Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0159/15.2BEPNF 00477/16
Data do Acordão:11/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do artº 40º n.º 3 do CPPT (na redacção anterior à Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro) o mandatário constituído pode ser validamente notificado apenas de duas formas:
a) Carta ou aviso registado remetido para o domicílio profissional do mandatário;
b) Notificação pessoal do mandatário pelo funcionário competente quando o mandatário seja por ele encontrado no edifício do serviço ou tribunal.
II - Na falta de prova de que a forma legal prevista para a notificação aos mandatários, art.º 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário foi, em qualquer momento, adoptada para notificação da decisão do recurso hierárquico, apenas pode concluir-se que não se mostra esgotado o prazo para deduzir impugnação de tal decisão pela razão de que tal prazo ainda não foi iniciado.
Nº Convencional:JSTA00070799
Nº do Documento:SA2201811070159/15
Data de Entrada:04/14/2016
Recorrente:A........, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA TAF DE PENAFIEL
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Área Temática 2:NOTIFICAÇÕES, CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Legislação Nacional:ARTIGO 40º E 102º DO CPPT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A…….., Ldª, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, julgou verificada a exceção perentória da caducidade do direito de acção e consequentemente julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) A sentença proferida não deverá manter-se por aplicar incorretamente a Lei ao caso em apreço.
b) A questão jurídica essencial a decidir consiste em saber, se a Administração Fiscal procedeu à notificação do aqui recorrente, através do seu mandatário, da forma legalmente prevista nos artigos 40º do CPPT
c) Nos termos do artigo 40º CPPT, as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório e as notificações serão feitas por carta ou avisos registados.
d) Sobre a realidade em apreço, diga-se que, como ponto de partida, que não se aceita a posição de princípio da decisão recorrida quando aponta que a ora Recorrente não tinha de ser notificada da decisão do Recurso Hierárquico, pois considerando os poderes conferidos ao Ilustre Advogado que patrocinava a Recorrente.
e) É ponto assente que a decisão em apreço tinha de ser notificada à Recorrente, desde logo, nos termos do art. 268º nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
f) Ademais, a Administração Fiscal não procedeu à notificação do aqui recorrente, através do seu mandatário, da forma legalmente prevista nos artigos 40º, n.º 3 do CPPT e 248.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 2.º do CPPT e 2.º da LGT.
g) Assim, a notificação de indeferimento do recurso hierárquico violou, clara e inequivocamente, os supra referidos normativos legais, dado a Administração Fiscal não ter realizado a notificação da decisão de indeferimento da forma legalmente prevista.
h) De facto, se existe uma forma legal de notificação dos atos aos mandatários, não pode a AF, a seu belo prazer, alterar a forma de notificação dos atos por si praticados.
i) Tal comportamento, é altamente violador da certeza e da segurança jurídica, inerentes a um sistema jurídico característico de um Estado de Direito Democrático.
j) Aliás, os mandatários, ao saberem que há uma forma legalmente estipulada para a realização das notificações à sua pessoa, têm por seguro que as mesmas serão efetuadas dentro do formalismo legal.
k) E, é de todo inadmissível a violação deste formalismo.
l) Até porque, não está na disponibilidade da Administração Fiscal optar por que forma procede à notificação dos mandatários, uma vez que, essa forma já está legalmente estipulada nos arts. 40º, nº 3 do CPPT e 248.º do CPC.
m) Para além disso, consubstancia uma diminuição ilegal do prazo de defesa.
n) A notificação é o ato pelo qual se leva um facto ao conhecimento do interessado [artigo 63º, nº 1 do CPPT], sendo que a eficácia da decisão do procedimento tributário depende de notificação [artigo 77º, nº 6 da LGT e artigo 36º do CPPT].
o) Tal exigência de notificação como condição da eficácia do ato decorre também do artigo 268º, nº 3 da CRP, importando acautelar, como exigência constitucional, que os destinatários do ato notificado tenham conhecimento do seu conteúdo.
p) Voltando ao caso concreto, as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário devem ser efetuadas na pessoa deste e no seu escritório, conforme resulta do artº.40, nº.1, do C.P.P.T. (cfr. artº 247.º nº,1, do C.P.Civil) normativo que tem aplicação tanto no âmbito do procedimento gracioso como no processo judicial tributário como se conclui da epígrafe da Secção IV do “Dos actos procedimentais e processuais”, em que a norma está inserida (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª edição, I Volume, Áreas Editora, 2011, pág.398).
q) Só assim não acontecerá, devendo igualmente ser notificado o próprio interessado, quando nos encontramos perante ato pessoal, conforme resulta do artº.40, nº2, do mesmo diploma (v.g. do interessado com vista à participação em diligência).
r) A prática de ato pessoal pelo interessado significa, necessariamente, a comparência do mesmo junto dos serviços da A. Fiscal ou do Tribunal (cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág. 117).
s) A norma em exame tem de ser lida à luz da exigência constitucional de notificação aos interessados de todos os atos administrativos (cfr.artº. 268, nº. 3, da C.R.Portuguesa).
t) No caso “sub judice”, a notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico não foi notificada ao mandatário da recorrente para o respetivo domicílio profissional, por carta ou aviso registado, pelo que não se pode ter por verificada e, muito menos, se podendo lançar mão da presunção de notificação prevista no artº.248, do C.P.Civil
u) Mais se dirá, que a notificação do despacho de indeferimento foi efetuada à recorrente, mesmo não revestindo qualquer relevo, atento o facto de terem constituído mandatário que os representava no processo gracioso e contencioso e dado que não nos encontramos perante ato pessoal enquadrável no citado artº, 40, nº 2 do C.P.P.T.
v) Concluindo, a falta de notificação, ao mandatário judicial constituído, da decisão do recurso hierárquico tem como consequência não ter ainda ocorrido o termo inicial do prazo (3 meses) de dedução da impugnação judicial previsto no aludido artº do C.P.P.T. (cfr. ac. S.T.A 2ª Secção 30/1/2002, rec Ap. D.R., 1612/2004, pág.302 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª edição, I Volume, Áreas Editora, 2011, pág assim se devendo considerar tempestiva a p.i. que deu origem ao presente processo, contrariamente ao entendido pelo Tribunal “a quo”.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso sustentando, em síntese, que as notificações aos mandatários constituídos, consoante o n.º 3 do 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário deverão feitas por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, ou pessoalmente pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal, e invocando, em abono de tal entendimento, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 24.02.2016, proferido no recurso 142/16 e da Relação de Lisboa de 12.05.2010, proferido no recurso 379-C/1997 L1.


