Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:030373A
Data do Acordão:05/03/2007
Tribunal:PLENO DE SECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:EXECUÇÃO DE ACÓRDÃO
EXECUÇÃO DE JULGADO
CPTA
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
RECONSTITUIÇÃO DE CARREIRA
Sumário:I - Como já sucedia com o antecedente processo de execução de julgados do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Agosto, o processo de execução de sentenças de anulação, regulado nos artigos 176º e seguintes do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, tem natureza eminentemente declarativa, visando apreciar, pela primeira vez e em complemento do processo de anulação de actos administrativos, o conteúdo das relações jurídicas emergentes da anulação (ou da declaração de nulidade ou inexistência) de um acto administrativo e, se for caso disso, impor, através de sentença, a adopção dos actos e a realização das operações necessários ao restabelecimento da legalidade ofendida.
II - Esta declaração dos actos devidos, correspondente à decisão de procedência do pedido de condenação formulado pelo interessado e passível de execução forçada, assume a natureza de título executivo.
III - O juízo no sentido de que não é possível a execução de determinada decisão anulatória supõe a verificação de que tal impossibilidade é absoluta, não relevando, para o efeito, a mera dificuldade de execução ou o seu carácter eventualmente oneroso.
IV - A reconstituição, no aspecto remuneratório, da situação funcional de funcionário que se mantém ao serviço faz-se pelo pagamento da diferença entre o vencimento de que foi privado, por virtude do acto anulado pela decisão em exequenda, e o do lugar que entretanto exerceu, sendo devidos juros de mora, sobre aquela diferença.
V - Numa tal reconstituição de situação funcional, em regra, só pode atribuir-se relevância a promoções relativamente às quais esteja excluída qualquer margem de aleatoriedade, como sucede, designadamente, com as que dependem, exclusivamente, do preenchimento de determinados módulos de tempo de exercício de funções em categoria inferior.
VI - A sanção pecuniária compulsória, prevista nos artigos 179º, número 3 e 169º, número 2 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, corresponde a uma faculdade, que o tribunal pode usar, a requerimento ou mesmo oficiosamente, para prevenir situações, que ainda se perspectivam, apenas, como de eventual incumprimento, não tendo, assim, como pressuposto um anterior comportamento culposo, que tivesse de ser invocado e demonstrado, da entidade responsável pela execução do julgado.
Nº Convencional:JSTA00064237
Nº do Documento:SAP20070503030373A
Data de Entrada:06/01/2005
Recorrente:SE DE ESTADO DE SEGURANÇA SOCIAL E OUTROS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC 1 SECÇÃO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - EXEC JULGADO.
Legislação Nacional:CPTA02 ART169 N2 ART174 N1 N2 N3 ART176 N2 ART179 N1 N4 N5.
L 3/2004 DE 2004/01/15 ART41.
L 15/2002 DE 2002/02/22 ART5 N4.
CPC96 ART45 ART818 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC29818-A DE 2002/01/29.; AC STAPLENO PROC29818-A DE 2002/12/11.; AC STA PROC19815-A DE 1998/04/02.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PAG841 PAG858.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança veio interpor recurso do acórdão da Secção, proferido a fls. 152, ss., dos autos, que, nos termos do disposto no art. 179 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), fixou os actos e operações a adoptar, para execução do acórdão, de 22.1.98, que, concedendo provimento ao recurso contencioso interposto pela ora recorrida A..., anulou o indeferimento tácito, imputado ao Secretário de Estado da Segurança Social, que recaiu sobre o recurso hierárquico, interposto pela mesma recorrida, do acto do Presidente da Comissão Instaladora do Centro Regional de Segurança Social, de 7.10.91, pelo qual foi homologada a lista de classificação final dos candidatos ao concurso interno de acesso à categoria de técnico principal da carreira técnica de serviço social, aberto pela ordem de serviço publicada no Diário da República, II Série, de 17 de Janeiro de 1991.
Apresentou alegação (fls. 159, ss., dos autos), com as seguintes conclusões:
I - O douto Acórdão recorrido, ao denegar a requerida intervenção provocada do Instituto da Segurança Social, IP, confundiu a legitimidade para os termos da execução com a competência para a prática dos actos que a mesma possa implicar, violando o n° 2 do art.º 174° do CPTA e os art.ºs 325° e segs. do C.P.Civil.
