Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0920/09
Data do Acordão:11/18/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IRS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Sumário:I - De acordo com o disposto no artº 111º do CIRS “Para pagamento do IRS relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.”
II - Significa isto que o respectivo crédito pode ser reclamado ao abrigo do disposto no artº 240º, nº 1 do CPPT, mesmo não constituindo o privilégio uma garantia real, uma vez que, conforme jurisprudência consolidada do STA, o artº 240º, nº 1 citado deve ser interpretado amplamente, de modo a terem-se por abrangidos na sua estatuição, não apenas os credores que gozem de garantia real, sticto sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente, privilégios creditórios.
Nº Convencional:JSTA00066122
Nº do Documento:SA2200911180920
Data de Entrada:09/25/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART686 N1.
CIRS88 ART111.
CPTRIB99 ART240 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC882/04 DE 2004/02/04.; AC STAPLENO PROC442/04 DE 2005/04/13.; AC STA PROC612/04 DE 2005/05/18.; AC STA PROC432/09 DE 2009/06/17.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I. A FAZENDA PÚBLICA veio recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou não verificado os créditos relativos ao IRS, dos anos de 2005 e 2006 por si reclamados nos autos de verificação e graduação de créditos que por apenso foram instaurados no processo de execução fiscal nº 1899200401005472, movido contra A…, com os demais sinais dos autos, por dívidas de IRS, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A. O crédito de IRS de 2005 e 2006, reclamado pela Fazenda Pública, beneficia de privilégio creditório imobiliário, e encontra-se abrangido pelos três anos anteriores ao da penhora, nos termos do artº. 111º. do CIRS.
B. O privilégio creditório, consiste na faculdade que a lei substantiva concede, em atenção à causa do crédito, de ser pago com preferência em relação a outros credores;
C. O privilégio creditório geral, sendo uma mera preferência de pagamento, não implica o afastamento do crédito que dele beneficia, da reclamação e graduação no lugar que lhe competir;
D. A admissão ao concurso de credores, constitui a razão de ser da atribuição do privilégio creditório;
E. Exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o falado artigo 111° do Código do CIRS, pois, nesse caso, o seu crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio.
F. O artº. 240° do CPPT, deve ser interpretado no sentido de conferir dimensão lata à expressão credores que gozem de garantia real, por forma a abranger não apenas os credores que gozem de garantia real stricto senso, mas também aqueles a quem a lei atribui causas legítimas de preferência, como os privilégios creditórios imobiliários, ainda que não especiais;
G. O crédito reclamado de IRS de 2005 e 2006, e respectivos juros de mora, deve ser graduado logo após os créditos garantidos por hipoteca, e antes dos garantidos apenas por penhora, de harmonia com o previsto nos artºs 747°, n°. 1 e 822º do CC.
H. A douta sentença recorrida violou o disposto no artº. 240°. do CPPT, nos artºs 733º, 747°, 822º do CC. , 111º do CIRS, e 8º do DL. nº 73/99.
II. Não foram apresentadas contra alegações.
III. O Mº Pº emitiu o parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça e gradue os créditos reclamados “…de acordo com as normas substantivas aplicáveis.”
IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1º)- O Serviço de Finanças de Valongo instaurou em 25 de Fevereiro de 2004 contra A… o processo de execução fiscal nº. 1899-2004/01005474 por dívidas relativas a IVA do exercício de 2002 no valor de 13.917,02 euros.
2º)- Pelo mesmo Serviço de Finanças foram instaurados outros processos de execução fiscal, identificados a fls. 71, por dívidas relativas a IRS de 2002, 2003 e 2004 no valor de 17.548,09 euros e de IVA relativo aos exercícios de 2002, 2003 e 2004.
3º)- Em 4 de Agosto de 2006, o Serviço de Finanças procedeu à penhora do prédio urbano inscrito na matriz da Freguesia de Valongo, Concelho de Valongo sob o artº 5910° AT, descrito na CRP de Valongo sob o n.º 1170/19881228-AT.
4º)- Penhora que foi efectuada para garantia dos créditos relativos ao IRS de 2002, 2003 e 2004.
5º)- A penhora foi registada na CRP pela Apresentação nº 10/20060808.
6º)- Em 21 de Maio de 2007, o referido Serviço de Finanças procedeu à penhora do mesmo prédio para garantia dos créditos relativos ao IVA de 2002, 2003 e 2004 e ao IRS de 2002, 2003 e 2004.
7º)- A penhora foi registada na CRP pela Apresentação n.º 25/20070629.
VI. A decisão recorrida não graduou os créditos reclamados, relativos a IRS dos anos de 2005 e 2006, por ter entendido que o privilégio imobiliário geral previsto no artº 111º do CIRS não constitui uma garantia real.
A recorrente, por sua vez, louvando-se em jurisprudência deste Tribunal, entende que o artº 240º, nº 1 do CPPT “deve ser interpretado amplamente, de modo a terem-se por abrangidos na sua estatuição, não apenas os credores que gozem de garantia real, sticto sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente, privilégios creditórios”.
