Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0194/09
Data do Acordão:06/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
DEDUÇÃO
IVA
Sumário:I - À face do preceituado no art. 97.º, n.ºs 1, alíneas d) e p), e 2, do CPPT, a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (actualmente acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) para impugnar um acto em matéria tributária depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial.
II - Assim, é a acção administrativa especial o meio processual adequado para impugnar um acto da Administração Tributária que indeferiu um pedido de autorização de dedução de IVA, baseado no art. 71.º, n.º 7, do CIVA (redacção anterior à Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Junho).
Nº Convencional:JSTA000P10633
Nº do Documento:SA2200906250194
Recorrente:A... E SUBDIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A... E SUBDIRGER DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, S.A., propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra acção administrativa especial contra o Senhor Director-Geral dos Impostos e os Senhores Director-Geral e Subdirector-Geral da Direcção de Serviços do IVA da Direcção-Geral de Impostos visando a anulação de um despacho proferido por este último, datado de 13-7-2007, que indeferiu um pedido de dedução extraordinária de IVA referente ao ano 2000.
De harmonia com o disposto no art. 10.º, n.º 4, do CPTA, a acção considera-se proposta contra o Ministério das Finanças.
No despacho saneador, o Meritíssimo Juiz entendeu que o meio processual utilizado não é o adequado, devendo ser utilizado o processo de impugnação judicial para impugnar «um acto de liquidação de imposto» efectuado pela Administração. Fiscal e procedeu à convolação do processo em pedido de revisão do acto tributário a ser apreciado pela Administração Fiscal, invocando os arts. 60.º e 90.º, n.º 4, do CPPT.
Deste despacho interpuseram recursos para este Supremo Tribunal Administrativo a Autora e o Réu.
A Autora apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1) Por Despacho Saneador veio o douto Tribunal a quo considerar procedente a excepção invocada pela Fazenda Pública e, consequentemente, veio a julgar inadequado o meio judicial utilizado pela Recorrente.
2) Com efeito, considerando o Tribunal a quo que, estando o direito à dedução interligado com a liquidação do Imposto (IVA), entendeu que o meio processual adequado seria a própria impugnação judicial deduzida contra os actos de liquidação adicional.
3) Nesse termos, considerou o Tribunal a quo que do acto de liquidação de imposto efectuado ao sujeito passivo cabia impugnação judicial, não só relativamente ao imposto liquidado adicionalmente, como com fundamenta no direito à dedução do imposto suportado nas operações consideradas pela Adm. Fiscal como sujeitas e não isentas de imposto.
4) Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente deixar de contestar esse entendimento, considerando que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o acto aqui em crise deveria ter sido impugnado conjuntamente com a liquidação adicional do imposto.
5) Pelo que o presente recurso tem como objecto a parte da decisão que julgou a Acção Administrativa Especial o meio processual inadequado;
6) As razões pelas quais entende a Recorrente que o entendimento apresentado pelo Tribunal a quo não poderá ser mantido, devendo, consequentemente, ser revogado o Despacho Saneador, são, no essencial três: o tipo do acto em causa, a natureza do contencioso tributário e o mecanismo consagrado para o pedido do direito à dedução extraordinário.
7) No que concerne ao «tipo do acto em causa, cumpre aqui chamar à colação o disposto no artigo 97.º do CPPT.
8) Nos termos do citado preceito, o processo tributário compreende não só a impugnação judicial dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade dos actos de liquidação [alínea d) do n.º l do artigo 97,º)] como compreende o recurso contencioso de actos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade dos actos de liquidação.
9) Assim, o que distingue a forma de processo – impugnação judicial vs. recurso contencioso (actualmente, Acção Administrativa Especial), é a apreciação ou não apreciação da legalidade dos actos de liquidação.
10) Ora, no caso em análise o que está em causa é a contestação de um indeferimento expresso de pedido de dedução extraordinário.
11) Ainda que se admita uma certa prejudicialidade entre a liquidação adicional e o pedido de dedução (visto que só haverá lugar a dedução caso a liquidação, entretanto impugnada, seja confirmada pelo Tribunal), a verdade é que no presente caso – meio de reacção ao indeferimento do pedido de dedução extraordinário – não está em causa a apreciação da legalidade de qualquer liquidação.
12) A apreciação da (i)legalidade do acto de liquidação do imposto (IVA) será feito em sede de impugnação judicial tempestivamente deduzida pela aqui Recorrente.
13) O acto de indeferimento do pedido de dedução extraordinário é assim um acto administrativo em matéria tributária que (embora conexo) não comporta em si a apreciação da (i)legalidade de qualquer acto de liquidação, podendo e devendo, por isso, ser contestado através da Acção Administrativa Especial.
