Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:047977
Data do Acordão:09/24/2003
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:EDMUNDO MOSCOSO
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA.
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM.
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I - Não pode beneficiar da regularização extraordinária de residência, nos termos do artº 3º/d) da Lei nº 17/96, de 24/5 um cidadão natural da República da Índia que se encontra a residir em território nacional sem a necessária autorização legal e que foi indicado pelas autoridades do Estado Alemão, para efeitos de não admissão no Espaço Schengen.
II - A exclusão daquele processo de regularização das pessoas que, no âmbito do Sistema de Informação Schengen, tenham sido indicadas por qualquer das partes contratantes para efeitos de não admissão, constitui opção legislativa que não colide com o direito do recorrente ao respeito pela sua vida familiar, tutelado no art. 8°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
III - Está suficientemente fundamentado o indeferimento de um pedido de regularização extraordinária de residência que dá a conhecer, quer os motivos de facto (inclusão do recorrente, face à informação do Estado Alemão na lista de inadmissíveis) quer de direito (disposto na alínea d), do artº 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio) em que o indeferimento se fundamentou, já que a fundamentação do acto integra uma concreta referência aos motivos de facto e de direito determinantes da decisão.
Nº Convencional:JSTA00059646
Nº do Documento:SA120030924047977
Data de Entrada:07/26/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SEA DO MAI DE 2001/04/20.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA.
Legislação Nacional:L 17/96 DE 1996/05/24 ART3 D.
Referências Internacionais:CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM ART8.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC46551 DE 2002/06/04.; AC STA PROC47978 DE 2003/03/11.; AC STA PROC554/02 DE 2003/05/07.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1 – A..., natural da República da Índia, melhor id. a fls. 2, recorre contenciosamente do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, de 20.04.2001, que lhe indeferiu o pedido de autorização de residência.
Na petição de recurso formulou desde logo as seguintes CONCLUSÕES:
I - O recorrente entrou em Portugal em data anterior a 25 de Março de 1995.
II - O recorrente, no ano de 1996, formulou o competente pedido de concessão Autorização de Residência, processo que viria posteriormente a ser admitido.
III - Por deliberação da Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária de 17 de Maio de 2000, foi recusada a admissão do processo de legalização do recorrente, relativamente à qual o recorrente apresentou recurso hierárquico junto de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, sobre o qual recaiu a decisão ora recorrida (docs. 1,2 e 3).
IV - O recorrente não se conforma com esta decisão de indeferimento, em virtude de considerar que reúne todos os requisitos legais para beneficiar da legalização da sua situação de permanência em Portugal ao abrigo da Lei n°. 17/96 de 24 de Maio.
V - Com efeito, o recorrente, há largos anos, foi à Alemanha, onde permaneceu um curto período de tempo, tendo sido abordado por entidades policiais, tendo-lhe na altura sido indicada uma morada, para regularizar a sua situação em território alemão.
VI - No entanto, e uma vez que não pretendia ficar a residir em território alemão, abandonou voluntariamente esse País, não mais aí tendo regressado.
VII - Com efeito, a informação indicada pelo Estado Alemão prende-se com a permanência ilegal em território alemão e não com qualquer ilícito de índole criminal, o que terá de ser devidamente ponderado no âmbito do presente pedido de concessão de autorização de residência formulado pelo recorrente.
VIII - Mais acresce que sobre os factos que originaram essa indicação já decorreram largos anos.
IX - Aliás, de qualquer forma, parece não se coadunar com a ratio do sistema a manutenção dessa situação de exclusão por um tão largo período de tempo.
X - Com efeito, a ordem jurídica, mais precisamente o direito dos estrangeiros, não adopta soluções estanques perpetuadas no tempo, sob pena de determinadas situações se tornarem ad eternum.
XI - Vejamos, a título de exemplo, a previsão normativa da alínea c) do artigo 3.º da Lei n.º 17/96, de 24 de Maio.
XII - Na verdade, não poderão beneficiar de regularização extraordinária os cidadãos estrangeiros, aos quais tenha sido aplicada uma decisão de expulsão durante o período decretado pela mesma para interdição em território nacional.
XIII - Assim, se a um cidadão estrangeiro foi aplicada uma pena de expulsão do território nacional por um período de 3 anos, esse cidadão, apenas não poderá entrar em território nacional durante esses mesmos três anos, bem como, de acordo com o previsto na supracitada disposição legal, não poderá, durante três anos a contar da data da respectiva decisão, beneficiar de regularização extraordinária.
