Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0353/17
Data do Acordão:01/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA
APOSENTADO
ACUMULAÇÃO
PENSÃO
REMUNERAÇÃO
Sumário:No desempenho da atividade e funções disciplinadas no quadro do Código de Insolvências e Recuperação de Empresas [«CIRE»] e da Lei n.º 32/2004, à data vigente e aqui aplicável, que estabelecia o então denominado «Estatuto dos Administradores de Insolvência» [«EAI»], os administradores de insolvência/administradores judiciais aposentados ou reformados constantes das listas oficiais não estão abrangidos pelos regimes de incompatibilidade e de cumulação de pensão e remuneração previstos, respetivamente, nos arts. 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação na redação que lhes foi introduzida pelo DL n.º 137/2010, de 28 de dezembro.
Nº Convencional:JSTA00070494
Nº do Documento:SA1201801180353
Data de Entrada:05/08/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:CGA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROCEDENTE
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL APOSENTAÇÃO.
Legislação Nacional:CIRE04 ART52 ART53 ART59 ART60.
EA72 ART78 ART79.
L 35/2014 DE 2014/06/20 ART20
L 12-A/2008 DE 2008/02/27 ART26 ART28 ART29.
L 32/2004 DE 2004/07/22 ART2 ART5 ART7 ART19 - ART27.
PORT 51/2005 DE 2005/01/20.
RCP08 ART16 N1 H I ART17 ART25 N2 C ART26.
CPC ART527 - ART533
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01456/16 DE 2017/12/13.
Referência a Doutrina:PEDRO COSTA GONÇALVES - ENTIDADES PRIVADAS COM PODERES PÚBLICOS PÁG560-561 PÁG578.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO

1. A…………., devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante «TAF/P»] a presente ação administrativa especial contra “CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP” [doravante «CGA»], igualmente identificada nos autos, na qual, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 04/12 dos autos], peticiona que seja «declarada nula e sem qualquer efeito a decisão de 2014.07.04 da Direção da CGA que ordena o reembolso das pensões que o Autor recebeu nos anos de 2011 e 2012 no montante de Euros 53.907,10 (cinquenta e três mil novecentos sete euros e dez cêntimos), comunicada pela carta registada e que constitui o documento n.º 1, porquanto os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação não são aplicáveis ao Autor enquanto gestor e liquidatário judicial» e «reconhecido que o exercício de funções de um gestor, liquidatário judicial e de administrador de insolvências (administrador judicial) nomeado em processo judicial não correspondendo ao exercício de funções públicas e que, em consequência, as remunerações fixadas em cada processo a pagar pelo IGFEJ não são remunerações devidas pelo exercício de funções públicas» e, se assim não for entendido, «anulada a decisão proferida por violação de obrigatoriedade pela CGA, I.P., da não audição prévia do aqui Autor, e, também, … por tal deliberação aplicar essa interpretação extensiva e violadora da Lei ao caso “sub judice” os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação …».

2. O «TAF/P», por sentença de 27.01.2016 [cfr. fls. 97/113 v. - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido.

3. O A., inconformado, recorreu para o TCA Norte [doravante «TCA/N»], o qual, por acórdão de 30.11.2016, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida [cfr. fls. 177/189 v.].

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o mesmo A., de novo inconformado agora com o acórdão proferido pelo «TCA/N», interpôs, então, o presente recurso de revista [cfr. fls. 197/211 v.], formulando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
1. Não se conforma o A. com a decisão do douto acórdão em recurso, quanto à violação do princípio constitucional e do procedimento administrativo do direito de participação, pois, efetivamente e com referência à decisão impugnada da Caixa Geral de Aposentações de 22.07.2014, não houve audição prévia;
2. A audiência prévia do Autor, da decisão da Caixa Geral de Aposentações na aplicação ao caso concreto dos autos das alterações ao artigo 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, com a alteração da sua redação de 2010 a entrar em vigor em 1 de janeiro de 2011, é um direito fundamental do Autor por imperativo constitucional e legal (artigo 267.º da Constituição da República, 100.º a 104.º do CPA então em vigor, bem como o artigo 8.º);
3. Mais a mais que essa alteração resulta para o Autor na restrição de seus direitos já anteriormente adquiridos, desde 1998;
4. Acresce que a própria Caixa Geral de Aposentações tinha e terá dúvidas sobre a sua aplicação ao Autor;
5. A comunicação feita ao Autor em 13.03.2014 pela Caixa Geral de Aposentações é sobre situação diferente, considerando-o funcionário do IGFEJ, à qual o Autor respondeu e não foi analisada a resposta e nem esclarecida a sua incompatibilidade de funções como Administrador Judicial;
6. O processo administrativo não tem qualquer despacho ou análise sobre a resposta do Autor;
7. Sempre o ato em recurso deve ser considerado nulo pela não observância da Lei, normativos citados, ou anulado, para que a CGA proceda em conformidade com a Lei, realizando a audição prévia e considerando o direito de participação do Autor na decisão;
Isto posto,
8. As alterações introduzidas aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-lei n.º 478/72, de 9 de dezembro, pelo artigo 6.º do Decreto-lei n.º 137/2010, de 29 de dezembro, sofrem de inconstitucionalidade orgânica e material;
9. Sendo esses normativos restritivos de direitos, nomeadamente os consagrados nos artigos 58.º e 59.º da CRP (direito ao trabalho e à retribuição), não foi procedida de qualquer autorização legislativa e, assim, violado o artigo 165.º da CRP, matérias da exclusiva competência da AR, concretamente a alínea b);
10. Este Decreto-lei, 137/2010, não foi sequer procedido de consultas, constitucionalmente definidas, nomeadamente aos sindicatos, violando o artigo 54.º e 56.º da CRP;
11. Esta alteração viola o princípio da igualdade, artigo 13.º da CRP, pois não tem em consideração o estipulado no artigo 63.º da CRP, quanto ao regime da Segurança Social, tendo a pensão dos aposentados a mesma natureza jurídica da pensão dos reformados e a alteração em causa tão só restringe direitos aos aposentados;
12. De igual sorte, sendo uma lei restritiva, teria de ser geral e abstrata, isto é, atingindo igualmente todos os reformados, independentemente da Instituição que lhes paga a reforma e não só dos recebedores da Caixa Geral de Aposentações (artigo 18.º n.º 3 da CRP);
13. A douta sentença em recurso não tem em consideração essa característica restritiva da referida alteração legal, que não pode ter efeitos retroativos e que terá, na sua aplicação de respeitar os comandos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.
14. Essa lei afeta o direito do Autor ao trabalho e consequente remuneração, direitos constitucionalmente afirmados e afeta o principio da boa fé e confiança, desde logo consignado no artigo 2.º da CRP, porquanto o Autor havia decidido e colaborando na sua reforma antecipada, pois, com os seus conhecimentos técnicos - economista auditor - poderia inscrever-se como liquidatário judicial e complementar a sua pensão de reforma com remunerações derivadas dessa atividade;
15. O direito ao trabalho (artigo 58.º da CRP) e o direito à remuneração (artigo 59.º da CRP), situações adquiridas pelo Autor desde aquela sua inscrição (1998) como liquidatário judicial, não podem ser restringidas pelas alterações posteriores, doze anos mais tarde, do Estatuto de Aposentação, “devendo essas restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”;
16. Na doutrina exarada e com uniformidade de Jurisprudência do Tribunal Constitucional, acórdão n.º 3/2016 (subvenções dos Deputados da Assembleia da República) ocorre, aqui, no caso “sub judice” clara e inequívoca violação de situação de confiança, constitucionalmente tutelada;
17. O Autor já muitos anos antes da alteração restritiva do artigo 78.º e 79.º do EA (2011), exercia funções de administrador judicial, observando todos os procedimentos regulamentares, decidiu a sua reforma num plano de reestruturação dos CTT e estimulado pelos seus dirigentes, em processo de preparação da sua cisão e consequente privatização, ainda em condições de poder trabalhar e no exercício desse direito inscrever-se como liquidatário (administrador) judicial, optando por esta atividade com base no regime do quadro jurídico existente e, até, publicamente estimulado;
18. Nem o invocado argumento de redução de despesa pública, interesse coletivo relevante, poderá aqui ser invocado em desfavor dos interesses justos e legais do Autor, porquanto sempre a sua função de administrador judicial seria desempenhada por qualquer outro seu Colega constante na Lista, eventualmente reformado com pensão paga pela Caixa Nacional de Pensões, com remuneração em conformidade com o Regulamento das Custas Judiciais e do CIRE e com procedimento do IGFEJ;
19. O Autor viu concedida a sua reforma dos CTT, Correios de Portugal, S.A. em 1998, sendo, então, essa empresa uma sociedade anónima de direito privado, tendo consolidado no seu Fundo de Pensões, próprio, todos os descontos e tempo de trabalho prestado a outras entidades privadas, como trabalhador dependente e com contrato individual de trabalho;
20. O Fundo de Pensões dos CTT, Correios de Portugal, S.A. só foi extinto em 2003, cinco anos após a reforma do Autor e já então este estava inscrito e a exercer funções de liquidatário judicial;
21. O Autor obteve a sua reforma antecipada num quadro de reestruturação dos CTT, Correios de Portugal, S.A. e incentivado pela própria estrutura dirigente, num ambiente de preparação da sua futura privatização com cedência do seu capital a privados;
22. As funções de liquidatário ou administrador judicial, com interesse público, não são funções públicas, não são desempenhadas por funcionários públicos nem são remuneradas com vencimento do Estado, são desempenhadas por meros colaboradores da justiça, e remuneradas pelas partes e excecionalmente dada a lei do acesso ao direito (apoio judiciário) através do IGEFJ, mas sem qualquer dependência do Orçamento do Estado;
Tanto assim,
23. O Estatuto dos Administradores Judiciais (artigo 12.º) permite-lhes continuarem, após os 70 anos, a exercerem a sua atividade e a própria inscrição não os investe na qualidade de agente e garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado (artigo 6.º, n.º 5 do Estatuto);
24. Considerando o direito do Autor e o princípio da confiança já afirmado, com tutela constitucional, o carácter restritivo da alteração do EA, sub judice, as próprias dúvidas da CGA, só com a definição judicial deste caso concreto é que poderá ser aplicada ao Autor o comando do artigo 79.º do EA, isto é, só após decisão judicial transitada é que o Autor poderá ser convencido de estar abrangido por essa disposição limitativa de seus direitos;
Por outro lado,
25. Tendo o Autor na sua petição articulado factos essenciais para uma boa decisão da causa, que as instâncias não consideraram e omitiram pronunciamento sobre esses factos, houve uma clara violação do disposto nos artigos 607.º, n.º 4 do CPC e artigo 608.º do mesmo Código;
26. Há matéria alegada pelo Autor que não teve pronunciamento pelas instâncias e necessária a uma boa decisão da causa, nomeadamente os n.ºs 8, 9, 17, 18, 19, 22, 33, 34, 36, 37, 38, 51, 52 e 53 da petição inicial, o que configurará a nulidade da 1.ª decisão, a omissão do TCAN e, consequentemente a anulação das referidas decisões e a ordem desse Alto Tribunal para a audição das testemunhas requeridas, visando um justo pronunciamento desses factos …».