14) No que toca à natureza do contencioso tributário importa não esquecer que – sem prejuízo da divisibilidade do acto tributário permitir ao Tribunal “moldar” uma liquidação, julgando-a parcialmente procedente – a verdade é que, por regra, o contencioso tributário assume a natureza de contencioso de mera anulação.
15) Assim sendo, não nos parece que na realidade pudesse sequer a ora Recorrente, aquando da impugnação judicial da liquidação adicional de IVA, requerer, ainda que de forma subsidiária, o pedido de dedução do IVA aos inputs ocorridos com a realização das operações em crise.
16) Com efeito não nos parece que – atendendo a própria natureza do contencioso tributário – pudesse o Tribunal ordenar à Administração fiscal que procedesse à dedução do IVA.
17) Por fim, em terceiro lugar, acresce ainda que estando aqui em causa uma dedução extraordinária seria sempre necessário que o Sujeito Passivo procedesse à apresentação de um pedido de dedução autónomo.
18) Ora, é precisamente do acto de indeferimento desse pedido de dedução – praticado pelo Subdirector Geral – que a ora Recorrente interpôs a presente Acção Administrativa Especial, requerendo, nessa sede, a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dedução extraordinário.
19) Como já se referiu, não está aqui em causa a apreciação da legalidade da liquidação adicional do imposto mas sim um acto administrativo tributário: o acto de indeferimento do pedido de dedução de IVA.
20) Estamos assim perante um acto distinto, autónomo e definitivo o qual claramente não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação mas o acto de indeferimento do pedido de dedução extraordinário.
21) Aliás, se assim não fosse, seria caso para perguntar como é que a aqui Recorrente poderia ter apresentado (e depois reagido judicialmente) um pedido de dedução extraordinário caso se tivesse conformado com a liquidação do IVA e, consequentemente, não tivesse deduzido impugnação judicial?
22) Em suma, face ao exposto, julga a Recorrente que, de facto e de direito, mal andou o Tribunal a quo ao não considerar a Acção Administrativa Especial o meio processual adequado,
23) Pelo que o presente Despacho Saneador violou o disposto nas alíneas d) e p) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 97.º do CPPT.
TERMOS EM SE DEVE DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, ANULANDO-SE O DESPACHO SANEADOR NOS TERMOS E COM os FUNDAMENTOS ACIMA EXPOSTOS,DEVENDO, CONSEQUENTEMENTE, O PROCESSO SEGUIR COMO ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, APRECIANDO O TRIBUNAL A QUO OS ARGUMENTOS INVOCADOS PELA ORA RECORRENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA.
O Réu apresentou as seguintes conclusões, no recurso que interpôs:
1 – A douta sentença recorrida ao decidir pela convolação da presente acção administrativa especial em pedido de revisão do acto tributário a ser apreciado pela Administração Fiscal, com base no artigo 60º e nº 4 do artigo 98º do CPPT, fez, salvo o devido respeito uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos pelo que não deve ser mantida.
2 – Na verdade, aquelas disposições legais bem como quaisquer outras não lhe permitem convolar uma acção judicial num procedimento administrativo.
3 – Efectivamente, estando em causa um mero erro na forma processual utilizada, deve o Tribunal, por força dos artigos 97º, nº 3 da LGT e 98º, nº 4 do CPPT, apreciar da possibilidade da convolação do meio processual impróprio no meio processual próprio.
4 – Ora ao decidir como decidiu pela impropriedade do meio processual utilizado e pela caducidade da acção a da douta sentença recorrida não podia concluir como concluiu, mas, decidir pela absolvição do R. do pedido.
5 – Não podia, pois, o Tribunal “a quo” considerar, com fez, que tendo a acção caducado e, consequentemente, inviabilizado a convolação no meio processual próprio, decidir pela convolação no procedimento de revisão do acto tributário.
6 – Ao concluir, como concluiu, convolando uma acção judicial num procedimento administrativo violou, desde logo, o princípio da separação de poderes consagrado no artigo 111º da CRP.
7 – A douta sentença recorrida não só pôs em causa aquele princípio, pondo, igualmente, em causa o princípio de equidistância relativamente às partes no processo.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e ser substituída por outra que determine a sua total improcedência.
A Autora contra-alegou em relação ao recurso do Réu, concluindo da seguinte forma:
1) Dado que a Autora (aqui Recorrida), inconformada com a decisão proferida que julgou a excepção de inadequabilidade procedente apresentou recurso, solicitando que a decisão proferida fosse alterada por forma a julgar a forma processual utilizada – acção administrativa especial – adequada, o presente recurso apresenta-se assim com um carácter subordinado, só devendo ser apreciado caso improceda o referido recurso intentado pela Autora.
