Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0907/14.8BEVIS
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÂO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
APOIO FINANCEIRO
INVESTIMENTO
Sumário:I - O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) foi criado pelo Orçamento Suplementar para 2009 (artº.13, da Lei 10/2009, de 10/03 - RFAI 2009). Na sua génese, o RFAI/2009 constituiu-se como um instrumento de política fiscal anticíclica que, por via da promoção do investimento empresarial em determinadas regiões e da criação de emprego, pretendia contribuir para a revitalização da economia nacional.
II - Este benefício fiscal foi lançado atendendo ao disposto no Regulamento (CE) 800/2008, da Comissão, de 6/08/2008, que declara compatíveis com o mercado comum certos auxílios estatais (cfr.artºs.1 e 2, do Regulamento (CE) 800/2008).
III - Haverá que examinar a conjugação deste benefício fiscal (RFAI), essencialmente o regime constante dos artºs.3 e 7, do RFAI/2009, com o artº.86, do C.I.R.C., em vigor no ano de 2009 (cfr.artº.92, do C.I.R.C., vigente nos anos de 2010 e 2011).
IV - A interpretação das referidas disposições legais conjugadas é no sentido de que o benefício fiscal RFAI/2009, não figurando entre as excepções elencadas no artº.92, nº.2, do C.I.R.C., é abrangido pela regra do nº.1, do mesmo preceito, querendo isto dizer que sofre a "dupla limitação" dedutiva, de acordo com a qual só pode ser deduzido o montante (percentagem) liquidado segundo o disposto nos artºs.3 e 7, do RFAI/2009, sendo que esse montante somente é dedutível até à concorrência do limite global da dedução admissível à colecta de I.R.C., apurado pelas regras do citado artº.92, nº.1, do C.I.R.C. (cfr. anterior artº.86, nº.1, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2009), tudo levando em consideração os elementos literal, histórico e teleológico das normas/regimes cuja conjugação se pretende (cfr.artº.9, nºs.1 e 2, do C.Civil).
V - Os princípios da legalidade e da igualdade tributária impõem que a tributação dos rendimentos se faça de acordo com as regras em vigor no momento do facto tributário (ou seja, no ano a que os rendimentos tributados dizem respeito, leia-se, para os rendimentos de 2009, as normas em vigor nesse ano, e assim sucessivamente).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27896
Nº do Documento:SA2202106230907/14
Data de Entrada:06/12/2019
Recorrente:A…………….., S.A.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A………………, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Viseu, constante a fls.106 a 114 do processo físico, a qual julgou totalmente improcedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrente tendo por objecto as liquidações adicionais de I.R.C., relativas aos anos fiscais de 2009, 2010 e 2011 e no valor total de € 46.465,30, já incluindo juros compensatórios.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.125 e 126 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A recorrente constituiu um benefício fiscal, RFAI, em 2009, quando vigorava um limitador no Art.º 92º do CIRC;
2-A recorrente tinha a expetativa quando fez os investimentos, com os benefícios fiscais, que iria usufruir, dos mesmos, nos termos em que os efetuou;
3-A recorrente tinha direito a reportar o benefício fiscal, para os quatro períodos seguintes, por ter tido insuficiência de coleta;
4-Entretanto, nos períodos subsequentes, em plena crise financeira do estado português, o limitador do Art.º 92º do CIRC foi alterado, no sentido de restringir o acesso aos benefícios fiscais;
5-Mas o Art.º 12º dos Estatutos dos Benefícios Fiscais (EBF) determina que “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data dos respetivos pressupostos,… salvo quando a lei dispuser de outro modo”;
6-Daqui decorre, que não tendo a lei disposto, quanto ao RFAI de 2009, doutro modo, que o Art.º 92 do CIRC, em 2012, tem de ser aplicado na redação vigente em 2009, no RFAI em causa nos autos;