5. A R., aqui ora recorrida, devidamente notificada, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 222/227], tendo concluído nos seguintes termos:
«
A. Na ótica da CGA, a requerente, através do presente pedido de Revista, mais não pretende que uma terceira via de recurso quanto à reapreciação das mesmas questões já submetidas ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) e ao Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN).
B. No caso vertente, o presente pedido de Revista, face à previsão do artigo 150.º do CPTA e da jurisprudência que na matéria se vem firmando, não deverá ser admitido, sendo que os argumentos ora apresentados pelo Recorrente configuram matéria sobejamente apreciada pelo Acórdão recorrido.
Não obstante,
C. Não merece censura o douto Acórdão do TCAN, de 2016.11.30, no qual se conjugam as razões de facto e de direito que permitem claramente apreender as razões que sustentam a decisão proferida.
D. O Tribunal a quo equacionou muito claramente o problema relativo à invocada preterição de vícios formais - no caso a ausência de audiência prévia - equacionando que “… a mesma foi expressamente dispensada por ofício da CGA que contém o ato objeto de impugnação, nos termos do artigo 103.º, n.º 2, alínea a), do CPA, atenta a circunstância do então Autor já se ter preteritamente pronunciado face à controvertida questão por carta de 2014.03.13” (cfr. pág. 10 do Acórdão recorrido), e remetendo, quanto a esta matéria, para a mesma fundamentação constante na Sentença proferida em 1.ª instância.
E. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem vindo a seguir o entendimento segundo o qual a invocação de vícios de forma, face ao novo procedimento administrativo e à tutela jurisdicional efetiva que os tribunais detêm, designadamente, mediante a condenação da administração à prática do ato legalmente devido, tem um caráter meramente incidental.
F. Quanto ao juízo de inconstitucionalidade das alterações operadas aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (EA) pelo art. 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, bem sublinha o Acórdão recorrido que “... quando o Recorrente se aposentou, os CTT eram ainda uma sociedade de Capitais Públicos”. E que “Não se alcança, pois, em que medida se verificará a invocada inconstitucionalidade, sendo que a sujeição do Recorrente ao regime do Estatuto da Aposentação e consequentemente aos seus artigos 78.º e 79.º foi a consequência natural e imediata da integração do fundo de pensões dos CTT na CGA, cuja constitucionalidade não foi suscitada e muito menos declarada” (cfr. pág. 10 do Acórdão).
G. A decisão recorrida destaca - e bem -, por remissão para a fundamentação vertida na Sentença proferida em 1.ª instância, que “… o propósito da alteração legislativa introduzida no Estatuto da Aposentação foi o de evitar que pessoas às quais foi reconhecido o direito à aposentação (atendendo à idade e à duração da carreira contributiva) e ao recebimento da respetiva pensão se mantenham, todavia, no exercício de funções públicas, sendo o erário público a suportar o encargo com a pensão de Aposentação e as remunerações pelos serviços prestados que recebem as mesmas pessoas“ (cfr. pág. 15 do Acórdão recorrido).
H. Mais considerando não ser de reconhecer a suscitada violação do princípio da igualdade”… uma vez que o referido princípio só obriga que se trate igual o que é igual não impedindo a diferenciação de tratamento que tenha justificação e fundamento bastante” (cfr. pág. 16 do Acórdão recorrido).
I. Sobre a questão de fundo, a situação dos Administradores Judiciais é, como também considerou o Tribunal a quo, semelhante à dos peritos avaliadores, tratada no Acórdão do TCAN, no âmbito do proc. n.º 1287/11.9BEPRT, de 2016.06.17. Apenas podem ser nomeados peritos integrados em listas oficiais (art. 2.º DL 125/2002, de 10/5) - o mesmo se passando com os administradores judiciais - e salvo uma rara exceção prevista no art. 53.º do CIRE, apenas podem ser nomeados administradores judiciais aqueles que constem das listas oficiais (art. 13.º Lei 22/2013, de 26/2).
J. Acresce que as funções de Administrador de Insolvência inserem-se no âmbito da atividade pública necessária à administração da justiça, sendo que … aqueles estão sujeitos ao acompanhamento, fiscalização e disciplina de uma pessoa coletiva pública que funciona sob a tutela do Ministério da Justiça, atualmente a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), prevista na Lei n.º 77/2013, de 21 de novembro (cfr. art. 2.º), entidade que substituiu a Comissão da Apreciação e Controlo da Atividade dos Administradores da Insolvência (CACAAI), então prevista Lei 32/2004, de 22 de julho.
K. O próprio acesso à atividade e recrutamento é, nos termos do art. 7.º da Lei n.º 22/2013 de 26 de fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial), regulamentado pela “... entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais ...” (atualmente a supra referida CAAJ), sendo que, nos termos do disposto no artigo 11.º daquele Estatuto, os administradores judiciais gozam do direito a possuir documento de identificação profissional emitido pelo Ministério da Justiça, que atesta a qualidade de administrador judicial.
L. Na grande maioria das situações, o encargo com o pagamento ao administrador judicial cabe integralmente ao Estado, por via do IGFEJ, IP como sucede sempre que a massa insolvente seja insuficiente ou inexistente.
M. Se … o Estado, em sentido amplo, tem que pagar a um aposentado, para além da pensão, a remuneração devida pelo exercício da atividade de Administrador Judicial, então há um acréscimo da despesa pública face à obrigação de pagar apenas uma ou outra. Pelo que, não pode considerar-se esta situação excluída do âmbito de aplicação dos arts. 78.º e 79.º do EA.
N. Pelo que bem concluiu o Tribunal a quo, que “Não há assim dúvidas que os Administradores Judiciais exercem funções públicas, ao serviço do interesse público e não funções privadas. Não é por exercerem funções técnicas que estas deixam de ser públicas e passam a privadas” ao que “Acresce o facto do referido artigo 78.º n.º 3, considerar no exercício de funções todos os tipos de atividades e de serviços e todos os tipos de modalidades de contratos, o que engloba necessariamente os Administradores Judiciais” (cfr. pág. 24 e 25 do Acórdão recorrido) ...».

6. O «TCA/N», em 16.10.2017, sustentou o acórdão recorrido nos seus exatos termos, concluindo no sentido de que o mesmo não padecia de qualquer nulidade, mormente, aquela que foi arguida pelo A., recorrente [cfr. fls. 265/267 dos autos].

7. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - vide art. 15.º, n.ºs 1 e 2, deste DL - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos deste Código sem expressa referência em contrário] e datado de 05.04.2017 [cfr. fls. 237/241], veio a ser admitido o recurso de revista.

8. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu qualquer parecer [cfr. fls. 247 e segs.].

9. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

10. Constitui objeto de apreciação nesta sede determinar, por um lado, da verificação de nulidade do acórdão recorrido [omissão de pronúncia dada a ausência de consideração e pronúncia quanto aos factos insertos nos n.ºs 8, 9, 17, 18, 19, 22, 33, 34, 36, 37, 38, 51, 52, e 53 da petição inicial, tidos por necessários ao julgamento da causa - cfr. arts. 607.º, n.º 4, 608.º e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC/2013 (na redação dada Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário)] e, por outro lado, da existência de erros de julgamento imputados pelo A./recorrente à mesma decisão, visto entender haver uma incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, nos arts. 267.º da CRP, 100.º a 104.º do CPA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 4/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário] e nos arts. 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação [«EA»] [aprovado pelo DL n.º 498/72, de 09.12, e na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 137/2010, de 28.12 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Estatuto sem expressa referência em contrário -, presente que tal Estatuto e quanto aos preceitos em referência foi já, depois, alvo de várias e sucessivas alterações, mormente, pela Lei n.º 11/2014, de 06.03 (com início de vigência em 07.03.2014), e pela Lei n.º 75-A/2014, de 30.09 (com início de vigência em 01.10.2014), sendo que o referido DL n.º 137/2010 foi, também, alterado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30.11], em articulação com os arts. 01.º, do Código de Insolvências e Recuperação de Empresas [«CIRE» - publicado em anexo ao DL n.º 53/2004, diploma e Código depois sucessivamente alterado, considerando-se a redação então vigente à data dos factos], 06.º, n.º 5, e 12.º da Lei n.º 32/2004, de 22.07, que estabelecia o então denominado «Estatuto dos Administradores de Insolvência» [«EAI»] [vigente e aplicável ao período em questão, diploma também sucessivamente alterado e, entretanto, revogado pela Lei n.º 22/2013, de 26.02 (que contém o atual «Estatuto do Administrador Judicial» e que entrou em vigor apenas em 28.03.2013 - cfr. seu art. 34.º)], 16.º, n.º 1, al. h), 17.º e 25.º, n.º 2, al. c), do Regulamento de Custas Processuais [«RCP»], e numa interpretação dos referidos arts. 78.º e 79.º do «EA» em desconformidade com os arts. 02.º, 13.º, 18.º, 47.º, n.ºs 1 e 2, 54.º, 56.º, 58.º, 59.º, 63.º, 165.º, n.º 1, al. b), da CRP, e, como tal, padecendo de inconstitucionalidades orgânica e material [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO

11. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual [retificado pelo «TCA/N» o manifestado lapso de escrita constante do seu n.º II), fazendo constar «Caixa Geral de Aposentações» em vez de «Centro Nacional de Pensões» (mercê do alegado no art. 32.º petição inicial e teor do doc. de fls. 24 dos autos)]:
I) O A. desde 01.07.1983 a 02.06.1998, exerceu as funções de Economista Especialista de Auditoria junto dos “CTT - Correios de Portugal, SA[ponto 32.º da «P.I.» e doc. de fls. 24 do «p.f.»].
II) Desde 01.10.1998 o A. recebe uma pensão de aposentação da “Caixa Geral de Aposentações[ponto 32.º da «P.I.» e doc. de fls. 24 do «p.f.»].
III) O A. recebeu uma comunicação da “Caixa Geral de Aposentações”, datada de 13.03.2014 cujo assunto é “Novo regime de incompatibilidades de remuneração e pensão”, com o seguinte teor [cfr. doc. de fls. 19 do p.f.]:
«A Caixa Geral de Aposentações (CGA) tomou conhecimento de que V. Exa. exerceu funções no IGFEJ, o que configura uma situação de acumulação prevista no artigo 78.º do Estatuto da Aposentação (EA), impondo-se o dever de optar entre a suspensão do pagamento da pensão e a suspensão da remuneração, nos termos do artigo 79.º do mesmo Estatuto dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a 1 de janeiro de 2011.
Ora, dado que esta Caixa não recebeu, até à presente data, qualquer comunicação sobre o assunto, e não podendo deixar de dar cumprimento à lei, informo V. Exa. de que, até que efetue aquela opção ou preste a devida informação, a pensão que está a ser abonada ficará suspensa, a partir do próximo mês de abril, sem prejuízo da regularização do passado».
IV) O A. recebeu uma comunicação da “Caixa Geral de Aposentações”, datada de 22.07.2014 cujo assunto é “Novo regime de incompatibilidades de remuneração e pensão. Reposição à CGA”, com o seguinte teor [cfr. doc. de fls. 16 do p.f.]:
«A Caixa Geral de Aposentações (CGA) perfilha o entendimento que a perceção de remuneração paga pelo IGFEJ - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, cumulativamente com a pensão de aposentação, é vedada pelos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (EA), na redação do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011.
(...) face à omissão, por parte de V. Exa., de opção expressa por qual das prestações pretende abdicar (...) informo (...) por decisão de 04.07.2014 da Direção da CGA (...) urge promover o reembolso das pensões que recebeu nos anos de 2011 e 2012, no montante de € 53.907,10, para o que se junta a correspondente guia (...).
Considerando que V. Exa. já se pronunciou sobre a referida questão pela carta de 2014.03.13, não há lugar à audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 103/02/A do CPA (...)».
V) O A. presta serviços para os tribunais, como perito e administrador judicial [ponto 17.º «P.I.»].
VI) Os serviços referidos em V) são pagos pelo Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça [ponto 17.º «P.I.»].
VII) Em 09.09.2014 foi remetida a petição inicial da presente ação a este Tribunal [cfr. doc. de fls. 16 do p.f.].

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DE DIREITO

12. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto do presente recurso de revista.

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DA NULIDADE DE DECISÃO

13. Argumenta o recorrente de que o acórdão sob impugnação se mostra no seu juízo lavrado com omissão de pronúncia [cfr. conclusões 25.ª) e 26.ª) das suas alegações], omissão essa conducente à sua nulidade [cfr. arts. 607.º, n.º 4, 608.º e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC], visto haver sido proferido sem consideração e pronúncia quanto aos factos articulados sob os n.ºs 8, 9, 17, 18, 19, 22, 33, 34, 36, 37, 38, 51, 52, e 53 da petição inicial, tidos por necessários ao julgamento da causa, omissão essa conducente à nulidade daquela decisão.

14. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC “ex vi” dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, os acórdãos são passíveis de imputação não apenas de erros materiais, mas também de nulidades.

15. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de «causas de nulidade» e na parte que ora releva, que as decisões judiciais são nulas «quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ...» [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as «… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...» [n.º 4].

16. Caracterizando a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC] ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado [cfr. arts. 619.º a 621.º, ambos do CPC], ou em que, legalmente, exista uma limitação/preclusão ao conhecimento de questões/exceções que obstem ao conhecimento de mérito da causa após prolação despacho saneador [cfr. art. 87.º, n.º 2, do CPTA].

17. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio.

18. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que só existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade [art. 615.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte, do CPC], se o tribunal na sua decisão, contrariando o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os fundamentos invocados, dado que a ação/pretensão ou a exceção só podem ser julgadas improcedentes se nenhum dos fundamentos puder proceder, não incorrendo a decisão do julgador na nulidade em referência quando deixe de se pronunciar sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes.

19. Presentes os considerandos caracterizadores do fundamento de nulidade de decisão invocado temos que não se descortina que, no caso, o acórdão impugnado haja incorrido em omissão de pronúncia já que, vistas e analisadas as alegações e conclusões do recurso de apelação que foram produzidas pelo A./recorrente junto do tribunal a quo, não se vislumbra que o mesmo haja deixado de emitir pronúncia quanto àquilo que, efetivamente, eram as questões que se discutiam e discutem nos autos.

20. Na verdade, no acórdão o Tribunal a quo para além de ter corrigido, desde logo, o manifesto lapso de escrita quanto ao teor do n.º II) dos factos apurados procedeu à apreciação daquilo que constituíam os fundamentos nos quais o A. sustentara a sua pretensão impugnatória, mantendo o juízo de improcedência que havia sido firmado pelo «TAF/P» quanto aos mesmos, para o efeito tendo expressamente julgado improcedente a arguida nulidade por omissão de pronúncia então assacada à decisão daquele «TAF» por alegada ausência de consideração e pronúncia quanto aos factos que o mesmo havia articulados sob os n.ºs 8, 9, 17, 18, 19, 22, 33, 34, 36, 37, 38, 51, 52, e 53 da petição inicial [cfr. págs. 13/15 v. do acórdão fls. 183/184 v. dos autos].

