Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01047/17.3BEPRT 0777/18
Data do Acordão:03/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:QUESTÃO DE DIREITO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IDENTIDADE DA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IDENTIDADE DAS SITUAÇÕES FÁCTICAS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27426
Nº do Documento:SAP2021032401047/17
Data de Entrada:08/20/2020
Recorrente:Z............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. Z…………, com os demais sinais dos autos, inconformada com douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 17 de Julho de 2020, que negou provimento ao recurso por ela interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra determinação de rendimentos de IRS do ano de 2010 por métodos indirectos, vem interpor recurso, nos termos do artigo 284º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com a redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, de uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal.
A recorrente invoca que o referido acórdão colide com o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo (STA), datado de 12 de outubro de 2011, proferido no processo nº 0524/11 (acórdão fundamento).

II. Por despacho a fls. 1773 do SITAF, o Ex.ª Juíza Desembargadora do TCA Norte veio admitir o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal.

III. A recorrente veio apresentar alegação de recurso a fls. 1605 a 1735 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
i. A identificação do acórdão recorrido e do acórdão fundamento:
a) O acórdão recorrido é o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 14 de julho de 2020 – processo aqui em causa n.º 1047/17.3BEPRT (CRISTINA DA NOVA) (Doc. 1);
b) O acórdão fundamento é o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de outubro de 2011 - processo n.º 0524/11 (ISABEL MARQUES DA SILVA) (Doc. 2).
ii. A contradição sobre a mesma questão fundamental de Direito
c) Os aspetos de identidade que determinam a contradição sobre a mesma questão fundamental de Direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento são os seguintes:
A AT corrigiu a matéria tributável através da avaliação indireta, nos termos dos artigos 83º, 85º e 87º, todos da LGT;
Discute-se se a AT tinha a obrigação de recorrer preferencialmente à avaliação direta, atendendo à natureza subsidiária da avaliação indireta, inclusive na modalidade de acréscimos patrimoniais injustificados (artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT), que radica no princípio da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104º, n.º 2 da CRP) e no princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP).
d) Face a estes aspetos, sucederam-se duas decisões superiores contraditórias: o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
e) A questão fundamental de Direito que aqui se coloca, no âmbito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, é a seguinte:
Considerando que a avaliação indireta é subsidiária (ou residual, conforme a interpretação) da avaliação direta, ao abrigo do princípio da tributação pelo lucro real e do princípio da capacidade contributiva, a AT, no âmbito do procedimento de avaliação indireta na modalidade de acréscimos patrimoniais injustificados (artigo 87º, n.º 1, alínea f) da LGT), se conhece a fonte e a origem dos ditos acréscimos patrimoniais, como ficou assente nos autos em apreço, tem a obrigação legal de recorrer à avaliação direta e de preferir os elementos objetivos de quantificação e não de lançar mão da avaliação indireta?
f) Deste modo, podemos concluir que se encontram integralmente verificados os pressupostos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 284º do CPPT.
iii. A infração imputada ao acórdão recorrido
g) Quer se adote a natureza subsidiária, quer se adote a natureza residual da avaliação indireta na modalidade de acréscimos patrimoniais injustificados, a AT está sempre obrigada a preferir a avaliação direta, por ser o mecanismo de avaliação, de correção mais próximo da tributação pelo lucro real, isto é, da capacidade contributiva do contribuinte;
h) A avaliação indireta, independentemente da sua modalidade, é sempre uma avaliação que se encontra mais afastada da tributação pelo lucro real e, portanto, mais geradoras de iniquidades fiscais, muitas vezes, de dupla tributação jurídica e ou económica;
i) Quer se entenda que a avaliação indireta na modalidade de acréscimos patrimoniais injustificados reveste natureza subsidiária, quer se entenda que reveste natureza residual, o certo é que apenas se pode recorrer a esse instrumento quando não seja possível proceder à avaliação direta, isto é, não existam elementos objetivos para determinar a matéria tributável;
j) No caso concreto, como ficou perfeitamente assente no acórdão recorrido, a AT tinha perfeito conhecimento da origem e da fonte dos (alegados) acréscimos patrimoniais;
k) Como estamos no exercício de poderes vinculados, a AT tinha a obrigação legal de, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, de investigar na esfera das sociedades aqui em causa, X…………, V…………, U………… e T…………, a natureza de tais movimentos financeiros;
l) Sobretudo tratando-se como disse o Tribunal a quo de sociedades relacionadas com S………… e o seu filho, R…………;
m) A fonte dos movimentos financeiros aqui em causa está perfeitamente identificada, a divergência aqui em causa situa-se quanto à qualificação desses movimentos;
n) No caso em apreço, a AT, conhecendo a fonte dos movimentos financeiros – as empresas relacionadas do pai S............ e do filho R............ – e atendendo à natureza excecional e subsidiária da avaliação indireta, a AT tinha a obrigação de corrigir ex officio a liquidação e reconduzir esses movimentos a factos tributários passíveis de avaliação direta;
o) Ao contrário do decidiu o acórdão recorrido;
p) Essa avaliação direta pressuporia qualificar tais rendimentos no caso de empresas em que o pai S............ era sócio, como distribuição de dividendos, e no caso de empresas em que o pai S............ era gerente, como rendimentos de trabalho dependente.
q) Não pode, assim, ser legítimo admitir que a AT possa lançar mão da avaliação indireta por acréscimos patrimoniais injustificados, que conduzirá a uma tributação de 60%, sobre factos dos quais era conhecida a sua origem e fonte e dos quais era possível reconstituir os factos tributários, através dos elementos objetivos disponíveis;
r) No caso concreto, resulta, assim, ofendido o princípio da tributação fundamentalmente pelo lucro real e, em bom rigor e no que diz respeito à Recorrente, sujeito passivo de IRS, o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade fiscal (artigo 13º da CRP);
s) Deste modo, podemos concluir que a avaliação indireta, inclusive na modalidade de acréscimos patrimoniais injustificados, tem natureza excecional, subsidiária ou residual, conforme a interpretação, mas deverá sempre constituir a ultima ratio fisci e deverá apenas ser utilizada quanto a AT desconhece a origem e a fonte do facto base;
t) No caso concreto, a AT conhecendo a fonte dos acréscimos patrimoniais e a relação estabelecida entre a fonte e o sujeito, tinha a obrigação legal de preferir a avaliação direta, mais próxima dos paradigmas da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva e da igualdade fiscal, do que atalhar pela avaliação indireta, assente em presunções que se afastam do rendimento real(mente) obtido;
u) Deste modo, podemos concluir que a questão controvertida aqui em causa deve ser resolvida de acordo com a fundamentação e interpretação do acórdão fundamento do Supremo Tribunal Administrativo e, consequentemente, deve ser anulado o acórdão recorrido, nos termos do artigo 284º do CPPT.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância com o seguinte quadro conclusivo:
i. Inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, vem o Recorrente interpor Recurso por Recurso por Uniformização de Jurisprudência interposto ao abrigo do disposto no Art.º 284.º do CPPT, na redacção dada pela Lei 118/2019 de 17 de Setembro, invocando que o entendimento vertido no presente Acórdão se encontra em manifesta oposição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à mesma questão fundamental de direito qual seja a de que considerando que a avaliação indirecta é susbsidiária da avaliação directa, em caso de se conhecer a fonte e a origem dos acréscimos patrimoniais, tem a Recorrida obrigação legal de recorrer à avaliação directa e não lançar mão da avaliação indirecta, alegando que o acórdão recorrido encontra-se em manifesta contradição com o Acórdão proferido pelo STA, proferido no Proc. n.º 0524/11 de 12.10.2011.
ii. Todavia, entende a entidade Recorrida que (i) não só não existe identidade de facto e de Direito entre o presente acórdão e o referido “acórdão fundamento”, como ainda (ii) o acórdão sob escrutínio procede a uma exacta apreciação dos factos e correta aplicação do Direito, razão pela qual o mesmo deverá ser mantido, conforme se passará a demonstrar de seguida.
iii. As regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recurso, resulta que, para que se tenha por verificado, é necessário que cumulativamente as situações de facto sejam substancialmente idênticas; Haja identidade na questão fundamental de direito; Se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; O “acórdão fundamento” tenha transitado em julgado; A oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas; Não tenha ocorrido alteração substancial na regulamentação jurídica; e A orientação no acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
iv. Analisados os requisitos de que a lei e a jurisprudência faz depender a propositura do recurso por Uniformização de jurisprudência, importa desde já referir que no caso vertente, não se verificam os pressupostos, desde logo, por falta de identidade das situações fácticas e atendendo à mesma questão de direito.
v. Alega a Recorrente a existência de identidade entre as situações fácticas entre o acórdão fundamento e recorrido, contudo, importa desde já reiterar, que entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento as situações de facto não são substancialmente idênticas.
vi. A factualidade em que se escorou a sentença proferida pela 1ª instância bem como o acórdão recorrido, contende com a verificação de acréscimos patrimoniais verificados na esfera do cônjuge da Recorrente, e que tiveram origem em movimentos financeiros registados na contabilidade da sociedade Q…………, nas contas bancárias que por sua vez tiveram origem nas sociedades X…………, T…………, P…………, entidades que revelavam situações patrimoniais deficitárias, falta de credibilidade da contabilidade e falta de exibição de elementos solicitados, indícios de simulação de facturação entre elas, movimentos financeiros desproporcionais face à actividade em concreto de cada uma delas e falta de elementos para identificar a origem e destino dos mesmos.