II - Com efeito, é da competência própria e exclusiva do Conselho Directivo e dos directores distritais daquele Instituto a prática dos actos de gestão de pessoal em que tal execução se traduziria, como resulta do n° 4 do art.º 39° e do art.º 11° dos respectivos Estatutos, aprovados pelo Dec-Lei n° 316-A/2000, de 7 de Dezembro, com as alterações de redacção introduzidas pelo Dec-Lei n° 112/2004, de 13 de Maio.
III - Tal Instituto é dotado de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa, financeira e patrimonial, sendo de superintendência e tutela o vínculo jurídico existente entre o mesmo e o Ministro da Segurança Social, da Família e da Criança, como resulta dos art.ºs 5°, n° 1, al. a) e 16°, n° 1, ambos do Dec-Lei n° 5/2005, de 5 de Janeiro, que aprovou a lei Orgânica do recorrente, conjugados com os 1° e 2° dos Estatutos do citado Instituto.
IV - O Membro do Governo não dispõe de poderes jurídicos para a prática dos actos em que se traduz a determinada execução por nenhuma disposição legal lhos conferir, os quais são da competência própria e exclusiva do Conselho Directivo e dos directores distritais e nem sequer de tutela substitutiva, como tudo resulta não só dos preceitos legais citados, mas também do CPA e da Lei Quadro dos Institutos Públicos - Dec-Lei n° 3/2004, de 15 de Janeiro ­designadamente do n° 1 do seu art.º 21º, do n° 2 do seu art.º 34º e, a contrario sensu, do seu art.º 41º.
V - Por todo o exposto, deve nesta medida ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por não menos douto aresto que determine a admissão e consequente processado de tal intervenção provocada.
VI - Por outro lado, o douto Acórdão recorrido fez errada análise dos factos e não menos incorrecta interpretação e aplicação da lei ao considerar a inexistência de causa legítima de inexecução, entrando por acréscimo em contradição com o douto Acórdão, transitado em julgado, proferido por esse mesmo Pleno no processo n° 29818-A, junto aos autos a fls. 82 a 88, e cujo universo pessoal e funcional de abrangência é o mesmo.
VII - Mas se tal não bastasse, tal decisão está em contradição com os seus fundamentos, o que integra a causa da sua nulidade prevista na al. c) do n° 1 do art.º 668° do C.P.Civil, o que expressamente se argui e invoca.
VIII - As operações de execução do Acórdão que constitui o título executivo, determinadas no Acórdão recorrido, implicam as consequências descritas e pormenorizadas nestas alegações e que sobejamente demonstram a impossibilidade absoluta de tal execução e o grave prejuízo do interesse público, pelo que o douto Acórdão recorrido viola o disposto no art.º 163° do CPTA, cfr. como atrás consta de 2.3, 2.8 a 2.8.7, aqui tidos como reproduzidos.
IX - Realce-se que a prolação do despacho descrito na al. a) da rubrica "Decisão" do douto Acórdão recorrido viola os princípios de aplicação da lei no tempo consagrados no art.º 12° do Código Civil, já que submete ao CPTA um título executivo transitado em julgado em 20 de Setembro de 2002 - douto Acórdão exequendo -, quando aquele ainda não vigorava e o contencioso administrativo era de mera anulação.
X- Tal decisão carece de fundamento legal, já que, através das operações de execução, não pode ser ampliado o título executivo, como resultaria se fosse mantida a obrigação de proferir o despacho referido.
XI - Em 20 de Setembro de 2002 transitou em julgado a anulação do indeferimento tácito do recurso da ora exequente mas esta não foi colocada no 21° lugar da lista classificativa, como o pretende e determina o douto Acórdão recorrido.
XII - O título executivo não tem o conteúdo que resulta do Acórdão recorrido, o que equivale à inexistência do mesmo, pelo que não pode aquele deixar de ser revogado, como resulta dos art.ºs 45° e 814°, al. a) do C.P.Civil.
XIII - Também o douto Acórdão recorrido não poderia fixar a quantia a receber pela exequente, já que esta na sua petição não desenvolveu os cálculos à mesma conducentes, como era seu ónus processual, o que impedia o recorrente de efectuar o respectivo contraditório.
