Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:087/13.6BEALM 0627/15
Data do Acordão:11/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:TAXA MUNICIPAL DE DIREITOS DE PASSAGEM
TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
COMUNICAÇÕES ELECTRONICAS
DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza;
II - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de televisão por cabo.
Nº Convencional:JSTA000P23806
Nº do Documento:SA220181107087/13
Data de Entrada:05/18/2015
Recorrente:CM DE ALMADA
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem o Município de Almada interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a impugnação deduzida por A…….., SA, contra o acto de liquidação das taxas de ocupação do espaço público, no subsolo referente ao ano de 2008, no montante de € 94.624,82.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. A taxa de ocupação do Domínio público não foi substituída pela TMDP, ambas as taxas são devidas e compatíveis, porque assentam em prestações distintas, sendo diferentes os fatores geradores de uma e de outra;
II. A TMDP não substituiu a taxa de ocupação do domínio público prevista no Regulamento Municipal de Taxas e Licenças do Município de Almada;
III. As TOVP, respeitantes a ocupação do espaço público com as obras necessárias para a implantação das redes (abertura de valas, caixas de visita e colocação de cabos) não se encontram englobadas na taxa de direitos de passagem prevista no artigo 106° da Lei das Comunicações eletrónicas;
IV. Os sujeitos passivos nas duas taxas são bem distintos, sendo que na TMDP, o sujeito passivo é o cliente final, na TOVP o sujeito passivo é a empresa prestadora de serviços.
V. A cobrança da TOVP não coincide com a cobrança da TMDP, porquanto esta última ocorre apenas quando se mostra concluída a intervenção na via pública e o serviço em condições de ser prestado;
VI. Os Municípios têm património e finanças próprios, sendo que o regime da autonomia financeira das autarquias locais assenta, designadamente nos poderes de elaborar, aprovar e alterar planos de atividades e orçamentos, de dispor de receitas próprias, que por lei se lhe encontrem destinadas e constituem receitas dos municípios entre outras o produto da cobrança de taxas;
VII. A pretensa impossibilidade de cobrança da taxa de Ocupação do Domínio Publico pelos Municípios, por via da aplicação da Lei 5/2004, de 10 de fevereiro, viola a Lei das Autarquias Locais, assim como a Lei das Finanças Locais;
VIII. A ocupação do solo municipal para a implantação de infraestruturas, durante um determinado período de tempo, implica o pagamento de Taxas por essa ocupação, até porque essa intervenção impossibilita a utilização desse espaço para outros fins e satisfaz a necessidade individual das operadoras de obter lucro (neste sentido o AC. do TCA Sul de 29/06/2010);
IX. A tese defendida na douta sentença recorrida, faz com que as operadoras fiquem isentas de todo e qualquer encargo adveniente da ocupação do espaço público, uma vez que a TMDP é suportada pelo cliente final;
X. De todo modo a admitir-se que a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, veio afastar qualquer outra taxa, que não a TMDP em contrapartida da concessão dos direitos previstos no artigo 24º da LCE. Este regime só seria aplicável após a entrada em vigor do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio, alterado pelo DL n.º 258/2009, de 25 de Setembro, e nunca antes.
XI. Pelo que sempre as taxas cobradas no caso vertente teriam que ser consideradas legais.
XII. A douta sentença recorrida, faz assim uma errada interpretação e aplicação das disposições contidas na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, violando em consequência a Lei das autarquias locais, assim como a Lei das Finanças Locais.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado com a consequente revogação da douta sentença.»