7-Pelo que a sentença tem de ser alterada em conformidade.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.139 do processo físico).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.143 e 144 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.108 a 111 do processo físico):
A-A Impugnante foi objeto de ações inspetivas efetuadas a coberto das ordens de serviço OI201300433, OI201300313, OI20130034com referência a IRC ao ano de 2009, 2010 e 2011, respetivamente [cfr. emerge do teor do relatório inspetivo de fls. 34 a 45 do procedimento de reclamação graciosa n.º 2704201304000790 apenso aos presentes autos];
B-Daquela ação inspetiva resultou a seguinte correção à dedução à coleta de IRC:
“(…)
Das correções propostas resulta o apuramento do seguinte lucro tributável:
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(…)
III.1 Benefícios fiscais
Nos exercícios analisados o SP deduziu à coleta de IRC apurada nas declarações de rendimentos – modelo 22 (campo 351 do quadro 10) os benefícios fiscais descritos no quadro seguinte (campo 355 do quadro 10):
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Após consulta ao anexo de benefícios fiscais e pedido de esclarecimentos ao SP, comprovou-se que o benefício fiscal referido no quadro anterior, era na sua totalidade relativo ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento realizado em 2009 (RFAI 2009) nos termos da Lei 10/2009 de 10 de Março, com base num projeto de investimento no montante de € 2.395.477,82.
De acordo com o art.º 3.º da Lei 10/2009, aos sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial e industrial e tenham efetuado em 2009 investimentos considerados relevantes é concedido uma dedução à coleta de IRC de 20% do investimento considerado relevante, com um limite de 25% da coleta calculada no ano de 2009.
Esta dedução deve ser feita na liquidação respeitante ao período de tributação de 2009, podendo quando a dedução não puder ser feita integralmente por insuficiência de coleta ser feita nas mesmas condições nas liquidações dos 4 anos seguintes (n.º 2 e 3 do artigo 3.º da Lei 10/2009).
Para além das limitações previstas na Lei 10/2009, o art.º 92.º do CIRC (art.º 86.º do CIRC no ano de 2009) é igualmente determinada uma percentagem mínima de imposto a liquidar pelos sujeitos passivos após as deduções à coleta relacionadas com dupla tributação internacional (DDI) e dos benefícios fiscais. Esta percentagem tem sido alterada ao longo dos diversos exercícios conforme o quadro seguinte :
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No n.º 1 e 2 deste artigo vem referido quais os benefícios fiscais que se consideram para efeitos deste limite, sendo que em todos os exercícios em análise o RFAI entra para a determinação daquele limite.
Atentos aos elementos transmitidos pelo SP e à legislação indicada nos pontos anteriores, verifica-se que este deduziu um valor superior à coleta ao permitido legalmente.
No quadro seguinte, é apresentado um resumo com o valor deduzido pelo SP por contrapartida com o montante permitido legalmente.
(…)
III.2 RESULTADO DA LIQUIDAÇÃO - ARTIGO 92° DO CIRC
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Conforme se retira do quadro anterior, em todos os exercícios o SP deduziu um imposto superior ao admitido legalmente, em 2009 ultrapassou o limite previsto no art.º 3.º da Lei 10/2009 e em 2010 e 2011 ultrapassou os limites fixados na Lei 10/2009 e no art.º 92.º do CIRC.
No seguimento do referido nos pontos anteriores, propõe-se um acréscimo ao IRC liquidado pelo SP do valor deduzido em excesso, atendendo ao disposto no artigo 3.º da Lei 10/2009 ou no artigo 92.º do CIRC, conforme o quadro seguinte:

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(…)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
(…)
IX.1 ALEGAÇÕES DO SUJEITO PASSIVO
Na sequência da referida notificação, veio o SP exercer esse direito, através de exposição escrita remetida para esta Direção de Finanças - Entrada n.º 10439 de 28-05-2013 na qual vem referir que não concorda com as correções propostas.