XIV - E tais cálculo também não constam do douto Acórdão recorrido, o que tudo impede o recorrente de contraditar fundamentadamente o montante fixado.
XV - Pelo que toca à condenação em sanção compulsória, a mesma é ilegal, porque ela tem de pressupor comportamento culposo, invocado e demonstrado, do sancionado, o que não consta nem da petição inicial - como era ónus processual da exequente - , nem do douto Acórdão recorrido.
XVI - Aliás, a exequente, ainda ao abrigo da LPTA e do Dec-Lei n° 256-A/77, promoveu execução junto do Membro do Governo, em 29 de Dezembro de 2003, e logo em 8 de Janeiro foi proferido parecer, sobre que recaiu despacho governativo de 28 do mesmo mês, remetendo os elementos ao Instituto da Segurança Social, IP, com notificação à exequente.
XVII - Instituto este que não promoveu tal execução pelas causas legítimas de inexecução então invocadas, como tudo se demonstra pelos docs. 1, 2 e 3 ora juntos aos autos.
Nestes termos, deve ser dado Provimento ao presente recurso e, assim, totalmente revogado o Acórdão recorrido, com as legais consequências, desta forma sendo feita a habitual
Justiça.
A recorrida A... apresentou contra-alegação, a fls. 193, ss, dos autos, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
Cumpre decidir.
2. O acórdão recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:
a) Por acórdão deste STA, de 22-1-98, a fls., 317/332 do rec. n° 30373 e 30375, já transitado em julgado e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi anulado o indeferimento tácito, imputado ao Secretário de Estádio da Segurança Social, do recurso hierárquico interposto pela agora Requerente do acto de homologação, de 7-10-91, do Presidente da Comissão Instaladora do CRSS de Lisboa da lista de classificação dos candidatos ao concurso interno de acesso à categoria de técnico principal da carreira técnica de serviço social, aberto por ordem de serviço publicada no DR, II Série, de 17-1-91.
b) Quer a Requerente quer as Contra-Interessadas foram candidatas ao aludido concurso.
c) Na lista de classificação final referente ao dito concurso a Requerente foi graduada em 29° lugar, sendo que as Requeridas foram graduadas nos lugares que constam do doc. de fls. 20 cujo teor aqui se dá por reproduzido – cfr. o recurso n° 30375.
d) A Requerente detém a categoria de técnica superior principal da carreira técnica superior de serviço social, desde 12-2-99, tendo sido posicionada no escalão 1 – índice 510, naquela data, progredindo ao escalão 2 – índice 560, em 12-2-02, tendo anteriormente sido reclassificada na categoria de técnica superior de 1ª classe, da carreira técnica superior de serviço social, com efeitos a 01.09.91, tendo ficado posicionada no escalão 1 – índice 440, em 01.09.91, no escalão 2 – índice 450, em 01.09.94 e no escalão 3 índice 465, em 01.09.97 – cfr. o doc. de fls. 10, que aqui se dá por integramente reproduzido.
e) De acordo com o aviso publicado no DR, II Série, de 21-12-97, foram nomeados definitivamente, na categoria de técnico principal, área de serviço social, no quadro de pessoal do CRSS de Lisboa, os candidatos classificados nos 23 primeiros lugares do concurso a que se alude em a) – cfr. o doc. de fls. 9, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
f) Por requerimento dirigido ao Secretário de Estado da Segurança Social e recebido em 30-12-03, a Requerente solicitou a execução do já aludido Acórdão anulatório, de 20-1-98, nos moldes que constam do doc. de fls. 11-13, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
g) Por deliberação n° 204, de 13-9-01, do Conselho Directivo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social a Requerida ... foi nomeada Directora da Unidade de Solidariedade – cfr. o doc. de fls. 50-55, que aqui se dá por reproduzido.
