Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01528/17.9BELRA 0668/18
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CUMULO MATERIAL
Sumário:Em sede de contra-ordenações tributárias, não logra aplicação subsidiária o regime de cúmulo superveniente previsto no art. 78.º do CP, uma vez que o legislador consagrou no art. 25.º do RGIT um regime próprio (diverso do consagrado no RGCO), nos termos do qual as sanções aplicadas são sempre cumuladas materialmente.
Nº Convencional:JSTA000P25127
Nº do Documento:SA22019110601528/17
Data de Entrada:07/04/2018
Recorrente:A...................., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 1528/17.9BELRA

1 RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, com fundamento em intempestividade e em inadmissibilidade do pedido, rejeitou liminarmente o pedido por ela formulado, de «conhecimento superveniente do concurso de infracções» em diversos processos de contra-ordenação, mediante a invocação «do disposto no artigo 78.º do Código Penal (aplicável ex vi do alínea b) do art. 3.º do RGIT e art. 32.º do RGCO – DL n.º 433/82 de 27/10».

1.2 Apresentou para o efeito alegações, com o seguinte quadro conclusivo:

«A) A recorrente requereu o “conhecimento superveniente do concurso de infracções” no âmbito do processo de contra-ordenação 36032016060000083366, 36032016060000082955, 36032016060000082742, 36032016060000082530, 36032016060000082408, 36032016060000082181, 36032016060000081754 e 3603201606000008161, fazendo referência a outros processos cujas decisões também já transitaram em julgado, peticionando a aplicação de uma única coima em cúmulo material, no valor de € 45.000,00, com fundamento no artigo 78.º do Código Penal, no artigo 32.º do RGCO e no artigo 26.º do RGIT.

B) O Meritíssimo Juiz considerou que o artigo 78.º do Código Penal não é aplicável às contra-ordenações, rejeitando liminarmente o pedido formulado pela recorrente, tendo invocado expressamente o artigo 63.º do RGCO.

C) Ou seja, foi colocado fim ao processo, e o pedido de conhecimento superveniente do concurso de infracções rejeitado liminarmente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 63.º do RGCO, na parte em que aí se menciona “o recurso feito fora de prazo”.

D) Significa isto que o processo foi decidido em sede liminar, com fundamento no artigo 63.º do RGCO, por desrespeito pelas exigências de forma, e não por despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 64.º do RGCO, despacho este que impunha que previamente o Meritíssimo Juiz tivesse deixado expressa a desnecessidade da audiência de julgamento e se assegurasse da não oposição do Ministério Público e da arguida, a esse modo de decidir o processo, o que não sucedeu in casu.

E) Porquanto, o presente recurso jurisdicional deverá ser admitido nos termos do n.º 2 do artigo 63.º do RGCO, que refere expressamente “deste despacho há recurso, que sobe imediatamente”.

F) As coimas aplicadas nos processos de contra-ordenação elencados nos presentes autos já transitaram em julgado, mas ainda não foram cumpridas, pelo que a ora recorrente veio solicitar a realização do cúmulo jurídico que englobasse todos os processos em que a recorrente foi condenada em coima, pedido este que foi rejeitado liminarmente, por o Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo” considerar inaplicável o artigo 78.º do Código Penal ao concurso de contra-ordenações.

G) A recorrente não concorda com este entendimento, primeiro porque as coimas aplicadas nos processos de contra-ordenação não foram pagas, não foram declaradas prescritas, nem extintas, pelo que deve operar o cúmulo jurídico, em apreciação superveniente do concurso de contra-ordenações.

H) Em segundo lugar, a norma do artigo 32.º do RGCO manda aplicar subsidiariamente, as normas do Código Penal, pelo que o artigo 78.º não é excepção no que respeita à aplicação subsidiária.

I) Ademais, se não foi efectuado o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, porque foram instaurados processos de contra-ordenação separados e autónomos, não fica, o julgador, impedido de o fazer posteriormente, nos termos do artigo 78.º do Código Penal, desde que as coimas aplicadas tenham transitado em julgado, não tenham sido cumpridas (pagas), não se encontrem prescritas ou extintas.

J) Assim, não existindo nenhuma norma que restrinja a aplicação do artigo 78.º do Código Penal às contra-ordenações, e sendo aquele código de aplicação subsidiária, entende a recorrente, que o Meritíssimo Juiz [do Tribunal] “a quo” violou o disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, aplicáveis ex vi do artigo 32.º do RGCO, neste sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido no processo n.º 1848/11.6TBPRD-A.P1, de 28/05/2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida, por ter violado o disposto nos artigos 33.º do RGIT, 27.º-A e 28.º n.º 3 do RGCO, determinando-se o arquivamento dos autos por prescrição do procedimento contra-ordenacional, relativamente a todas as infracções praticadas» (É manifesto o lapso de escrita na formulação da consequência jurídica a extrair do provimento do recurso: o que a Recorrente pretende é o conhecimento superveniente do concurso, como resulta inequivocamente das alegações e respectivas conclusões.).