XIV - Em suma, não se contesta o facto de não beneficiarem de regularização extraordinária, as pessoas que tenham sido indicados por qualquer das partes da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen para efeitos de não admissão, mas apenas o facto de essa situação permanecer sem qualquer limitação temporal.
XV - Aliás, razão pela qual foi eliminada a indicação do Sistema de Informação Schengen
XVI - Contudo, não entende o recorrente como pode existir qualquer outra indicação, uma vez que nunca depois dessa sua deslocação à Alemanha, apenas se ausentou de território nacional com destino ao seu país de origem, facto, aliás, do qual deu conhecimento ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pelo que só pode concluir que se trata de indicação criada na data daquela deslocação e permanência em território alemão.
XVII - É destituído de qualquer fundamento a presente decisão de indeferimento que viola o artigo 4° do C.P.A., pois não pode a Administração negar ao recorrente, que está radicado em Portugal há, desde 1995, a trabalhar, tendo toda a sua vida aqui organizada e estabilizada, o direito de permanecer em território nacional.
XVIII - Com efeito, o nosso sistema jurídico, nomeadamente, o direito dos estrangeiros não se coaduna com soluções ad eternum.
XIX - Não foi esta decerto a vontade do legislador, uma vez que toda a ratio do sistema aponta em sentido contrário, ao estabelecer limitações temporais para várias situações correlacionadas.
XX - Mais acresce que a decisão de indeferimento bule com os princípios previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente com o artigo 8° que apela ao respeito por "um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber o direito do recorrente ao respeito da sua vida familiar e privada e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções penais".
XXI - Com efeito, a presente decisão recorrida é claramente violadora dos direitos reais e profissionais que cabem ao recorrente.
XXII - Na realidade, a proposta de indeferimento apenas tem razão de ser se for necessária para acautelar a segurança nacional ou pública, o bem estar económico do País, a defesa da ordem e prevenção de infracções penais, a protecção da saúde e da moral ou a defesa dos direitos e liberdades de terceiros, cfr. o n.º 2 do artigo 8.º da CEDH.
XXIII - Mais se diga que a Administração, no exercício do poder discricionário, não se encontra à margem dos princípios gerais de Direito Administrativo, nomeadamente, do princípio da legalidade, o que proíbe a motivação do acto fundada em critérios subjectivos e casuísticos expressamente invocados em sede de fundamentação.
XXIV - Na decisão de indeferimento não existiu, uma adequada ponderação dos vários interesses em questão, pelo que, se revela inconveniente e inoportuna a conservação da decisão ora recorrida, em homenagem ao dever de boa administração.
XXV - Por outro lado, a fundamentação do indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência constante do despacho recorrido não pode deixar de se equiparar a falta de fundamentação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 125.º do C.P.A., uma vez que os fundamentos adoptados são obscuros, pois não esclarecem concretamente a motivação do acto, violando o preceituado no n.º 1 do artigo 125.º do C.P.A., no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77 e n.º 3 do artigo 267.º da C.R.P.
Termos em que requer a REVOGAÇÃO da presente decisão com fundamento na sua inconveniência e ilegalidade, sendo admitido ao recorrente o seu pedido de Legalização formulado ao abrigo da Lei n.º 17/96, de 24 de Maio.
2 - Respondendo a entidade recorrida sustenta a improcedência do recurso.
3 – Notificado para alegar, o recorrente limitou-se a dar “por integralmente reproduzido” o teor da petição de recurso (fls. 38).
4 - Contra-alegou a autoridade recorrida, mantendo o expendido na resposta, e concluindo nos seguintes termos:
I - O despacho impugnado contenciosamente, que indeferiu o pedido de regularização extraordinária do Recorrente, por se encontrar abrangido pela causa de exclusão prevista no artigo 3°, alínea d), da Lei n.º 17/96, de 24 de Maio - ter sido indicado pelas Autoridades do Estado Alemão, para efeitos de não admissão no Espaço Schengen - não ofende qualquer preceito constitucional ou legal. Com efeito,
II - A decisão recorrida, através da qual foi recusada a regularização extraordinária do Recorrente, foi praticada no exercício de um poder vinculado e não discricionário, decorrente da Lei n.º 17/96, que aprovou uma medida de carácter político e extraordinário, dentro dos limites constitucionais.