h) Da Nota de Registo Biográfico da Requerida ... consta, designadamente, que a mesma tem, desde 3-2-99, a categoria de técnica superior principal da carreira técnica superior de serviço social, exercendo o cargo de Directora de Estabelecimento de 3ª idade – cfr. o doc. de fls. 122-124, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3. Com base nessa matéria de facto, e nos termos artigo 179° do CPTA, o acórdão recorrido decidiu fixar os seguintes actos e operações a adoptar pela Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Segurança Social, da Família e da Criança, por virtude da extinção do Ministério da Segurança Social e do Trabalho:
a) Despacho a conceder provimento ao recurso hierárquico interposto pela Requerente, com a sua graduação em 21º lugar, determinando-se, ainda, a elaboração de nova lista classificativa final respeitante ao concurso interno de acesso à categoria de técnico principal da carreira técnica de serviço social, aberto por ordem de serviço publicada no DR, II Série, de 17-1-91, reconhecendo-se a sua promoção na categoria de técnica superior principal com efeitos desde 21-12-92, bem como as sucessivas progressões de escalão naquela categoria, tendo em conta a data em questão (21-12-99), fixando-se, para o efeito, o prazo de 3 meses;
b) Pagamento das diferenças de vencimentos entre a categoria que então possuía (técnica superior de 1ª classe, por força da reclassificação havida nos termos do DL 296/91, de 16-8) e a categoria de técnico superior principal, a que só tinha ascendido em 12-2-99, acrescida de juros de mora devidos pelo não pagamento atempado das diferenças salariais, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor, bem como os juros que se vençam até integral pagamento sobre a quantia em dívida, fixando-se para o efeito o prazo de 30 dias (cfr. n° 4, do artigo 179° do CPTA);
c) Desde já se fixa em 5% do salário mínimo nacional mais elevado, a sanção pecuniária compulsória a pagar por cada dia de atraso que, para além, dos prazos limites atrás estabelecidos, se possa vir a verificar na execução desta decisão, nos termos dos artigos 179°, n° 2 e 169º, n° 2, do CPTA.
Para assim decidir, considerou o mesmo acórdão:
… no caso vertente, o já aludido Acórdão, de 22-1-98, anulou o acto objecto de impugnação contenciosa, com base na procedência do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos quanto à admissão e graduação de alguns candidatos, invocado pelas recorrentes contenciosas (sendo uma delas a agora Requerente) e que se traduziu na circunstância de as recorridas particulares não deterem a categoria imediatamente inferior àquela a que o concurso se reportava, uma vez que a sua nomeação, na categoria de técnica de serviço social de 1ª classe não foi precedida de concurso o que implicava, necessariamente, a nulidade dos respectivos despachos de nomeação, daí que, por força de tal nulidade as ditas recorridas não tivessem as condições legalmente fixadas para a sua admissão e graduação no concurso em causa, apresentando-se, por isso, a dita nulidade como um específico fundamento da ilegalidade do acto recorrido (cfr. os pontos 3.3 a 3.5.5 do referido aresto anulatório, a fls. 324-333, do Rec. n° 30373 e 30375).
Perante o quadro descrito temos que o recurso hierárquico apresentado pela aqui Requerente deveria ter merecido provimento, atendendo às razões acabadas de enunciar, daí que se imponha, em sede de execução, a prática de acto expresso, agora por parte da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Segurança Social, da Família e da Criança, a conceder provimento ao recurso hierárquico, com a consequente alteração da lista classificativa final, por forma a que a Requerente ascenda ao 21º lugar.
E, isto, com efeitos reportados a 21-12-92, data em que foi publicada a nomeação dos candidatos classificados nos 23 primeiros lugares (cfr. o doc. de fls. 9).
De facto, cabe nos efeitos do julgado anulatório a retroacção da antiguidade na carreira de um funcionário ao momento a partir da qual se contaria, não fora o acto anulado, na medida em que da apontada eficácia retroactiva depende a reconstituição da situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido cometida (cfr. os nºs 1 e 2, do artigo 173° do CPTA).
Por isso é que a nomeação a efectuar, de acordo com a nova lista de classificação final, deverá reportar os seus efeitos à data em que ocorreram aquelas que resultaram da primeira lista classificativa. Ver, neste linha entre outros, os Acs. deste STA, de 18-2-97 – Rec. 34547, de 8-7-99 – Rec. 31932-A e de 8-11-00 – Rec. 28127-A.
Acresce que a Requerente tem direito a ver reconhecidas as sucessivas progressões de escalão naquela categoria, tendo em conta a data em questão (21-12-92).
Com efeito, não se trata aqui de estatuir ao nível de eventuais promoções que dependam de concurso ou escolha.
