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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01300/16.3BELRS 01397/16
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
CONVOLAÇÃO
Sumário:I- O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir sem prejuízo de, na interpretação do pedido, para indagação da real pretensão do autor, se poder usar como elemento hermenêutico a causa de pedir invocada.
II- A compensação de créditos, sendo forma de extinção total ou parcial da obrigação expressamente prevista para os créditos do Estado, constitui fundamento residual de oposição à execução fiscal (arts.847º nºs 1 e 2 e 853º nº 1 al.c) CCivil; arts.89º, 90º e 90º-A CPPT; art.204º nº1 al.i) CPPT).
III- O pedido formulado na petição de oposição de suspensão da execução, em consequência de garantia alegadamente prestada, não justifica a convolação da oposição à execução em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, na medida em que pode ser autonomamente formulado perante aquela entidade, com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (arts.169º e 276º CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P25126
Nº do Documento:SA22019110601300/16
Data de Entrada:12/13/2016
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A………… e B………… interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão liminar proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou verificada a nulidade por erro na forma do processo da oposição à execução fiscal nº 3301201501253271 instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 4, determinando a sua convolação em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal (OEF).

Os recorrentes apresentaram alegações que sintetizaram com a formulação das seguintes conclusões:
1. A apreciação de um facto que pode consubstanciar o pagamento da dívida, ainda que parcial, por compensação, constitui fundamento de oposição à execução, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto nas alíneas f) ou i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.
2. Uma oposição à execução que contém fundamentos enquadráveis no artigo 204º do CPPT nº 1 alínea i) não consubstancia erro na forma do processo gerador de nulidade de conhecimento oficioso, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto nos artigos 193º e 196º do CPC.
3. Não se verificando erro na forma do processo e consequente nulidade de conhecimento oficioso, não pode haver convolação da oposição à execução em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto nos artigos 97º nº 3 da LGT e 98° nº 4 do CPPT.
4. O entendimento de que uma oposição à execução não contém fundamentos enquadráveis no artigo 204º do CPPT, deve dar lugar ao indeferimento liminar e rejeição da mesma, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 209º nº 1 do CPPT.
5. Não sendo uma oposição à execução indeferida liminarmente e rejeitada, nos termos do disposto no artigo 209º nº 1 do CPPT, deve o seu objecto ser apreciado e decidido pelo Tribunal, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 608º nº 2 do CPC.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se que a oposição à execução seja recebida, apreciada e decidida pelo Tribunal recorrido, assim se fazendo Justiça!

1.2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações

1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão impugnada e a devolução do processo ao tribunal recorrido para prosseguimento da tramitação da oposição à execução (processo físico fls.90/91)

1.4. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre decidir em conferência


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
Não foram julgados provados factos relevantes para a decisão da causa, em virtude do proferimento de despacho liminar que apreciou questão de natureza exclusivamente de direito

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: legalidade da compensação de créditos como fundamento de oposição à execução fiscal

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir sem prejuízo de, na interpretação do pedido, para indagação da real pretensão do autor, se poder usar como elemento hermenêutico a causa de pedir invocada.
Na interpretação das peças processuais são aplicáveis os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo aquele sentido que o declaratário normal possa razoavelmente extrair do teor do articulado (arts.236º nº1 e 295º CCivil); a operação hermenêutica deve igualmente promover a emissão de pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas, em consonância como os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, indagando a real pretensão do peticionante e privilegiando o sentido mais favorável ao seu interesse (arts.20º nº1 e 268º nº4 CRP; art.7º CPTA/ art.2º al.c) CPPT).
No caso concreto os oponentes deduziram oposição à execução invocando como fundamento a compensação parcial da dívida exequenda com crédito dos executados sobre o Estado, no montante de € 4 379,43 e formulando os pedidos de:
- suspensão da execução, por efeito de garantia prestada, até decisão definitiva de impugnação judicial que irão apresentar no prazo legal;
- declaração de pagamento parcial da dívida exequenda por compensação com o seu crédito sobre o Estado.
Neste contexto não se verifica a nulidade processual declarada na decisão recorrida, por erro na forma de processo: a oposição à execução é o meio processual adequado à tutela judicial requerida pelos oponentes de extinção parcial da dívida exequenda por compensação com um alegado crédito dos executados sobre o Estado e consequente extinção parcial da execução (como resulta inequivocamente da formulação do pedido de procedência da oposição com as consequências legais).
A oposição à execução, em regra, visa a extinção da execução fiscal, total ou parcial, podendo igualmente ter como objecto a suspensão da execução quando a exigibilidade da dívida seja afectada por motivo temporário (designadamente, concessão de moratória de pagamento na pendência de processo de falência ou de recuperação de empresa, decisão administrativa de suspensão da eficácia de um acto de liquidação na pendência do processo de execução).
A compensação constitui forma de extinção total ou parcial da obrigação, estando expressamente prevista para os créditos de Estado (arts.847º nºs 1 e 2 e 853º nº1 al.c) CCivil; arts.89ºe 90º CPPT).
Nesta conformidade, a invocação concreta de facto extintivo parcial da obrigação exequenda, não envolvendo a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representando interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, subsume-se a fundamento legal residual de oposição à execução (art.204º nº1 al.i) CPPT).
2.2.2.2. O pedido formulado na petição de oposição de suspensão da execução em consequência de garantia alegadamente prestada (mas não reconhecida no despacho do SF Lisboa 4 e na informação sobre a oposição à execução, docs. fls.20/23 e 38/39):
a) não invalida a relevância jurídica da compensação como fundamento de oposição à execução, a apreciar pelo tribunal tributário (art.204º nº1 al.i) CPPT)
b) não justifica a convolação da oposição em requerimento dirigido ao OEF, na medida em que aquele pedido pode ser formulado autonomamente perante o OEF, com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (arts.169º e 276º CPPT).

3. DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso;
em consequência:
- revogar a decisão recorrida e ordenar a devolução do processo ao Tribunal Tributário de Lisboa para prosseguimento da tramitação da oposição à execução, se outro motivo obstativo não se verificar.

Custas pela Fazenda Pública recorrida.

Lisboa, 6 de novembro de 2019. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – José da Ascensão Nunes Lopes.