III - A Administração, ao proferir o acto impugnado contenciosamente, no qual considerou o então Requerente, ora Recorrente, abrangido pela causa de exclusão prevista no artigo 3°, alínea d), da Lei n.º 17/96, de acordo com a prova existente no processo (cfr. fls. 56 a 58 e 83), nada mais fez do que cumprir o dever de boa administração consagrado no artigo 4° do CPA, limitando-se, como é seu dever, a cumprir a lei.
IV - A inclusão de um estrangeiro na lista de inadmissíveis não tem carácter perpétuo, como decorre do artigo 112° da CAS.
V - O acto recorrido não padece do vício de violação de lei, por ofensa do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma vez que é este próprio preceito a contemplar a ingerência na vida familiar, quando esta estiver prevista por lei e constitua uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para a defesa da ordem e para a protecção dos direitos e liberdades de terceiros, etc.. Ora,
VI - O Estado Português, ao aderir ao Acordo de Schengen (cfr. a Resolução da AR n.º 53/93, e o Decreto do Presidente da República n.º 35/93, publicados no DR, I Série-A, n.º 276, de 25-11-1993), obrigou-se a respeitar a inclusão na lista de inadmissíveis de estrangeiros e a afastá-los do seu Território e do Território da União, por o seu comportamento poder pôr em perigo aqueles valores.
VII - O acto impugnado contenciosamente está suficientemente fundamentado, em matéria de direito e de facto, como determinam o artigo 268° da CRP e os artigos 124° e 125° do Código do Procedimento Administrativo, ou o artigo 1° do Decreto-Lei n.º 256-A/77 de 17 de Junho, uma vez que se apropriou "per relationem" dos fundamentos constantes do parecer n.º 269-L/01, da Auditoria Jurídica do Ministério, onde constam os motivos da decisão, que são claros, suficientes e não contraditórios.
VIII - Tal fundamentação permite, a um destinatário normal, reconstituir o itinerário cognoscitivo e valorativo do seu Autor, tendo o Recorrente compreendido, perfeitamente, o seu alcance e conteúdo.
TERMOS EM QUE: deve ser negado provimento ao recurso.
5 - O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer a fls. 54 que se reproduz, no sentido da improcedência do recurso.
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Cumpre decidir:
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6 - MATÉRIA DE FACTO:
Com interesse para decisão, face aos elementos constantes dos autos, nomeadamente do processo instrutor, dá-se como demonstrado o seguinte:
A - O recorrente, cidadão da República da Índia, entrou em Portugal em data anterior a 25 de Março de 1995, tendo no ano de 1996, formulado pedido de concessão Autorização de Residência, processo que viria posteriormente a ser admitido.
B – Com referência ao pedido de concessão Autorização de Residência, o instrutor do processo elaborou em 02.09.99 o seguinte “RELATÓRIO COMPLEMENTAR” (doc. de fls. 59 do Proc. Instrutor):
“1 Da análise do presente processo, verifica-se que o requerente tem uma indicação criada pelas autoridades do Estado Alemão, nos termos do artº 96º da C.A.S., para efeitos de não admissão no Espaço Schengen.
2 – Dispõe a alínea d), do artº 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio, que “não podem beneficiar da Regularização Extraordinária as pessoas que no âmbito do Sistema de informações Schengen, tenham sido indicadas por qualquer das partes contratantes para efeitos de não admissão”.
3 – Perante os fundamentos de facto e de direito mencionados, propõe-se o indeferimento do pedido, nos termos e para os efeitos previstos no nº 1 do artº 12º da Lei 17/96, de 24 de Maio”.
C – Em 03.09.99 pela Directora Regional do SEF foi elaborada a seguinte “PROPOSTA DE DECISÃO” (doc. de fls. 60 do Proc. Instrutor)::
Face ao relatório que antecede, o qual se considera parte integrante desta proposta, e atendendo ao previsto na alínea d), do artº 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio, propõe-se o indeferimento do pedido de legalização, de acordo com o preceituado no nº 1 e nº 2 do artº 12º do mencionado diploma legal.
Notifique-se o interessado da presente proposta de decisão para, no prazo de 10 dias se pronunciar sobre a mesma...”.
D – À proposta de decisão a que se alude em E) respondeu o recorrente tendo em “alegações” concluído no sentido do deferimento do “pedido de concessão de autorização de residência”. Após ou mais precisamente em 04.02.2000, pela Directora Regional do SEF foi elaborada a seguinte “PROPOSTA DE DECISÃO” (doc. de fls. 79 do Proc. Instrutor):
“1 - O presente pedido de Regularização Extraordinária foi objecto de uma proposta de indeferimento, em virtude de o seu requerente se encontrar indicado pelas autoridades do Estado Alemão, nos termos do artº 96º da C.A.S., para efeitos de não admissão no Espaço Schengen, conforme o previsto na alínea d), do artº 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio e de acordo com o preceituado no nº 1 do artº 12º do mesmo diploma.