2) Por Despacho Saneador veio o douto Tribunal a quo considerar procedente a excepção de inadequação do meio processual invocada pela Fazenda Pública, convolando, todavia, o meio processual utilizado pela Autora – Acção Administrativa Especial – em Pedido de Revisão Oficiosa do Acto Tributário a ser apreciado, naturalmente, pela Administração fiscal.
3) Sustenta o Tribunal a quo a convolação no disposto nos artigos 97.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 4, do CPPT.
4) Com efeito, dispõem os citados preceitos que impende sobre o Tribunal, sempre que possível, convolar um processo inadequado (errado) na forma de processo correcto.
5) Nesses termos, como já se referiu, considerando incorrecta a forma de processo utilizado pela Autora – decisão essa também objecto de recurso, desta feita pela a própria Autora – entendeu o Tribunal a quo convolar a mesma num Pedido de Revisão Oficiosa do Acto Tributário.
6) É precisamente desse acto de convolação que a Fazenda Pública, inconformada, aqui recorre.
7) Nos termos das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública, mal terá decidido o Tribunal a quo ao proceder à referida convolação na medida em que considera que tal não seria possível no presente caso.
8) Os fundamentos apresentados pela Fazenda Pública para sustentar essa sua teoria são: (i) a caducidade e (ii) os princípios da separação de poderes e da equidistância relativamente às partes no processo.
9) Salvo o devido respeito, julga todavia a aqui Recorrida que o presente recurso carece de fundamento, nada havendo, neste particular, a censurar na decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo por isso de manter a convolação caso o recurso interposto pela Autora – quanto à decisão que julgou a Acção Administrativa Especial como meio judicial impróprio – seja julgado improcedente.
10) No que concerne à caducidade, considera a Fazenda Pública que a única forma adequada em que seria possível convolar seria na impugnação judicial, contudo, tendo em consideração a data da notificação dos actos de liquidação adicional do imposto em causa (IVA), tal já não seria possível por intempestividade, pelo que o instituto da convolação não poderia ter sido aqui aplicado.
11) Com o devido respeito por opinião contrária, julga a aqui Recorrida que o argumento apresentado pela Fazenda Pública carece de qualquer apoio.
12) Com efeito, tendo a Autora, em sede de resposta à excepção invocada, solicitado, à cautela, que em caso de procedência da referida excepção fosse a ACÇÃO Administrativa Especial convolada “na forma processual adequada”, e considerando o disposto nos citados preceitos 97.º da LGT e 98.º do CPPT, não se vislumbra como é que, na realidade, não tivesse o Tribunal a quo de proceder à convolação.
13) Como referem DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA, reportando-se às funções do Juiz, este só estará desonerado da obrigação de ordenar a correcção da forma de processo quando ela se mostre de todo inviável.
14) Ora, nesses termos, considerando o Tribunal a quo inadequado o meio processual utilizado pela Autora – a acção administrativa especial (decisão essa objecto de recurso por parte da Autora), competia-lhe assim averiguar se haveria ou não lugar à convolação na forma de processo adequada,
15) Tendo o Tribunal a quo concluído que a única possibilidade seria a de convolar a acção administrativa especial, não em impugnação judicial, mas sim, num pedido de revisão de acto tributário.
16) Pelo que, ainda que se considere que o direito à impugnação judicial já havia caducado – o que, como se verá de seguida, não se aceita, a verdade é que o direito a apresentar o pedido de revisão de acto tributário, ainda não havia caducado. O que aliás nem sequer foi posto em causa pela Fazenda Pública.
17) Pelo que, face ao exposto, improcede assim o argumento da Fazenda Pública da caducidade.
18) Não obstante, a verdade é que a convolação em impugnação judicial também seria efectivamente possível, pois na realidade, ao contrário do que entendeu o próprio Tribunal a quo, o prazo para aferir a (in)tempestividade da mesma não se afere, no presente caso, da data de notificação dos actos de liquidação adicional do imposto mas sim da decisão de indeferimento do pedido de regularização apresentado pelo Sujeito Passivo.
19) Qualquer outro entendimento – como aquele que o próprio Tribunal defendeu – estaria a ferir o princípio constitucional de acesso aos Tribunais na medida em que estaria a impedir o Sujeito Passivo de recorrer à via judicial no caso em que, concordando com a liquidação, o pedido de regularização extraordinário fosse indeferido.