Vide, a este propósito, os Acs. deste STA, de 20-3-97 (Pleno) – Rec. 12074, de 3-6-97 – Rec. 34973 e de 24-5-00 – Rec. 45977
Por outro lado, tem a Requerente direito a receber as diferenças de vencimentos entre a categoria que então possuía (técnica superior de 1ª classe, por força da reclassificação havida nos termos do DL 296/91, de 16/8) e a categoria de técnico superior principal, a que só ascendeu em 12-2-99 (cfr. o doc. de fls. 10).
Na verdade, a eliminação dos efeitos negativos do não pagamento dos vencimentos devidos é um dos efeitos a eliminar na execução do julgado anulatório, tanto mais que houve exercício efectivo de funções, ainda que em categoria inferior à que era devida.
Ou seja, continuando o funcionário ao serviço, a reconstituição da situação actual hipotética faz-se, no aspecto remuneratório, pelo pagamento da diferença entre o vencimento de que foi privado e o do lugar que exerceu.
Ver, neste sentido, entre outros, os Acs. deste STA, de 15-10-96 – Rec. 39491, de 2-10-97 – Rec. 24711-A, de 2-12-97 – Rec. 28559-A, de 15-2-91 – Rec. 37225-A, de 30-10-97 – Rec. 24460-B e de 9-2-99 (Pleno) – Rec. 24711-B.
A quantia atinente com as diferenças de vencimentos terá de ser acrescida dos juros de mora devidos pelo não pagamento atempado das diferenças salariais, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor, bem como os que se vençam até integral pagamento da quantia em dívida, só assim se repondo a situação actual hipotética que existiria se não se tivesse praticado o acto objecto de impugnação contenciosa.
É o que tem sido reiteradamente afirmado por este STA, de que são expressão, em especial, os Acs. de 19-11-96 – Rec. 22500-A, de 24-6-97 – Rec. 40505, de 30-10-97 – Rec. 24460-B, de 2-12-97 – Rec. 22906-A, de 9-6-98 – Rec. 43608, de 3-2-00 – Rec. 42035, de 9-2-00 – Rec. 36085-A, de 7-6-00 – Rec. 32683 e de 15-2-01 – Rec. 37225-A.
Em suma, no caso em apreço, a execução do julgado anulatório não se pode limitar à satisfação, em novo acto, da posição subjectiva de que é titular a Requerente, pois à Administração incumbe também tirar as devidas consequências da anulação, devendo restabelecer a situação anterior ao acto anulado, por meio de actividade que o vise substituir e apagar os seus efeitos.
Confrontar, neste sentido, o Ac. deste STA, de 18-4-85 – AD 287.

3.1. Alega a recorrente que esta decisão está em contradição com os respectivos fundamentos. O que, segundo a mesma alegação, implica, para o acórdão recorrido, a nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 1º do CPTA.
Começaremos por apreciar da existência dessa alegada nulidade, pois que, a verificar-se, prejudicaria o conhecimento das demais questões suscitadas na alegação do recorrente.
Vejamos, pois.
A entidade recorrente persiste em sustentar que ocorre causa legitima de inexecução do julgado anulatório, invocando, nesse sentido, e em suma, que a execução, conforme o decidido no acórdão ora impugnado, implicaria anular a nomeação das recorridas particulares e refazer as respectivas carreiras, por via da abertura dos necessários concursos. O que, em termos práticos, seria inviável, por já não poderem os concorrentes ser os mesmos. Além de que – acrescenta a recorrente –, tal implicaria dificuldades susceptíveis de afectar a própria credibilidade dos serviços.
Caso tivesse seguido tal entendimento – defendido já pela ora recorrente, na respectiva contestação –, por certo que o acórdão recorrido, tendo concluído pela indicação dos actos e operações em que deverá consistir a execução do julgado anulatório, teria incorrido no vício formal que lhe imputa a mesma recorrente.
Porém, o acórdão recorrido não acolheu esse entendimento da recorrente. Pelo contrário, considerou que, no caso concreto, não existe causa legitima de inexecução.
E foi em perfeita coerência lógica com este juízo que o mesmo acórdão julgou procedente a pretensão da requerente, fixando, nos termos do art. 179º CPTA, os actos e operação em que deve traduzir-se a execução do julgado anulatório.
