Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01678/13 |
Data do Acordão: | 10/01/2015 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | MARIA BENEDITA URBANO |
Descritores: | DISCIPLINAR ADVOGADO REVISOR OFICIAL DE CONTAS INCOMPATIBILIDADE DE FUNÇÕES SUSPENSÃO DE INSCRIÇÃO |
Sumário: | I - O impulso no sentido de promover a verificação de uma situação de incompatibilidade, com as devidas consequências legais, deverá caber ao advogado, logo no acto de inscrição na OA, ou, tratando-se de incompatibilidade superveniente, a partir do momento em que passe a exercer funções incompatíveis, devendo o advogado “Suspender imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados quando ocorrer incompatibilidade superveniente”. II - Este dever que impende sobre o advogado tornou-se óbvio e claríssimo a partir da entrada em vigor da Lei n.º 15/05, que, no seu artigo 77.º, n.º 1, al. n), expressamente prevê a incompatibilidade da actividade de advocacia com a de revisor oficial de contas (ROC). |
Nº Convencional: | JSTA00069358 |
Nº do Documento: | SA12015100101678 |
Data de Entrada: | 01/31/2014 |
Recorrente: | OA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Meio Processual: | REC REVISTA EXCEPC |
Objecto: | AC TCAN |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR |
Legislação Nacional: | DL 24/84 ART3. LEI 15/05 ART86 ART77 N1 N ART83 ART81. DL 226/08 DE 2008/11/20. LEI 12/10 DE 2010/06/25. DL 84/84 ART79 ART68 ART69 ART70 ART76 ART54 ART48-C. LEI 35/2014 ART183. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1. A Ordem dos Advogados, devidamente identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 17.05.13 (fls 304-345), que concedeu provimento ao recurso jurisdicional aí interposto e revogou o acórdão do TAF do Porto, de 24.01.12. Invoca para o efeito o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). 1.1. A Recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls 356 e ss): “a) Vem a presente revista interposta do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, não só porquanto se trata de questão que, pela sua relevância jurídica se reveste de importância fundamental, mas também por forma a garantir uma melhor aplicação do direito, preenchendo-se, desta forma, os requisitos constantes do artigo 150º/1 do CPTA. b) Efectivamente, a questão suscitada pelos fundamentos com base nos quais o Tribunal Central Administrativo Norte extraiu o acórdão recorrido e também pela conclusão a que aí chegou é, “pela sua relevância jurídica (…) de importância fundamental”, e o seu esclarecimento “claramente necessário para uma melhor aplicação do direito”. c) Assim, a correcta e devida exegese da norma contida no referido art. 86º, alínea d) do E.O.A. afigura-se de importância fundamental, tanto mais que a matéria relacionada com as incompatibilidades assume cariz de absoluta relevância no que respeita ao exercício isento, independente e digno da profissão de advogado. d) No caso em apreço, consideraram os MM Juízes Desembargadores que, a partir do momento em que o Conselho Superior da Ordem, por acórdão de 25/11/2005, anulou a deliberação de 07/01/05 do referido Conselho Distrital do Porto de suspensão da sua inscrição, não se impunha ao recorrido que suspendesse o exercício da profissão de advogado. Ou seja, “não existindo qualquer declaração do Conselho Distrital ou até do Conselho Distrital já no âmbito da Lei 15/2005 não está verificada qualquer concreta incompatibilidade cuja desobediência pudesse integrar infracção disciplinar”. e) Tal interpretação da norma contida no artigo 86º, alínea d) do E.O.A., no sentido de que o dever aí contido encontra-se dependente da verificação prévia da situação concreta de incompatibilidade, salvo devido respeito, não se mostra consentânea com a sua letra e ratio. f) Na verdade, nem a letra, nem a ratio do referido preceito legal permitem que se extraia a conclusão de que o dever dentológico aí previsto se mostra dependente do apuramento em concreto da verificação de determinada incompatibilidade, bastando que da mesma seja consciente o advogado em questão. g) A ser interpretada a norma em questão no sentido propugnado pelos MM Juízes Desembargadores tal redundaria numa verdadeira interpretação ab rogante. h) Ora, no caso em apreço, o aqui Recorrido não poderia deixar de ser consciente da situação de incompatibilidade, uma vez que foi notificado, em 13/04/2005, da aplicação da pena de censura no processo disciplinar n.