vii. No caso do acórdão fundamento estamos perante correcções aritméticas efectuadas em sede de IVA, no qual o Recorrente pretende que por via do recurso que apenas poderiam ter sido efectuadas correcções por aplicação de métodos indirectos, na medida em que não foram, por aquele, apresentados em tempo, os documentos de suporte.
viii. Conforme se alega no acórdão fundamento “Parece pressupor a recorrente - mas sem razão, designadamente em face do disposto no n.º 2 do artigo 85.º da LGT-, que o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável teria por consequência o afastamento da possibilidade de serem efectuadas as “correcções técnicas” ou “meramente aritméticas” aos valores das deduções, esquecendo que as correcções efectuadas no caso dos autos resultam de imposição legal, daí que não devessem ser postergadas mesmo no caso de ter sido efectuada a avaliação indirecta da matéria tributável (e sempre cairiam fora do âmbito de um eventual pedido de revisão da matéria tributável efectuada por métodos indirectos ex vi do n.º 14 do artigo 91.º da LGT). Não pode, pois, a recorrente invocar legitimamente um pretenso direito à avaliação indirecta fundado no seu comportamento não cooperante, menos ainda procurar obviar a que sejam efectuadas correcções aos montantes indevidamente deduzidos por alegadamente o método das “correcções técnicas” ser um método directo de avaliação, pois que, em obediência ao princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º n.º 2 da Constituição da República) à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não disponha em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85.º, n.º 2 da LGT), não sendo legalmente vedado efectuar “correcções técnicas” nos casos de avaliação indirecta da matéria tributável. Improcedem, pelo exposto, as alegações da recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso”.
ix. Por seu turno, a factualidade constante no acórdão recorrido incide sobre os acréscimos patrimoniais “A AT apurou em sede de inspeção, com acesso às contas bancárias da Recorrente (e do falecido cônjuge) e da conta contabilística, acionistas, S…………, da sociedade Q............, SGPS, as situações que se enumeram: Na conta contabilística 26701 encontravam-se registados inúmeros movimentos financeiros provenientes da empresa para o seu acionista (cônjuge da Recorrente) bem como movimentos em sentido inverso, como sendo reembolsos de empréstimos pelo acionista à empresa, com valores de €7.115.000,00 e de cheques emitidos por esta conta de €1.530.000,00; Pelos documentos bancários de suporte à contabilidade da Q............ verificou-se a origem e destino de parte dos movimentos financeiros, sendo o destino o referido S............ (cônjuge da Recorrente), as entradas provinham de inúmeras sociedades e que as transferências financeiras da empresa para o acionista (cônjuge da Recorrente) foram reembolsadas num curto espaço de tempo, seguindo-se novo empréstimo e de novo reembolso; As empresas de origem são: X…………, V…………, U………… e T…………, O…………, R............, N………… e o acionista S…………. Após análise das contas de S………… e da Recorrente permitiu-se verificar: Em 2010 deram entradas nas contas da CGD, BANIF, Finibanco, Montepio e Novo Banco quantias que totalizam €18.802.599,02 e com origem nas empresas U…………, X…………, V…………, T…………, O…………, N…………, Q............, SGPS, M………… e R…………, sendo todas as empresas relacionadas com a Recorrente e o seu falecido cônjuge e os filhos. Por sua vez, a contabilidade da Q............ evidencia transferências de quantias para as entidades acima referidas por conta do acionista S…………. Considerando que os rendimentos declarados e auferidos totalizam €6.641.563,73, correspondente ao valor da venda das acções de €5.836.510,40; mais a quantia de 204.976,68 a título de rendimentos de trabalho dependente e, por fim, os dividendos de €600.076,65, tendo sido feita uma despesa, nas movimentações financeiras, acima descritas, que atingiram o valor de €39.430.733,73, há uma divergência com os rendimentos declarados, cuja diferença não se encontra justificada”.
x. No caso vertente, não se verifica a identidade factual de que depende a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, razão pela qual o mesmo não deverá ser admitido. (Acórdão do STA proferido no Proc. n.º 0429/17 de 24.05.2018).
xi. Outro requisito de que depende a interposição do recurso de uniformização de jurisprudência contende com a identidade dos quadros normativos substantivos ou processuais e as realidades factuais subjacentes àquelas decisões devem ser substancialmente idênticos [cfr., entre outros e nos mais recentes, Acs. do Pleno desta Secção de 16.12.2015 - Procs. n.ºs 01011/15 e 0517/14, de 18.02.2016 - Proc. n.º 0581/11, de 21.04.2016 - Proc. n.º 0698/15, de 19.05.2016 - Proc. n.º 01430/15, de 16.06.2016 - Proc. n.º 0201/16, de 26.01.2017 - Proc. n.º 0970/16, e de 23.02.2017 - Proc. n.º 01268/16).
xii. Recorta-se de forma clara e inequívoca que no caso vertente ainda que se possa reiterar que estamos perante entendimento acerca da aplicação do método de tributação indirecta (sendo que no caso do acórdão fundamento não foi aplicado tal método de tributação mas meras correcções aritméticas), os arestos em confronto não versam acerca da mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, pois enquanto que no acórdão recorrido estamos perante acréscimos patrimoniais não justificados em sede de manifestação de fortuna, no acórdão fundamento estamos perante correções meramente aritméticas encetadas em sede de IVA por falta de comprovação dos documentos de suporte.
xiii. Com efeito no acórdão fundamento as correcções efectuadas resultam de imposição legal, pretendendo a recorrente invocar ilegitimamente um pretenso direito à avaliação indirecta fundado no seu comportamento não cooperante, enquanto que, no acórdão recorrido, o quadro normativo contende com a verificação de acréscimos patrimoniais por avaliação indirecta da matéria colectável de IRS, a que alude a alínea f) do Art.º 87.º da LGT e n.º 5 do Art.º 89.º-A da LGT, tendo fixado acréscimos patrimoniais não justificados no montante de € 8.624.930,00 incidindo a taxa no valor de 60%, apurando-se IRS em falta no valor € 5.174.958,00, os quais foram verificados na esfera do cônjuge da Recorrente, e que tiveram origem em movimentos financeiros registados na contabilidade da sociedade Q............, nas contas bancárias que por sua vez tiveram origem nas sociedades X…………, T…………, P…………, entidades que revelavam situações patrimoniais deficitárias, falta de credibilidade da contabilidade e falta de exibição de elementos solicitados, indícios de simulação de facturação entre elas, movimentos financeiros desproporcionais face à actividade em concreto de cada uma delas e falta de elementos para identificar a origem e destino dos mesmos.
xiv. Logo, não estamos perante uma idêntica questão fundamental de direito, não preenchendo os requisitos consignados na lei, devendo ser rejeitado o presente recurso.
xv. Alega a Recorrente que o acórdão recorrido se encontra em manifesta oposição com o acórdão fundamento, referindo que a avaliação indirecta na modalidade de acréscimos patrimoniais injustificados reveste natureza subsidiária, pelo que apenas se pode recorrer a este instrumento quando não seja possível proceder à avaliação directa, ou seja, quando não estejamos perante elementos objectivos para determinar a matéria tributável.
xvi. Todavia, a factualidade dada como provada quer na sentença quer no acórdão recorrido nos autos, tem subjacente o procedimento inspectivo no âmbito do IRS e relativamente ao ano de 2010, levadas a cabo no âmbito da Q............ e de S………… e Z…………, bem como aos motivos que estiveram na génese da derrogação do sigilo bancário à Recorrente e S.............
xvii. Desde logo, os Arts. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5 ambos da LGT, vieram criar mais uma possibilidade de avaliação da matéria tributável por método indirecto, resultando que em face de um acréscimo patrimonial ou a uma manifestação de consumo cessa, a presunção de veracidade da declaração e inicia-se o procedimento de fixação da matéria tributável; depois, a menos que o contribuinte demonstre que os valores que possibilitaram o acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, ou seja, designadamente, que tiveram origem em capital próprio, recurso ao crédito, herança ou doação, rendimentos sujeitos a tributação autónoma, etc., a Recorrida fica, sem mais, autorizada a fixar, de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS, um montante igual ao da diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial ou do consumo evidenciados (v.d. a este propósito e a título de exemplo o acórdão do STA proferido no âmbito do Proc. 097/09 de 06.05.2009 e Acórdão do TCAN proferido no Proc. n.º 01695/08.2BEPRT).
xviii. Conforme tem sido reiterado pela jurisprudência, a fundamentação de tal tipo de actos conduz a que a Autoridade Tributária, fique dispensada de demonstrar os requisitos gerais de recurso ao método indirecto de avaliação, de que se destaca o Acórdão do STA proferido no âmbito do Proc. 097/09 de 06.05.2009, cujo entendimento se transcreve “Assim, verificando-se uma fattispecie subsumível à previsão do n.º 1 do art. 89.º-A, ou uma fattispecie subsumível à previsão da alínea f) do art. 87.º, fica legitimado o recurso à avaliação indirecta do rendimento tributável nos termos referidos, o que significa que, nessas situações, a AT, por um lado, fica dispensada de demonstrar os requisitos gerais de recurso ao método indirecto de avaliação, designadamente, a impossibilidade de determinação da matéria tributável por métodos directos (cf. art. 88.º), e, por outro lado, as exigências de fundamentação, particularmente exigentes em sede da avaliação indirecta e compreendendo quer os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta quer o método utilizado na avaliação, satisfazem-se com a mera «descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes» e, quanto à quantificação da matéria tributável, com a referência ao critério legal (cf. arts. 77.º, n.º 4, e 84.º, n.º 3).