21. A discordância quanto ao julgado, ou um assacado desacerto quanto à apreciação e conclusão que ali foi feita na apreciação do fundamento recursivo, não relevam em sede de preenchimento das enunciadas previsões legais tidas por infringidas.

22. De harmonia com o exposto, não poderá imputar-se ao acórdão recorrido qualquer omissão de pronúncia, termos em que soçobra a arguida nulidade que lhe foi assacada.



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DOS ERROS DE JULGAMENTO

23. Insurge-se o recorrente contra o juízo de improcedência da pretensão por si deduzida junto do «TAF/P», que foi mantido pelo acórdão recorrido, já que firmado, no seu entendimento, em incorreta interpretação e aplicação quanto à ilegalidade formal [preterição do direito de audiência], nomeadamente, do disposto nos arts. 267.º da CRP, 100.º a 104.º do CPA, e quanto às ilegalidades materiais, nomeadamente, do disposto nos arts. 78.º e 79.º do «EA» em articulação com os arts. 01.º, «CIRE», 06.º, n.º 5, 12.º do «EAI», 16.º, n.º 1, al. h), 17.º e 25.º, n.º 2, al. c), do «RCP», e numa interpretação dos referidos arts. 78.º e 79.º do «EA» em desconformidade com os arts. 02.º, 13.º, 18.º, 47.º, n.ºs 1 e 2, 54.º, 56.º, 58.º, 59.º, 63.º, 165.º, n.º 1, al. b), da CRP, e, como tal, padecendo de inconstitucionalidades orgânica e material.

24. Para a análise da bondade do julgamento e da motivação aduzida importa que, previamente, se aporte não apenas o quadro normativo aplicável e posto em evidência como tendo sido erradamente interpretado e aplicado, percorrendo mesmo aquilo que foi a sua evolução, mas também o demais quadro normativo que se revele necessário e pertinente para tal julgamento.

25. Assim, e no que para aqui releva, extrai-se dos arts. 73.º e 74.º, n.º 1, do «EA» que com a passagem do interessado à aposentação o mesmo, enquanto aposentado, passa a ser titular do direito a uma pensão, continuando, todavia, «vinculado à função pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de atividade».

26. Temos, por sua vez, que o «EA» previu sempre, desde a sua versão primitiva, no seu art. 78.º um regime denominado de “incompatibilidades”, regime esse cujos termos e redação foram sendo, contudo, sucessivamente objeto de várias modificações até 2010 [vide, no caso, as alterações produzidas ao normativo pelo DL n.º 215/87, de 19.05, pelo DL n.º 179/2005, de 02.11, e pelo DL n.º 137/2010, de 28.12 - redação que se mostra em crise nos autos], e, inclusive, depois [cfr. a Lei n.º 11/2014, de 06.03, e a Lei n.º 75-A/2014, de 30.09], para além do próprio regime do art. 78.º do «EA», bem como do artigo seguinte, ter sido estendido aos beneficiários de pensões de reforma pagas pela Segurança Social ou por outras entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões [cfr. a Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, a Lei n.º 11/2014, de 06.03, a Lei n.º 83-C/2013, de 31.12], e de também o referido DL n.º 137/2010 ter sido objeto de alteração [cfr. a Lei n.º 60-A/2011, de 30.11] e de interpretação [cfr. o DL n.º 68/2011, de 14.06].

27. Inicialmente, previa-se um impedimento aos aposentados de exercerem funções remuneradas ao serviço, mormente, do Estado, dos institutos públicos [incluindo os «organismos de coordenação económica»], das autarquias locais e das empresas públicas, excecionando-se apenas as funções prestadas em regime de prestação de serviços nas condições previstas na al. a) do n.º 2 do art. 01.º do «EA» e as demais permitidas por lei «quer diretamente quer mediante autorização do Conselho de Ministros» [cfr. n.º 1], constituindo uma proibição legal que fazia incorrer o interessado e demais responsáveis na obrigação de reposição dos valores pagos, bem como em responsabilidade disciplinar [cfr. n.º 2].

28. Através da alteração operada em 1987 pelo DL n.º 215/87 desapareceu o estabelecimento da sanção que se mostrava prevista no n.º 2 do art. 78.º, disciplinando-se igualmente, nomeadamente, que os aposentados não poderiam exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado nas empresas públicas, ou seja, não poderiam voltar a trabalhar para o Estado e demais entes públicos e deles receberem remuneração segundo o regime igual ou semelhante àquele por que se haviam aposentado, visando-se, assim, evitar que um mesmo beneficiário pudesse auferir do Estado, em duplicado, rendimentos provenientes do exercício de funções públicas exercidas no quadro de vinculação hierárquica e de disciplina.

29. Comportava tal regime regra de incompatibilidade, todavia, as exceções que se mostravam elencadas nas als. a) a c) do art. 78.º e que permitiam o exercício por aposentados de funções públicas em acumulação, figurando entre tais exceções as que o legislador haja previsto ou permitido noutros normativos [al. b)] e, bem assim, as que hajam sido autorizadas pelo Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que detenha poder hierárquico ou tutelar sobre a entidade onde o aposentado vai exercer funções [al. c)].

30. Mais ainda as que consistam na prestação de serviço por parte do aposentado a qualquer entidade pública, atividade essa [intelectual ou manual] feita num quadro de total autonomia e visando proporcionar àquela entidade o efeito ou resultado pela mesma pretendido com a aquisição ou o fornecimento do serviço mediante a contrapartida da retribuição, e sem que houvesse um exercício de funções pelo aposentado num quadro de dependência, de controle, de orientação, de direção e de disciplina relativamente à entidade pública [al. a)].

31. Em todas as situações de acumulação do exercício de funções públicas ou prestação de trabalho remunerado por aposentados estes continuavam, nos termos do art. 79.º do «EA», a receber mensalmente e na sua integralidade a pensão de aposentação, sendo-lhes ainda abonado, por tal acumulação, uma terça parte daquilo que era a remuneração que cabia às funções concretamente exercidas pelos mesmos, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tivesse o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade onde o aposentado prestasse o seu trabalho, autorizasse um montante superior, que, todavia, nunca poderia ultrapassar aquilo que era o limite remuneratório legal previsto para tal função.

32. Com o DL n.º 179/2005 veio a proceder-se a uma nova alteração ao regime em matéria de incompatibilidades inserto nos arts. 78.º e 79.º do «EA», extraindo-se do respetivo preâmbulo, nomeadamente, por um lado, que «[o] exercício de funções públicas por aposentados ao abrigo do Estatuto da Aposentação justifica-se exclusivamente por razões de interesse público» e que o regime até aí vigente envolvia «uma significativa discricionariedade quer no que se refere à decisão em si mesma quer na definição do valor do abono devido por tal exercício» e, por outro lado, que a situação das contas públicas implicava «a adoção de critérios mais rigorosos em todas as áreas potencialmente geradoras de despesa pública» e de que a existência condigna dos aposentados era «garantida pela atribuição das respetivas pensões», pelo que quando lhes era «excecionalmente autorizado o exercício de funções públicas» de tal situação não deveria «decorrer a possibilidade de cumulações remuneratórias suscetíveis de pôr em causa elementares princípios de equidade».

33. Na concretização das linhas orientadoras explanadas no preâmbulo passou, por um lado, a disciplinar-se no art. 78.º do Estatuto que os aposentados não podiam «exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas», salvo quando houvesse lei que o permitisse ou, então, quando o Primeiro-Ministro expressamente o decidisse «por razões de interesse público excecional» [n.º 1] mediante despacho no qual o «interesse público excecional» carecia de ser «devidamente fundamentado, com suficiente grau de concretização, na justificada conveniência em assegurar por essa via as funções que se encontram em causa» [n.º 2], sendo que tal decisão tinha de ser precedida de proposta do membro do Governo com poder de direção, de superintendência, de tutela ou de outra forma de orientação estratégica sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções deveriam ser exercidas ou o trabalho deveria ser prestado [n.º 3], a mesma produzia «efeitos por um ano» salvo se fosse fixado «um prazo superior, em razão da natureza das funções ou do trabalho autorizados» [n.º 5 - ver ainda quanto às autorizações anteriores e existentes à data da vigência do diploma a disciplina inserta no art. 02.º do mesmo DL em termos de reapreciação/renovação] e não poderia ser tomada em relação a quem se encontrasse «na situação prevista no n.º 1 em razão da utilização de mecanismos legais de antecipação de aposentação» ou tivesse sido «aposentado compulsivamente» [n.º 4].

34. E, por outro lado, em sede de cumulação de remunerações passou a disciplinar-se no art. 79.º que «[q]uando aos aposentados e reservistas, ou equiparados, seja permitido, nos termos do artigo anterior, exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, é-lhes mantida a respetiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes, nesse caso, abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida» [n.º 1], sendo que as «condições de cumulação referidas no número anterior são fixadas pela decisão prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior» [n.º 2].

