Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01214/12
Data do Acordão:03/26/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:I - Por respeito, ao princípio e normas que visam evitar quaisquer surpresas deve ser dada possibilidade/direito à ora requerente de se pronunciar sobre a melhor interpretação a efectuar do disposto no artº 7º nº 3 do EFC, o que não foi feito.
II - É de deferir a requerida arguição de nulidade processual que se declara e determina, e que implica a anulação do acórdão proferido.
III - Fica, pois, prejudicado o conhecimento do pedido de reforma de acórdão.
Nº Convencional:JSTA000P17290
Nº do Documento:SA22014032601214
Data de Entrada:11/08/2012
Recorrente:ADEGA COOPERATIVA DE ......, SCRL
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: REFORMA DE ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO

ADEGA COOPERATIVA DE ……, SCRL, contribuinte nº ……, e melhor identificada nestes autos, impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRC do ano de 2003 na importância total de € 97.424,99.
Por sentença de 30 de Setembro de 2008, o TAF de Braga, julgou a impugnação improcedente.
Reagiu a ora recorrente ADEGA COOPERATIVA DE ……., SCRL, interpondo o presente recurso, para o TCA Norte, que por acórdão de 28 de Junho de 2012, se declarou incompetente em razão da hierarquia, considerando este Supremo Tribunal o competente.
Neste STA foi proferido acórdão em 04/12/2013 no qual foi decidido negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, condenando em custas a recorrente.
Não satisfeita com o assim decidido vem agora a mesma Cooperativa através da sua peça de fls. 97 a 102, requerer a reforma do acórdão. Termina com as seguintes alegações/conclusões:

ADEGA COOPERATIVA DE …….., SCRL, Recorrente no âmbito do processo supra referenciado, em que é Recorrida a FAZENDA PÚBLICA, notificada do acórdão proferido, em conferência, pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 04.12.2013, pelo qual foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo TAF de Braga, datada de 30.09.2008, vem, ao abrigo das disposições contidas na al. d) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 615º, da al. b) do n.º 2 do artigo 616º, ex vi do artigo 666º, todos do CPC, ARGUIR NULIDADE e requerer a REFORMA DO ACÓRDÃO, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. Dispõe o artigo 615º, n.º 1, do CPC que “é nula a sentença quando: [...] d) o juiz [...] conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

2. Por sua vez, reza o artigo 616º, n.º 2, do mesmo código que, “não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

3. Com relevância, dispõe ainda o artigo 666.º do CPC que “é aplicável à 2ª instância o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º ”.

4. No caso em apreço, tendo por base o acórdão em crise, estão preenchidos os fundamentos acima indicados e que legitimam a presente arguição de nulidade daquele aresto e, bem assim, o pedido de reforma, no sentido de alcançar uma decisão que, corrigindo os vícios detectados, conceda provimento ao recurso jurisdicional interposto.

5. Na verdade, e conforme se demonstrará mais adiante, o acórdão em crise conhece de questões que não podia tomar conhecimento.

6. Da mesma forma que padece de erro na determinação da norma aplicável.

7. Para além de que constam do processo documentos ou outro meio de prova plena que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

Senão vejamos,

8. Na base do presente processo judicial, está o acto tributário de liquidação adicional de IRC, com o n.º 20068310032574, e acto tributário de liquidação de juros compensatórios, com o nº 200600000182051, ambos emitidos pela DGI, no valor de € 97.424.99.

9. Os referidos actos de liquidação fundamentam-se no Relatório de Inspecção Tributária, no qual é dito o seguinte: “o sujeito passivo no exercício de 2003 alienou terreno cujo valor de realização foi de 300 775,00 € e considerou o valor de aquisição o atribuído na avaliação patrimonial o qual foi de 75 375,00 €. O ganho resultante foi incluído na determinação dos resultados de uma forma incorrecta, ou seja, o sujeito passivo não atendeu ao estabelecido no artigo 13.º conjugado com o n.º 3 do artigo 7.º ambos do Estatuto Fiscal Cooperativo. De acordo com o referido preceito legal são tributados à taxa normal de IRC os resultados provenientes de actividades alheias aos fins cooperativos. Importa referir que o sujeito passivo considerou aquele ganho no apuramento da matéria colectável como se tratasse de um resultado não alheio aos fins cooperativos. Entendemos que são resultados provenientes da actividade alheia aos fins cooperativos, todos os resultados provenientes de operações que não respeitam à natureza do produto (uvas e seus derivados) provenientes das explorações dos cooperadores” (sublinhado e negrito nosso).