2 – Após...
3 – Não obstante os factos alegados pelo requerente, não foi introduzida qualquer alteração aos fundamentos da proposta de indeferimento. Deste modo, mantém-se os seus pressupostos, confirmando-se que a indicação do NSIS corresponde efectivamente a este cidadão, bem como se confirma que esta ainda se encontra válida.
4 – Face ao exposto e atendendo a que a situação descrita se enquadra numa causa de exclusão, prevista na alínea d), do artº 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio, não podendo os seus titulares beneficiar da Regularização Extraordinária, julgo ser de manter a proposta de decisão datada de 03.09.99, no sentido do indeferimento do pedido, efectuado.”.
E – Em 01.03.2000 a Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária deliberou “devolver o pedido formulado ao S.E.F. a fim de confirmar e actualizar indicação no N/SIS” – fls. 81 do proc. instrutor.
F – Em 12.05.2000 em “informação complementar” foi referido o seguinte:
Atendendo a que o presente processo já foi remetido à CNRE, em 04 de Fevereiro de 2000, estando nessa data válida a respectiva indicação Schengen, foi dado cumprimento à deliberação dessa Comissão, confirmando-se nesta data a actualização da medida, pelo que se remetem os presentes autos ao Ex.mo Presidente da CNRE” – fls. 83 do proc. instrutor.
G - Em 17.05.2000 a Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária deliberou o seguinte:
Indeferir o pedido formulado uma vez que se verifica a causa de exclusão prevista no artº 3º, alínea b) da Lei 17/96, de 24/05” – fls. 84 do processo instrutor.
H – Do despacho a que se alude em G) interpôs o ora recorrente recurso hierárquico, objecto de parecer (Parecer nº 269-L/01), datado de 17.04.2001 (doc. fls. 94 e sgs. do proc. instrutor cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido), no qual e além demais se referiu o seguinte:
2.1 – o acto impugnado padece de vício de forma, por insuficiente fundamentação, equiparável à falta de fundamentação.
Com efeito, ...
Conforme decorre de fls. 56 a 58 dos autos do processo de regularização extraordinária A... “encontra-se indiciado para efeitos de não admissão em Território Schengen, nos termos do artº 96º da CAS (informação actualizada em 12.05.00, por determinação do CNRE de 01.03.00)”.
Assim sendo, com fundamento no Relatório Complementar de fls. 59 e nas propostas de Decisão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (fls. 60 e 79), respectivamente, de 02.09.99, 03.09.99 e 04.02.00, constantes do processo de regularização extraordinária, os quais devem ser acolhidos, e concordando com o sentido da deliberação de 17.05.00, da Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária, deve ser indeferido o pedido formulado pelo Requerente... uma vez que ocorre a causa de exclusão prevista no artº 3º, alínea d), da lei 17/96, de 24 de Maio – “no âmbito do Sistema de Informações Schengen, tenham sido indiciados por qualquer das partes contratantes para efeitos de admissão”.
2.2. Analisemos o outro vício aduzido pelo recorrente.
(...)
Termos em que:
Se V. Exª concordar com o presente parecer... poderá, ... proceder à reforma do acto impugnado, mantendo a decisão de indeferimento do pedido, com os fundamentos de direito constantes da deliberação da CNRE de 17.05.00, e os fundamentos de facto referidos no Relatório Complementar de fls. 59 e nas propostas de Decisão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (fls. 60 e 79 do processo administrativo), respectivamente, de 02.09.99, 03.09.99 e 04.02.00”.
I – No parecer a que se alude em H), o SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA proferiu em 20.04.2001 o seguinte despacho:
Em conformidade com o proposto em 2.1, considero reformado o acto recorrido e, consequentemente, indefiro o pedido de Regularização de A..., id. nos autos, negando provimento ao presente recurso, por improceder o invocado vício de violação de lei (cfr. 2.2).
Comunique-se...”.
+
7 - DIREITO:
7.1 – A Lei nº 17/96, de 24 de Maio, veio estabelecer um processo de regularização extraordinária da situação dos imigrantes clandestinos ou, como se refere no seu artº 1º, “que se encontrem a residir em território nacional sem a necessária autorização legal” entre os quais os “cidadãos estrangeiros não comunitários ou equiparados que tenham entrado no país até 25 de Março de 1995...” (artº 2º/1/c)).