2 – A entidade recorrida, A’…….., SA veio apresentar as suas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1. O presente recurso foi interposto pelo MUNICÍPIO DE ALMADA da sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação n.º 87/13.6BEALM do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em que a RECORRIDA impugnou a (i)Iegalidade dos actos de liquidação de Taxa de Ocupação do Espaço Público emitidos pelo MUNICÍPIO DE ALMADA, com referência ao ano de 2008, no valor total de € 94.624,82 e, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra aqueles actos de liquidação.
II. A título preliminar importa referir que nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, nos termos do qual “Das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias (...) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.”
III. Ou seja, caso esteja em discussão, unicamente, matéria de direito - como se verifica no presente recurso, uma vez que a RECORRENTE alicerça a sua argumentação, unicamente, na questão de saber qual a correcta interpretação da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro e Decreto-lei n.º 123/2009, de 21 de Maio e, consequentemente, da (i)legalidade da cobrança da Taxa de Ocupação do Espaço Público nesse quadro legal, estando, os factos, assentes desde o procedimento administrativo — o tribunal competente para apreciar o Recurso será o Supremo Tribunal Administrativo e não o Tribunal Central Administrativo Sul.
IV. Em face do exposto, o Tribunal Central Administrativo Sul deverá reconhecer-se como incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer o presente recurso. Em qualquer caso,
V. A douta sentença recorrida considerou (bem) totalmente procedente a impugnação deduzida pela ora RECORRIDA, com fundamento no facto de existir entre a Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) e a Taxa de Ocupação do Espaço Público uma sobreposição de normas de incidência que visam a tributação da mesma realidade e com idêntica finalidade.
VI. Sustenta, a RECORRENTE não existir qualquer dupla tributação, dado entender que a TMDP e a Taxa Municipal de Ocupação do Espaço Público têm naturezas diferentes, e incidem, por sua vez, em situações diversas (cf. página 8 das alegações de recurso da Recorrente).
VII. Neste contexto, perfilha ainda a RECORRENTE, nas suas alegações de recurso, o entendimento segundo qual a TMDP é uma taxa que tem por fundamento legal a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações, enquanto a Taxa de Ocupação do Espaço Público tem por fundamento o Regulamento e Tabela das Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais, que por sua vez se legitima na Lei das Finanças Locais.
VIII. Sucede, porém, que o âmbito de aplicação subjectivo da Lei das Finanças Locais é mais amplo do que da Lei das Comunicações Electrónicas, pois, enquanto esta apenas se aplica às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações, a Lei das Finanças Locais é aplicável a um conjunto mais amplo de empresas. No entanto, verifica-se que existe nas duas leis uma sobreposição, ainda que parcial, quanto ao seu âmbito de aplicação subjectivo, ou seja, ambas as leis são aplicáveis às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
IX. Resulta do disposto no artigo 106.°, nº 1 da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a proibição da cobrança de Taxas de Ocupação do Espaço Público que visem tributar a utilização desta por empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, através da implantação, passagem ou atravessamento necessários à instalação dos seus sistemas, equipamentos e demais recursos. Nessa medida, como Lei especial, a Lei das Comunicações Electrónicas, determina, nestes casos, o afastamento da Lei Geral, a Lei das Finanças Locais.
X. A regulamentação das redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de distribuição de televisão por cabo, e, bem assim, a regulamentação dos denominados “direitos de passagem”, encontra-se enquadrada em diversas directivas comunitárias, nomeadamente na directiva autorização — a Directiva 2002/20/CE e, na directiva-quadro — a Directiva 2002/21/CE, que visam, para além do mais, garantir às empresas e cidadãos europeus o acesso a uma infra-estrutura de comunicações de grande qualidade, com uma vasta gama de serviços, a baixo custo, mediante a harmonização e simplificação da legislação que regula o acesso ao mercado de serviços e redes de comunicações electrónicas (cf. Considerando 3 e 4 da Directiva 2002/21/CE e Considerando 1 e artigo 1.º da Directiva 2002/20/CE).
XI. De acordo com o disposto no artigo 11.º da directiva-quadro, os “direitos de passagem” correspondem aos direitos atribuídos às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada, sendo conferido aos Estados- Membros a possibilidade de imporem taxas sobre estes direitos de passagem” às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações que procedam à instalação de tais recursos (e não aos clientes destas ou a quaisquer outras entidades).
XII. Ora, estas taxas, previstas especificamente no artigo 13.º da directiva autorização são as únicas que podem ser cobradas em contrapartida dos referidos direitos de instalação, conforme, aliás, se depreende do objectivo expresso no Considerando (3) da directiva autorização, de criação “de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente directiva e a restrições de acordo com o n. ° 1 do artigo 46º do Tratado (…)”.
XIII. Em face deste enquadramento jurídico comunitário, resulta manifesto que para além das taxas a que alude o artigo 13.º da directiva autorização, mais nenhum encargo ou condição pode ser imposto às entidades autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pela atribuição de direitos de passagem.
XIV. Em concretização destes preceitos comunitários, foi aprovada a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro — Lei das Comunicações Electrónicas, diploma em cujo artigo 24.º sob a epígrafe “Direitos de passagem” se reconhece às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, o direito de utilização do domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários a instalação dos respectivos sistemas e equipamentos.