10. Do mencionado Relatório de Inspecção Tributária e, em particular, da citação que se acabou de transcrever, resulta, de forma cristalina, que os actos impugnados se fundamentam no entendimento de que o ganho resultante de uma operação realizada (concretamente, alienação de terreno, sua propriedade, desanexado de prédio onde possui instalações principais, no ano de 2003) pela recorrente configurava um resultado proveniente de actividade alheia a fins cooperativos e, nessa medida, sujeita ao pagamento de IRC.

11. A ora recorrente, por discordar dos referidos actos e, em particular, da concreta fundamentação enunciada (cristalizada, repita-se, no Relatório de Inspecção Tributária), deduziu uma impugnação judicial tendo por objecto aqueles actos, imputando-lhes os seguintes vícios: a) erro nos pressupostos de direito; b) violação dos princípios da não discriminação positiva e da não discriminação negativa e c) violação do princípio da igualdade.

12. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 30.09.2008, a impugnação judicial deduzida foi julgada improcedente.

13. Considerou aquele tribunal que, “face às disposições contidas no EFC, se conclui que apenas se encontram isentas as actividades estritamente relacionadas com os seus fins, ou seja, os rendimentos inerentes à aquisição e transformação de produtos, bens e serviços correspondentes à sua actividade propriamente dita, que consiste na produção de vinho” (sublinhado e negrito nosso).

14. Pese embora o desacerto do sentido decisório cristalizado naquele aresto, considera a recorrente que teve este (o aresto) o mérito de, face à fundamentação dos actos impugnados, fazer o correcto enquadramento da questão, nos seguintes termos: “a questão essencial a apreciar e decidir nestes autos é a de saber se o valor resultante do ganho proveniente da venda do terreno, é um resultado proveniente da actividade alheia aos fins cooperativos e nessa medida tributado em sede de IRC, como defende a AT, ou pelo contrário, como sustenta a impugnante, o ganho em causa encontra-se relacionado e visa a actividade normal da cooperativa pelo que não é alheio ao seu fim” (sublinhado e negrito nosso).

15. A recorrente, por discordar da conclusão alcançada pelo referido aresto, dele interpôs o competente recurso jurisdicional, sustentando, no essencial, que o rendimento em questão nos autos - e que, como se disse, está na base dos actos de liquidação impugnados - não constituía (nem constitui) um resultado proveniente de actividade alheia aos fins cooperativos, imputando aos actos impugnados e à sentença recorrida (e à interpretação nela perfilhada) vícios de erro nos pressupostos de direito e de violação dos princípios da discriminação positiva, da não discriminação negativa e, bem assim, do princípio da igualdade.

16. O acórdão em crise foi proferido no seguimento do referido recurso jurisdicional, ao qual foi negado provimento, confirmando, o Tribunal, a decisão recorrida.

17. A recorrente não se conforma com o teor e sentido decisório do acórdão em crise.

18. E não se conforma, não apenas por discordar, em absoluto, do seu sentido decisório e da interpretação e aplicação da lei que nele é feita, mas, sobretudo, por que o mesmo foi decidido tomando por base uma (suposta) realidade que, de todo, não existe.

Expliquemos.

19. Pondo de parte o entendimento do Tribunal de que não ocorre violação dos princípios da discriminação positiva, da não discriminação negativa e do princípio constitucional da igualdade (se bem que o mesmo, pela quase inexistente fundamentação, para não dizer mesma nula, não convence), foi negado provimento ao recurso por se entender, para absoluta surpresa da recorrente, que, “no caso dos autos, os resultados assentam inequivocamente num ganho ocasional derivados de uma operação com terceiros” e que, por isso, o facto de o ganho ter sido “destinado a solver débitos financeiros da cooperativa recorrente assumidos para a compra de equipamentos [...] não obsta à aplicação da taxa normal de IRC ”.