1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações e o processo foi remetido ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.5 O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

2. A primeira questão que se coloca consiste em saber se a pretensão formulada pela Recorrente podia ser dirigida ao tribunal tributário.
Como se alcança dos autos, o requerimento dirigido ao tribunal tributário foi apresentado no Serviço de Finanças em cada um dos processos de contra-ordenação em que foi proferida decisão de aplicação de coima, que não foi objecto de impugnação, e que se tornou definitiva. Sobre o referido requerimento não houve qualquer pronúncia por parte da administração tributária, uma vez que o senhor chefe de finanças limitou-se a determinar a remessa dos autos ao tribunal, pelo que não estamos perante recurso de decisão administrativa, mas sim perante requerimento dirigido ao tribunal para fazer o cúmulo jurídico das coimas.
Ora e ao contrário do entendimento vertido no despacho recorrido, não se pode falar em “intempestividade de recurso”. Desde logo porque não se trata de recurso, pois a Recorrente não vem impugnar qualquer decisão da administração tributária tomada no processo de contra-ordenação; E por outro porque a Recorrente não se insurge contra a decisão de aplicação de coima proferida no processo, de modo a que o prazo da sua apresentação seja aferido em função da data da prolação daquela decisão ou da sua notificação.
Ora, independentemente de se considerar ou não aplicável em sede de processo de contra-ordenação tributária o regime de cúmulo superveniente previsto no artigo 78.º do Código Penal, o requerimento formulado pela arguida e aqui Recorrente tem necessariamente que ser dirigido à entidade administrativa que aplicou as coimas, pois não há qualquer fundamento para que encontrando-se o processo na fase administrativa, o mesmo passe para a fase judicial sem que haja qualquer pronúncia por parte da entidade administrativa competente para aplicação da coima. Daí que tal facto constitua por si fundamento para o seu indeferimento, nos termos em que foi feito, e determinar-se a devolução dos autos ao Serviço de Finanças para a sua apreciação pelo senhor chefe de finanças.

3. Quanto à questão do concurso superveniente.
No RGIT e ao contrário do RGCO, o cúmulo das coimas é sempre material e não jurídico, como está previsto neste último diploma. A excepção ocorreu num período delimitado, mais precisamente nos anos de 2009 e 2010 1 [1 O regime de cúmulo jurídico foi introduzido pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (OE/2009), e alterado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (que aprovou o OE/2011)].
A possibilidade de punição do concurso superveniente de contra-ordenações é controversa na doutrina 2 [2 Contra a aplicação desse regime Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações”, pág. 90), segundo o qual «a aplicação do artigo 78.º do CP no âmbito do processo contra-ordenacional implicaria a reabertura do processo em qualquer momento ulterior para a apreciação do facto como contra-ordenação, o que a lei veda expressamente nos artigos 54.º, n.º 2, e 79.º, n.º 1, do ROCO».]. Todavia a jurisprudência tem defendido, no caso de aplicação do regime de cúmulo jurídico, da aplicação do regime de punição do concurso superveniente previsto no artigo 78.º do Código Penal, por aplicação subsidiária ao RGCO (para além do acórdão da Rel. do Porto de 28/5/2014, proc. 1848/11.6TBPRD, citado nas alegações de recurso, cfr. o acórdão do STA de 14/06/2012, proc. 0184/12; acórdão do TCA Norte de 18/05/2006, proc. 0060/02; acórdãos do TCA Sul de 20/05/2003, proc. 06062/01, de 14/01/2003, proc. 06277/02, e de 20/11/2002, proc. 6532/02).
No caso concreto dos autos não consta do despacho recorrido a que período respeitam as infracções imputadas à arguida de modo a aquilatar-se da aplicação do regime de cúmulo material ou do cúmulo jurídico 3 [3 Embora pela consulta das diversas decisões de aplicação de coima resulte que respeitam a infracções cometidas posteriormente ao ano de 2010.]. Por outro lado não foram igualmente recolhidos quaisquer elementos por parte da entidade administrativa sobre a execução das coimas em cada um dos processos apensos.
Em face do exposto entendemos que o requerimento do cúmulo superveniente das coimas deve ser apreciado em primeira mão pela entidade administrativa que aplicou as coimas, a qual deve recolher os elementos necessários à apreciação de tal questão. E só na sequência do indeferimento de tal requerimento é que é admissível recurso para o tribunal tributário.
Afigura-se-nos, assim, que se impõe a revogação da decisão recorrida, julgando-se procedente o recurso nesta parte, e determinando-se a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de os autos serem devolvidos ao Serviço de Finanças a fim de ser apreciado o requerimento de concurso superveniente formulado pela arguida».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Apesar de a decisão recorrida ser um despacho liminar e, por isso, não ter fixado factualidade, entendemos útil reproduzir aqui o despacho recorrido:

«[…] vem requerer o “conhecimento superveniente do concurso de infracções”, no âmbito de oito procedimentos de contra-ordenação cujas decisões já transitaram em julgado, apresenta como pedido a “aplicação da coima única em cúmulo material, no valor de EUR 45.000,00” e como fundamento legal o artigo 78.º do Código Penal, o artigo 32.º RGCO e o artigo 26.º do RGIT.
O Digno Magistrado do Ministério Público veio apresentar os presentes autos nos termos do artigo 62.º do RGCO.
Cumpre apreciar liminarmente.
Conforme afirma a requerente, as decisões de aplicação de coima em causa já transitaram em julgado, o que tem por implicação, além do mais, que os presentes autos não podem constituir um recurso de decisão de aplicação de coima, face à sua manifesta intempestividade (cf. artigo 59.º, 60.º e 63.º do RGCO e artigo 80.º do RGIT).
Para além disso, conclui-se pela inadmissibilidade do pedido formulado, uma vez que, nos artigos 19.º e 20.º do RGCO, estabelecem-se regras especiais em relação ao concurso de contra-ordenações, pelo que em matéria contra-ordenacional não pode aplicar-se a regra do artigo 78.º do Código Penal, por não ser regra aplicável a qualquer concurso, mas apenas a concurso de crimes 1 [1 Vide, neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, 2011, página 88 e seguintes.].
Ademais, as sanções aplicadas às contra-ordenações tributárias em cúmulo material nos termos do artigo 25.º do RGIT constituem excepções à regra dos limites máximos previstos no artigo 26.º do RGIT, uma vez que nos termos do n.º 1 deste artigo, esses limites só são aplicáveis se o contrário não resultar da lei.
Neste contexto, sem necessidade de outras considerações, indefiro o presente recurso por manifesta intempestividade nos termos do disposto no artigo 63.º do RGCO e artigo 80.º do RGIT».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR – INTERPRETAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO

A ora Recorrente fez dar entrada no Serviço de Finanças de Leiria 2 um exemplar do mesmo requerimento, dirigido a cada um dos processos de contra-ordenação que identificou, endereçado ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a quem pediu que, tomando «conhecimento superveniente do concurso de infracções» em que foi condenada em cada um desses processos de contra-ordenação, todos pela prática da mesma infracção, e sendo essas condenações já definitivas porque insusceptíveis de recurso judicial («transitadas em julgado» na sua expressão tecnicamente pouco correcta), procedesse ao cúmulo jurídico das coimas aplicadas.
Remetidos os requerimentos conjuntamente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, o Magistrado do Ministério Público junto desse Tribunal apresentou-os ao Juiz, dizendo que o fazia ao abrigo do disposto no art. 62.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi do art. 3.º do Regime Geral das Infracção Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho. Por isso, o processo foi autuado como recurso de decisão administrativa de aplicação da coima.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria indeferiu liminarmente o pedido nos termos que deixámos reproduzidos em 2.1.
Se bem interpretamos esse despacho, apesar de nele se ter rejeitado liminarmente «o […] recurso por manifesta intempestividade nos termos do disposto no artigo 63.º do RGCO e artigo 80.º do RGIT», o fundamento para a rejeição não foi a intempestividade de um recurso de decisão de aplicação de coima. Na verdade, no próprio despacho se afirma – e bem – que «os presentes autos não podem constituir um recurso de decisão de aplicação da coima» e se salienta que esse recurso já nem seria admissível por preclusão do prazo para o efeito.
A nosso ver, apesar da redacção menos feliz da parte decisória, o fundamento que determinou o indeferimento liminar foi apenas a «inadmissibilidade [rectius a manifesta inviabilidade] do pedido formulado» pela ora Recorrente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, como o Juiz bem deu conta. Aliás, se o fundamento do indeferimento liminar fosse a intempestividade, mal se compreenderia que o Juiz tivesse passado a indagar e decidir da viabilidade do pedido. Assim, o Juiz entendeu que o pedido nunca poderia proceder porque às contra-ordenações tributárias não é aplicável o disposto no art. 78.º do Código Penal (CP), mas antes o disposto nos arts. 19.º e 20.º do RGCO, que instituem regras especiais para o concurso de contra-ordenações, e que nos termos do art. 25.º do RGIT as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.
Interpretamos, pois, a decisão judicial recorrida no sentido de que o pedido formulado pela ora Recorrente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria – de que que fosse efectuado o cúmulo jurídico – foi rejeitado liminarmente por manifesta inviabilidade (Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar repetidamente, a decisão judicial, constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do Código Civil, as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1, daquele Código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação.).
É dessa decisão, interpretada nesse sentido, que vem interposto o presente recurso. Sustenta a Recorrente, em síntese, a aplicação da regra do art. 78.º do CP às coimas que lhe foram aplicadas no âmbito dos muitos processo de contra-ordenação que identificou e cujas decisões (administrativas) não são susceptíveis de recurso judicial, por preclusão do prazo para o efeito, mas ainda não se encontram pagas.
Assim, a única questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria fez correcto julgamento quando indeferiu liminarmente a pretensão da ora Recorrente, de que, por conhecimento superveniente do concurso de contra-ordenações, com condenações transitadas em julgado, lhe fosse efectuado o cúmulo jurídico das coimas aplicadas e, consequentemente, aplicada uma coima única, nos termos do disposto nos arts. 77.º e 78.º do CP.