XV. Estabelecendo-se neste mesmo Diploma, a TMDP em contrapartida dos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal” (cf. n.º 2 do artigo 106.° da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro).
XVI. Com a entrada em vigor da TMDP, foram, assim, tacitamente revogadas as disposições dos regulamentos camarários que, em conformidade com o estabelecido na Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais prevêem a cobrança de outras taxas que tributem a mesma realidade tributada pela TMDP.
XVII. Assim, se se entendesse, o que se não admite, que as Taxas de Ocupação são uma forma de TMDP a cobrança das Taxas de Ocupação sempre teria que ser justificada, como não foi, nos termos do artigo 13.º da directiva autorização (Directiva n.º 2002/20/CE, de 7 de Março), ou seja, do ponto de vista objectivo, da transparência, da não discriminação, da proporcionalidade e, para além do mais, ter em conta os objectivos do artigo 8.º da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro), e encontrar-se limitada ao montante de 0,25%, sobre o valor de cada factura, o que manifestamente não se verifica em face do teor das normas regulamentares aplicáveis, pelo que os actos de liquidação impugnados são também por este motivo ilegais, devendo ser anulados em conformidade.
XVIII. Assim, tendo o legislador português optado por criar a TMDP para comutar os benefícios decorrentes dos direitos de passagem”, é porque, forçosamente, abdicou, no que se refere especificamente à ocupação do espaço do domínio municipal por empresas autorizadas a oferecer redes de comunicações electrónicas acessíveis ao público, da tributação desses benefícios através de outras taxas municipais, nomeadamente das Taxas de Ocupação do Espaço Público, sendo a cobrança destas taxas e, consequentemente, os actos de liquidação objecto do presente recurso, nessa medida, ilegais.
XIX. A RECORRIDA não Contesta a autonomia financeira dos Municípios para gerir o seu património e a legalidade de qualquer disposição regulamentar que preveja a liquidação e cobrança pelo MUNICÍPIO DE ALMADA de taxas pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal, mas já não pode deixar de contestar a liquidação destas taxas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, uma vez que estas empresas, à semelhança da RECORRIDA, em virtude do específico enquadramento legislativo que regula a sua actividade se encontram já sujeitas a uma taxa municipal com o mesmo objecto: a TMDP.
XX. Por fim, tendo a RECORRIDA prestado em 29 de Abril de 2013, para atribuição o de efeito suspensivo à presente Impugnação judicial, a garantia bancária n.º 00384071, emitida pelo Banco Espírito Santo, S.A., no valor de € 118.283,79, deverá ser-lhe reconhecido, nos termos do disposto no artigo 171°, n.ºs 1 e 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 53°, da Lei Geral Tributária, o direito a indemnização por garantia indevidamente prestada.
XXI. Em suma, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela RECORRENTE, mantendo-se em consequência a douta sentença recorrida, que não merece qualquer censura assim se anulando os actos impugnados.
XXII. Na douta sentença recorrida não foram conhecidos todos os fundamentos avançados pela ora RECORRIDA na sua petição de impugnação para sustentar a anulação dos actos de liquidação impugnados, pelo que, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ora RECORRIDA requer a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no artigo. 636°, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 2.°, alínea e) do Código do Procedimento e Processo Tributário e artigo 2°, alínea d), da Lei Geral Tributária, com os seguintes fundamentos não apreciados em primeira instância e que quer, agora, a título subsidiário, ver apreciados, sendo certo que a apreciação por parte deste Venerando Tribunal destes restantes vícios dos actos de liquidação impugnados sempre se afigura resultar do artigo 665.°, n.º 2 do Código de Processo Civil.
XXIII. Sem prejuízo do exposto, os actos de liquidação contestados são, ainda, ilegais, devendo ser anulados também porque no procedimento de liquidação não foram respeitados os mais elementares direitos e garantias da RECORRIDA.
XXIV. Acresce que a ora Recorrida não foi notificada para exercer o seu direito de participação em momento anterior ao da emissão dos actos de liquidação impugnados, pelo que também por este motivo, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária e 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi artigo 2° alínea c), da Lei Geral Tributária e artigo 2°, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deverão os actos de liquidação de Taxa de Ocupação do Espaço Público ora controvertidos ser anulados em conformidade.
XXV. Por outro lado, os actos de liquidação impugnados não se mostram assinados, nem identificam o seu autor, o que determina a sua inexistência jurídica, com as necessárias consequências legais (cf. artigo 123.° do Código do Procedimento Administrativo).
XXVI. Acresce que se se demonstrar tratar-se apenas de um vício dos actos de notificação (cfr. art.° 39.°, n.º 9, do Código de Procedimento e Processo Tributário), correspondendo à não observância de uma formalidade legal essencial — a notificação do acto de liquidação — o mesmo não é susceptível de sanação (art.° 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 36°, do Código de Procedimento e Processo Tributário), pelo que não sendo promovida a notificação das liquidações objecto da presente Impugnação judicial no prazo de caducidade, conforme resulta do art.° 45º, da Lei Geral Tributária, deverão as liquidações em causa ser consequentemente anuladas, também, com este fundamento,
XXVII. Em face do exposto, resulta manifesto que quer por violação do direito comunitário e do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro — Lei das Comunicações Electrónicas, dos princípios, designadamente, da proporcionalidade, transparência e da igualdade, quer por violação dos direitos e garantias da RECORRIDA no procedimento de liquidação que lhes veio dar origem, os actos de liquidação contestados, são manifestamente ilegais, devendo ser anulados em conformidade e, consequentemente mantida a sentença recorrida que decretou já a sua anulação e a atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia bancária.»