IX.1.1 FUNDAMENTOS INVOCADOS
O SP discorda das correções propostas, apresentado para esse efeito os seguintes fundamentos elementos:
a) O número 5 do artigo 3º da Lei 10/2009 define que o montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efetuado, constantes do artigo 7.º;
b) De acordo com o n.º 1 do artigo 7º da mesma Lei, à região de localização do investimento - Baixo Mondego - caberia um limite máximo de incentivos até 30% e como tal permite ao SP uma utilização dos incentivos até aquele limite;
c) A Lei 10/2009 decorre da aplicação do Regulamento (CE) 800/2008, sendo o seu texto específico quanto á sua aplicabilidade e obrigatoriedade até Dezembro de 2013 e por este facto, entende que não pode ser limitado ou alterado o seu espirito e conteúdo antes de 31 de Dezembro de 2013;
d) No referido regulamento comunitário não é efetuada qualquer delimitação a definir pelos estados membros, pelo que condiciona a sua ligação com o artigo 92° do CIRC;
e) Os n.ºs 2 e 3 da Lei 10/2009 referem que a dedução é efetuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se iniciou em 2009 e quando esta não possa ser efetuada integralmente por insuficiência da coleta pode sê-lo, nas mesmas condições nas liquidações dos 4 exercícios seguintes;
f) A aplicação do artigo 92° do CIRC violaria a Lei 10/2009 e o regulamento europeu que lhe deu forma e substância;
g) No ano de 2009 o artigo 92° do CIRC estipulava um teto de 40% da coleta tendo vindo a ser reduzido ao longo dos diversos exercícios sem que a LEI que regula o RFAI tenha sido alterada, mantendo como teto o valor de 25% com eventual majoração regional para os 30%;
h) O artigo 8° da Constituição da República Portuguesa refere que as normas e os princípios de direito internacional fazem parte do direito português;
i) Faz menção à informação vinculativa de 08/06/2010 relativa à aplicação do RFAI, sendo que na mesma não é efetuada qualquer correlação entre a Lei 10/2009 e o artigo 92º do CIRC (no direito de audição indica que a remete em anexo, o que não efetuou);
j) Conclui afirmando que os fundamentos de suporte das correções propostas no projeto de correções violam e contrariam a Constituição Portuguesa, o direito internacional (regulamento 800/2008), o corpo e espirito da Lei 10/2009, a Lei do orçamento do estado para 2010 (artigo 116°) e 2011 (artigo 134°) e a informação vinculativa do Sr. Diretor Geral de 08 de Julho de 2010;

lX1.2 ANÁLISE AOS FUNDAMENTOS INVOCADOS
Da leitura do art.º 1.º do RFAl 2009, aprovado pelo art.º 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, verifica-se que a sua criação respeitou o Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado comum, em aplicação dos art.°s 87.º e 88.º do Tratado (“Regulamento geral de isenção por categoria”).
No Regulamento (CE) n.º 800/2008 são identificadas certas categorias de auxílio que podem desde que estejam reunidas as condições previstas neste regulamento, ser concedidos pelo Estado-Membro às empresas, sem notificação prévia da Comissão.
Caso os auxílios estatais não se encontrem abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido Regulamento, estão sujeitos à obrigação da notificação prevista no n.º 3 do art.º 88.º do Tratado, categorias de auxílios isentas.
Nos termos deste regulamento comunitário, é possível acumular as diferentes medidas de auxílio previstas, desde que tal acumulação não ultrapasse os limites máximos de intensidade de acordo com o mapa nacional de auxílios estatais com finalidade regional para o período de 01 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2013, aprovados pela Comissão Europeia em 7 de Julho de 2007.
Uma vez, que o incentivo fiscal em causa RFAI está sujeito às regras e limitações previstas no mapa nacional de auxílios estatais com finalidade regional (conforme referido no n.º 5 do artigo 3º e do n.º 1 do artigo 7º, ambos da Lei n.º 10/2009), a acumulação deste benefício com outros de natureza prevista no Regulamento (CE) 800/2008, não pode ultrapassar os limites referido naquele mapa.