4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
A) A impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em requerimento subscrito pelo seu Ilustre Mandatário, com procuração forense junta ao procedimento (procedimento de recurso hierárquico apenso (PRH)).
B) Em 30/09/2014, a impugnante foi notificada no seu Ilustre Mandatário da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico (PRH).
C)A impugnante apresentou a petição inicial da impugnação em 09/01/2015 (fls. 2 e 3).

6. Do objecto do recurso.

6.1 A questão a decidir reconduz-se a saber se incorreu em erro de julgamento, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 40.º, nº3 do CPPT e 248.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 2º do CPPT, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, nos presentes auto de impugnação judicial, absolveu a Fazenda Pública do pedido por julgar verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.
A sentença recorrida, conhecendo desde logo da questão da intempestividade da impugnação concluiu que a impugnação judicial apresentada pela recorrente ultrapassou o prazo de três meses previsto no artº 102º, nº 1, al. e) do CPPT para a impugnação judicial da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico.
Considerou-se na sentença recorrida que, uma vez que a impugnante tinha sido válida e legalmente notificada da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico na pessoa do seu Mandatário, em 30/09/2014, o prazo legal para deduzir a impugnação judicial dessa decisão terminou no dia 30/12/2014, que por ser férias judiciais, se transferiu para o dia 05/01/2015, primeiro dia útil subsequente (art. 279º, alínea e), do CC).
E porque a petição inicial foi apresentada em 09/01/2015 considerou-se a mesma extemporânea.
De igual modo, e quanto à suscitada questão do destinatário da notificação da decisão do recurso hierárquico, ponderou-se na decisão recorrida que, atendendo que o recurso foi interposto pelo ilustre Mandatário da impugnante, que juntou procuração forense ao procedimento de recurso hierárquico, a notificação da decisão havia de ser realizada ao mesmo e não à própria impugnante, de acordo com o disposto no art. 40.º do CPPT.

Contra o assim decidido insurge-se a recorrente defendendo em síntese que a Administração Fiscal não procedeu à notificação da decisão do recurso hierárquico ao seu mandatário, da forma legalmente prevista nos artigos 40º, n.º 3 do CPPT e 248.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 2.º do CPPT e 2.º da LGT, ou seja por carta ou aviso registado, para o respectivo domicílio profissional, pelo que não se pode ter tal notificação por verificada e, muito menos, se pode lançar mão da presunção de notificação prevista no artº. 248, do C.P.Civil.
Subsidiariamente argumenta que, pese embora a notificação do despacho de indeferimento tenha sido efectuada à recorrente, tal facto não reveste qualquer relevo, atento o facto de ter constituído mandatário que a representava no processo gracioso e contencioso e dado que não nos encontramos perante acto pessoal enquadrável no citado artº 40, nº 2 do C.P.P.T.
E conclui que a falta de notificação, ao mandatário judicial constituído, da decisão do recurso hierárquico tem como consequência não ter ainda ocorrido o termo inicial do prazo (3 meses) de dedução da impugnação judicial previsto no aludido artº do C.P.P.T.


