Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0148/15
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
CRÉDITO LABORAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:A questão da limitação temporal da protecção dos créditos dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador mediante intervenção do Fundo de Garantia Salarial tem relevância social e possibilidade de replicação num número indeterminado de casos, o que justifica a admissão da revista excepcional.
Nº Convencional:JSTA000P18720
Nº do Documento:SA1201503120148
Data de Entrada:02/09/2015
Recorrente:A....
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. O TCA Norte, por acórdão de 25/9/2014, negou provimento a recurso interposto por A………. da sentença do TAF de Braga que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra o Fundo de Garantia Salarial de impugnação do despacho que lhe indeferiu parcialmente a pretensão de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.

O TCA entendeu, em conformidade com a decisão de 1ª instância, que o período a que se reporta o art.º 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, em que o Fundo assegura o pagamento dos créditos laborais só pode ser o que decorre nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência e não qualquer outra acção.

2. Deste acórdão recorreu o Autor, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, pedindo revista excepcional. Sustenta, em síntese, que nos termos do disposto no art.º 319.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o Fundo assegura o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação por cessação, pelo que o período de referência de seis meses que antecede a propositura da acção (ou do requerimento referido no art.º 318.º do mesmo RCT) terá de reportar-se à data da acção judicial em que é peticionado o seu reconhecimento e não, apenas, à acção de insolvência.

3. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

4. As instâncias convergiram no sentido de que a expressão do n.º 1 do art.º 319.º do RCT “seis meses que antecedem a data da propositura da acção” se reporta à acção para declaração judicial da insolvência do empregador e não a eventual acção intentada pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais.

A questão da limitação temporal da protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador mediante intervenção do Fundo de Garantia Salarial não é de solução absolutamente linear. Dúvidas que se estenderam à conformidade com o direito comunitário, tendo justificado um pedido de reenvio prejudicial a que o Tribunal de Justiça respondeu pelo acórdão de 28/11/2013, Proc. C-309/12 (Gomes Viana Novo e Outros) no sentido de que a Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, conforme alterada pela Directiva 2002/74/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da acção de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma acção judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva. Entendimento que foi repetido no “Despacho” de 10 de Abril de 2014, proferido no reenvio prejudicial que teve lugar no presente processo.

Apesar de a jurisprudência das instâncias parecer conforme a este entendimento, continuam a existir pretensões, como a deduzida no presente recurso, de interpretação do direito interno no sentido de um mais alargado âmbito de protecção dos créditos salariais.

Assim, porque se trata de questão com relevância social e possibilidade de replicação num número indeterminado de casos, justifica-se proporcionar o acréscimo de esclarecimento que resulta da intervenção do órgão de cúpula da jurisdição, admitindo a revista excepcional (no mesmo sentido, acórdão da mesma data no Proc. 182/15).

5. Decisão

Pelo exposto, admite-se o recurso.

Lisboa, 12 de Março de 2015. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.