º …./2003 do Conselho de Dentologia do Porto, por incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de Revisor Oficial de Contas. i) Tal como bem se refere no douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo “(…) verifica-se que a Ordem declarou, em 2005, de forma expressa e indubitável, a existência da incompatibilidade”. j) Acresce que não é negado (mas antes afirmado) pelo Recorrido que exerce em simultâneo a profissão de Advogado e de ROC, pelo que, claro se mostra que se encontra objetivamente numa situação de incompatibilidade, situação essa que o deveria ter levado a requerer a sua suspensão ao abrigo do disposto no art. 86º, alínea d) do E.O.A., o que, comprovadamente, não fez. k) Termos em que se impõe concluir que o douto acórdão posto em crise procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 86º, alínea d) do E.O.A. Termos em que se requer seja admitido o presente recurso de revista e julgado o mesmo procedente, revogando-se o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 17/05/2013”. 1.2. O recorrido contra-alegou (fls 385 e ss), e, quanto ao mérito da causa, concluiu, no essencial, assim: “V. A questão que a recorrente coloca no presente recurso é distinta da que anteriormente colocou em todo o processo, sendo que esta alega o que pretende ser uma nova razão da punição aplicada. VI. Antes o recorrido, Advogado e Revisor Oficial de Contas, desde respetivamente 1987 e 1989, teria sido punido por exercer em simultâneo ambas as profissões desde tais datas, sempre em distintos clientes e nunca em simultâneo perante um qualquer (por ausência de alegação e prova em contrário) (fl. 386). VII. Ora face ao alegado no presente recurso, parecerá que afinal a punição acontece por não se ter auto suspendido nos trinta dias que se seguiriam à data em que teve conhecimento ou consciência de que o exercício das duas profissões era incompatível. VIII. Ora nunca o recorrido entendeu que o afete qualquer incompatibilidade e que portanto lhe é lícito o exercício de ambas as profissões, quer no domínio do DL 84/84, anterior estatuto da Ordem dos Advogados, quer no âmbito e vigência da Lei 15/2005 atual estatuto. IX. Uma vez que sempre entendeu e entende ainda que também no seu caso se aplica o estatuído no atual artigo 81.º do EOA, de que os impedimentos e incompatibilidades não se aplicam a quem no regime anterior adquiriu o direito a exercer sem que se encontrasse ferido pela incompatibilidade e impedimento. Estabelecendo assim que as incompatibilidades e impedimentos não são absolutos. X. Sendo que tal entendimento é também o da própria Recorrente, como no recente caso tornado público pela própria, em que se apreciou a situação de exercício cumulativo das profissões de advogado e liquidatário e intervenção num mesmo processo em tais duas qualidades. Tendo em tal caso decidiu que «O artigo 81.º da EOA, na versão atual, determina que as incompatibilidades e impedimentos criados pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior». Acórdão que por entender mais do que relevante para a apreciação do presente recurso, o Recorrido junta e pede a sua junção aos autos. XI. Tendo a Recorrente justificado tal acórdão de um dos seus órgãos disciplinares, de igual ordem daquele cujo ato se recorreu judicialmente, dizendo que: «À data da nomeação (como liquidatário) vigorava o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de março o qual não previa qualquer incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o das funções de liquidatário judicial. Tal incompatibilidade foi introduzida pelo artigo 77.º, n.