Não se verifica, assim, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão afirmada no acórdão impugnado. Pelo que improcede a deduzida arguição de nulidade.
3.2. Para além disso, e contra o que persiste em defender a entidade recorrente, não merece censura o decidido, no sentido de que não existe, no caso concreto em apreço, causa legitima de inexecução do julgado anulatório.
Contra esta decisão, sustenta a recorrente que a execução do julgado implicaria a reconstituição da situação funcional em que as requeridas particulares se encontram, na sequência do acto classificativo objecto de recurso hierárquico que foi tacitamente indeferido, acto silente esse que acabou por ser anulado contenciosamente pelo já referenciado Acórdão, de 22-1-98.
Porém, importa notar que, como bem ponderou o acórdão recorrido,
... a Requerente nada solicitou, em sede de execução de julgado anulatório, que contendesse com as situações das Requeridas.
Na verdade, não só nada requereu nesse sentido na sua petição de fls., 4/8, como, inclusivamente, teve oportunidade de salientar na sua réplica, de fls. 128-132, que apenas pretendia ver reconstituída a sua situação, o que bem se evidência dos seguintes passos desta última peça processual, onde se refere que: "Mas não foi isso que a exequente requereu porquanto se lhe afigura desproporcionado que se determine a despromoção das 6 recorridas particulares beneficiárias da 1ª nomeação ocorrida em 21-12-92 na sequência daquele concurso para dar lugar à nomeação da ora exequente …", antes visando, como já se disse, a "execução (ainda que parcial do julgado)" no que a si diz respeito – cfr. fls. 130-131.
Ou seja, tendo a Requerente assumido a já apontada postura neste processo, ao nível dos actos de execução que pretende ver decretados pelo Tribunal, desnecessário se torna trazer à colação em sede das eventuais causas legitimas de inexecução as que se liguem intimamente à situação funcional das Requeridas.
Ora, sendo isto assim, então, é patente que não ocorre qualquer situação passível de se integrar no conceito de causas legítimas de inexecução.
De facto, e, desde logo, não é pela circunstância de a Requerente já deter a categoria de técnica superior principal da carreira técnica superior de serviço social desde 12-2-99, que, por tal via, se tenha de concluir pela existência de causa legítima de inexecução, como menos acertadamente se defende na contestação da Requerida ... . É que, como decorre da sua petição, a Requerente pretende ver reconhecida a sua promoção a tal categoria com efeitos reportados a 21-12-92.
Em sentido contrário a este entendimento, a entidade recorrente invoca a doutrina afirmada no acórdão, de 29.1.02, proferido no Rº 29818-A e confirmado pelo acórdão, de 11.12.02, deste Pleno, em que se concluiu não ser possível a execução de acórdão que declarou nulos, por não serem precedidos de concurso público, os actos de nomeação de nove funcionárias, como técnicas de serviço social principal, por não ser possível reconstituir as situações dessas funcionárias e as daquelas que, em cadeia, seriam afectadas por tal reconstituição.
Mas, como bem entendeu o acórdão recorrido, não colhe essa invocação.
Com efeito, no caso dos presentes autos, a requerente, ora recorrida, não peticionou a prática de qualquer acto cujo efeito se projectasse na situação estatutária das requeridas. O que – como bem salientou já o acórdão recorrido – não sucedia na situação contemplada naqueles arestos, «onde a aí Requerente pretendia obter a execução do julgado anulatório, por forma a que, na reconstituição da carreira das funcionárias "nela visadas tudo se" passasse "como se estas não tivessem sido promovidas" a técnicas de serviço social principais" – cfr. fls. 82».
São, pois, diferentes os requerimentos de execução, não sendo comparáveis as situações apreciadas no acórdão recorrido e nos invocados arestos.
De notar, ainda, que o acórdão recorrido, em conformidade, aliás, com o peticionado pela requerente, ora recorrida, não determinou a abertura de qualquer concurso. Pelo que não colhe também a alegação da recorrente, ao invocar as dificuldades práticas na respectiva realização e as nefastas repercussões que daí poderiam trazer para a imagem dos serviços.