20. Isto, quando nos autos não se discute - nem se poderia discutir - se o ganho obtido é proveniente de operações com terceiros.

21. Como se referiu anteriormente, a AT fundamentou os actos impugnados, única e exclusivamente, no facto de estarem (supostamente) em causa resultados provenientes da actividade alheia aos fins cooperativos.

22. Em termos de fundamentação de direito, assentam os mesmos no n.º 3 do artigo 7.º do EFC, mas apenas no segmento normativo que se refere às “actividades alheias aos fins cooperativos”.

23. Em nenhum momento a AT se pronunciou no sentido de que os referidos actos encontrassem sustentação jurídica no outro segmento da mesma norma, o qual respeita aos “resultados provenientes de operações com terceiros ”.

24. E se aquele outro segmento não serviu de fundamentação aos actos impugnados, o Tribunal não o poderia considerar para aquele efeito.

25. Com efeito, o Tribunal deveria ter-se limitado a apreciar a validade dos actos tendo por base a fundamentação que lhe foi (efectivamente) conferida pela AT.

26. No entanto, e em vez disso, o Tribunal pronunciou-se sobre questões que não podia tomar conhecimento (na medida em que não integram o acto) e errando no segmento normativo aplicável (atendendo à fundamentação de direito dos actos impugnados, conforme resulta evidente dos mesmos).

27. Ao fazê-lo, e para espanto da recorrente, o Tribunal substituiu-se à própria AT, na medida em que, com o propósito de salvar a validade do acto, introduz nos actos impugnados nova fundamentação, não aduzida por aquela AT.

28. Como que dizendo que a questão (da validade dos actos) não tem que ser apreciada da forma como os actos foram praticados pela AT, mas sim da forma como o Tribunal, de forma inovadora, considera que os mesmos deveriam - ou poderiam - ter sido praticados.

29. O problema é que os actos foram praticados pela AT, nos termos e com a fundamentação que foram e não com a fundamentação com que o Tribunal acha que poderiam os mesmos ter sido praticados.

30. No que constitui uma clara violação do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 111.º da CRP), e uma flagrante intromissão do poder judicial na esfera do poder executivo.

31. Em sentido diametralmente oposto ao da sua actuação, competia ao Tribunal proceder (simplesmente) à analise da questão que lhe foi colocada à luz da fundamentação que aos actos foi conferida pela AT, para, caso concluísse que os mesmos não estavam bem fundamentados, tirar as devidas ilações cassatórias, sendo-lhe, de todo, vedado, promover uma sanação das irregularidades de que os mesmos padecem por sua própria iniciativa, socorrendo-se, para o efeito, da fundamentação distinta daquela.

32. Veja-se que esta actuação do Tribunal constitui um reconhecimento (implícito) da falência da fundamentação concedida pela AT aos actos impugnados e, em consequência, da bondade da argumentação da recorrente, visto que nada foi dito relativamente à questão de saber se, à luz da efectiva fundamentação dos actos, o ganho em questão era (ou não) o resultado de “actividades alheias aos fins cooperativos ”.

33. Acresce ainda que o teor e sentido do acórdão recorrido, ao analisar e decidir a questão da validade dos actos impugnados à luz de novos fundamentos (de fonte judicial) consubstancia uma decisão surpresa, proferida em 2ª instância, privando a recorrente do seu direito de recorrer da mesma, o que comporta a violação do princípio do contraditório ínsito no artigo 3.º do CPC, e uma nulidade processual, que ora se argúi - neste sentido, veja-se, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 2002, proferido no processo 02A2478, disponível em www.dgsi.pt.

34. Para além disso, e como decorrência da violação do princípio do contraditório, a decisão proferida nos termos citados constitui (ainda) clara violação do direito à tutela judicial efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP.