O artº 3º/d) exclui no entanto do aludido benefício de regularização extraordinária além do mais “as pessoas que: no âmbito do Sistema de Informação Schengen, tenham sido indicados por qualquer das partes contratantes para efeitos de não admissão”.
Como expressamente resulta do parecer nº 269-L/01 em que se fundamentou o despacho impugnado nos autos e através do qual foi indeferido o pedido de regularização extraordinária de residência que o ora recorrente oportunamente formulou, esse pedido foi indeferido com fundamento no facto de o seu requerente se encontrar abrangido pela causa de exclusão prevista no artigo 3°, alínea d), da Lei n.º 17/96, de 24 de Maio - ter sido indicado pelas Autoridades do Estado Alemão, para efeitos de não admissão no Espaço Schengen.
Dada a situação de facto efectivamente verificada e que, como resulta da matéria de facto, se encontrava válida no momento da prática do acto impugnado, a entidade recorrida limitou-se a cumprir ou a obedecer ao determinado naquele imperativo legal, sendo certo que a norma ao abrigo da qual foi praticada a decisão recorrida, não contempla nenhuma margem de discricionariedade.
Pelo que, verificados os pressupostos na norma previstos, à entidade recorrida não restava qualquer outra alternativa já que, tendo praticado o acto ao abrigo ou no exercício de um poder vinculado, apenas tinha de acatar o comando contido naquela norma legal e decidir no sentido em que decidiu, sob pena de o acto praticado em sentido diferente colidir com o disposto naquela citada norma o que o tornaria ilegal.
Devendo a legalidade da decisão impugnada ser aferida em função dos pressupostos de facto existentes à data da sua prática, tendo o recorrente efectivamente sido indicado pelas autoridades do Estado Alemão para efeitos de não admissão no Espaço Schengen, com tal fundamento de facto, face ao que dispõe a alínea d), do artº 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio, não podia o ora recorrente beneficiar da Regularização Extraordinária pretendida como se decidiu no despacho impugnado, sob pena de violação dessa mesma disposição legal.
O que nos leva igualmente a concluir que o acto recorrido não padece do vício de violação de lei, por ofensa do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo certo que aquela recusa em legalizar a situação do recorrente contida no despacho impugnado, em nada colide com o direito do recorrente ao respeito pela sua vida familiar.
Cabe aqui referir o que, a propósito, se escreveu no Ac. deste STA de 04.06.02, Rec. 46.551, onde se decidiu questão em que a causa de exclusão de regularização era a prevista na al. a) do artº 3º da Lei 17/96, e cuja doutrina consideramos igualmente válida para a situação ora em apreço:
O que está em causa é o modo como o legislador entendeu proceder à regularização extraordinária da situação de imigrantes clandestinos, e concretamente a opção tomada relativamente ao elenco de situações que deveriam levar à exclusão dos interessados de tal processo de regularização.
Ora, ao legislador, no seu poder de conformação, assiste-lhe a liberdade de regular as relações de vida em sociedade, fazendo-o naturalmente de acordo com as concepções (culturais, económicas, sociais, etc.) em cada momento histórico prevalecentes, impondo-se no entanto que tal poder de conformação seja exercido no respeito pelas normas e princípios inscritos na Lei Fundamental e também de acordo com as normas e princípios de direito internacional.
Ora, por razões de interesse público, nomeadamente as subjacentes à política de imigração, a inclusão de entre o elenco de tais situações excludentes do processo de regularização..., constitui opção perfeitamente justificada e razoável no plano dos aludidos limites impostos ao legislador. Efectivamente, a situação que está em causa encerra uma daquelas que, tendo em vista a harmonização do interesse público específico em causa, já referido, e objectivamente considerado, com os dos direitos e interesses legítimos dos particulares envolvidos, não pode considerar-se infundada, desrazoável, desproporcionada ou sem justificação material bastante, ou seja, que possa considerar-se como afrontando o que decorre dos princípios da justiça, proporcionalidade, adequação, justiça e necessidade, invocados pelo recorrente.
Por outro lado, também não pode considerar-se o inciso legal em causa como tendo violado o direito ao respeito pela vida familiar e do direito à manutenção da unidade e integridade familiar, tutelado no.... no art. 8°, n° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 36°, nºs 1 e 6 da CRP.