35. Temos, assim, que com o DL n.º 179/2005, e até à data do início de vigência do DL n.º 137/2010, procedeu-se à eliminação do elenco das exceções ao regime regra de incompatibilidade a prestação de serviço por parte do aposentado, já que apenas figuram como situações ressalvadas a existência de lei que o permita ou, então, a existência de despacho autorizativo do Primeiro-Ministro, sendo que tal incompatibilidade quanto ao exercício de funções públicas ou de prestação de trabalho remunerado em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas foi estendida, também, ao exercício em regime de contrato de tarefa ou de avença nos mesmos entes, para além de que nas situações em que aos aposentados era possível o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho/serviço remunerado era-lhes permitido, em matéria de cumulação de remunerações, ou manter a respetiva pensão a que se adicionava o abono de uma terça parte da remuneração base que competisse àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes fosse mais favorável, manter esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão.

36. Com o DL n.º 137/2010 [publicado em 28 de dezembro], veio a introduzir-se uma nova alteração ao regime de incompatibilidades constante dos arts. 78.º e 79.º do «EA», o qual passou a vigorar no dia seguinte ao da publicação do diploma [cfr. n.º 1 do art. 10.º daquele DL], podendo ler-se no respetivo preâmbulo, nomeadamente e no que aqui ora releva, que «[n]o quadro de uma política comum adotada na zona euro com vista a devolver a confiança aos mercados financeiros e aos seus agentes e fazer face ao ataque especulativo à moeda única, o Governo Português reafirma o total empenhamento em atingir os compromissos assumidos em matéria de redução do défice orçamental em 2010 e 2011», pelo que «[p]ara o efeito, o Governo decidiu adotar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento do Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010», representando tais medidas «um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais», termos em que «as medidas adotadas concentram-se principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010-2013» e, assim, através deste diploma «elimina-se a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação».

37. Daí que, de harmonia com o previsto no n.º 1 do art. 06.º do DL em referência, passou a estipular-se no art. 78.º do «EA» que os aposentados «não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública» [n.º 1], que «[n]ão podem exercer funções públicas nos termos do número anterior: a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade; b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva» [n.º 2], sendo que «[c]onsideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções: a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração; b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços» [n.º 3] e que a «decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, exceto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções» [n.º 4].

38. E no art. 79.º, com a epígrafe de «cumulação de pensão e remuneração», passou a preceituar-se que «[o]s aposentados (…), autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções» [n.º 1], que «[d]urante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado» [n.º 2], sendo que «[c]aso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta atualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão» [n.º 3] e que «[o] início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, I.P., possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento» [n.º 4], para além de que «[o] incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I.P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão» [n.º 5].

39. De notar que, nos termos do n.º 2 do art. 06.º do mesmo DL, «[o] disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 498/72 (…) tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário, sem prejuízo do disposto no número seguinte» e que «[é] ressalvado do disposto no número anterior o regime constante do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de julho - [diploma no qual estava contido o regime excecional a que obedecia o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica] -, durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida» [n.º 3 do mesmo preceito].

40. Importando, ainda, ter em atenção o disciplinado no diploma em matéria de “aplicação da lei no tempo” no seu art. 08.º onde se estipulou que o regime introduzido pelo art. 06.º aplicava-se, por um lado, «aos pedidos de autorização de exercícios de funções públicas por aposentados que sejam apresentados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei» [n.º 1] e, por outro lado, «a partir de 1 de janeiro de 2011 aos aposentados ou beneficiários de pensões em exercício de funções que tenham sido autorizados para o efeito ou que já exerçam funções antes da entrada em vigor do presente decreto-lei» [n.º 2], pelo que «[n]o prazo de 10 dias contados da data referida no número anterior, os aposentados aí referidos comunicam às entidades empregadoras públicas ou à Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P.), consoante o caso, se optam pela suspensão do pagamento da remuneração ou da pensão» [n.º 3], sendo que «[c]aso a opção de suspensão de pagamento recaía sobre a remuneração, deve a entidade empregadora pública a quem tenha sido comunicada a opção informar a CGA, I.P., dessa suspensão» [n.º 4] e que «[q]uando se verifiquem situações de cumulação e sem que tenha sido manifestada a opção a que se refere o n.º 3, deve a CGA, I.P., suspender o pagamento do correspondente valor da pensão» [n.º 5].

41. E, também, no que veio a preceituar-se no art. 173.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 [diploma que veio aprovar o Orçamento do Estado para o ano de 2011], em que sob a epígrafe de «extensão do regime de cumulação de funções», se determinou que «[o] regime de cumulação de funções públicas remuneradas previsto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (…) é aplicável aos beneficiários de pensões de reforma da segurança social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de entidades públicas, designadamente de institutos públicos e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local, a quem venha a ser autorizada ou renovada situação de cumulação», e, bem assim, ao estabelecido pelo n.º 2 do art. 10.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30.11, onde se estipulou que «[a] alteração ao Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, prevista no artigo 8.º, reporta os seus efeitos a 1 de setembro de 2011».

42. Para além disso através do DL n.º 68/2011, de 14.06, em cujo preâmbulo consta, nomeadamente, que tendo este último diploma fixado uma «nova redação para os seus artigos 78.º e 79.º, relativos, respetivamente, a “incompatibilidades” e a “cumulação de remunerações”, com vista a eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação» e em que a amplitude da «medida ficou, desde logo, consagrada no n.º 2 do seu artigo 6.º, conferindo ao regime natureza imperativa, que prevalece sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário», veio a afirmar-se no seu artigo único, sob a epígrafe de «norma interpretativa do Decreto-Lei n.º 137/2010 …», que «[a]s limitações ao exercício de funções públicas e à cumulação de pensão e remuneração impostas pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010 (…) não se aplicam aos deficientes militares abrangidos pelos regimes especiais constantes dos Decretos-Leis n.ºs 43/76, de 20 de janeiro, 314/90, de 13 de outubro, e 240/98, de 7 de agosto».

43. Temos, assim, que com as alterações produzidas pelo DL n.º 137/2010 no «EA», em concreto, nos normativos em referência, as quais gozam de natureza imperativa e prevalecem sobre quaisquer outras normas em contrário [sejam elas gerais ou excecionais], e da extensão de tal regime operada pela referida Lei n.º 55-A/2010, os aposentados e os reformados, salvo lei especial que o permita [v.g., quanto aos médicos (através do regime inserto no DL n.º 89/2010), e quanto aos deficientes das Forças Armadas abrangidos pelos DL’s n.ºs 43/76, 314/90 e 240/98 (cfr. DL n.º 68/2011), tendo ainda sido introduzidas ou aditadas posteriormente outras exceções (cfr. arts. 04.º e 05.º da Lei n.º 11/2014, de 06.03)] ou decisão autorizativa da autoria de membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública fundada em razões de “interesse público excecional”, não podem exercer “funções públicas remuneradas” para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, considerando-se abrangidos pelo conceito de “exercício funções” remuneradas, aludido no n.º 1 do art. 78.º do «EA», todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração, bem como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços [cfr. n.º 3 do mesmo artigo].

44. E nas situações em que os aposentados/reformados estejam autorizados a exercer tais funções os mesmos, ao invés do que era o regime até aí vigente, passaram, por força do previsto no art. 79.º do «EA», a não poder cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções, já que durante o exercício destas ficava suspenso, consoante a opção do aposentado/reformado, o pagamento da pensão ou da remuneração, reintroduzindo-se, ainda, a responsabilidade do dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, em termos pessoais e solidários com o aposentado, relativamente ao dever de reembolso à «CGA, IP» das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência da omissão do dever de comunicação estabelecido no n.º 4 do referido preceito.

45. Discute-se nos autos, em termos de ilegalidade material, da validade da inclusão e aplicação aos então denominados «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» aposentados/reformados inscritos numa das listas oficiais previstas, nomeadamente, nos arts. 52.º do «CIRE», 02.º e 05.º do «EAI», do regime constante dos arts. 78.º e 79.º do «EA» que foi feita através do ato impugnado, cabendo aferir e determinar, por um lado, se as funções pelos mesmos desempenhadas naquela atividade/qualidade correspondem ou se mostram abrangidas pelo conceito de exercício de “funções públicas remuneradas” previsto no n.º 1 do referido art. 78.º e se são prestados a serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas e, por outro lado, caso tal tenha sido determinado pelo legislador, se o regime normativo instituído se mostra ou não conforme com a nossa Lei Fundamental, nomeadamente, com o direito ao trabalho e à retribuição em articulação também com os princípios da igualdade, da boa fé e confiança, e da proporcionalidade [arts. 02.º, 13.º, 18.º, 47.º, 58.º, 59.º, 63.º, todos da CRP], e, bem assim, com a regra de reserva relativa de competência legislativa [arts. 54.º, 56.º e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP].