xix. Ora, aqui chegados facilmente se conclui que nenhuma razão assiste à Recorrente, não podendo a entidade Recorrida proceder ao apuramento dos acréscimos patrimoniais através de meras correcções técnicas, pois como ficou patente no acórdão recorrido foram apurados múltiplos movimentos financeiros entre a sociedade Q............ e S............, tendo-se apurado na esfera daquela sociedade saídas promovidas por S............ assim como entradas de várias sociedades, mas cujas entradas seriam alegadamente por nome e por conta de S............, tendo-se apurado que o circuito financeiro das operações financeiras ocorreu entre S............ e o seu filho R............, mas de igual forma de várias sociedades das quais S............ era sócio (N…………, T…………, P…………) ou de que era sócio R............ (O…………, P…………, X…………, V…………) ou sócio L………… (N…………), entidades que revelavam situações patrimoniais deficitárias, falta de credibilidade da contabilidade e falta de exibição de elementos solicitados, indícios de simulação de facturação entre elas, movimentos financeiros desproporcionais face à actividade em concreto de cada uma delas e falta de elementos para identificar a origem e destino dos mesmos.
xx. Logo os argumentos invocados pela Recorrente são manifestamente espúrios ao alegar que a entidade Recorrida tinha “perfeito conhecimento da origem e da fonte dos acréscimos (…) e de investigar na esfera das sociedades aqui em causa, X…………, V…………, U………… e T………… a natureza de tais movimentos financeiros”, na medida em que em face das deficiências da contabilidade nunca a entidade Recorrida alcançaria e apuraria a natureza ou montante desses movimentos.
xxi. Note-se que em sede dos autos a Recorrente tentou demonstrar que se tratavam de mútuos e respectivos reembolsos sem observância de forma legal, todavia tal argumentação é espúria pois, não existe coincidência entre quem recebe o dinheiro e quem alegadamente o devolve, na medida em que o reembolso na maioria dos supostos empréstimos era efectuado por uma sociedade distinta daquela que recebia inicialmente os montantes.
xxii. Logo, e perante tal factualidade apenas a avaliação indirecta tal como foi operada permitiria determinar o acréscimo patrimonial não justificado, sendo que o ónus de prova recaia sob a Recorrente de justificar tais acréscimos.
xxiii. Uma decorrência natural da admissão pela lei da tributação indirecta, a qual, por definição, pressupõe a relevância tributária de rendimentos que se desconhecem quanto à fonte ou fontes e quanto ao volume, mas cuja existência é fortemente indiciada a partir da ocorrência dos factos legalmente tipificados como manifestações de fortuna, e o Art.º 89.º-A da LGT não pretende mais do que identificar factos que revelam disponibilidade de meios financeiros inconsistentes com os rendimentos declarados para, a partir daí, perseguir indícios de rendimentos não declarados aos quais não é possível aceder de forma directa, pois as manifestações de fortuna não relevam em si mesmas como factos tributários, mas apenas como detonadores de um procedimento tributário de avaliação indirecta e, já no âmbito deste, como indícios de capacidade contributiva imputável a factos que resistem a deixar-se conhecer e, portanto, a serem apreendidos por normas de tributação directa.
xxiv. Se, no termo do procedimento tributário, persistirem por revelar e justificar, nos termos previstos no n.º 3 do Art.º 89-A da LGT, a fonte ou fontes dos meios de fortuna evidenciados, ocorre a tributação indirecta de uma capacidade contributiva correspondente à manifestação de fortuna, mesmo sem a identificação do facto ou factos concretos geradores do rendimento.
xxv. Logo, o mecanismo previsto no Art.º 89.º-A da LGT consiste numa avaliação indirecta de rendimentos que é aplicável a situações típicas em que ocorrem factos que evidenciam uma capacidade contributiva manifestamente inconsistente com os rendimentos declarados, e essas situações típicas a lei chamou manifestações de fortuna, elas configuram não mais do que indícios de uma capacidade contributiva a que não foi possível aceder e tributar por via directa. Daí o método ser indirecto.
xxvi. Assim as manifestações de fortuna tipificadas não constituem, em si mesmas, factos tributários e, portanto, não são o objecto da tributação indirecta, pois a natureza indirecta da avaliação da matéria colectável prevista no Art.º 89.º-A da LGT, pressupõe a incapacidade de aceder às fontes da capacidade contributiva indiciadas pelas manifestações de fortuna, seja para classificar o rendimento que lhe está subjacente, seja para quantificar e tributar directamente. Essa é a essência dos métodos de tributação indirecta.
xxvii. A tributação indirecta comporta uma maior margem de divergência relativamente à capacidade contributiva real do que a que é oferecida pela percepção directa dos factos tributários, pela razão simples de que aquela é inacessível, e é por a capacidade contributiva estar escondida sob um manto que lhe confere opacidade face às normas de tributação directa que a tributação indirecta prescinde de factos geradores concretos e de uma qualificação típica, bastando o Art.º 89.º-A da LGT para encaminhar essa capacidade contributiva meramente indiciada para a categoria residual do IRS que é a G.
xxviii. Conforme refere categoricamente João Sérgio Ribeiro (In Tributação Presuntiva do Rendimento, Almedina pag.285) “A característica da subsidiariedade implica, por regra, que a determinação da matéria tributável seja feita prioritariamente através da avaliação directa, só se recorrendo a outras formas de determinação da matéria tributável quando se verifica a impossibilidade de determinar a matéria tributável com base naquela. Ora, esse exercício é inconcebível nas situações em que se determina o rendimento tributável através de manifestações de fortuna. Isto porque esse mecanismo tem uma natureza residual, ou seja para se aplicar pressupõe o desconhecimento da fonte do rendimento que se pretende apurar. Face ao exposto, não há espaço para, no caso de determinação do rendimento com base em manifestações de fortuna se falar em subsidiariedade. Pois, esse mecanismo, não sendo sequer concebível ou pensável uma aplicação da determinação directa, dado que pressupõe que se conheça a categoria ou a fonte do rendimento” (destaque nosso).
xxix. Por fim refira-se que se fosse concebível a aplicação da avaliação directa, na medida em que estaria identificada a fonte do rendimento, ficaria desde logo afastada a possibilidade de se falar em manifestações de fortuna.
xxx. Como bem refere o acórdão recorrido “Em face do que vem sendo dito, bem como à conclusão a que se se chegou, esta questão recursiva é antes um exercício de retórica sem qualquer repercussão na solução do litígio. Aliás, responder positivamente à formulação da recorrente era dizer então que não havia acréscimos patrimoniais ou despesas não justificadas o que, de per si, afastaria o campo de aplicação do art. 87.º, n.º1, al. f) e 89.º-A da LGT”. (A este propósito refere ainda João Sérgio Ribeiro In Tributação Presuntiva do Rendimento, Almedina pag.285) “Relembramos que não existe uma relação de subsidiariedade entre a avaliação directa e determinação da matéria tributável com base em manifestações de fortuna, à semelhança do que acontece entre avaliação directa e indirecta” (destaque nosso).
xxxi. No caso vertente e pela impossibilidade da Recorrente demonstrar os fluxos financeiros nunca a Recorrida se poderia socorrer de métodos directo de tributação este e perante tal factualidade apenas a avaliação indirecta tal como foi operada permitiria determinar o acréscimo patrimonial não justificado, sendo que o ónus de prova recaia sob a Recorrente de justificar tais acréscimos.
xxxii. Neste desiderato, são claramente infundados os argumentos aduzidos pela Recorrente, inexistindo qualquer contradição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido.
xxxiii. Conforme entendimento assente um dos requisitos para a interposição de recuso de uniformização de jurisprudência é o acórdão fundamento ter transitado em julgado, tendo a Recorrente junto o acórdão fundamento (v.d. doc. n.º 2), sem que para o efeito ter procedido
à junção das competentes certidões judiciais, e ter demonstrado que os referido acórdão se encontra transitado em julgado, uma vez que o mesmo constitui uma impressões extraídas do site www.dgsi.pt.
xxxiv. Pelo que, também aqui não se encontram verificados os pressupostos de que depende a interposição do recurso de oposição de acórdãos (o trânsito em julgado constitui um requisito ou pressuposto da admissibilidade do recurso, o qual deve ser aferido à data da apreciação da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, tanto para o acórdão recorrido como para o acórdão fundamento (cfr. o acórdão deste STA de 06.02.2007, proc. 0852/06)
xxxv. Quanto à contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito, inexiste contrariedade acerca da mesma questão fundamental de direito entre o Acórdão Recorrido e os Acórdãos Fundamento.
xxxvi. O acórdão recorrido e fundamento não versam acerca da mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, pois enquanto que no acórdão recorrido estamos perante acréscimos patrimoniais não justificados em sede de manifestação de fortuna, no acórdão fundamento estamos perante correções meramente aritméticas encetadas em sede de IVA por falta de comprovação dos documentos de suporte.
xxxvii. No acórdão fundamento as correcções efectuadas resultam de imposição legal, pretendendo a recorrente invocar ilegitimamente um pretenso direito à avaliação indirecta fundado no seu comportamento não cooperante, procurando obviar a que sejam efectuadas correcções aos montantes indevidamente deduzidos por alegadamente o método das “correcções técnicas” ser um método directo de avaliação.
xxxviii. Ao invés, no acórdão recorrido, o quadro normativo contende com a verificação de acréscimos patrimoniais por avaliação indirecta da matéria colectável de IRS, a que alude a alínea f) do Art.º 87.º da LGT e n.º 5 do Art.º 89.º-A da LGT, tendo fixado acréscimos patrimoniais não justificados no montante de € 8.624.930,00 incidindo a taxa no valor de 60%, apurando-se IRS em falta no valor € 5.174.958,00, os quais foram verificados na esfera do cônjuge da Recorrente, e que tiveram origem em movimentos financeiros registados na contabilidade da sociedade Q............, nas contas bancárias que por sua vez tiveram origem nas sociedades X…………, T…………, P…………, entidades que revelavam situações patrimoniais deficitárias, falta de credibilidade da contabilidade e falta de exibição de elementos solicitados, indícios de simulação de facturação entre elas, movimentos financeiros desproporcionais face à actividade em concreto de cada uma delas e falta de elementos para identificar a origem e destino dos mesmos.
xxxix. Logo, não se recorta existir contrariedade acerca da mesma questão fundamental de direito entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento

I.3 – Parecer do Ministério Público
Foi o seguinte o Parecer do Ministério Público:
“1 – Z…………, inconformada com o doutamente decidido no âmbito da decisão proferida no TCA/N mencionada nos autos, vem interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência, alegando nos termos que constam a fls.1091 e segs. Pede, a final a revogação da decisão posta em crise, substituindo-se a mesma por acórdão consonante com o sentido decisório perfilhado no âmbito do acórdão fundamento por si indicado.
Com vista à admissão do presente recurso o Recorrente invoca a frontal oposição entre a decisão sob recurso e o acórdão do STA, tirado em sede do processo nº 0524/11, de 12. 10.2011, por a decisão recorrida e o acórdão fundamento estarem em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito.
2 – A recorrida AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA contra-alegou, a fls. 1097 e segs, defendendo, em síntese, que se não verificam os requisitos para efeitos de uniformização de jurisprudência, desde logo a não existência de identidade da questão fundamental de direito.
3 – São requisitos de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do disposto no artigo 152º do CPTA:
- Contradição entre um acórdão do TCA ou STA e a Decisão Arbitral;
- Trânsito em julgado do acórdão fundamento;
- Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- Ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
4 – Da análise fáctico-jurídica, consta do Acórdão em controvérsia que o que está em causa é a verificação de acréscimos patrimoniais verificados e que se repercutiram na esfera jurídica da recorrente para efeitos de IRS. Acréscimos esses que têm origem em entidades que revelavam situações patrimoniais deficitárias, falta de credibilidade da contabilidade, simulação de facturação entre outras anomalias o que originou o recurso a avaliação indirecta – artigo 87º, nº 1 al. f) da LGT.
E, a questão suscitada e apreciada no acórdão fundamento prende-se com o conhecimento de correcções aritméticas efectuadas em sede de IVA ao abrigo do disposto no artigo 85º, nº2 da LGT.
Ora, as questões mostram-se diversas.
De facto, estando-se perante questões de facto diferentes, diferente teve de ser o direito aplicado e logo o tratamento jurídico teve de ser diverso. Não existe, no caso, identidade dos pressupostos de facto nem de direito.
Daí, ser diversa a questão fundamental de direito.
5 – Assim, emite-se parecer no sentido da improcedência do presente recurso por se não mostrarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 152º do CPTA.”