º 1, alínea o) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro».” (fl. 387) XII. Em tal acórdão a própria recorrente entra em total contradição com o que alegou nos presentes autos: considera como taxativas as incompatibilidades do artigo 68.º do EOA, pugna pela não introdução de novas incompatibilidades no âmbito da legislação anterior, e concluindo também pela existência de direitos adquiridos a quem antes dos atuais estatutos desenvolvia profissões que posteriormente foram declaradas incompatíveis. Tudo, repete-se, por um órgão de idêntica competência, com as únicas diferenças de que um é do Norte e o outro é do Sul, e distintos são os advogados. XIII. E efetivamente quer no atual Estatuto quer no anterior, as incompatibilidades não são absolutas, já que sempre se admitirá a não existência de incompatibilidade em relação a quem já anteriormente exercia além da profissão de advogado uma ou mais das que depois foram consideradas incompatíveis. A incompatibilidade absoluta não admitindo exceções. XIV. No âmbito do diploma anterior, DL 84/84 qualquer uma nova profissão cujo exercício fosse considerado incompatível com o exercício da advocacia e que não constasse do elenco constante do artigo 69º tinha de ser declarada expressamente, ‘em concreto’ e pelo órgão competente da ordem dos advogados, nos termos do artigo 79º do DL 84/84, ao Conselho Geral da OA. XV. Competindo igualmente só e apenas a tal órgão da Ordem dos Advogados, o Conselho Geral, a declaração de incompatibilidade em concreto em relação a qualquer advogado individualizado, e, diga-se após processo adequado a que fosse analisada da existência ou não de direitos adquiridos. XVI. Sendo que a consequência de que a declaração de qualquer de tais incompatibilidades quer em termos genéricos, aliás não contemplada sequer, quer em termos concretos a cada advogado em potencial situação de incompatibilidade, por qualquer outro órgão da Ordem dos Advogados ser nula e de nenhum efeito. XVII. Ora no presente recurso o que pretende a Recorrente é que bastaria a consciência do advogado de que o exercício de outra profissão incompatível com a de advogado para que se tivesse por verificada qualquer incompatibilidade e surgisse a obrigação de se autossuspender. XVIII. Facto é que o recorrido não tinha, não tem ainda a consciência de que esteja numa situação de incompatibilidade, pelo contrário acredita que é seu direito adquirido que pode exercer as duas profissões em simultâneo. Pelo que o requisito da punibilidade que a recorrente entenderia suficiente para a existência de infração disciplinar, nem o é, nem se verificou nem se verifica ainda. XIX. Porque mesmo depois da Lei 25/2005 é necessário, para que exista a incompatibilidade que se não verifique a existência de direito adquirido ao abrigo da legislação anterior. XX. Nunca antes de 2005 foi declarada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, única entidade competente, a incompatibilidade da profissão de advogado e revisor por parte do recorrido. Pelo que muito bem andou o acórdão recorrido, aliás em desperdício até face à posição diametralmente divergente da própria recorrente em casos em tudo semelhantes, quando corretamente deliberou pela revogação da sentença proferida em primeira instância e anulando o ato administrativo da AO de aplicação de multa ao recorrido. Deliberação que em boa justiça deve ser confirmada”. 2. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 09.01.14, veio a ser admitida a revista, nos seguintes termos: Resulta como assente da decisão recorrida e da análise dos autos o seguinte quadro factual (cfr. fls 318 e ss): (i) O A. da acção, ora Recorrido, encontra-se inscrito, como advogado, na OA, desde 22.07.87, e está inscrito, como ROC, na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, desde o primeiro trimestre de 1989. (ii) O A. exerce desde 1989, em simultâneo e de modo ininterrupto, as actividades de advocacia e de ROC. A sua inscrição na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas foi publicada no DR, III.