Ao contrário do que o SP afirma, o regulamento (CE) 800/2008 não veio impor a atribuição de qualquer auxílio ou benefício pelos Estados-membros às empresas, mas sim estabelecer condições e limites em que determinados auxílios podem ser concedidos às empresas sem que previamente tenham que notificar a Comissão.
Quanto à informação vinculativa indicada pelo SP na sua petição, julgamos que se trata da informação vinculativa prestada no processo n.º 2010 001801, PIV n.º 819 com entendimento sancionado por despacho de 2010-07-08, do Diretor-Geral.
Sobre o mencionado na petição pelo SP e esta informação vinculativa, convém referir o seguinte:
a) Não são conhecidos os factos apresentados pelo contribuinte e mediante os quais foi prestada a informação vinculativa;
b) Em nenhum momento na informação vinculativa é referido qualquer facto ou orientação que não esteja a ser observado na situação em apreço;
c) Inclusive, nesta informação vinculativa é referido que “... isto sem esquecer que a dedução à coleta é feita até á concorrência de 25% da mesma....”, o que só vem dar comprovar as correções propostas nos anos de 2009, 2010 e em 2011, neste último exercício parcialmente;
d) Do mesmo modo que o SP põe em causa o artigo 92º do CIRC por este não ser mencionado na informação vinculativa, poderia igualmente pôr em causa outras situações previstas na Lei que regula o RFAI que não estão expostas na informação, nomeadamente e a título de exemplo o disposto no n.º 2 e 3 do artigo 3° da Lei 10/2009, pois nesta não é referido que por insuficiência da coleta a “... dedução ... pode sê-lo ... nas liquidações dos quatros exercícios seguintes....”;
Nos exercícios de 2009, 2010 e 2011 o SP deduziu um valor superior ao admitido legalmente por via da majoração indevida de 30% que considerou, conforme se retira da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º da Lei 10/2009 e da informação vinculativa mencionada pelo SP.
Relativamente ao artigo 92° do CIRC, este foi introduzido pela lei do orçamento de estado para 2005 (Lei 55-B de 2004) e desde aquele período tem estabelecido um limite à redução da taxa efetiva de tributação por utilização de alguns benefícios fiscais.
Na página 52 do Relatório do Orçamento do Estado para 2005 é afirmado pelo legislador que uma das principais alterações em sede IRC se prende com o “...limite à redução da taxa efetiva de tributação por utilização de benefícios fiscais…” , ficando claro qual o objetivo desta disposição legal: evitar a erosão do IRC entregue nos cofres do Estado por recurso excessivo a benefícios fiscais, ainda que estes se encontrem consagrados na Lei.
Desde a sua entrada em vigor, o benefício fiscal RFAI 2009 (entre outros auxílios), esteve sujeito às limitações previstas no artigo 92° do CIRC, facto que o SP na sua argumentação não põe em causa.
Por via das limitações previstas na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 e 3 do artigo 3º da Lei 10/2009 e do artigo 92° do CIRC, o SP ainda não deduziu à coleta de IRC a totalidade do benefício fiscal que calculou atendendo ao investimento que considerou relevante. Mas tal facto deve-se essencialmente à insuficiência da sua coleta.
Caso o valor da sua coleta fosse superior, não se ponha a questão do limite previsto na Lei 10/2009 nem no artigo 92º do CIRC, sendo que para estas situações o legislador permitiu que aquela dedução possa ser feita à coleta dos 4 exercícios posteriores (n.º 3 do artigo 3° da Lei 10/2009), período que ainda não terminou.
Posto isto, verifica-se que:
No exercício de 2009 o SP deduziu à coleta um valor superior admitido legalmente por via da majoração indevida de 30% que considerou, conforme se retira da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei 1012009 e da informação vinculativa prestada no processo 2010 001801 PIV n.º 819.