As partes foram notificadas do conteúdo do douto parecer do Magistrado do Ministério Publico e sobre o mesmo nada vieram dizer.

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A. O acórdão sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1) Foi realizado procedimento de inspeção externa à sociedade “Q………… SGPS, SA” (doravante apenas Q............ SGPS), com incidência no IRC do ano de 2010, o qual se iniciou em 18/10/2014 ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2014404559 (cf. fls. 128 do processo físico).
2) No âmbito desse procedimento inspectivo, “apurou-se que na contabilidade desta sociedade foram registadas na conta-corrente do seu accionista S………… (…) além de transacções financeiras realizadas entre ambas as partes, também movimentos financeiros verificados entre a Q............ SGPS e outras entidades (cf. fls. 73 do processo físico).
3) Tendo sido considerado, pelos serviços de inspecção tributária, “poder estar em causa um circuito de movimentos financeiros com o intuito de ocultar rendimentos e a sua não declaração para efeitos fiscais, que poderia constituir fraude fiscal, conforme previsto no art.º 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias”, em 15/12/2014, foi instaurado o processo n.º 2609/2014IDPRT à sociedade Q............ SGPS e o processo de inquérito criminal n.º 93/2014.3IDPRT ao seu accionista S............ (cf. fls 80 dos autos).
4) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI201405538, emitida em 16/12/2014, foi realizado, pela Divisão de Inspecção Tributária – II da Direcção de Finanças do Porto, procedimento de inspeção externa, que incidiu sobre o IRS de 2010 da Recorrente e de S………… (doravante apenas S............), casados em regime de comunhão geral de bens, “em virtude de existirem suspeitas de omissão de rendimentos na declaração de IRS referente a 2010” (cf. fls 73 a 126 e 130 do processo físico).
5) Em 9/01/2015, verificou-se o óbito de S............ (cf. fls 80 do processo físico).
6) Em 23/02/2015, iniciou-se o procedimento inspectivo titulado pela ordem de serviço referida no ponto 4, através da respectiva assinatura, pela Recorrente, viúva de S............, sujeito passivo B da sociedade conjugal em 2010 e cabeça de casal da herança aberta por óbito de S............ (cf. fls. 73 e 80 do processo físico).
7) Em 17/09/2015, a Directora Geral da Autoridade Tributária autorizou “o acesso direto a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que fosse titular a Recorrente” (cf. fls 86 do processo físico).
8) Em 13/04/2017, no âmbito do procedimento inspectivo referido no ponto 4, foi elaborado relatório de inspeção tributária, no qual consta, entre o mais, o seguinte:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