Nestes termos, e nos mais de Direito, e com o sempre mui douto suprimento de V.ªs Exas, requer-se que seja julgada verificada a nulidade do acórdão, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pelo facto de o Tribunal ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento e a nulidade decorrente do facto de estarmos perante uma decisão-surpresa, a qual privou a recorrente do seu direito de contraditório, com as legais consequências.

Sem prescindir, caso assim não se entenda, requer-se a reforma do acórdão, com fundamento no preceituado nas al. a) e b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, em virtude de aquele aresto padecer de erro na determinação da norma aplicável ao caso dos autos e do facto de constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida.

Pede Deferimento.

Não houve contra-alegações.

O Mº Pº junto deste STA não emitiu parecer e foram colhidos vistos.

CUMPRE DECIDIR:
Afigura-se que tendo a recorrente atribuído ao acto tributário o vício de erro nos pressupostos de direito (artigos 7º e 13º do EFC) este STA se debruçou sobre a melhor interpretação de tais normativos tendo o cuidado de os reproduzir a fls. 7 do acórdão. A fls. 8 do mesmo aresto destacou-se a pretensão da recorrente de que os ganhos com a alienação do terreno fossem considerados como resultado não alheio aos fins cooperativos e destacaram-se os pontos 9) e 10) do probatório como sustentando a sua pretensão.
Entrou-se depois na interpretação do disposto no artº 7º nº 3 do EFC afirmando-se em três alíneas as limitações que o preceito encerra ao benefício à taxa reduzida de 20% ali prevista e afirmou-se ainda a autonomia de cada uma das limitações para por si própria delimitar o direito ao apontado benefício ou isenção. E depois escreveu-se este segmento do acórdão que foi decisivo para a solução do pleito:
“…no caso dos autos, os resultados assentam inequivocamente num ganho ocasional derivados de uma operação com terceiros, não há lugar à redução de taxa a que nos vimos referindo, ainda que conste do probatório, que o ganho foi destinado a solver débitos financeiros da cooperativa recorrente assumidos para a compra de equipamentos, tal facto não obsta à aplicação da taxa normal de IRC”.
Ou seja, ficou expresso que a resposta à questão da actividade ser ou não alheia aos fins cooperativos era despicienda por verificação da qualidade de terceiro do adquirente do terreno “a montante”. Acresce referir que a verdadeira questão que está em causa é da taxa de tributação a aplicar. Se a normal. Se a reduzida de 20% prevista na norma que este STA interpretou. Este é o “bem da vida” e por isso encerra a verdadeira questão. A ela respondeu este Tribunal e por isso não ocorre nem excesso nem omissão de pronúncia.
Concede-se no entanto que este Tribunal enveredou por uma interpretação restritiva do preceito a que nos vimos referindo. No pólo oposto é plausível a argumentação de que enquanto as actividades alheias aos fins cooperativos são necessariamente praticadas com terceiros podem suceder situações em que a intervenção de terceiros para a prossecução dos fins cooperativos seja meramente instrumental do fim visado.
E, aqui concede-se não foi dada a possibilidade à ora requerente da arguição de nulidade de poder defender esta ou outra tese, sempre por atenção à melhor interpretação a efectuar do disposto no artº 7º nº 3 do EFC.
Por respeito, ao princípio e normas que visam evitar quaisquer surpresas entendemos ser de dar a possibilidade/direito ao ora requerente de se pronunciar sobre os aspectos acabados de referir. Fica, pois, prejudicado o conhecimento do pedido de reforma de acórdão.

DECISÃO:
Pelo exposto e com a presente fundamentação, defere-se a requerida arguição de nulidade processual que se declara e determina, e que implica a anulação do acórdão proferido. Em consequência, decide-se que com a notificação da presente decisão seja simultaneamente concedido à requerente o prazo de 10 dias para se pronunciar e exercitar o contraditório em relação à interpretação do aludido preceito, por a ele deverem ser subsumidos os factos dados como provados na sentença, após o que se seguirão os trâmites normais com a prolação de novo acórdão.

Sem Custas.
Lisboa, 26 de Março de 2014. - Ascensão Lopes (relator) – Pedro Delgado – Valente Torrão.