46. Impõe-se, assim e antes demais, determinar o alcance ou âmbito do conceito de exercício de “funções públicas remuneradas” ali consagrado, para aferir, de seguida, da inclusão ou não da atividade dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» constantes duma das referidas listas oficiais naquele conceito.

47. Refira-se, desde logo, que a determinação do alcance ou âmbito daquele conceito mereceu já decisão deste Supremo no seu recente Acórdão de 13.12.2017 [Proc. n.º 01456/16 - consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário], posicionamento esse que aqui se reitera e se irá acompanhar de perto.

48. Assim, a alusão naquele preceito a exercício de “funções públicas” não constitui ou se mostra como um sinónimo de função pública, não se reconduzindo o seu âmbito tão-só àquilo que concetualmente se define, comummente, ou como função pública em sentido estrito, enquanto designando o conjunto de trabalhadores da Administração Pública cujas relações de emprego, de natureza estatutária, se mostram regidas por um regime específico de Direito administrativo, ou ainda a um sentido mais amplo de função pública, abarcando todas as relações/vínculos de emprego estabelecidas entre uma pessoa física com uma pessoa coletiva pública e cuja disciplina jurídica, podendo ser “jus-laboralísticas” ou “jus-administrativistas”, tenha, todavia, na base e enquanto denominador comum, um regime “jus-publicista”.

49. O uso no plural da locução “função pública” aponta, desde logo, no sentido de que ali se visou abarcar não apenas o sentido mais amplo de função pública atrás acabado de referir, ou seja, todo o tipo de exercício de funções no quadro de relações/vínculos de emprego estabelecidos com um empregador público, mas um sentido ainda mais amplo, abrangendo também o exercício de cargos públicos, mormente, daqueles que, fora de subordinação jurídica, exercem cargos diretivos ou são titulares de órgãos administrativos.

50. Mas, por outro lado, por força do previsto no n.º 3 do art. 78.º do «EA» e da enorme amplitude pelo mesmo aportada, mostram-se, ainda, incluídos no conceito de exercício de funções relevantes nesta sede, fazendo operar as incompatibilidades que impendem sobre aposentados e reformados, todos os tipos de atividade e de serviços [independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração], bem como todas as modalidades de contratos [independentemente da respetiva natureza - pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços] com quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas.

51. Não só os contratos de prestação de serviços, nas modalidades, mormente, de contratos de tarefa e de avença, não figuram entre o tipo de vínculos contratuais considerados excluídos do regime das incompatibilidades, como o legislador alargou, enormemente, o leque dos tipos de vínculos geradores de incompatibilidades para aposentados e reformados em termos de exercício de funções remuneradas para entidades ou pessoas coletivas públicas já que, independentemente da duração, regularidade e forma de remuneração, nelas passam a estar incluídos todos os tipos de atividade e de serviços, assim como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, seja ela pública ou privada, seja ela laboral ou de aquisição de serviços.

52. De notar que, no ativo, os trabalhadores em funções públicas estavam, à data, e estão, ainda hoje, sujeitos uma regra de incompatibilidade com o exercício de outras funções [cfr. art. 26.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 - atualmente art. 20.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas («LTFP»), aprovada e publicada como anexo à Lei n.º 35/2014, de 20.06], já que «[a]s funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade», sendo que, à data, o exercício de funções em acumulação com outras funções públicas [cfr. art. 27.º da Lei n.º 12-A/2008] só poderia ocorrer se estas não fossem «remuneradas e haja na acumulação manifesto interesse público» ou quando, sendo remuneradas e existisse manifesto interesse público na acumulação, o exercício de funções em acumulação respeitasse a inerências, a atividades de representação de órgãos ou serviços ou de ministérios, ou se reportasse à participação em comissões ou grupos de trabalho, em conselhos consultivos e em comissões de fiscalização ou outros órgãos colegiais [neste caso para fiscalização ou controlo de dinheiros públicos], ou, então, em atividades de carácter ocasional e temporário que possam ser consideradas complemento da função, ou em atividades docentes ou de investigação [de duração não superior à fixada em despacho dos membros do Governo responsáveis pelas finanças, Administração Pública e educação ou ensino superior e que, sem prejuízo do cumprimento da duração semanal do trabalho, não se sobrepusesse em mais de um terço ao horário inerente à função principal], ou, ainda, na realização de conferências, palestras, ações de formação de curta duração e outras atividades de idêntica natureza.

53. E quanto à acumulação com funções privadas [cfr. art. 28.º da Lei n.º 12-A/2008] a regra era, também, a de que o exercício de funções públicas não poderia ser acumulado com o de funções ou atividades privadas, admitindo-se que a título remunerado ou não, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, poderiam ser acumuladas, pelo trabalhador ou por interposta pessoa, funções ou atividades privadas desde que as mesmas não fossem concorrentes ou similares com as funções públicas desempenhadas e que com estas fossem conflituantes [cfr. n.º 2 do preceito e concretização do n.º 3], e que as mesmas não fossem legalmente consideradas como incompatíveis com as funções públicas, ou desenvolvidas em horário sobreposto, ainda que parcialmente, ao das funções públicas, ou que não comprometessem a isenção e a imparcialidade exigidas pelo desempenho das funções públicas, nem provocassem algum prejuízo para o interesse público ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos [cfr. n.º 4 do mesmo preceito].

54. De notar, ainda, que, nos termos do art. 29.º daquele diploma, a acumulação de funções [públicas ou privadas] estava também ela dependente de autorização conferida pela entidade dotada de competência para o efeito.

55. Sendo aquele o quadro das incompatibilidades para aposentados e reformados que neste âmbito se mostrava definido importa, pois, caracterizar a natureza e tipo de atividade que é exercida pelos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» aposentados/reformados inscritos numa das listas oficiais previstas, nomeadamente, nos arts. 52.º do «CIRE», 02.º e 05.º do «EAI» [cfr., nomeadamente, os arts. 01.º, 02.º, 03.º, 04.º, 05.º, 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 12.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º a 24.º, 26.º e 27.º, todos do referido «EAI» em articulação com previsto, mormente, nos arts. 32.º e 33.º (relativos aos administradores judiciais provisórios), 36.º, 52.º e 54.º (sua nomeação pela sentença de declaração de insolvência e início de funções), 55.º (funções e seu exercício), 58.º e 60.º, 59.º, 56.º (sua fiscalização, responsabilidade e destituição), 57.º (registo e publicidade das funções em que são investidos), 60.º (sua remuneração), 61.º a 65.º e 79.º (deveres de informação e de prestação de contas, os poderes/intervenção em sede de assembleia de credores, sua convocação e reclamação de deliberações nela tomadas (arts. 72.º, 75.º, 78.º), de efeitos da insolvência sobre o devedor e outras pessoas (arts. 81.º e segs.) e sobre os negócios em curso (arts. 102.º e segs.), de verificação dos créditos e restituição e separação de bens (arts. 128.º segs.), de administração e liquidação da massa insolvente, incluindo sua apreensão (arts. 149.º e segs.), de pagamentos aos credores (arts. 172.º e segs.), de qualificação da insolvência (arts. 185.º e segs.), de plano de insolvência (arts. 192.º e segs.), de administração pelo devedor quando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa (arts. 223.º e segs.), de encerramento do processo (arts. 230.º e segs.), todos do «CIRE»], presente que tais listas, enquanto atos de certificação, visam operar o reconhecimento, validação e habilitação/acreditação por parte dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» que nelas figuram para o desempenho das competências e funções definidas no aludido diploma, e sendo que tais funções, salvo as situações excecionadas no art. 53.º do «CIRE», só podem ser exercidas por «administrador de insolvência»/«administrador judicial» que integrem aquelas listas oficiais [cfr. arts. 02.º do «EAI», 32.º e 52.º do «CIRE»], cientes de que o facto de serem aposentados ou reformados e possuírem mais de 70 anos de idade isso não os impede de serem inscritos na lista [cfr. al. e), do n.º 1 do art. 07.º do «EAI»], nem os conduz à sua necessária e automática exclusão daquelas listas, visto a exclusão apenas decorrerá do facto de o «administrador de insolvência»/«administrador judicial» que tenha completado 70 anos de idade não haver feito prova, através de atestado médico, de que possui aptidão física para o exercício de funções [cfr. arts. 12.º, 15.º, 16.º, n.ºs 5 e 6, e 18.º, do «EAI»].

56. Estes «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» constantes das referidas listas oficiais exercem, nos processos de revitalização e de insolvência para os quais são nomeados e presente todo o quadro normativo atrás apontado, funções de representação judicial e extrajudicial em vários domínios e níveis, de controlo, de coerção e de apreensão, de coadjuvação e auxiliar do juiz, de fiscalização, de gestão, liquidação e pagamento da massa, elaborando, produzindo e participando a vários títulos e em vários atos e diligências.

