taxas, seja de decisões administrativas que condenam em coimas.
Nº Convencional:JSTA000P23128
Nº do Documento:SA2201804110124
Data de Entrada:02/05/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Tributário de Lisboa
. de 12 de Setembro de 2017


Julgou procedente a oposição, absolvendo a oponente da instância executiva.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de oposição n.º 2183/14.3BELRS deduzida por A…………, SA – representada pelo Administrador de Insolvência, contra o processo de execução fiscal n.º 3328201401164635, que lhe foi instaurado pelo serviço de finanças de Lisboa-9, para cobrança coerciva de coimas fiscais e taxas de portagem, no valor global de € 4.153,99 (quatro mil, cento e cinquenta e três euros e noventa e nove cêntimos) tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

i. Na douta sentença produzida nos presentes autos foi, num primeiro momento considerado que o pedido da Impugnante não constituía fundamento de uma Oposição e a Fazenda Pública seria absolvida da instância (cfr. 4.1 Do Erro na forma do Processo, quanto à ilegitimidade da Oponente, fls. 3 e 4 da sentença) se não fosse a segunda parte da sentença que, pelo contrário, se veio afinal a pronunciar pela sua procedência.

ii. Em síntese, a fundamentação do sentido da decisão tem por base a aplicação a este caso concreto do regime constante dos artigos 61.º, alínea a) e 62.º do RGIT e da jurisprudência do STA, segundo o qual a insolvência das sociedades é equiparável à morte das pessoas singulares e, assim sendo, a obrigação do pagamento das coimas e eventualmente a execução fiscal instaurada para a respectiva cobrança coerciva deveriam ser extintas.

iii. O problema é que não estão aqui em causa quaisquer coimas.

iv. O processo de execução fiscal que está na base da presente oposição foi instaurado para cobrança coerciva de Taxas de Portagem.

v. Conforme consta nos autos na listagem das dívidas em execução fiscal (cfr. fls. 32 a 51), é expressamente referido na petição inicial (cfr. artigos 7, 8, 18, 20), na informação do Serviço de Finanças (fls. 57), na contestação da Fazenda Pública logo no primeiro artigo e no próprio Relatório da Sentença quando se reproduz as alegações do Oponente onde se diz: "Todas as taxas de portagem a que se refere a dívida exequenda têm origem e data posterior à data da insolvência, sendo que a viatura que, terá dado ao pagamento de tais taxas de portagem (veículo com a matrícula ………), não pertence à insolvente, nem foi aprendida para a massa insolvente)."
vi. Pelo que, salvo melhor opinião, se verifica um erro de aplicação do direito à realidade dos factos, uma vez que não está aqui em causa qualquer contra-ordenação, conforme se demonstrou.

vii. Nem esta foi sequer alegada por qualquer das partes, tendo sido conhecida oficiosamente (cfr. 4.2., fls. 4 da sentença), sem qualquer elemento que a suporte.

viii. Pelo que, parece-nos, toda a segunda parte da sentença não tem qualquer elemento que a sustente e, salvo melhor opinião, deve ser a Fazenda Pública absolvida da instância conforme já se considerou no ponto 4.1 (Do Erro na forma do Processo) da decisão aqui em causa.
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A oponente não apresentou contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da confirmação da sentença recorrida.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

a) Em 21/05/2014, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Lisboa-9, contra a sociedade A………… S.A - Em Liquidação, que teve a sua sede na rua ……………., em Lisboa, o processo de execução fiscal n.º 3328201401164635, destinado à cobrança coerciva de coimas fiscais, cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 20/05/2014, no valor global de € 4.153,99 (quatro mil, cento e cinquenta e três euros e noventa e nove cêntimos) – documentos juntos de fls. 32 a fls. 57 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
b) A sociedade, id. na alínea antecedente, foi declarada insolvente em 05/06/2013, por sentença, transitada em julgado, proferida no 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, em sede do processo n.º 966/13.0 TYLSB - sentença de insolvência junta a 16/05/2017 e certidão de registo comercial, junta a fls. 6 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
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Questões objecto de recurso:

1 - Natureza da dívida exequenda.


A Representante da Fazenda Pública interpõe o recurso com um único fundamento: a dívida exequenda é constituída exclusivamente por taxas de portagem não pagas e a sentença considerou que estão em causa coimas fiscais decidindo que em virtude de estarmos em presença de uma sociedade declarada insolvente e as coimas terem sido aplicadas depois «da morte da infractora», nos termos do artigo 62.º do RGIT está a ora oponente desobrigada de proceder ao seu pagamento, procedendo assim a oposição.
A sociedade A……….., S.A. representada pelo Sr. Administrador de Insolvência nomeado no âmbito do Proc. N.0966/13.0TYLSB, que corre termos pelo 1. ° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, citada para a execução supra identificada, veio ao abrigo do disposto nos artigos 203.°. n.º 1 e 204. °, n. º 1, alíneas b), h) e i) do C.P.P.T. deduzir oposição à execução, invocando os seguintes fundamentos:

1- A sociedade A……….., S.A., foi declarada insolvente por sentença proferida em 05/06/2013, pelas 12h, pelo 1. ° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, transitada em julgado, pelo que qualquer notificação posterior a tal data deveria ter sido efetuada na pessoa do Administrador de Insolvência nos termos do disposto no artigo 81.°, n.º 4 do CIRE e 41.°, n.º 3 do CPPT.
2- O Administrador de Insolvência não recebeu qualquer notificação prévia à citação da presente execução, nem recebeu qualquer notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.°da Lei n. º 25/2006, de 30 de Junho, não tendo tido, portanto, a ora insolvente oportunidade de apresentar a sua defesa.
3- A falta de notificação da liquidação configura razão de inexigibilidade da dívida exequenda e, nessa medida, constitui fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204° do CPPT.
4- Todas as taxas de portagem a que se refere a quantia exequenda têm origem em data posterior à data da insolvência e a viatura que, alegadamente, terá dado origem ao pagamento de tais taxas de portagem (veículo com a matrícula …………) não pertence à insolvente, não foi apreendida para a massa insolvente, nem tão pouco se encontra(va) detida por esta nem se encontrava em tais datas na posse do mesmo. Tal veículo está desde 28/10/2008 na posse da sociedade B…………, Limitada, pessoa coletiva n.º ………….., com sede em …………, …………, Torres Vedras, 2565 ……….
5- Resulta, assim, que a sociedade ora executada não foi, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, bem como não era proprietária, usufrutuária, locatária financeira ou detentora do veículo, razão pela qual a liquidação das taxas de portagem e correspondentes taxas administrativas que constituem a dívida exequenda é ilegal, não tendo sido assegurado o meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, senão mediante a presente oposição.

A sentença recorrida, começando por enunciar que a dívida exequenda era constituída por taxas de portagem, coimas e custos administrativos, apenas levou ao probatório as segundas, suportada numas certidões de dívida complexas, herméticas e de difícil compreensão, mas onde se pode ler:
“Tipo valor”, “JUROS DE MORA CALCULADOS” e “IMPOSTO/CONTR/TAXA/OUTROS – SEM JUROS DE MORA”, que se admite, com grande probabilidade corresponder a: IMPOSTO/CONTRAORDENAÇÃO/TAXA/OUTROS – SEM JUROS DE MORA.
Invocada a falta de notificação do administrador de insolvência dos actos de liquidação, da pendência de processo de contraordenação impossibilitando o exercício do direito de defesa, e a falta de notificação das decisões que aplicaram coimas, nada foi levado ao probatório sobre essa matéria e nada foi dito a tal respeito na decisão.
Não assiste total razão à recorrente por não estar em causa exclusivamente a falta de pagamento de taxas de portagem dado que a dívida exequenda é constituída por uma amálgama de taxas de portagem, coimas, custos administrativos e juros em montantes não discriminados, e, eventualmente impostos. Mas também não estão só em causa coimas como entendeu a decisão recorrida, não foram apreciados os diversos fundamentos invocados na petição inicial, nem a matéria de facto permite concluir que todas as dívidas se reportam a factos ocorridos depois da declaração de insolvência dado que apenas refere a data de pagamento voluntário e não a data da ocorrência dos factos tributários.
A taxa de portagem é uma taxa a que se adicionam custos administrativos que, quando não pagos, dão lugar a uma contraordenação que pode originar uma coima desde que tenha sido instaurado um processo de contraordenação em que, com observância do formalismo legal, se haja concluído pela sua aplicação.
Se a dívida é posterior à declaração de insolvência, ainda assim, o insolvente tem direito de a discutir e mostrar que não é de sua responsabilidade no que terá o maior interesse se a empresa vier a ser objecto de recuperação.
Após a declaração de insolvência, neste caso ocorrida em 2013, todas as notificações, em matéria patrimonial e tributária têm que ser efectuadas, obrigatoriamente, na pessoa do administrador de insolvência por força do disposto nos artigos artigo 81.°, n.º 4 do CIRE e 41. °, n.º 3 do Código de Processo e Procedimento Tributário seja de liquidação de impostos, taxas, seja de decisões administrativas que condenam em coimas.
A matéria de facto mostra-se, pois, manifestamente insuficiente para a decisão da presente oposição impondo-se que seja corrigida e completada de molde a poder suportar uma decisão de mérito. A incorrecta prática de dar por reproduzidos documentos que são meros meios de prova quando a lei impõe que se indiquem que factos – concretos factos – estão provados leva a confundir os factos com os meios de prova e permite menos rigor na análise daqueles. As listagens das certidões de dívida não são certidões de dívida, são um mero catálogo cibernético daquelas e é difícil apenas pela sua leitura retirar os dados que importa terem-se por provados.

A sentença recorrida fez, pois, uma análise insuficiente da prova que fere inevitavelmente a decisão jurídica de erro de direito, impondo-se a sua anulação para ampliação da matéria de facto, socorrendo-se, se necessário, dos elementos em posse da Administração Tributária que não foram, como deviam, juntos aos autos.

Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida determinando a ampliação da matéria de facto nos termos supra referidos.
Custas pela recorrida que não suporta a taxa de justiça dado não ter contra-alegado.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 11 de Abril de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Francisco Rothes.