ª Série, de 24.04.89. (iii) Em 28.04.98, o A. apresentou, junto do Conselho Distrital do Porto, um requerimento a solicitar a dispensa de sigilo profissional com vista a poder depor como testemunha no processo n.º …., que corria termos no Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira. (iv) Em 06.05.98, o Conselho Distrital do Porto decidiu deferir o pedido de dispensa do segredo profissional acima referido. (v) Em 30.05.03, o Conselho de Deontologia do Porto da OA deliberou instaurar um processo disciplinar contra o A., que correu termos sob o n.º …./2003, motivado por participação subscrita por um técnico oficial de contas, com fundamento no exercício simultâneo das actividades de advocacia, de ROC e de gestor e liquidatário judicial. (vi) Em 05.01.05, no âmbito do processo disciplinar em apreço, foi proferido um parecer pelo Conselho Distrital do Porto, nos termos do qual concluiu o mesmo que “o exercício da advocacia é incompatível com o exercício das actividades de Revisor Oficial de Contas”. (vii) O Relatório Final relativo ao processo disciplinar n.º …./2003, que aqui se dá por integralmente reproduzido, refere que “«As funções e actividades de ROC e de TOC são manifestamente incompatíveis com o exercício da advocacia, incompatibilidade essa que resulta não só da diferença, que é manifesta, da regulamentação dos regimes do segredo profissional…, mas decorre, sobretudo, da obrigação imposta a estes profissionais de denunciarem ao Ministério Público os factos de que tenham conhecimento no exercício das suas profissões e que constituam crimes públicos, mesmo que praticados pelos seus clientes (…). Atento o exposto, entendo que o arguido violou o art. 68.º do EOA e incumpriu com o dever deontológico previsto na al. e) do art. 79.º do mesmo diploma legal, a que corresponde, em abstracto, a pena disciplinar de suspensão…(…). Por outro lado, também como circunstância atenuante, considera-se que o Sr. Advogado arguido não tem nenhuma infracção disciplinar averbada no respectivo registo. Assim sendo, proponho a aplicação da sanção de censura…»”. (viii) Em 07.01.05, o Conselho Distrital do Porto deliberou suspender a inscrição do Recorrido na OA, com base no parecer mencionado em (vi), na sequência do que o A. da AAE recorreu para o Conselho Superior, o qual, por acórdão de 25.11.05, anulou aquela deliberação, aderindo ao parecer do mesmo Conselho Superior, de 23.11.05, nos termos do qual, “«A falta de audiência prévia gera nulidade e prejudica o conhecimento da questão essencial que é a apreciação da incompatibilidade»”. (ix) Em 01.04.05, o Conselho de Deontologia do Porto da OA proferiu acórdão que determinou a aplicação de pena de censura ao ora Recorrido. (x) A Direcção da B…………….., CRL - ………… apresentou participação, datada de 29.04.08, junto do Conselho Distrital do Porto, comunicando o exercício simultâneo das actividades de advocacia e de ROC pelo A, ora Recorrido. (xi) Em 09.05.08, na sequência de dita participação, o Conselho de Deontologia do Porto deliberou instaurar o processo disciplinar ao ora Recorrido, que correu termos sob o n.º ………... (xii) Do Relatório Final do processo disciplinar n.º ………., que aqui se dá como reproduzido, consta o seguinte: “«(…) O Sr. Advogado arguido violou o art.º 76.º, n.º 2, e o art.º 77º, n.º 1, n), e incumpriu com o dever deontológio previsto no art.º 86.º d) do EOA do mesmo diploma legal, a que corresponde, em abstracto, a pena disciplinar de suspensão, ao não requerer a suspensão da sua inscrição, após ter sido notificado em 13.04.2005, da aplicação da pena de censura, no processo disciplinar n.