No ano de 2010, o valor deduzido à coleta foi por montante superior ao admitido legalmente na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º da Lei 10/2009 e no artigo 92° do CIRC. Sendo que, por o SP não ter usufruído qualquer outro benefício fiscal, o montante deduzido em excesso é igual aplicando qualquer uma das normas descritas.
No exercício de 2011, a dedução efetuada pelo SP ultrapassou quer o valor da dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º da Lei 10/2009 quer o valor previsto no artigo 92° do IRC (conforme se retira dos quadros apresentados no ponto III.1 BENEFICIOS FISCAIS).
A redação do artigo 92º do CIRC do exercício de 2011, é bem clara quando refere que o imposto liquidado pelo SP nos termos do artigo 90º do CIRC, líquido das deduções relativas à dupla tributação internacional e dos benefícios fiscais não pode ser inferior a 90,00% do montante que seria apurado se o SP não auferisse de benefícios fiscais, sendo que nestes está incluído o RFAI 2009.
IX.2 CONCLUSÃO
Da análise do direito de audição apresentado pelo SP não resultou qualquer alteração das correções propostas.
Foram emitidos os documentos de correção (DC) e o correspondente auto de notícia.
(…)
[cfr. relatório inspetivo de fls. 34 a 45 do procedimento de reclamação graciosa n.º 2704201304000790 apenso aos presentes autos];
C-Com fundamento nas correções promovidas por aquele relatório inspetivo, hierarquicamente sancionadas, foram emitidas as seguintes liquidações:
- Liquidação 20138310002767 em 2013/06/18, onde foi apurado um valor a pagar de IRC de EUR 7.424,14 incluindo EUR 799,33 de juros compensatórios, respeitante ao exercício fiscal de 2009;
- Liquidação 20138310002792 em 2013/06/18, onde foi apurado um valor a pagar de IRC de EUR 9.466,10 incluindo EUR 703,85 de juros compensatórios, respeitante ao exercício fiscal de 2010;
- Liquidação 20138310003093 em 2013/07/04, onde foi apurado um valor a pagar de IRC de EUR 28.183,74 incluindo EUR 1.146,67 de juros compensatórios, respeitante ao exercício fiscal de 2011;
[cfr. demonstração da liquidação de IRC de fls. 14, 17 e 20 dos autos];
D-As liquidações referidas no facto precedente deram origem à emissão das seguintes notas de cobrança:
- No valor de EUR 7.414,14 respeitante ao exercício de 2009;
- No valor de EUR 9.466,10 respeitante ao exercício de 2010;
- No valor de EUR 29.575,06 respeitante ao exercício de 2011;
[cfr. notas de cobrança de fls. 15, 18 e 21 dos autos].
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se provaram outros factos com interesse para os presentes autos…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base, essencialmente, a análise crítica do conjunto da prova, com referência à documentação constante dos autos (não impugnada), da inquirição das testemunhas arroladas e do processo administrativo apenso, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve os actos tributários objecto do processo (cfr.al.C) do probatório).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que constituiu um benefício fiscal, o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), em 2009. Que tinha direito a reportar o benefício fiscal para os quatro períodos seguintes, dado ter tido insuficiência de colecta. Que nos termos do artº.12, dos Estatutos dos Benefícios Fiscais (EBF), o direito ao benefício fiscal deve reportar-se à data dos respectivos pressupostos, portanto, ao ano de 2009, no caso concreto. Que se deve aplicar ao caso dos autos a versão do artº.92, do C.I.R.C., na redacção vigente no ano de 2009. Que a sentença recorrida deve ser alterada em conformidade com estes pressupostos (cfr.conclusões 1 a 7 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Os benefícios fiscais revestem a natureza de medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do E.B.F. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.954/13.7BEPRT; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Por último, deve lembrar-se que as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva, tudo em virtude do protagonismo que o princípio da legalidade, na sua vertente da tipicidade tributária, assume neste âmbito (cfr.artº.103, nº.2, da C.R.Portuguesa; artº.10, do E.B.F.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, começamos por abordar o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).