20) Face ao exposto, requer a Autora, aqui Recorrida – nos termos do artigo 684.ºA do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT – a ampliação do âmbito do presente recurso de forma a que este Venerando Tribunal considere que o prazo para uma eventual acção judicial do indeferimento de um pedido de dedução extraordinário inicia-se com a notificação do seu indeferimento, alterando assim a decisão do Tribunal a quo quanto a esta matéria.
21) Termos em que, mais uma vez, improcede o fundamento de caducidade invocado pela Fazenda Pública.
22) No que concerne ao segundo argumento utilizado pela Fazenda Pública: alegada violação do princípio da separação de poderes e do princípio de equidistância, julga a Autora que, uma vez mais, é o mesmo totalmente descabido e, consequentemente, improcedente.
23) Com efeito, nem o princípio da separação de poderes nem o princípio de equidistância foram minimamente beliscados com a decisão de convolação.
24) Na verdade, o Tribunal a quo limitou-se, e bem, a exercer a sua função jurisdicional, limitando-se a, nos termos das suas competências, a convolar um meio que julgou inadequado 110 meio processual que julgou correcto.
25) Assim, o que o Tribunal a quo fez foi somente – em cumprimento dos supra citados artigos – convolar um procedimento num outro diferente, no caso, um processo judicial num processo gracioso;
26) Deixando, contudo, a decisão sobre o mesmo para quem de direito compete, pelo que, não se compreende como pode a Fazenda Pública afirmar que com a convolação está o Tribunal a quo a violar o princípio da separação de poderes,
27) O facto de se convolar um meio judicial num meio processual num meio judicial não consubstancia qualquer violação do princípio de separação de poderes.
28) Tendo, aliás, tal questão sido já objecto de decisão por parte do STA, nomeadamente no âmbito do processo 1115/02, de 23.10.02, o qual confirmou uma decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que havia convolado uma acção judicial (impugnação) numa acção graciosa (requerimento de 2.ª avaliação).
29) Por fim, improcede igualmente o argumento de que a convolação põe em causa o princípio da equidistância, pois na realidade, o Tribunal a quo não toma nem favorece nenhuma parte da lide limitando-se a aplicar a lei 30) Surpreendente não foi a decisão do Tribunal a quo mas sim a posição ora assumida pela Fazenda Pública, pois incumbindo à Administração fiscal a prossecução do interesse público, vinculada aos princípios da legalidade e da justiça (entre outros), deveria acatar a decisão do Tribunal a quo e apreciar a questão como um pedido de revisão do acto tributário.
31) Até porque, recorde-se, no caso presente, quando a Administração fiscal indeferiu o pedido de dedução extraordinário apresentado pela Autora, não identificou sequer quais os meios que o contribuinte dispunha para reagir ao indeferimento..., sendo agora curioso notar que se impõe contra uma convolação.
TERMOS EM SE DEVE NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE A CONVOLAÇÃO NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS ACIMA EXPOSTOS ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer sobre o mérito do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – No despacho saneador, entendeu-se que o meio processual utilizado não é o adequado e que deveria ser utilizado o processo de impugnação judicial para impugnar «um acto de liquidação de imposto» efectuado pela Administração Fiscal e considerando a petição intempestiva para esta forma processual, o Meritíssimo Juiz decidiu que a petição da presente acção deveria ser «considerada no âmbito do disposto no art.º 78.º da LGT», «considerando-se aquela solicitação à Adm. Fiscal de regularização do imposto dedutível como consubstanciando o pedido para a sua realização e com fundamento em erro na autoliquidação do imposto e para efeitos do disposto no n.º 6 daquele preceito da LGT».
Por isso, o Meritíssimo Juiz procedeu à convolação do processo em pedido de revisão do acto tributário a ser apreciado pela Administração Fiscal, invocando os arts. 60.º e 90.º, n.º 4, do CPPT.
3 – A questão colocada no recurso da Autora é a da adequação do meio processual utilizado, designadamente a de saber se, em vez da acção administrativa especial, a Autora deveria ter utilizado o processo de impugnação judicial.
A delimitação geral dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial da acção administrativa especial para impugnação de actos em matéria tributária resulta do art. 97.º, n.º 1, alíneas d) e p), do CPPT.
Nestas normas estabelece-se o seguinte:
1 – O processo judicial tributário compreende:
(...)
d) A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
(...)
p) O recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação; Como se vê, a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (actualmente acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial.
Esta será a regra geral, aplicável sempre que não se estabelecer especialmente um determinado meio processual.
No caso em apreço, foi liquidado adicionalmente IVA, na sequência de uma acção inspectiva, tendo a Autora impugnado as respectivas liquidações, noutro processo.