6.2 Da caducidade do direito de impugnar

Como o próprio recorrente admite (conclusão u)), e resulta do probatório, a notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi feita ao próprio interessado pelo que a mesma não constitui uma ficção mas sim uma realidade, mostrando-se desde logo, e por isso, cumprida a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os actos administrativos (artº 268º, nº 3 da CRP), pelo que, nesta parte, improcede a alegação da recorrente.

Questão diversa é a de saber se a falta de notificação da decisão do recurso hierárquico ao mandatário judicial constituído, na forma legalmente prevista nos artigos 40º, n.º 3 do CPPT e 248.º do CPC, tem como consequência não ter ainda ocorrido o termo inicial do prazo (3 meses) de dedução da impugnação judicial previsto no aludido artº do C.P.P.T., aplicável ex vi dos artigos 2.º do CPPT e 2.º da LGT.
O recorrente sustenta que de acordo o artigo 40º CPPT, as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório e as notificações serão feitas por carta ou avisos registados e que a preterição de tal formalidade legal, que terá ocorrido no caso em apreço, tem como consequência que não se possa considerar iniciado o prazo para impugnação previsto no artº 102º do CPPT.
No mesmo sentido se pronuncia o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo.
E de facto assim é.

Vejamos.
O artº 40º do CPPT (Na redacção então aplicável, em vigor até Dezembro de 2017.) reporta-se às notificações às partes que tenham constituído mandatário, sendo que nos termos do seu n.º 3 o mandatário constituído pode ser validamente notificado apenas de duas formas:
1-Carta ou aviso registado remetido para o domicílio profissional do mandatário;
2-Notificação pessoal do mandatário pelo funcionário competente quando o mandatário seja por ele encontrado no edifício do serviço ou tribunal.
Do probatório fez-se constar que «Em 30.09.2014, a impugnante foi notificada no seu Ilustre Mandatário da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico (PRH)» sem se referir qual a forma que revestiu tal notificação.
Mas como se constata do procedimento de recurso hierárquico apenso aos autos (fls. 19), e da própria motivação da sentença recorrida tal notificação foi efectuada através de fax (telecópia) para o mandatário da recorrente.
Ou seja, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel assumiu que o envio de fax para o mandatário seria equiparável a envio de “carta ou aviso registados”, quando é certo que sendo ambos formas de transmissão de informação, têm, contudo, natureza distinta.
Ora como ficou sublinhado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13.07.2016, proferido no recurso 530/16, «sendo certo que a lei – art.º 39.º, n.º 7 do Código de Processo e Procedimento Tributário – admite que os contribuintes possam, em certas situações, ser validamente notificados por telefax ou via internet, nada na lei permite a extensão desse tipo de notificações quando se trate de notificações a mandatários relativamente aos quais existe norma expressa, art. 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário que define a forma de notificação arredando a hipótese de qualquer lacuna ou insuficiência de regulamentação a permitir uma qualquer interpretação analógica ou extensiva às notificações aos mandatários do que se mostra definido para as notificações aos contribuintes.
Naturalmente que o mandatário pode tomar conhecimento das decisões proferidas pela Administração Tributária de diversas outras formas, por fax, por internet, por telefone, etc. mas esse conhecimento não releva para desencadear o início do prazo previsto na lei para impugnar ou recorrer de tal decisão.
As notificações às partes e aos mandatário são actos processuais de elevada importância, por delas decorrerem efeitos jurídicos, nomeadamente o exercício de determinados direitos processuais dentro de certo prazo, o qual, não sendo respeitado, leva à preclusão da sua prática. Dada a gravidade das consequências que podem advir do não cumprimento dos prazos legalmente estabelecidos para os interessados, a lei efectuou uma simples mas rigorosa previsão quanto a esta matéria e ao seu cumprimento, pois que a ambiguidade e a má execução daquela podem ter consequências graves para as partes.
Se o legislador tivesse entendido que essa era uma forma de notificar os mandatários, tê-lo-ia consagrado na lei, mas não o fez e, não se antevê qualquer razão legal para que o intérprete e aplicador da lei passe a considerar como existente na lei uma forma de notificação aos mandatários que dela não consta, em face do disposto no art.º 9.º do Código Civil.
A preterição da formalidade legal prevista para a notificação aos mandatários constitui uma irregularidade procedimental.»

No caso vertente não se provou que a forma legal prevista, no referido art.º 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, para a notificação aos mandatários, foi, em qualquer momento, adoptada para notificação da decisão do recurso hierárquico daí que se conclua que não se mostra esgotado o prazo para deduzir impugnação de tal decisão, pois que ele verdadeiramente ainda não foi iniciado.
A sentença recorrida padece assim do erro de julgamento que lhe é imputado, pelo que se impõe a sua revogação.
7. Decisão:

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que tome conhecimento da impugnação, se a tal nada mais obstar.
Sem custas neste Supremo Tribunal Administrativo uma vez que a Fazenda Pública não contra-alegou.

Lisboa, 7 de Novembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.