3 -Tendo subido os autos ao TCA Sul, este por acórdão de fls. 710 e seguintes dos autos, veio considerar-se hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso interposto com o fundamento em que o mesmo versa exclusivamente matéria de direito, declarando competente para o efeito, a Secção do Contencioso Tributários do Supremo Tribunal Administrativo

4 – Remetidos os autos a este Tribunal, veio o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitir parecer com o seguinte conteúdo:
«Está em causa a legalidade da taxa notificada quanto ao ano de 2008 pelo Município de Almada, conforme despacho da sua Presidente de 25/5/2012, pelo qual foi determinado a emissão de licenças de ocupação de espaço público do subsolo, bem como o pagamento da dita taxa.
Segundo a jurisprudência consolidada do S.T.A., respeitante à ilicitude da taxa de ocupação de espaço público, que se mostra já produzida em casos semelhantes, “a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza”- cfr., entre outros, os acórdãos do S.T.A. de 1- 6-2011, no proc. 450/11, o de 29-6-2011 no proc. 450/11 e o de 22-4-15, no proc. 0192/15, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Tal entendimento radica no respeito devido não só às normas comunitárias contidas nas referidas Directivas Quadro e de Autorização, respectivamente n.ºs 2002/20/CE e 2001/20/CE, de transparência e de não discriminação sem demora, como à que veio a ser fixada no art. 106.2 da referida Lei, segundo a qual o seu montante é “percentual sobre cada factura”.
Tratando-se de taxa que foi liquidada com base na emissão de licenças de ocupação de espaço público do subsolo, em data posterior a 10/5/2004, data em que a referida Lei n.º 5/2004 entrou em vigor, e sendo que é ao previsto na mesma há que dar prevalência como lei especial que é, relativamente à Lei das Finanças Locais, não subsistem quaisquer dúvidas quanto à falta de licitude nos termos em que a referida taxa foi liquidada.
Concluindo, parece que o recurso é de improceder.»