Vejamos então se os referidos créditos devem ou não ser graduados e, em caso afirmativo, em que lugar.
De acordo com o nº 6 do probatório supra, em 21 de Maio de 2007 foi penhorado prédio urbano inscrito na matriz da Freguesia de Valongo, Concelho de Valongo sob o artº 5910° AT, descrito na CRP de Valongo sob o n.º 1170/19881228-AT para garantia dos créditos relativos ao IVA de 2002, 2003 e 2004 e ao IRS de 2002, 2003 e 2004.
Os créditos em causa no presente recurso referem-se ao IRS dos anos de 2005 e 2006.
O artº 111.º do CIRS, estabelece o seguinte:
“Para pagamento do IRS relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.”
“Ora, a literalidade deste normativo, na presunção que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º n.º 3 do CC), não consente outra interpretação que não seja a de que o aludido privilégio creditório não abrange o imposto relativo ao mesmo ano a que respeita a penhora efectuada na execução, ao invés do que se entendeu na sentença, apenas dele beneficiando o relativo aos três anos anteriores” (Acórdão deste Tribunal e Secção, de 07.10.2009 -Recurso nº 628/09).
No caso dos autos, porém, os créditos reclamados – IRS de 2005 e 2006 - não se reportam ao ano da penhora - efectuada em 2007-, pelo que os mesmos devem ser graduados.
E a essa graduação não obsta, tal como alegado pela recorrente, o facto de o privilégio previsto no artº 111º acima citado não constituir garantia real.
Com efeito, tal como referido no parecer do Mº Pº de fls. 111 “A jurisprudência recente do STA tem-se pronunciado de forma consolidada, a propósito da interpretação da norma constante do artº 240º, nº 1 do CPPT, no sentido de que podem reclamar os seus créditos no processo de execução fiscal não apenas a credores que gozem de garantia real stricto sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, como é o caso dos privilégios creditórios” ( Neste sentido, entre outros, v. os Acórdãos de 13/04/2005, - Pleno - Recurso n.º 442/04, de 18/05/2005, Recurso n.º 612/2004, de 06/12/2006, Recurso n.º 929/06, de 13/05/2009, Recurso nº 185/09, de 04.02.2004 – Recurso nº 882/04, de 06.12.2006 -Recurso nº 2078/03 e de 17.06.09 - Recurso nº 432/09.)
Em defesa deste entendimento escreveu-se no Acórdão de 13/04/2005 – Recurso nº 442/04 (Pleno):
“Como se escreveu no acórdão fundamento de 04.02.2004 “assim impõe a unidade do sistema jurídico, pois não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prioridade no pagamento do crédito como faz o artigo 111º do Decreto-Lei nº 103/80 e nos demais preceitos legais citados e a lei adjectiva obstasse à concretização da preferência, impedindo o credor privilegiado de acorrer ao concurso pois que exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o regime substantivo dos privilégios creditórios pois que, nesse caso, o respectivo crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio.
... Daí que se possa concluir que o artº 240º, nº 1 do CPPT “deve ser interpretado amplamente, de modo a terem-se por abrangidos na sua estatuição, não apenas os credores que gozem de garantia real, sticto sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente, privilégios creditórios” .
Do que ficou dito, resulta então que os créditos reclamados, relativos ao IRS dos anos de 2005 e 2006, devem ser reconhecidos e graduados.
Assim, em primeiro lugar, será graduado o crédito reclamado pela B…, SA, que goza da garantia real constituída por hipoteca (artº 686º, nº 1 do Código Civil).
Em segundo lugar, e porque gozam do privilégio imobiliário geral do artº 111º do CIRS, serão graduados os créditos relativos a IRS dos anos de 2005 e 2006, 2003 e 2004 que gozam de privilégio imobiliário do artº 111º do CIRS.
Em terceiro lugar, será graduado o crédito exequendo de IRS relativo a 2002 que goza de garantia real constituída pela penhora com registo mais antigo.
Em quarto lugar, serão graduados os créditos exequendos de IVA relativos aos exercícios de 2002, 2003 e 2004 que gozam de garantia real constituída pela penhora com registo mais recente;
Em quinto lugar, serão graduados os créditos exequendos relativos a coimas e despesas e respectivos juros de mora.
VII. Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença na parte ora recorrida e, em consequência, graduar os créditos pela ordem seguinte, saindo as custas precípuas do produto dos bens penhorados:
1.º- O crédito reclamado pela B…, SA, que goza da garantia real constituída por hipoteca.
2.º- Os créditos relativos a IRS dos anos de 2005 e 2006, 2003 e 2004, que gozam de privilégio imobiliário do artº 111º do CIRS.
3º - O crédito exequendo de IRS relativo a 2002 que goza de garantia real constituída pela penhora com registo mais antigo;
4.º- Os créditos exequendos de IVA relativos aos exercícios de 2002, 2003 e 2004 que gozam de garantia real constituída pela penhora com registo mais recente;
5.º- Os créditos exequendos relativos a coimas e despesas e respectivos juros de mora.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Novembro de 2009. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Brandão de Pinho.