Como resulta da sentença recorrida, o requerimento apresentado pela Autora à Administração Tributária, que foi indeferido pelo despacho impugnado, visa a obtenção de autorização para «dedução do imposto suportado nas operações consideradas pela Adm. Fiscal como sujeitas e não isentas de imposto», ao abrigo do disposto no art. 71.º, n.º 7, do CIVA (antes da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Junho e da renumeração operada pelo DL n.º 102/2008, de 20 de Junho) ( ( ) O CIVA estabelecia nos n.ºs 6 e 7 do seu art. 71.º, na redacção anterior à Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Junho, o seguinte:
Artigo 71.º
6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65º, nas declarações mencionadas no artigo 40º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 67º, é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só poderá ser efectuada no prazo de um ano, que, no caso do exercício do direito à dedução, será contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado. (Redacção dada pelo art. 2.º da Lei n.º 4/98, de 12 de Janeiro)
7 - Em casos devidamente justificados, a correcção dos erros referidos no número anterior de que tenha resultado imposto entregue a mais pode ainda ser autorizada nos quatro anos civis seguintes ao período a que se reporta o erro, mediante requerimento dirigido ao director-geral dos Impostos. (Redacção dada pelo nº 1 do art. 3.º, do DL n.º 472/99, de 8 de Novembro). ) e não a anulação das liquidações, pelo que não se pode entender que o acto impugnado comporte a apreciação da legalidade daquelas liquidações.
Diferentes desta questão de saber qual o meio processual adequado para impugnar o acto que indeferiu tal pedido de autorização são a de saber se a questão da «susceptibilidade do exercício do direito à dedução do imposto» deveria ter sido «apreciada em sede própria, no processo de impugnação judicial», como se entendeu na sentença recorrida, e a de saber se, à face do disposto no n.º 2 do art. 90.º do CIVA, era possível impugnar os actos de liquidação quando ainda existia (se é que, eventualmente, existia) a possibilidade de correcção nos termos do referido art. 71.º.
Na verdade, a Autora, perante a notificação dos actos de liquidação, impugnou-os com os fundamentos que entendeu e a questão de saber se deveria ou não ter aí incluído a questão da «susceptibilidade do exercício do direito à dedução do imposto» ou se a impugnação não devia ser admitida por as liquidações serem susceptíveis de correcção são matérias que não têm a ver com o conteúdo do acto impugnado na presente acção administrativa especial.
Não havendo qualquer norma especial que preveja um determinado meio processual para a impugnação do acto de indeferimento em causa, o que releva para apreciar a questão da adequação da acção administrativa especial para impugnar o acto de indeferimento é apenas o conteúdo desse acto: se ele não comportou a apreciação da legalidade de qualquer acto de liquidação, o meio próprio é a acção administrativa especial, por força do disposto nas referidas alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT.
Perante esta demarcação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, não se pode dizer que não releva «aqui a decisão de indeferimento do pedido de regularização», pois ela é necessariamente o elemento factual decisivo para a determinação da forma de processo adequada.
E, no caso em apreço, o acto impugnado apenas apreciou se a ora Autora estava ou não em tempo para pedir a autorização que pediu para exercer o direito à dedução.
Com esta tomada de posição, a Administração Tributária não apreciou, mesmo indirectamente, a legalidade dos actos de liquidação, pois o direito à dedução do imposto não contende com a legalidade das liquidações e, antes pelo contrário, apenas poderia existir se houvesse o dever de liquidar IVA pelas operações que estão em causa, isto é, se as liquidações efectuadas forem legais. ( ( ) Este é, aliás, um ponto sobre o qual a Autora e a Ré estão de acordo, como pode ver-se pelo art. 7.º da contestação, a fls. 140, e conclusão 11.ª das alegações do recurso da Autora, a fls. 186. )
4 – Assim, conclui-se que não é correcto o entendimento adoptado na sentença recorrida sobre a inadequação da presente acção administrativa especial a apreciar a legalidade do acto impugnado.
Decidindo-se que o meio utilizado é o adequado fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso da Ré de saber qual a consequência processual que deveria ter a decisão que declara existir erro na forma de processo.
Termos em que acordam neste Supremo Tribunal Administrativo em:
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar a sentença recorrida;
– ordenar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a fim de ser apreciado o mérito da acção se a tal obstar razão diferente da que baseou a decisão recorrida.
Sem custas, por a Ré não ter contra-alegado e [art. 2.º, n.º 1, alínea g), do CCJ] e por ter ficado prejudicado o recurso que interpôs.
Lisboa, 25 de Junho de 2009.- Jorge de Sousa (relator) – Brandão de Pinho – Miranda de Pacheco.