º …../2003 do Conselho de Deontologia do Porto, por incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de Revisor Oficial de Contas e de Técnico Oficial de Contas. …O acórdão do Conselho de Deontologia do Porto, proferido em 1.04.2005 constitui caso resolvido, uma vez que nenhum recurso dele foi interposto, tendo-se consolidado na esfera jurídica do Sr. Advogado arguido. A partir do momento em que Sr. Advogado arguido foi notificado de tal acórdão – o que se verificou em 1.04.2005 – tinha o dever e cuidado acrescidos de requerer a suspensão imediata da sua inscrição, uma vez que, já anteriormente sabia que se encontrava numa situação de incompatibilidade. Com efeito, a partir desta data, sabia não só que se encontrava numa situação de incompatibilidade com o exercício da advocacia – o que já era do seu conhecimento desde a data da sua inscrição –, mas também que, mercê dessa incompatibilidade, foi punido com a pena de censura. Não obstante ter sido sancionado com essa pena de censura, o Sr. Advogado arguido persistiu em não requerer a suspensão da sua inscrição. (…) Verifica-se, desde logo, a ocorrência de dolo intenso (art. 128.º- a)). Com efeito, o Sr. Advogado arguido bem sabia que se encontrava em situação de incompatibilidade. Do mesmo modo, bem sabia que por esse motivo lhe fora aplicada a pena disciplinar de censura. Continuou a estar inscrito na Ordem dos Advogados e a não requerer, voluntária e pensadamente, a suspensão da sua inscrição nesta associação pública, com o objectivo de perpetuar esta situação de incompatibilidade. Assim, este dolo intenso configura premeditação (art. 128º - b) EOA). Na verdade, o Sr. Advogado arguido viu ser-lhe aplicada a pena de censura e persistiu voluntariamente na sua conduta anterior. Assim sendo, proponho a aplicação da sanção de suspensão por um ano…»”. (xiii) Da acta de Audiência Pública de Julgamento consta o seguinte: “«(…) Pena a aplicar. Vem proposta pelo Sr. Relator a pena de suspensão. Exercendo a Ordem dos Advogados em uníssono as suas competências – cada órgão de per si – então é forçoso (como já devia ter acontecido) que a inscrição do arguido seja cancelada. Ora, aplicar-se uma suspensão a uma inscrição cancelada equivale a uma ‘não pena’, posto que os efeitos da suspensão estão afectados pelo seu cancelamento. A conduta em causa, pela sua gravidade, reiteração, intenção (…) não se compadece com a ineficácia de uma sanção disciplinar. Por isso, deve antes ser aplicada ao arguido a pena de multa. Isto não equivale a nenhum desvalor da censura em face do que se propôs no relatório. A multa, na sua graduação, importa que reflicta a gravidade do comportamento, com todas as agravantes invocadas no relatório. Assim, aplica-se ao arguido a pena de multa de € 10.000,00»”. (xiv) Em 09.01.09, o Conselho de Deontologia do Porto da OA proferiu acórdão condenando o ora Recorrido em pena disciplinar de multa, no valor de € 10.000,00, por violação dos deveres constantes nos artigos 76º, nº 2, 77º, nº 1, alínea n) e 86º, alínea d), todos do EOA. (xv) O ora Recorrido interpôs recurso hierárquico do acórdão punitivo para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, tendo este órgão, por acórdão de 05.03.10, negado provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. (xvi) Por acórdão do TAF do Porto, de 24.01.12, foi julgada improcedente a acção administrativa especial (AAE) intentada por A……………. contra a Ordem dos Advogados com vista à declaração de nulidade do acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 05.03.10; este último julgou improcedente o recurso hierárquico interposto do acórdão do Conselho de Deontologia do Porto da OA, datado de 09.01.09, que condenou o A. da AAE numa pena de multa de € 10.000,00. (xvii) Por acórdão do TCAN, de 17.05.13, foi concedido provimento ao recurso, revogado o acórdão recorrido e anulada a deliberação de 05.03.10 que julgou improcedente o recurso hierárquico interposto do acórdão do Conselho de Deontologia do Porto da OA, datado de 09.01.09, que condenou o A. da AAE numa pena de multa de € 10.000,00. 2.1. Nos presentes autos vem impugnada a decisão do TCAN que veio anular a decisão do TAF do Porto, a qual, por sua vez, havia rejeitado o pedido de anulação da deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados (CSOA) que julgou improcedente o recurso hierárquico interposto do acórdão do Conselho de Deontologia do Porto da OA, datado de 09.01.09, que condenou o A., ora Recorrido, numa pena de multa de € 10.000,00. É dito, no acórdão recorrido, sob a epígrafe “INEXISTÊNCIA DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR”, o seguinte (cfr. fls 344-5): “Alega o recorrente que ao não existir qualquer declaração válida de incompatibilidade a que se deva obediência, o exercício das duas profissões não constituiu infracção disciplinar. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e manter a decisão proferida na primeira instância. Voto de vencido Discordo da tese que prevaleceu, e confirmaria o acórdão recorrido. Na questão das incompatibilidades há que distinguir entre o exercício de cargos, funções e actividades expressamente enunciadas na lei como incompatíveis, e o exercício daquelas que não estão expressamente enunciadas. Quanto às primeiras, naturalmente que o advogado tem o dever de desde que as passa a exercer suspender o exercício da profissão de advogado e requerer no prazo máximo de 30 dias a suspensão da sua inscrição. Quanto às outras será diferente. Note-se que o Estatuto contempla, quanto ao acto de inscrição, o dever de «Declarar ao requerer a inscrição, para efeito de verificação de incompatibilidade, qualquer cargo ou actividade profissional que exerça». – Mas o Estatuto não contempla esse dever de declaração para o advogado já inscrito, pelo que não há o dever de actualização das actividades exercidas, que simultaneamente permitiria o controlo em tempo real. Deixa-se, então, ao advogado, já não o dever de actualização de todas as actividades mas, antes, o dever de suspender imediatamente o exercício da profissão e de requerimento de suspensão de inscrição, no caso de incompatibilidade superveniente. Ora a pergunta é: que fazer perante actividade que, não elencada, entende o advogado nenhuma incompatibilidade suscitar? Será exigível que se auto suspenda contra, afinal, o que pensa ser o direito. Repare-se que não está prevista qualquer acção para impor à Ordem que decida se a sua actividade é compatível. Mas diz-nos o Estatuto que as incompatibilidades são declaradas e aplicadas pelo conselho geral ou pelo conselho distrital que for o competente (art.° 76, 5, Estatuto de 2005). Na circunstância, não há qualquer dúvida que os diversos órgãos da Ordem tinham conhecimento da actividade de ROC do recorrido. E como resulta da matéria de facto, o conselho distrital, precisamente com base em que o ora recorrido exercia actividade incompatível deliberou suspender a sua inscrição. Todavia, essa deliberação foi por ele impugnada, sendo anulada pelo Conselho Superior. E não é de desprezar que essa anulação foi efectuada já depois que o conselho deontológico censurara o mesmo. Nos termos dessa anulação foi determinada a remessa ao Conselho Geral para «verificação e deliberação sobre a alegada incompatibilidade». Ora, os autos não revelam que qualquer deliberação tenha existido, afinal, sobre a alegada incompatibilidade. Estará, pois, pendente decisão dos órgãos competentes da Ordem e pelo procedimento adequado, de declaração da incompatibilidade da actividade exercida pelo ora recorrido com a profissão de advogado. Numa circunstância destas não é possível afirmar-se o incumprimento do dever pelo qual foi punido. Lembre-se que a punição assentou, entre o mais, em que tinha havido caso resolvido quanto à incompatibilidade, por força da não impugnação da decisão de censura. Mas não há caso resolvido com essa extensão. O caso resolvido existe em relação à punição em si – não será já susceptível de impugnação – mas fica-se por aí. O certo, sim, é que o recorrido impugnou a deliberação de suspensão da sua inscrição e essa impugnação foi procedente. O entendimento que se deixa expresso não tem que ver com a bondade da própria tese do recorrido de que tem o direito de exercer a actividade de ROC, por ela não estar elencada nas incompatibilidades do Estatuto de 84 e pela salvaguarda de direito legalmente adquirido. Essa é outra questão. O que aqui está em discussão é, apenas, a infracção disciplinar, por não auto suspensão. No quadro descrito, creio, tal como entendera o acórdão recorrido, que não houve infracção. Lisboa, 1 de Outubro de 2015. Alberto Augusto Andrade de Oliveira |