9) Já no que tange ao levantamento do sigilo bancário, e em sede de analise às alegações apresentadas pela ora, recorrente, os SIT referem que:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

10) Na sequência do assim apurado foi autorizada a derrogação do sigilo bancário por decisão da Directora-Geral da AT de 17/09/2015 (cfr. fls. 86 dos autos).
11) Examinadas as contas bancárias de S............ e da Recorrente, bem como os movimentos bancários do ano de 2010, constatou-se que nesse ano deu entrada nas mesmas o montante global de €18.802.599,02 que tiveram origem nas seguintes entidades: U…………, Lda.; X…………, Lda.; V…………, Lda.; T…………, S.A.; O…………, Lda.; N…………, Lda.; Q…………-SGPS; M…………, SA e R………… (cfr. fls. 90/91 dos autos).
12) Resulta do RIT que “De acordo com os elementos recolhidos na Q............ SGPS, entidade da qual a recorrente e marido eram accionistas e administradores, à data dos factos, deram entrada nas contas bancárias da empresa diversos valores que foram registados a crédito na conta 267101 – Sr. S………….
Estes movimentos financeiros encontram-se registados contabilisticamente como tendo origem em S............, correspondendo a créditos deste.
As entradas financeiras foram as seguintes:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

13) Mais resulta do relatório que:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

15) Face ao que vem de ser dito os SIT consideraram que:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

(cfr. fls. 93 dos autos).

16) E concluíram que:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

17) Os SIT apuraram a relação existente entre S............ e as empresas que faziam parte de um circuito financeiro de múltiplas transacções financeiras, o que esquematizaram da seguinte forma
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

18) Os SIT fizeram, ainda, uma apreciação sobre cada uma das empresas referidas no número anterior, concluindo que apenas em relação à Q............ a credibilidade da contabilidade nunca foi questionada, uma vez que em relação a quase todas as outras sociedades a contabilidade foi questionada em sede inspectiva e o IRC foi apurado com recurso a métodos indirectos dado que a contabilidade das mesmas padecia de credibilidade, excepção feita apenas para as sociedades “V…………” e “N…………” que não foram alvo de acções externas de inspecção (cfr. fls.114/116 dos autos).
19) Os SIT enunciaram no relatório inspectivo os acréscimos que consideraram como não justificados e que foram pressuposto para a avaliação indirecta do rendimento tributável da recorrente, fazendo nos seguintes termos:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

(cfr. fls. 118/120 e 123/124 dos autos).
20) Após a concretização da audição prévia ao relatório inspectivo foi elaborada a nota de fixação/alteração aos rendimentos de S............ e da Z…………, a qual foi sancionada pelo Director de Finanças por despacho de 13/04/2017, com a seguinte fundamentação:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

21) O relatório de inspecção tributária, com a decisão de fixação do rendimento colectável de IRS, de 2010, por métodos indirectos, foi remetido ao mandatário da Recorrente, através do ofício com a referência n.º 20175000104852, de 18-04-2017, com o seguinte teor:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

22) O presente recurso deu entrada, neste Tribunal, em 02/05/2017 (cf. comprovativo de entrega a fls. 2 do processo físico).
23) O S............ foi dando instruções na Q............ para lhe serem feitas transferências de dinheiro e passados cheques (cfr. depoimento de …………).
24) O dinheiro saía da Q............ para contas do S............ e os cheques eram entregues a S............, mas iam para outras empresas ou pessoas (cfr. depoimento de …………).
25) Não havia contratos de mútuo ou qualquer outro documento (cfr. depoimento de …………).
26) O S............ fazia empréstimos usando os fundos da Q............ e entregava ao R............ (cfr. depoimento de …………).