O RFAI foi criado pelo Orçamento Suplementar para 2009 (artº.13, da Lei 10/2009, de 10/03 - RFAI 2009) sendo, posteriormente, sucessivamente prorrogado pelos Orçamentos do Estado para 2010 (Lei 3-B/2010, de 28/04), para 2011 (Lei 55-A/2010, de 31/12) e para 2012 (Lei 64-B/2011, de 30/12). Actualmente está consagrado no Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo dec.lei 162/2014, de 31/10 (cfr.artº.22 e seg.).
Na sua génese, o RFAI/2009 constituiu-se como um instrumento de política fiscal anticíclica que, por via da promoção do investimento empresarial em determinadas regiões e da criação de emprego, pretendia contribuir para a revitalização da economia nacional (cfr.Rodrigo Rebeca Domingos, O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, in Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, nº.56, Janeiro/Março de 2012, pág.45 e seg.).
Este benefício fiscal foi lançado atendendo ao disposto no Regulamento (CE) 800/2008, da Comissão, de 6/08/2008, que declara compatíveis com o mercado comum certos auxílios estatais (cfr.artºs.1 e 2, do Regulamento (CE) 800/2008).
Haverá, agora, que examinar a conjugação deste benefício fiscal (RFAI), essencialmente o regime constante dos artºs.3 e 7, do RFAI/2009, com o artº.86, do C.I.R.C., em vigor no ano de 2009 (cfr.artº.92, do C.I.R.C., vigente nos anos de 2010 e 2011).
Este artigo determina que o I.R.C. liquidado não pode ser inferior a uma determinada percentagem do tributo que seria liquidado se o sujeito passivo não usufruísse dos benefícios fiscais previstos na norma e de outras situações que, embora não sejam formalmente tratadas como benefícios fiscais, constituem medidas de carácter excepcional que contrariam o regime geral.
Na prática, esta norma pretende criar um tecto mínimo de I.R.C. a pagar em cada ano, por via da limitação da utilização desses benefícios fiscais. Na versão de 2009, esta percentagem era de 60%, a qual, na prática, ainda permitia um aproveitamento relativamente significativo dos benefícios fiscais. No entanto, o bloqueio aos benefícios fiscais foi substancialmente apertado nos anos seguintes, até devido à crise económico-financeira que entretanto irrompeu. Com o Orçamento do Estado para 2010, o limite foi elevado para 75% e com o Orçamento do Estado para 2011, para 90%, limite que se manteve para 2012.
Nesta sede, chamamos à colação recente acórdão deste Tribunal e Secção (cfr. ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/03/2021, rec.745/15.0BEVIS), o qual apreciou e decidiu recurso intentado pela mesma sociedade, tendo por objecto liquidação adicional relativa ao ano de 2012, igualmente derivada de correcções técnicas incidentes sobre os limites de dedução à colecta de I.R.C., do mesmo RFAI/2009.
Ora, de acordo com o teor do citado aresto, com o qual concordamos (cfr.artº.8, nº.3, do C.Civil), ao contrário do que alega a sociedade recorrente, a interpretação das referidas disposições legais conjugadas é no sentido de que o benefício fiscal RFAI/2009, não figurando entre as excepções elencadas no artº.92, nº.2, do C.I.R.C., é abrangido pela regra do nº.1, do mesmo preceito, querendo isto dizer que sofre a "dupla limitação" dedutiva, de acordo com a qual só pode ser deduzido o montante (percentagem) liquidado segundo o disposto nos artºs.3 e 7, do RFAI/2009, sendo que esse montante somente é dedutível até à concorrência do limite global da dedução admissível à colecta de I.R.C., apurado pelas regras do citado artº.92, nº.1, do C.I.R.C. (cfr.anterior artº.86, nº.1, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2009), tudo levando em consideração os elementos literal, histórico e teleológico das normas/regimes cuja conjugação se pretende (cfr.artº.9, nºs.1 e 2, do C.Civil).