Finalmente, e também no sentido de que é possível a execução da decisão anulatória, tal como foi determinado no acórdão recorrido, deve ter-se presente, como neste bem se ponderou, invocando a jurisprudência deste Supremo (vd., p. ex., ac. de 2.4.98-Rº 19815-A), que «a impossibilidade de executar a decisão anulatória terá de ser absoluta, não relevando a este nível a mera dificuldade de execução do julgado ou o seu carácter eventualmente oneroso, sendo que, noutra perspectiva, tal execução não envolve qualquer prejuízo para o interesse público, uma vez que, designadamente, se não pretendem questionar os actos de nomeação das que foram recorridas particulares no recurso contencioso. Ver, quanto a esta questão também, os Acs. deste STA, de 7-6-92 – AD 379 e de 1-2-01 – Rec. 39384-A».
Bem andou, pois, o acórdão recorrido, ao decidir pela inexistência de causa legítima de inexecução.
3.3. Alega a recorrente, por outro lado, que esse acórdão viola os princípios da aplicação da lei no tempo, já que submete ao regime do CPTA um título executivo, constituído pelo acórdão exequendo, transitado em julgado quando aquele diploma ainda não vigorava e o contencioso administrativo era de mera anulação.
Pelo que, ainda segundo a mesma alegação, as operações de execução decididas, designadamente a prolação de despacho a conceder provimento ao recurso hierárquico, interposto pela ora recorrida, se traduzem em ilegal ampliação daquele título executivo.
É, porém, infundada tal alegação.
A própria recorrente começa a respectiva alegação por reconhecer que a execução é, já, processada ao abrigo do CPTA, «por ter sido instaurada após a entrada em vigor daquele, como resulta do nº 4 do art. 5º da Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro».
E, para além disso, como sucedia no domínio da lei anteriormente vigente (DL 256-A/77, de 17.6), o que está em causa na execução de julgado anulatório é a reconstituição da situação que existiria se o acto administrativo anulado não tivesse sido praticado. Sendo que, como bem nota a recorrida, a decisão anulatória proferida, em sede de contencioso administrativo, conforme o regime processual substituído pelo actual CPTA, não contém indicação dos actos e operações necessários a tal reconstituição da situação actual hipotética.
Daí que, no processo de execução, «do que se trata é de regular um processo que – tal como, anteriormente sucedia com aquele que se encontrava regulado no DL 256-A/77 – serve para complementar o processo de anulação dos actos administrativos» (M. Aroso de Almeida/C. A. Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, p. 858)
Como também referem estes mesmos Autores, «o processo de execução de sentenças de anulação que o Código regula a partir do artigo 176º partilha com o seu directo predecessor, o processo de execução de julgados do Decreto-Lei nº 256-A/77, a natureza de um processo eminentemente declarativo, em que ainda se vai discutir pela primeira vez o conteúdo das relações jurídicas emergentes da anulação (ou da declaração de nulidade ou inexistência) de um acto administrativo e, se for caso disso, impor através de sentença a adopção dos actos e a realização das operações necessários os restabelecimento da legalidade ofendida» – Loc. cit., p. 867.
E é esta declaração dos actos devidos, correspondente à decisão de procedência do pedido de condenação formulado pelo interessado (art.ºs 176/2 e 179/1 CPTA) e passível de execução forçada (art.º 179/4 e 5), que hoje assume a natureza de título executivo.
Assim, não colhe a alegação da recorrente de que «o título executivo não tem o conteúdo que resulta do acórdão recorrido». Sendo inaplicável, no caso, o disposto nos artigos 45º e 818º, nº 1 do CPC, invocados pela recorrente e respeitantes à «função do título executivo» e aos «fundamentos de oposição à execução fundada em sentença».
3.4. A recorrente impugna também o acórdão recorrido, por nele se ter indeferido a requerida intervenção principal provocada do Instituto da Segurança Social, E.P.
A este propósito, alega a recorrente que, sendo esse Instituto dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, compete ao respectivo conselho directivo e aos conselhos distritais a prática dos actos de gestão do pessoal em que, também segundo a recorrente, se traduzirá a execução do julgado anulatório, tal como foi decidida no acórdão recorrido. E concluiu que o Membro do Governo, por não existir norma legal que lhos confira, não dispõe de poderes jurídicos para a prática dos actos em que se traduz a ordenada execução.