57. Da análise do regime normativo disciplinador das condições de exercício de funções de «administrador de insolvência»/«administrador judicial» constantes do referido «EAI» [cfr. nomeadamente, seus arts. 01.º, 02.º, 03.º, 04.º, 05.º, 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 12.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º a 24.º, 26.º e 27.º] na sua articulação com o «CIRE» e com aquilo que, à data, eram [cfr., mormente, arts. 01.º, 08.º, 09.º, 10.º, 11.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º, todos da Lei n.º 12-A/2008] e, atualmente, são [cfr., nomeadamente, os arts. 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 10.º, 25.º, 33.º, 40.º, 41.º, 56.º, e 68.º da «LTFP»], as regras definidoras dos regimes de vinculação dos trabalhadores que exercem funções públicas, não resulta que, da inclusão numa das listas oficiais como «administrador de insolvência»/«administrador judicial», à data, após concurso, prestação de provas e graduação final [hoje, ainda, mediante formação inicial e estágio - cfr. arts. 03.º a 10.º da Lei n.º 22/2013 e DL n.º 134/2013], derivasse ou derive para aquele a constituição de um qualquer vínculo de trabalho subordinado de natureza administrativa, de algum vínculo de emprego público, porquanto, presente o próprio princípio da tipicidade dos vínculos jurídicos constitutivos das relações de emprego na Administração Pública, aquele ato nomeação não figura entre o leque dos atos jurídicos que, legalmente, conferiam tal vínculo [nomeação, comissão de serviço, ou contrato de trabalho em funções públicas], nem a relação que por efeito dele se estabelece envolve uma qualquer relação jurídica ou estatuto funcional de emprego público.

58. É que inexiste, in casu, uma atividade de prestação de trabalho subordinado, uma relação de dependência desenvolvida no quadro ou integrada numa estrutura organizacional e sujeita a uma direção e autoridade disciplinar, na certeza de que da celebração de contrato de prestação de serviços, mormente, nas modalidades de avença e de tarefa, não envolvendo uma situação de subordinação ou de dependência jurídica, não deriva também dela a constituição de um vínculo de emprego público [cfr., atualmente, o disposto no art. 10.º, n.ºs 3 e 4, da «LTFP»].

59. E de tal inclusão como «administrador de insolvência»/«administrador judicial» numa dessas listas oficiais não resulta, de igual modo, a constituição de uma qualquer relação contratual laboral de natureza privatística, sujeita e disciplinada pelo Direito de trabalho [cfr., nomeadamente, para além do quadro normativo atrás convocado relativo ao «EAI», ainda os arts. 11.º e 139.º e segs., do Código de Trabalho/2009], já que inexiste, também aqui, uma prestação de trabalho subordinado no quadro de um contrato individual de trabalho que haja sido celebrado, com sujeição ou conformação, quanto ao modo como tal prestação se deve realizar, à autoridade e direção do empregador, à autotutela laboral disciplinar deste.

60. Aliás, o regime legal estatutário dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» expressamente dispõe no n.º 6 do art. 05.º que «[a] inscrição nas listas oficiais não investe os inscritos na qualidade de agente nem garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado».

61. Presente o quadro normativo posto em referência temos, assim, que o exercício de funções como «administrador de insolvência»/«administrador judicial» integrante duma das listas oficiais no âmbito dos processos judiciais de revitalização e de insolvência disciplinados no «CIRE» corresponderá ao exercício de uma tarefa que reveste de manifesto interesse público, já que corresponde ao exercício, em múltiplos planos, de funções variadas no quadro de processos de revitalização ou de insolvência [esta enquanto execução universal tendo por finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência – cfr. art. 01.º do «CIRE»] por sujeito privado, por um particular, de um determinado serviço por tempo indeterminado e sem limite máximo de processos [cfr. n.º 1 do art. 03.º do «EAI»] e não conferidor de qualquer vínculo de subordinação [cfr., nomeadamente, n.º 6 do art. 05.º do mesmo Estatuto], para que foi investido, em decorrência do mesmo mostrar-se dotado de especiais conhecimentos e qualidades que o habilitam à realização daquele serviço, por ato procedimental ou processual [de nomeação ou de indicação].

62. Com efeito, não envolvendo a constituição de um qualquer vínculo de subordinação jurídica e hierárquica no quadro de relação de emprego [público ou privado], deverá entender-se como um exercício por conta própria, enquanto sujeito privado/particular, de funções no quadro de uma prestação dum serviço, que se estabelece, em termos ocasionais, através de atos de indicação e de nomeação proferido pelo juiz do processo [cfr., arts. 32.º, 36.º, e 52.º do «CIRE»], sem qualquer regularidade, e que está sujeita a regime privado de responsabilidade civil pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem definido pelo art. 59.º do «CIRE».

63. E pela prestação ou exercício daquelas funções, realizadas mediante sucessivas intervenções judiciais e extrajudiciais, orais e escritas, nas várias fases e momentos de cada processo de insolvência, é devida remuneração variável, fixada de modo diverso e por diferentes sujeitos em função também dos múltiplos tipos de situações do insolvente e da sua massa e da complexidade do processo, bem como são reembolsadas as despesas necessárias ao cumprimento das mesmas funções [cfr. arts. 19.º a 24.º, 26.º e 27.º do «EAI», 32.º, n.º 3, 53.º, n.º 1, 55.º, n.º 7, 60.º, 155.º, n.º 1, al. d), e 220.º, n.º 5, todos do «CIRE», 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do «RCP»].

64. Tal atividade e exercício de funções no âmbito de processo judicial corresponde ao «desempenho de uma função jurisdicional por particulares», de auxiliares dos tribunais na realização da justiça já que «a esses particulares não está de facto entregue um poder decisório, mas apenas o encargo de coadjuvar ou auxiliar as autoridades judiciais o exercício da sua função», sendo que «[e]mbora conexas com o exercício da função jurisdicional, as tarefas dos auxiliares ou colaboradores não são jurisdicionais» [cfr. Pedro Costa Gonçalves in: “Entidades privadas com poderes públicos”, págs. 560/561, 578 e segs.].

65. Assim, no contexto de tudo o atrás exposto afigura-se-nos como dado adquirido o de que a atividade dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» constantes de uma das listas oficiais, exercendo essas funções no âmbito de processos de revitalização e de insolvência, não corresponde ao exercício de um qualquer cargo público, nem envolve a constituição de um qualquer vínculo subordinado de emprego [público/privado] que os faça integrar num qualquer conceito de função pública nalgum dos sentidos a que supra se fez referência.

66. Como já anteriormente referido o conceito de exercício de “funções públicas remuneradas”, ou melhor, aquilo que se entendeu ou considerou como devendo ter-se nele incluído em termos de definição do estatuto de aposentados e de reformados ao nível do regime de incompatibilidades e de cumulação de pensão e remuneração inserto nos arts. 78.º e 79.º do «EA», sofreu um inequívoco alargamento com a alteração operada pelo DL n.º 137/2010, face à amplitude de situações jurídicas e/ou de tipos de atividades, serviços e contratos tidos por abrangidos, amplitude essa que certamente esteve na origem, ou não é alheia, àquilo que é, hoje e após 2014 com a alteração operada nos citados preceitos pela Lei n.º 75-A/2014, de 30.09, a própria terminologia legal empregue com apelo à expressão de “atividade profissional remunerada”.

67. Com efeito, para a exclusão do seu âmbito não basta a demonstração de que a atividade concretamente desenvolvida por aposentado ou reformado não corresponda a exercício de funções públicas remuneradas no quadro de vínculo de emprego [público/privado num qualquer serviço da administração central, regional e autárquica, numa qualquer empresa pública, entidade pública empresarial ou que integre o setor empresarial regional e municipal, ou ainda numa qualquer outras pessoa coletiva pública], ou que, fora de uma situação de subordinação jurídica, a mesma atividade não represente o exercício de um cargo público [no caso, não se trata de cargo diretivo ou de titularidade de órgão administrativo].

68. É que, face à vasta amplitude de atividades, serviços e vínculos abrangidos no conceito de exercício de funções geradoras de incompatibilidades para aposentados e reformados tal como o mesmo se mostra definido pelo n.º 3 do art. 78.º do «EA», impunha-se que as concretas funções desempenhadas por aposentados e reformados, enquanto «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» inscritos numa das listas oficiais, não se integrassem no aludido conceito.

69. E, na verdade, ao invés do que se mostra entendido nas instâncias, elas não se integram.

70. Temos, desde logo, que, na atividade que tais «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» desempenham, os mesmos não desenvolvem a sua função no âmbito ou enquanto sujeitos integrados em qualquer dos sujeitos ou entes previstos no n.º 1 do art. 78.º do «EA» ou que os mesmos prestem um qualquer serviço que, concretamente, os beneficie ou se destine aos mesmos na prossecução das suas atribuições e funções, pois, inexiste no caso uma prestação de função para qualquer daqueles sujeitos ou entes.