5 – Tomados os vistos legais, cabe decidir.

6 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada considerou como provado os seguintes factos com interesse para a decisão:
A) A ora impugnante é titular de licenças para a ocupação do espaço público de subsolo em diversos pontos da cidade da Almada, emitidas pela respectiva Câmara Municipal (cfr. fls. 53/94 do apenso).
B) Através do Oficio nº 16343 de 28 de Agosto de 2012, foi a impugnante notificada pela Divisão das Actividades Económicas e serviços urbanos do município de Almada que “foi determinado pela Srª presidente da Câmara Municipal de Almada por despacho de 25/05/2012, a emissão das licenças de ocupação do espaço público do subsolo, relativas aos processos enunciados no assunto (…)” bem como para proceder ao pagamento das respectivas taxas do ano de 2008 que resultam dos avisos 2158 a 2244 de 24/08/2012 no valor total de € 94.624,82 (cfr. fls. 1 e 53/94 do apenso).
C) Em 27/09/2012 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação da taxa de ocupação de espaço público – subsolo do ano de 2008 e no montante de € 94.624,82 (cfr. fls. 1/52 do apenso).
D) A presente impugnação judicial foi enviada a este tribunal por registo postal em 16/01/2013 (cfr. fls. 1 dos presentes autos).
E) Em 16/04/2013 foi emitida pelo Banco Espírito Santo em nome da ora impugnante a garantia bancária nº 00384071 no montante máximo de € 118.283,79 para efeito suspensivo da presente impugnação (cfr. fls. 342/343).

7 – Do objecto do recurso
A questão a decidir reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que decidiu a ilegalidade da liquidação da Taxa de Ocupação do Espaço Público - Subsolo feita à impugnante A……….., tendo como facto gerador a instalação de sistemas, equipamentos, tubos e condutas e tubos e condutas para distribuição de TV por cabo, no período temporal referente ao ano de 2008.
A decisão recorrida considerou que, a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
E daí concluiu que é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de televisão por cabo.
Para assim decidir, o tribunal a quo baseou-se na jurisprudência expendida por este Supremo Tribunal Administrativo em vários processos, referindo-se aos recursos nº 363/10 de 06.10.2010, 513/10, de 30.11.2010, e 179/11 de 01.06.2011, entre outros.

Não conformada com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada alega a recorrente, em síntese, que a taxa de ocupação do Domínio público não foi substituída pela TMDP, pois que ambas as taxas são devidas e compatíveis já que assentam em prestações distintas, sendo diferentes os factos geradores de uma e de outra.
Mais argumenta que, a admitir-se que a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, veio afastar qualquer outra taxa, que não a TMDP em contrapartida da concessão dos direitos previstos no artigo 24º da LCE, este regime só seria aplicável após a entrada em vigor do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio, alterado pelo DL n.º 258/2009, de 25 de Setembro, e nunca antes.

7.1 O recurso foi interposto no TCA Sul que se julgou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e declarou competente para o efeito a Secção do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
E, na verdade, porque as partes divergem apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis, não havendo, além disso, controvérsia a este propósito, também aqui se entende, na perspectiva considerada pelo TCAS, que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT).

7.2 Do alegado erro de julgamento

Desde já se dirá que não merece censura a decisão recorrida ao concluir que a liquidação sindicada padece de ilegalidade por sobreposição de normas de incidência.
Com efeito esta questão foi já objecto de jurisprudência consolidada desta secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza – cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06.10.2010, recurso 363/10, de 30.11.2010, recurso 513/10 e de 12.01.2011, recurso 751/10, de 29.06.2011, recurso 450/11, de 01.06.2011, recurso 179/11, de 02.05.2012, recurso 693/11, de 06.06.2012, recurso 864/11, de 14.06.2012, recurso 281/12, de 27.06.2012, recurso 428/12, de 17.04.2013, recurso 1154/12, de 22.04.2015, recurso 192/15 e de 21.10.2015, recurso 691/15, todos in www.dgsi.pt.