B. Por seu turno, o acórdão fundamento do STA, proferido no processo nº 0524/11 datada 12/10/011, deu como provado a seguinte factualidade:
1. A Impugnante “A…, Lda.”, Contribuinte Fiscal n.º …, com domicílio fiscal na Rua …, em Santa Maria da Feira, constitui-se por escritura pública de 23/3/1993, com um capital social inicial de 1.000.000$00, com vista à actividade da indústria de cortiça (CAE 020522).
2. Na sequência de inspecção efectuada, credenciada pela Ordem de Serviço nº 33860, de 30/4/2003, que decorreu entre 15/7/2003 e 21/4/2004, na qual foi prorrogado o prazo inicial de seis meses por despachos de 2/12/2003 e 23/2/2004, notificados à impugnante pelo ofício nº 8414826, de 2/12/2003 e ofício nº 8414825, de 2/12/2003, e abrangeu os exercícios de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, foram emitidas, em 31/5/2004, as liquidações nº 4206494 a nº 4206536, referentes a IVA e juros compensatórios, relativas a 2000, 2001, 2002, e 2003, nos valores constantes do quadro de fls. 896/897 do P.A., que admitiam pagamento até 31/7/2004, e se dão por integralmente reproduzidas.
3. No decurso da acção inspectiva, em 3/6/2003, a impugnante comunicou à Administração Tributária que não dispunha de nenhum elemento da escrita (pastas de documentos), por ter ocorrido um furto, em 28/2/2003, conforme participação efectuada à GNR, documento de fls. 48/49 do P.A. que se dá por integralmente reproduzido.
4. A Administração Tributária recolheu junto da responsável pela contabilidade da impugnante, os elementos enunciados a fls. 7 do P.A. que se dão por integralmente reproduzidos.
5. B…, CF nº …, na qualidade de sócio gerente da impugnante, declarou à Administração Tributária não conhecer C…, CF nº …, com o qual não manteve qualquer relação comercial, conforme documento de fls. 327 a 370 do P.A., que se dá por integralmente reproduzido.
6. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do auto de declarações de C…, constante de fls. 373/383, donde consta que o declarante faz biscates na construção civil, e desconhece a “A…, Lda”, com quem nunca teve negócios, nem preencheu e assinou as facturas emitidas a favor dessa sociedade, e que “vendeu” facturas ao Sr. D… “a troco de 5 e 10 contos” que ele vendia a outros contribuintes que as lançavam na sua contabilidade.
7. C… encontra-se indiciado como emitente de facturas falsas nos processos instaurados pelo N.I.C. identificados a fls. 11 do P.A., que se dão por integralmente reproduzidos.
8. Nos anexos “P” apresentados pela impugnante, relativos ao cumprimento do disposto no artigo 28.º, nº 1, alínea f), do CIVA, foram mencionados, relativamente a 1999, 2000, 2001 e 2002, os montantes de €1.246.066,98, € 250.065,00 e € 164.338,27, alegadamente resultantes de operações comerciais com C…, que correspondem ao valor das facturas constantes do anexo 45, que se dão por integralmente reproduzidas.
9. E…, CF nº …, emitiu a favor da impugnante as facturas identificadas no quadro de fls. 21, e anexo 46 do relatório de inspecção, nos montantes aí mencionados, sem possuir meios para fornecer as mercadorias nos elevados montantes aí constantes, tendo apresentado declarações fiscais em que não constam os montantes dessas facturas, e participou à GNR de Lourosa o furto da sua contabilidade, ocorrido em 14/8/2002.
10. A impugnante contabilizou na sua contabilidade uma factura datada de 30/4/2003, e quatro facturas com datas posteriores, emitidas por E…, que também emitiu para outras sociedades as facturas constantes do quadro de fls. 25 do P.A., com datas posteriores a 14/8/2002, que se dá por reproduzido.
11. O sócio gerente da sociedade “F…, Lda”, CF nº …, possuía duas séries de livros de facturas, e declarou que as emitidas para a impugnante, identificadas no quadro de fls. 26 do P.A., e anexo 46 do relatório de inspecção, nos valores aí mencionados, que se dão por reproduzidos, resultaram da segunda série de livros de facturas, e não foram levados à sua contabilidade por não corresponderem a operações reais.
12. G…, CF nº …, emitiu a favor da impugnante as facturas identificadas no quadro de fls. 27 do P.A., e anexo 46 do relatório de inspecção, nos montantes aí mencionados, sem possuir meios para fornecer mercadorias nos elevados montantes aí constantes, tendo declarado, em 16/9/2003, que os seus elementos de escrita estavam na posse do contabilista, e, no dia 18/9/2003, declarou ter sido assaltado no dia anterior tendo sido furtados do seu veículo os seus documentos pessoais, de que não requisitou segundas vias, bem como os elementos de escrita pedidos pela Administração Tributária.
13. H…, CF nº …, a partir de Outubro de 2000 dedicou-se apenas à compra de rolhas e cortiça, e não concretizou a quem adquiriu os produtos vendidos à impugnante, tendo emitido 37 facturas a favor da impugnante, constantes do anexo 46 do relatório, sem que tivesse liquidado qualquer valor de IVA nos períodos de 2000 a 2003.
14. A Administração Tributária, mediante análise dos ficheiros informáticos referentes à contabilidade da impugnante, apurou que foram efectuados registos com data posterior a 28/2/2003.
15. Com base na factualidade descrita em 3 a 14, a Administração tributária considerou simuladas as operações que correspondem ao valor das facturas constantes dos anexos 45 e 46, que se dão por integralmente reproduzidas, e consequentemente indevidamente deduzido o IVA constante dos quadros de fls. 30 e 31 do relatório, que se dão por integralmente reproduzido.
16. No dia 3/6/2003, a Administração Tributária notificou a impugnante para apresentar os documentos de suporte dos registos contabilísticos e identificar os meios de pagamento correspondentes, conforme documento de fls. 371 do P.A., e esta não apresentou qualquer documento, conforme auto de ocorrência de fls. 405 do P.A., que se dão por reproduzidos.
17. A Administração tributária considerou indevidamente deduzido o IVA referente às facturas identificadas no anexo 48 do relatório, que se dão por reproduzidas, por não terem sido apresentados os documentos aludidos em 16.
18. A administração Tributária, mediante correcções meramente aritméticas, quantificou o IVA indevidamente deduzido conforme quadros de fls. 33 a 36 do relatório da inspecção, nos valores aí mencionados, que se dão por integralmente reproduzidos.
19. A impugnante, em 29/10/2004, apresentou reclamação graciosa em relação às liquidações impugnadas, conforme documento de fls. 784 a 794, apreciada por despacho de fls. 800 a 803, e 806, que se dão por integralmente reproduzidos.
20. A presente impugnação foi apresentada em 23/2/2009, mediante registo postal.

II.2 – De Direito
I. Tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea b) do ETAF e no artigo 284.º do CPPT (com a redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro), a admissibilidade dos recursos para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de Direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

II. No que ao primeiro requisito respeita, conforme tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados justificadora da uniformização requerida, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica (sublinhado nosso);
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição devera decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta - cfr., entre muitos outros, acórdãos de 15/9/2010, nos processos n.ºs 0344/2009 e 0881/2009, acessíveis em www.dgsi.pt.

III. Resulta, da leitura das Alegações das Partes, e igualmente do Parecer do Ministério Público, que se revela decisivo in casu indagar, com rigor, acerca da identidade da factualidade carreada para ambos os processos, de modo a apurar se a mesma se revela suficientemente idêntica para que se possa observar uma real oposição de leituras interpretativas que fundamente a intervenção uniformizadora.
E, a tal respeito, sempre se recordará, como fez o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal no Acórdão proferido em 9 de Dezembro de 2020, no Processo n.º 043/20, que: “Quando, em ambas as decisões em confronto, a diversa solução jurídica a que chegaram decorre da diversidade dos factos apurados e não de qualquer diversa solução jurídica, não se mostram reunidos os requisitos do nomeado recurso, pelo que inviabilizada está a possibilidade de tomar conhecimento do mérito do recurso.” – disponível em www.dgsi.pt. O que bem se compreende, porquanto, em tais casos, o circunstancialismo de cada processo, pode conduzir a soluções que, só aparentemente, se revelam contraditórias; é o que se pode ler, ainda, neste mesmo Acórdão do Pleno: “Não sendo as realidades factuais subjacentes às decisões idênticas, não será possível afirmar que tais decisões resultaram unicamente de uma divergente interpretação jurídica o que é determinante para afirmar que não se verifica contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e que não se deverá conhecer do recurso para uniformização de jurisprudência”.
Confrontemos, pois, a factualidade dos acórdãos em confronto de modo a confirmar ou infirmar a, ao menos aparente, dissemelhança entre os mesmos.