Efectivamente, o preceito legal em causa, em si mesmo, e como já se viu, representa a eleição pelo legislador, nos termos aludidos, de uma dada situação como justificativa de integrar o elenco daquelas causas que levam à exclusão do processo de regularização de que tratamos, pelo que não contende com o direito de constituir família ou de manter a unidade e integridade familiar.”.
Ainda acerca de idêntica arguição o Ac. deste Tribunal de 07.05.2003, rec. 554/02, citando o Acórdão de 11.3.03, proc.º nº 47.978, pronunciou-se nos seguintes termos:
“Para a construção deste vício entende o recorrente que pelo facto de ter a sua vida estabilizada em Portugal desde 1995 não lhe pode ser negado a autorização de residência, com o fundamento de ter sido indicado para efeitos de não admissão por qualquer das Partes Contratantes do Acordo de Schengen. Em seu entender esta indicação não vale "ad eternum". O recorrente, sem por em causa a existência da referida indicação, alega que, apesar disso, o indeferimento do seu pedido viola o art. 8º, n.º 2 da CEDH que impõe o respeito por "um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber ao respeito pela sua vida familiar e provada e protecção da ordem pública e a prevenção de infracções penais". Só se justifica o indeferimento por razões de ordem e prevenção penais, protecção da saúde e da moral, ou defesa de direitos, liberdades de terceiros. Daí que, conclua, a Administração terá violado o art. 4º do CPA e o art. 8º, n.º 2 da Convenção Europeia Dos Direitos do Homem. Também é evidente que não tem razão. O art. 3º, al. c) da Lei 17/96, de 24 de Maio considera excluídas do benefício de regularização extraordinária de residência em Portugal, as "pessoas que no âmbito do Sistema de Informação Schengen, tenham sido indicadas por qualquer das partes contratantes para efeitos de não admissão". Esta norma é, como se vê dos termos em que está redigida, estritamente vinculativa. Não cabe à Administração adequar a aplicação desta norma aos motivos que levaram à indicação (criminais, morais ou outros), como não cabe à Administração o poder de afastar tal regra por motivos de oportunidade ou conveniência. A estrita vinculação da Administração no que respeita à aplicação da referida causa de exclusão (nem sequer contem conceitos indeterminados), afasta a hipótese de violação do art. 4º do CPA. Este artigo impõe à Administração a prossecução do interesse público, no respeito pelos interesses e direitos dos cidadãos. Se a lei define o interesse público impondo à Administração uma actividade estritamente vinculada, parece evidente que é dessa forma, e apenas dessa forma, que se prossegue o interesse público. Não era, assim, possível à Administração recusar o cumprimento ao disposto no art. 3º, al. d) da Lei 17/97, de 24 de Maio, com base no facto do recorrente ter em Portugal a sua vida regularizada, nem limitar a aplicação do artigo aos casos em que resulte perigo para a segurança nacional ou pública, ou para o bem estar económico do País. Não existe deste modo também qualquer violação do art. 8º, n.º 2 da CEDH".
Esta doutrina merece igualmente a nossa inteira concordância, pelo que aqui se reitera.
Improcedem por conseguinte os vícios de violação de lei que o recorrente imputa ao despacho impugnado.
7.2 - Face ao referido e como melhor resulta da matéria de facto supra transcrito, é de concluir igualmente que o despacho recorrido, ao apropriar-se dos fundamentos constantes do parecer n.º 269-L/01, da Auditoria Jurídica do Ministério, bem como dos relatórios e propostas para as quais aquele parecer remete e que nos termos do artº 125º nº 1 do CPA constituem parte integrante do acto e a sua fundamentação, se mostra suficientemente fundamentado.
Efectivamente esse parecer, propostas e relatórios dão perfeitamente a conhecer de forma clara, suficiente e congruente, quer os motivos de facto (inclusão do recorrente, face à informação do Estado Alemão na lista de inadmissíveis) quer de direito (disposto na alínea d), do artº 3º da Lei 17/96, de 24 de Maio) em que o acto se fundamentou.
A fundamentação do acto integra assim uma concreta referência aos motivos de facto e de direito determinantes da decisão.
Outra fundamentação não se revelava necessária para dar a conhecer a qualquer normal destinatário os motivos porque se decidiu no sentido em que se decidiu.
Improcedem, por conseguinte, a totalidade das conclusões formuladas pelo recorrente,
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8 – Termos em que ACORDAM:
a) – Negar provimento ao recurso.
b) – Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça e procuradoria respectivamente em:
Lisboa, 24 de Setembro de 2003.
Edmundo Moscoso – Relator – Isabel Jovita – J. Simões de Oliveira