No mesmo sentido decidiu este Supremo Tribunal em acórdão de 21.10.2015, tirado no recurso 691/15, interposto pela mesma recorrente, sendo idêntica a situação processual subjacente, decorrente desde logo da circunstância de se tratar de processos pendentes no mesmo tribunal – TAF de Almada – e de serem idênticas as alegações de recurso bem como os termos e fundamentação jurídica das decisões sindicadas.
É essa jurisprudência que aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, e também porque, perante a recomendação levada pelo legislador ao artigo 8º n.º 3 do Código Civil, importa se consagre tratamento análogo na decisão a proferir.
Será pois pertinente referir que a este respeito deixámos escrito no supracitado Acórdão 1154/12 de 17.04.2013 e que passamos a citar:
«(….) dispõe o art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro) o seguinte:
«1 - As taxas pelos direitos de passagem devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima dos recursos e ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo, ainda, ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5.º.
2 - Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP), a qual obedece aos seguintes princípios:
a) A TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município;
b) O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os 0,25%;
3 - Nos municípios em que seja cobrada a TMDP, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo incluem nas facturas dos clientes finais de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo, e de forma expressa, o valor da taxa a pagar.
4 - O Estado e as Regiões Autónomas não cobram às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público taxas ou quaisquer outros encargos pela implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos físicos necessários à sua actividade, à superfície ou no subsolo, dos domínios público e privado do Estado e das Regiões Autónomas.

Como se constata do nº 2 do normativo atrás referido, e também do estatuído no artº 24º da Lei 5/2004, a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.

Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com a instalação de a instalação de postos de transferência/cabines eléctricas e tubos e condutas para distribuição de TV por cabo, equipamentos esses que se incluem no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido nº 2 do artº 106º da Lei 5/2004.
Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa poderá integrar uma situação de dupla tributação.
É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário.
Trata-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência de mais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag.396).
Como sublinha o Professor JOSÉ CASALTA NOVAIS, DIREITO FISCAL, 2ª edição, pág. 230/231 a dupla tributação “configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias”.
Porém, no caso subjudice estão em causa taxas.
Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício - cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt.
Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo.
Isto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo artº 12º do refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento».
Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13º, nº 4 e 34º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que « no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto». (fim de citação)
Acresce dizer que regime actualmente vigente se deverá ter como tendo entrado em vigor e, portanto, plenamente eficaz a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas e em consequência aplicável ao caso dos autos em que estão em causa taxas referentes ao ano de 2008, porquanto, o DL nº 123/2009, de 21/5 apenas, clarificou o regime plasmado na Lei nº 5/2004, de 10/2, e mais propriamente o seu artigo 106º nº 2 que passou a proibir a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem ali prevista, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (cfr. o Preâmbulo do diploma e os arts. 2º al. a) e 12º nº 1, e, neste sentido, os acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 22/04/2015 e de 21.10.2015, tirados nos recursos nº 0192/15 e 691/15.

Em face de tudo o exposto, e para concluir, se dirá que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
Consequentemente é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de redes de televisão por cabo, pois sendo as taxas em causa a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício.

A sentença recorrida, que se moveu nestes parâmetros, não merece censura.

8. Ampliação do objecto do recurso: na sua resposta de fls. 636 e segs. a recorrida pede ampliação do objecto do recurso.
A possibilidade de ampliação do objecto do recurso, prevista no art.º 684-A, n.º 1, do CPC, não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daqueles que se julguem prejudicados com uma decisão de um tribunal, mas sim permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes) - (cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª secção de 12.04.2007, recurso 1207/06, e de 23.9.99, recurso 41187, e acórdão STJ de 17.6.99 no recurso 98B1051, entre muitos outros).
No caso, julgando-se improcedente o recurso fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no pedido de a ampliação do objecto do recurso.

9. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Novembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.