71. É que aqueles são nomeados pelo juiz do processo, dispõem de independência funcional, já que designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários, sendo-lhes exigida a emissão e prática de vários atos e diligências que nada têm que ver com o exercício de uma função para um concreto serviço dos identificados no n.º 1 do art. 78.º do «EA» e que exigem dos mesmos a detenção de especiais e elevados conhecimentos técnicos e garantias de idoneidade [cfr., nomeadamente, arts. 06.º a 11.º do «EAI»].

72. Trata-se, assim, de exercício de funções de grande responsabilidade, corporizando uma atividade funcionalizada à realização de vários interesses, mormente públicos, prosseguidos nos processos de revitalização e de insolvência nas suas várias fases, confirmada pelos referidos requisitos habilitacionais e garantias de imparcialidade e de idoneidade não só para a sua seleção e inclusão numa das listas oficiais, mas, também, para o exercício de funções.

73. Assim, ainda que a atividade de «administrador de insolvência»/«administrador judicial» se mostre desenvolvida por particulares e seja feita no quadro de tarefa ou incumbência que é também pública, já que finalizada ou revertível à prossecução de interesses gerais da coletividade, temos, todavia, que tal atividade não resulta integrada na previsão do n.º 1 do art. 78.º do «EA», porquanto não estamos em face do exercício de uma função remunerada para algum dos sujeitos ou entes elencados no preceito e no desenvolvimento, quadro e funções por estes prosseguidas.

74. É que, se à luz do n.º 3 do art. 78.º do «EA» se mostram irrelevantes a duração, regularidade e forma de remuneração da atividade e serviço ou a natureza pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços do concreto vínculo contratual, temos que aquela atividade ou serviço desenvolvido pelos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» terá de se integrar ou de aproveitar/beneficiar os entes/sujeitos públicos previstos no n.º 1 citado preceito, naquilo que sejam as concretas atribuições e funções pelas mesmas prosseguidas ou desenvolvidas.

75. Inexistindo uma tal integração ou aproveitamento/benefício não poderemos falar num exercício de funções para qualquer daqueles entes/sujeitos públicos, mas, no fundo, para o assegurar nos processos de revitalização e de insolvência da promoção ou realização da função jurisdicional efetuada através dos tribunais, na certeza de que todo o regime de disciplina da exigência e pressupostos da autorização a conferir pelo membro de governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública [cfr. arts. 78.º, n.ºs 1, 4, 6 e 7, e 79.º, do «EA»], enquanto exceção à regra da incompatibilidade, revela-se como dificilmente conciliável, até como mesmo oposto, face àquilo que é a função das listas oficiais e, bem assim, àquilo constituem as competências e o regime insertos no «CIRE» quanto à indicação e à nomeação dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» para o exercício das funções de que são investidos no âmbito daqueles processos judiciais, mormente, daquilo que são as competências de juízes e de outros atores e intervenientes no quadro dos referidos processos, tal como também ao próprio regime de incompatibilidades, de impedimentos, de suspeição e de idoneidade, da sua arguição e declaração constantes do «EAI» e na sua articulação com o «CIRE».

76. Mas, para além disso, exigia-se ainda para o preenchimento da previsão da incompatibilidade de funções por parte de aposentado/reformado que as mesmas sejam remuneradas, sendo que tal remuneração de funções carece de ser feita com dinheiros públicos para que opere uma tal incompatibilidade no estatuto daquele.

77. No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento duma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas.

78. Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do «EA» nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental.

79. Ora as funções dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» atrás explicitadas constituem atividade/serviço remunerado tal como se extrai do cotejo e da análise do regime inserto nos arts. 60.º do «CIRE», 19.º a 24.º, 26.º e 27.º do «EAI» em articulação com a Portaria n.º 51/2005, de 20.01, 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do «RCP».

80. Da análise deste regime ressalta que a remuneração dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» inscritos numa das listas oficiais no quadro dos processos de revitalização e insolvência e ainda as despesas pelos mesmos havidas para a realização da sua atividade não se pode concluir como claro e inequívoco que venham ou tenham de ser suportados em termos finais com recurso a dinheiros públicos.

81. Se na sequência do atrás referido não se poderá, com propriedade, afirmar que estamos perante uma remuneração devida por uma atividade ou um serviço prestado a um ente ou sujeito previsto no art. 78.º, n.º 1, do «EA» já que nos movemos num quadro de atividade ou exercício de funções ou serviço prestado à e na realização da função jurisdicional, temos também que a remuneração e despesas havidas não terão de ser suportados necessariamente por dinheiros públicos.

82. Desde logo, existem diferenças nos regimes remuneratórios dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais», nomeadamente, quanto à sua estrutura, composição, e momento, em função de serem nomeados por juiz ou nomeados pela assembleia de credores ou a massa insolvente compreender a gestão de estabelecimento [cfr. arts. 20.º, 21.º e 22.º do «EAI» em articulação com a Portaria n.º 51/2005], sendo diverso o regime de remuneração da elaboração do plano de insolvência [cfr. art. 23.º do «EAI»] e do administrador judicial provisório [cfr. art. 24.º do «EAI»].

83. Depois, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 4 do art. 26.º do «EAI», a remuneração do «administrador da insolvência»/«administrador judicial» e a remuneração pela gestão, e, bem assim, o reembolso das despesas são suportados pela massa insolvente tanto mais que as mesmas são dívidas da massa insolvente [cfr. al. b) do n.º 1 do art. 51.º do «CIRE»], sendo que tal remuneração e as provisões das despesas são adiantadas também pela mesma massa [cfr. n.ºs 5 e 6 do mesmo preceito], e os credores podem, igualmente, assumir o encargo de adiantamento daquela remuneração ou das respetivas despesas, adiantamento esse a ser reembolsado depois pela referida massa [cfr. n.ºs 9 a 11 do citado preceito].

84. Deste regime regra ressalvam-se apenas as situações de insuficiência da massa insolvente e de encerramento por insuficiência da massa insolvente [cfr. arts. 39.º e 232.º do «CIRE» e 27.º do «EAI»] em que a remuneração e reembolso de despesas é suportado pelo IGFEJ.

85. Por outro lado, os custos havidos com adiantamentos de remunerações daqueles administradores e das despesas por estes realizadas no exercício das suas funções no âmbito dos processos de revitalização e de insolvência constituem despesas e encargos e, como tal, depois entram em regra de custas, como encargos a imputar na conta de custas, para serem pagos pela massa insolvente dado se tratarem de suas dívidas [cfr. arts. 527.º, 529.º, 532.º, 533.º, todos do CPC, 24.º, 25.º, 26.º, 29.º e 30.º do «RCP», 32.º, n.º 3, 51.º, 248.º e 304.º do «CIRE»].

86. Daí que não possamos afirmar que as despesas destinadas ao pagamento dos custos havidos com o exercício de funções pelos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» seja feita sempre e necessariamente com dinheiros públicos, não podendo o Estado, através do IGFEJ, deixar de liquidar a remuneração e despesas devidos a tais administradores quando aposentados/reformados, ao arrepio de todo o regime de custas, regime este que nem contém normas que possam contender com o que se disciplina no «EA».

87. Mas também aqui o regime previsto nos arts. 78.º e 79.º do «EA» quadra mal com aquilo que constitui o regime próprio disciplinador do exercício de funções dos referidos administradores abrangidos pelo «EAI» e «CIRE», porquanto tal implicaria que a autoridade judiciária pudesse ou tivesse competência para “excluir” das listas oficiais de «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» os aposentados/reformados designando para o efeito apenas os administradores ainda no ativo.

88. Nessa medida, em consonância com tudo o atrás exposto, os «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» integrantes de uma das listas oficiais previstas no «EAI» e «CIRE» para o exercício de tais funções no âmbito dos processos de revitalização e insolvência disciplinados pelo «CIRE» não estão abrangidos pelo regime incompatibilidade definido nos arts. 78.º e 79.º do «EA», padecendo o ato impugnado, já que prolatado em infração do disposto nos referidos artigos na sua articulação com o demais quadro normativo convocado, de ilegalidade geradora de mera anulabilidade [cfr. art. 135.º do CPA].

89. Daí que, assistindo razão à argumentação expendida pelo A./recorrente, importa julgar procedente, sem necessidade de mais desenvolvimentos, o presente recurso, bem como a pretensão deduzida pelo mesmo na ação sub specie, ficando prejudicada/precludida a apreciação das demais questões e fundamentos aduzidos nos autos.
DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, revogando, pela motivação antecedente, o acórdão recorrido;
B) julgar a presente ação administrativa especial procedente, e, em consequência, anular o ato impugnado, com todas as legais consequências.
Custas neste Supremo e nas instâncias a cargo da R./recorrida «CGA». D.N..
Lisboa, 18 de Janeiro de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.