IV. Desde logo, os acórdãos versam a aplicação de métodos indirectos em sede de impostos distintos, a saber, o IVA e o IRS; tais impostos, além de integrarem categorias bem distintas – aquele (IVA) configurando um imposto indirecto e harmonizado, de obrigação única e tendo por objecto o consumo, este (IRS) um impostos direto e periódico, não harmonizado e que tem por objecto o rendimento - têm além disso estruturas e princípios norteadores bem diversos e, em certa medida, não equiparáveis. E, mesmo nos casos em que partilham princípios jurídico-fiscais, fazem-no em diverso grau (v.g., como sucede com os princípios da capacidade contributiva ou da neutralidade).
Quando, por exemplo, a Recorrente produz considerações várias acerca da interacção do princípio da tributação pelo lucro real com o regime e metodologia da avaliação indirecta da matéria colectável para fundamentar a solução interpretativa que propõe – cfr. Conclusões e), g), h), r), e t) –, logo se revela notório que tais considerações não têm um evidente grau de transponibilidade para o Acórdão Fundamento, como se impunha num recurso desta natureza, pelo evidente facto de este último versar sobre o IVA, onde um tal principio é, quanto muito, meramente acessório do raciocínio jurídico-fiscal.
Ora, daqui decorre que, sendo assaz distintos os impostos sobre que incidem os acórdãos em confronto, também a própria aplicação da metodologia avaliativa indireta inevitavelmente o seria, o que retira, por si só, grandes veleidades à possibilidade de verificação de existência de leituras incidentes sobre a mesma questão fundamental de Direito.

V. Em segundo lugar, o circunstancialismo do probatório é notoriamente diverso em ambos os processos.
Sinteticamente, no acórdão fundamento estão em causa transacções não aceites, quanto ao respectivo IVA, por inexistirem bases documentais para as mesmas, ou por serem documentalmente incompletas, ou por as respectivas faturas terem sido emitidas por entidades desprovidas de qualquer substrato material que permitisse aquilatar a veracidade das transacções ali tituladas. Já, no acórdão recorrido, estão em causa verbas muito significativas de acréscimos patrimoniais de variada espécie em benefício da ora Recorrente, os quais não se demonstraram, parcial ou totalmente, justificados, o que conduziu à aplicação de uma metodologia presuntiva indirecta de avaliação do rendimento.
Tratam-se, indiscutivelmente, de factos sem qualquer sobreposição ou, sequer, semelhança; e, certamente, não configuram factos dotados da coincidência suficiente que se exige para uma pronúncia deste Supremo Tribunal acerca da verificação de uma divergência quanto à mesma questão fundamental de Direito.

VI. Em terceiro e último lugar, as questões tratadas nos acórdãos em confronto são, indiscutivelmente, diversas: ao passo que no acórdão recorrido se discute a verificação de acréscimos patrimoniais na esfera da recorrente, no acórdão fundamento debate-se a admissibilidade de correcções aritméticas efectuadas em sede de IVA, em paralelo com o recurso à metodologia da avaliação indireta. Na verdade, só em termos meramente formais e de regime se pode dizer que ambas as matérias são reconduzíveis à problemática da avaliação indirecta, constante da Lei Geral Tributária; e, mesmo aí, com forte dúvidas, porquanto existe uma regulação especialmente prevista para IRS no regime do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, atentas as particularidades deste imposto, em especial quando estejam em causa ganhos patrimoniais não justificados. Uma coisa é, todavia, certa: tais questões não aparentam, para os presentes efeitos, semelhança que fundamente a oposição das decisões que sobre elas incidiram.
É assim que, no acórdão fundamento, se pode ler: “Parece pressupor a recorrente - mas sem razão, designadamente em face do disposto no n.º 2 do artigo 85.º da LGT-, que o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável teria por consequência o afastamento da possibilidade de serem efectuadas as “correcções técnicas” ou “meramente aritméticas” aos valores das deduções, esquecendo que as correcções efectuadas no caso dos autos resultam de imposição legal, daí que não devessem ser postergadas mesmo no caso de ter sido efectuada a avaliação indirecta da matéria tributável (e sempre cairiam fora do âmbito de um eventual pedido de revisão da matéria tributável efectuada por métodos indirectos ex vi do n.º 14 do artigo 91.º da LGT). Não pode, pois, a recorrente invocar legitimamente um pretenso direito à avaliação indirecta fundado no seu comportamento não cooperante, menos ainda procurar obviar a que sejam efectuadas correcções aos montantes indevidamente deduzidos por alegadamente o método das “correcções técnicas” ser um método directo de avaliação, pois que, em obediência ao princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º n.º 2 da Constituição da República) à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não disponha em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85.º, n.º 2 da LGT), não sendo legalmente vedado efectuar “correcções técnicas” nos casos de avaliação indirecta da matéria tributável.”; por contraposição, no acórdão recorrido, pode ler-se que: “Considerando que os rendimentos declarados e auferidos totalizam € 6.641.563,73, correspondente ao valor da venda das acções de € 5.836.510,40; mais a quantia de € 204.976,68 a título de rendimentos de trabalho dependente e, por fim, os dividendos de €600.076,65, tendo sido feita uma despesa, nas movimentações financeiras, acima descritas, que atingiram o valor de €39.430.733,73, há uma divergência com os rendimentos declarados, cuja diferença não se encontra justificada. … Ora não estando justificada a manifestação da despesa ou do acréscimo patrimonial que a financiou, deve manter-se a sentença recorrida.

VII. Diga-se ainda, e aproveitando os contributos da doutrina que já se pronunciou a este respeito, que qualquer oposição de soluções nesta sede seria apenas aparente, dada a autonomização, já acima referida, do artigo 89.º-A da LGT no quadro do regime geral da avaliação indirecta, atenta a natureza da própria avaliação indiciária ali regulada – cfr., por todos, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Almedina, Coimbra, 2010, p. 285: “A característica da subsidiariedade implica, por regra, que a determinação da matéria tributável seja feita prioritariamente através da avaliação directa, só se recorrendo a outras formas de determinação da matéria tributável quando se verifica a impossibilidade de determinar a matéria tributável com base naquela. Ora, esse exercício é inconcebível nas situações em que se determina o rendimento tributável através de manifestações de fortuna. Isto porque esse mecanismo tem uma natureza residual, ou seja para se aplicar pressupõe o desconhecimento da fonte do rendimento que se pretende apurar. Face ao exposto, não há espaço para, no caso de determinação do rendimento com base em manifestações de fortuna se falar em subsidiariedade. Pois, esse mecanismo, não sendo sequer concebível ou pensável uma aplicação da determinação directa, dado que pressupõe que se conheça a categoria ou a fonte do rendimento.” (sublinhado nosso).

VIII. Não existem, por todo o exposto, suficientes proximidades factuais ou de Direito entre os acórdãos em confronto que sejam susceptíveis de se permitir falar da existência de uma comum questão fundamental de Direito sobre a qual ambos se tenham pronunciado.


III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar findo o presente Recurso, não tomando conhecimento do respectivo mérito.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 24 de Março de 2021

Gustavo Lopes Courinha (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exmºs Senhores Conselheiros Adjuntos:

Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.