Em suma, não tem razão a sociedade apelante, quando alega erro de julgamento de direito da sentença recorrida na interpretação/conjugação dos preceitos legais em causa, neste segmento sendo de confirmar a decisão do Tribunal "a quo".
Defende, igualmente, a recorrente que se deve aplicar ao caso dos autos a versão do artº.92, do C.I.R.C., na redacção vigente no ano de 2009, portanto o artº.86, do mesmo diploma, conforme supra já relevámos, em sede de exame de direito transitório, atento o disposto no artº.12, do E.B.F., e sob pena de desvirtuamento do mesmo benefício fiscal.
Revela-se totalmente infundada esta pretensão do recorrente no plano jurídico, seja porque os princípios da legalidade e da igualdade tributária impõem que a tributação dos rendimentos se faça de acordo com as regras em vigor no momento do facto tributário (ou seja, no ano a que os rendimentos tributados dizem respeito, leia-se, para os rendimentos de 2009, as normas em vigor nesse ano, e assim sucessivamente) e nenhuma disposição expressa indicaria o contrário; seja porque um benefício fiscal como o RFAI/2009, caracterizado pela automaticidade e pelo carácter de "incentivo fiscal", visa, tal como o nome indica, incentivar uma despesa de investimento, ou seja, dar um estímulo adicional à realização de uma despesa que é uma despesa efectuada com "animus" empresarial e não meramente fiscal (o benefício fiscal é apenas um "plus" relativamente ao impulso do investimento e não o "mobil" do mesmo), o que, por contraposição, confere aos titulares destes benefícios fiscais uma tutela jurídica menos intensa do que aquela que decorre de um benefício fiscal contratualizado com o Estado, nos quais está presente, também, a prossecução de um interesse público mais directo ou imediato.
E esta diferença é importante, não só para compreender a razão pela qual o RFAI/2009 não constava da lista de excepções consagradas no artº.92, nº.2, do C.I.R.C., ou seja, dos casos excepcionados dos limites mais intensos à dedutibilidade de despesa fiscal decorrente de benefícios fiscais à colecta de I.R.C., como ainda para explicar a tutela menos intensa que o direito confere aos respectivos titulares face a outros titulares de benefícios fiscais, como os que são constituídos por contratos fiscais.
Assim, não se ignora que no momento em que efectuou o investimento - em 2009 - o regime jurídico respeitante à dedução de parte dessas despesas de investimento a título de benefício fiscal em sede de I.R.C. era mais favorável, conforme já supra se vincou, e que aquela dedução constituía uma expectativa jurídica legítima para o recorrente. Porém, igualmente não se ignora que a protecção jurídica dessa expectativa legítima foi expressa e intencionalmente afastada pelo legislador ao condicionar de forma mais intensa a limitação da dedução à colecta de I.R.C. dos benefícios fiscais, nos exercícios fiscais seguintes e que essa limitação se fundou num bem ou interesse público prevalecente, expressamente enunciado no relatório da proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2011 que introduziu aquelas limitações - a saber: a necessidade de consolidação orçamental, o que levou à adopção, pelo mesmo quadro normativo, de outras medidas penalizadoras de expectativas jurídicas como o "condicionamento da dedução de prejuízos fiscais" ou a "limitação do planeamento fiscal na distribuição dos lucros" (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/03/2021, rec.745/15.0BEVIS).
Em conclusão, nenhum relevo reveste a alegada aplicação do regime de constituição do direito aos benefícios fiscais consagrado no citado artº.12, do E.B.F., em sede de exame do presente esteio do recurso, mais se devendo confirmar a decisão do Tribunal "a quo", também neste segmento, embora com a presente fundamentação.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Junho de 2021

Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Paulo José Rodrigues Antunes e Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.