2.2.2 DA INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 78.º DO CÓDIGO PENAL ÀS CONTRA-ORDENAÇÕES TRIBUTÁRIAS

Como bem decidiu o despacho recorrido o disposto no art. 78.º do CP não é aplicável quando se trate de sanções decorrentes de contra-ordenações tributárias.
Pretende a Recorrente que aquele artigo é aplicável subsidiariamente às contra-ordenações tributárias por força do disposto no art. 32.º do RGCO e 26.º do RGIT.
Se a questão não é pacífica na doutrina e na jurisprudência dos tribunais comuns relativamente às contra-ordenações em geral (A título de exemplo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto citado pela Recorrente, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2f5e4bb81db8e52d80257cf60032057c.
Em sentido contrário, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1873/18.6T8VIS.C1, disponível em
http://www.gde.mj.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/787c585b76e86543802583c800535f5f.
Em ambos os acórdãos se refere a doutrina sobre a matéria, como posições também divergentes.), no que respeita às contra-ordenações tributárias, por força do disposto no art. 25.º do RGIT – que estabelece que «[a]s sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente», ou seja, que o regime de punição das contra-ordenações tributárias se concretiza na aplicação de uma única coima, correspondente à soma das coimas aplicadas por cada uma das contra-ordenações parcelares que integram o concurso (() Apesar de não relevar para a decisão – os factos em causa são ulteriores a 31 de Dezembro de 2011 –, note-se que só assim não foi durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2011, atenta a redacção dada ao art. 25.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, mas a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, reintroduziu a regra do cúmulo material. ) – não há dúvida de que o art. 78.º do CP não é aplicável.
A este propósito, GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários, é taxativo: «Nos termos do disposto no art. 25.º do RGIT, na redacção vigente, resultante da Lei 55-A/2010, entrada em vigor em 1.1.2011, o concurso de contra-ordenações tributárias implica cúmulo material de coimas»; e, quanto ao modo como deve efectuar-se o cúmulo das coimas, afirma: «A resposta é simples: somam-se as coimas aplicadas às várias contra-ordenações perpetradas»; concluindo, em resposta à questão sobre o concurso de contra-ordenações, deixou dito: «Tratando-se da lei vigente não há qualquer dificuldade. Determinada a coima de cada contra-ordenação em concurso, somam-se simplesmente as coimas aplicadas» (Cf. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, págs. 14 e 15, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.-(O mesmo Professor dá conta de que o regime legal não foi esse durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2011. ).
Seja como for, nunca o pedido poderia ser apreciado judicialmente sem que antes a questão fosse apreciada pela entidade administrativa que aplicou as coimas. Como bem referiu o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, o pedido sempre teria «necessariamente que ser dirigido à entidade administrativa que aplicou as coimas, pois não há qualquer fundamento para que encontrando-se o processo na fase administrativa, o mesmo passe para a fase judicial sem que haja qualquer pronúncia por parte da entidade administrativa competente para aplicação da coima».
Em conclusão, em sede de contra-ordenações tributárias, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não logra aplicação subsidiária o regime de cúmulo superveniente previsto no art. 78.º do CP, uma vez que o legislador consagrou no art. 25.º do RGIT um regime próprio (diverso do consagrado no RGCO), nos termos do qual as sanções aplicadas são sempre cumuladas materialmente.
Assim, entendemos ser de confirmar a decisão recorrida, de indeferimento liminar do pedido, com fundamento em manifesta inviabilidade.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 6 de Novembro de 2019. - Francisco Rothes (relator) – José Manuel Carvalho Neves Leitão – Nuno Bastos.