Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0591/14
Data do Acordão:07/10/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
Sumário:É de admitir o recurso de revista excepcional relativamente à questão do início do prazo de prescrição da obrigação de indemnizar emergente do enriquecimento sem causa.
Nº Convencional:JSTA000P17827
Nº do Documento:SA1201407100591
Data de Entrada:05/23/2014
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

1.1. A………………, LDA. recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA, proferido no âmbito da ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM por si intentada contra o MUNICÍPIO DE LISBOA que julgou prescrito o direito do autor e absolveu o réu do pedido.

1.2. O TAC de Lisboa condenou o réu (Município de Lisboa) a restituir ao autor o valor correspondente ao enriquecimento sem causa, referente aos serviços prestados por este e provados nos autos.
1.3. O acórdão do TCA Sul julgou prescrito o direito do autor, por ter entendido, em síntese:
“(…)

Conforme julgamento feito, ficou provado que os trabalhos foram verbalmente requeridos, sem prévio contrato e que foram efectivamente prestados e ainda não pagos.

Mas dos autos também fica provado que a acção só foi apresentada em juízo já depois de 3 anos após o termo do prazo para pagamento pelo R. e recorrente, dos valores peticionados nos orçamentos que lhe foram dirigidos, que indicavam os serviços já prestados pelo A. e recorrido.

Ou seja, nestes autos ficou provado um facto extintivo do direito do A. e Recorrido, ficou provado o decurso do prazo de 3 anos após obrigação de pagamento do R. e Recorrente, com a consequente prescrição do direito do A. e Recorrido (...)”

1.4. Nas suas conclusões alega a recorrente que o direito da recorrente à restituição por enriquecimento sem causa não estava prescrito, uma vez que no art. 482º do CC se diz que o prazo da prescrição começa a contar a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito, o que significa que o prazo começa a contar a partir do momento em que o credor plenamente sabe que ocorreu um enriquecimento à sua custa. Cita a seu favor o acórdão do STJ de 17-3-2003, segundo o qual o prazo de prescrição do enriquecimento sem causa “(...) não abarca o período em que, com boa - fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído”.

2. Matéria de facto

Os factos provados são os que constam do acórdão recorrido, para onde se remete.

3. Matéria de direito
3.1. O recurso excepcional de revista só tem lugar quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – art. 150º, 1 do CPTA.

3.2. A questão colocada na revista é a de saber se ocorreu a prescrição do direito à indemnização por enriquecimento sem causa. Mais concretamente a divergência da recorrente radica na relevância – para este efeito – das reuniões que ocorreram em 9-6-2004, em 15-6-2004 e em Julho de 2005 e o facto de em 2006, o Vereador das Finanças ter ordenado a suspensão do referido processo, sem que o Município tenha reconhecido qualquer dívida.

3.3. A recorrente pugna pelo entendimento da sentença proferida na primeira instância, que a partir dos referidos factos concluiu:
“(…)
Donde é legítimo concluir que até essa data o Município não tendo expressamente concordado com o preço proposto manteve a A. numa situação em que esta não conhecia na plenitude o seu direito.

Consequentemente o prazo da prescrição previsto no referido art. 482º só se iniciou a partir da data em que a A. ficou a saber do referido despacho de suspensão do processo de negociações, pelo que na data em que a presente acção foi instaurada o referido prazo ainda decorria.
(...)”.

3.4. Apesar do presente processo apresentar contornos particulares, a questão colocada é de âmbito geral e tem a virtualidade de poder vir a colocar-se várias vezes. Na verdade, no essencial, importa determinar o início do prazo da prescrição do direito à indemnização por enriquecimento sem causa (prestação de serviços não pagos) e do reflexo, neste domínio, de um processo de negociações que perdurou cerca de dois anos. Com esta configuração a questão assume uma importância fundamental no regime jurídico da prescrição de um direito à indemnização residual como é o enriquecimento sem causa, mais concretamente na questão de saber em que termos as anteriores pretensões do lesado (e se dentro delas se incluem as negociações com vista ao pagamento dos serviços prestados) exercidas de boa-fé, impendem, ou não, o conhecimento do respectivo direito à indemnização para efeito de início do prazo da prescrição.

Deste modo, atenta a importância e complexidade da questão justifica-se admitir a revista.

4. Decisão
Face ao exposto admite-se a revista.
Lisboa, 10 de Julho de 2014. – São Pedro (relator) – Vítor GomesAlberto Augusto Oliveira.