Mas, esta alegação é também improcedente.
Com efeito, tal como referiu o acórdão sob impugnação, nos termos do disposto no art.º 174 do CPTA, o cumprimento do dever de executar é da responsabilidade do órgão que tenha praticado o acto anulado (nº1) ou caso este seja extinto, aquele que lhe sucedeu (nº 3). Essa responsabilidade de execução implica, para esse órgão, o dever de enviar ao órgão com competência, cumulativa ou exclusiva, para dar execução à sentença anulatória, os elementos necessários para o efeito (nº3).
De notar que, no caso concreto em apreço, e contra o que sugere a recorrente, a invocada autonomia jurídica e financeira do Instituto da Segurança Social não poderia constituir obstáculo ao cumprimento do dever de executar, tal como foi definido no acórdão recorrido. Pois que, nessa eventualidade, a lei assegura o necessário poder de substituição. Com efeito, nos termos do art.º 41 da Lei 3/2004, de 15.1, que aprovou a lei quadro dos institutos públicos, «9. O ministro da tutela goza de tutela substitutiva na prática de actos legalmente devidos, em caso de inércia grave do órgão responsável».
3.5. A recorrente alega, ainda, que o acórdão recorrido não poderia ter indicado a quantia a receber pela exequente, por esta, na petição, não ter desenvolvido os cálculos necessários à fixação dessa quantia, impedindo o exercício do contraditório, por parte da mesma recorrente.
Ora, como salienta a recorrida, esta justificou o pedido executivo formulado, referindo que se propunha receber as diferenças de vencimento entre a categoria que possuía em 21.12.92 (técnica superior de 1ª classe) e a categoria de técnico superior principal, a que só ascendeu em 12.2.99, bem como as decorrentes das sucessivas progressões de escalão naquela categoria.
Certo é também que os valores indiciários e de progressão nos escalões são do pleno conhecimento da entidade recorrente.
E, não concretizando o acórdão recorrido quais os montantes a pagar por conta daquelas diferenças de vencimento, certo é também que correspondem a valores indiciários previstos em diploma legal. Pelo que, como também alega a recorrida, não são de admitir, face aos parâmetros definidos naquele mesmo acórdão, dificuldades na efectivação dos actos e operações em que deve traduzir-se a execução.
3.6. Por fim, a recorrente contesta o acórdão recorrido, por nele se ter imposto sanção pecuniária compulsória, em conformidade com a previsão dos art.ºs 179, nº 3 e 169º, nº 2 do CPTA.
Para a recorrente, a imposição de tal sanção tem de pressupor comportamento culposo, invocado e demonstrado, do sancionado. Demonstração que a exequente não fez, como se lhe impunha, na petição inicial, nem consta do acórdão recorrido. Daí que – conclui a recorrente – seja ilegal a imposição daquela sanção pecuniária.
Mas não procede tal alegação.
Como, aliás, expressamente refere o acórdão recorrido, a sanção pecuniária compulsória, nele fixada, foi estabelecida, apenas, para a hipótese de atraso que «se possa vir a verificar na execução» da decisão nele tomada.
Diversamente do que pretende a recorrente, a imposição de uma tal sanção não tem como pressuposto um anterior comportamento culposo, que tivesse de ser invocado e demonstrado, da entidade responsável pela execução do julgado.
Trata-se, antes, de uma faculdade, que o tribunal pode usar, a requerimento ou mesmo oficiosamente, para prevenir situações, que ainda se perspectivam, apenas, como de eventual incumprimento (vd. M. Aroso de Almeida/C. A. Fernandes Cadilha, in Comentário…, cit., p. 841). E foi nessa perspectiva que, como se viu, o acórdão recorrido estabeleceu a questionada sanção pecuniária compulsória. Sendo, assim, infundada a censura que, a propósito, lhe dirige a recorrente.
A alegação da recorrente é, pois, totalmente improcedente.
4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 3 de Maio de 2007. Adérito Santos (relator) – Azevedo Moreira Santos BotelhoRosendo JoséAngelina DominguesPais Borges – João BelchiorRui BotelhoCândido de PinhoJorge de SousaSão PedroCosta ReisPolíbio HenriquesFreitas CarvalhoMadeira dos SantosFernanda Xavier Edmundo Moscoso.