Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02594/15.7BEPRT
Data do Acordão:01/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
ILEGALIDADE ABSTRACTA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
IMPOSTO DE SELO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Cabem no citado conceito de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal, tal como normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares.
II - É o artº.103, da C.R.P., que consagra o princípio da legalidade tributária (principalmente os seus nºs.2 e 3), como um dos elementos estruturantes do Estado de direito constitucional. Especificamente o artº.103, nº.2, da C.R.P., garante um dos elementos essenciais do Estado de direito constitucional, o qual se traduz na regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, não podendo estes deixar de constar de diploma legislativo. A reserva de lei deve abranger não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (cfr.criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
III - O facto tributário previsto da verba 28.1, da T.G.I.S., na versão resultante da Lei 83-C/2013, de 31/12, no caso de terrenos para construção, reconduz-se, invariavelmente, a um terreno cuja edificação prevista se dirige a habitação e que assume um VPT superior a € 1.000.000,00. E é a titularidade de tal terreno - e já não a específica habitação que se deseja edificar no mesmo - que permite referenciar o respectivo proprietário como dotado de particular abastança (especial manifestação de riqueza).
IV - Não padece a norma constante da verba 28.1, da T.G.I.S., na versão resultante da Lei 83-C/2013, de 31/12, na parcela em que se refere a "…terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação…", do vício de inconstitucionalidade devido a violação do princípio da legalidade tributária, previsto no artº.103, nº.2, da C.R.P.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25419
Nº do Documento:SA22020011602594/15
Data de Entrada:05/24/2019
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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" A………., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto e que julgou totalmente improcedente a presente oposição, intentada pelo ora recorrente e visando a execução fiscal nº.3190-2015/127763.4 e apensos, a qual corre seus termos no 5º. Serviço de Finanças do Porto, sendo instaurada para a cobrança de dívidas de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2014 e no montante global de € 61.859,86.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.115 a 136 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao declarar a oposição totalmente improcedente, por entender que “(…) a causa de pedir baseia-se na apreciação de uma verdadeira ilegalidade em concreto: a apreciação e classificação da realidade fáctica em causa para efeitos de julgamento sobre a observância do âmbito de incidência real do imposto em causa”;
2-A Recorrente fundamentou a sua oposição à execução fiscal, apresentando, como argumentos, entre outros, (i) a existência de ilegalidade e (ii) inconstitucionalidade da lei com base na qual foram emitidas as liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1), no ano de 2014, cuja falta de pagamento originou as execuções fiscais em causa nos presentes autos, (iii) bem como a impossibilidade de emissão das liquidações com base na letra da lei;
3-O fundamento previsto no artigo 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT, abarca (i) tanto os casos de ilegalidade da lei que dá origem a um imposto, (ii) como os casos de inconstitucionalidade de tal dispositivo legal;
4-Para além da inconstitucionalidade, verifica-se que a ilegalidade em abstracto pode ocorrer em duas situações distintas: (i) quando o imposto não se encontra previsto na lei em vigor à data do facto tributário ou (ii) quando a sua cobrança não estava autorizada, designadamente por a lei que criava o tributo ser inconstitucional;
5-A ilegalidade abstracta não compreende apenas os casos em que a ilegalidade reside apenas na lei cuja aplicação é feita, ocorrendo, também para os casos em que o imposto pedido não se encontrava previsto em nenhuma lei;
6-O Tribunal Constitucional, em sede de acórdão n.º 250/2017, proferido no âmbito do processo n.º 156/2016, declarou inconstitucional a verba 28.1, da TGIS, por violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;
7-O Tribunal Constitucional, em plenário de 4 de Julho de 2018, por Acórdão n.º 378/2018, proferido no âmbito do processo n.º 156/2016, revogou o Acórdão n.º 250/2017, tendo julgado não inconstitucional a verba 28.1, da Tabela Geral de Imposto do Selo, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00 euros;
8-Sucede que o Tribunal Constitucional, em sede do Acórdão n.º 378/2018, que revogou o Acórdão n.º 250/2017, não se debruça sobre o argumento da inconstitucionalidade por tributação de expectativas jurídicas, fundamento que foi incluído nos pontos 56 e seguintes da oposição à execução;
9-O Tribunal a quo tinha que se ter pronunciado sobre tal argumento, analisando o mesmo, não bastando a referência que o Tribunal Constitucional veio já se pronunciar sobre a constitucionalidade da verba 28.1 do Imposto do Selo, em razão de a discussão, em tais processos, ter tido como objecto o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva – argumentos distintos ao que foi trazido ao processo, pela aqui Recorrente;
10-Para efeitos de aplicação da verba n.º 28.1, do Imposto do Selo, os terrenos para construção não podem consubstanciar um facto tributário, mas sim uma expectativa jurídica;
11-Tratando-se meramente de uma expectativa jurídica, e não de um facto tributário, andou mal o legislador quando incluiu no n.º 1, da verba 28, da TGIS, a expressão “terrenos para construção”;
12-O n.º 1, da verba 28, da TGIS viola o disposto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que é inconstitucional, visto que a incidência do imposto não pode ser determinada pela existência de uma mera expectativa jurídica, pois apenas pode ser determinada pela ocorrência de factos tributários devidamente concretizados;
13-Pelo que existe falta de objecto tributário para as liquidações, pelo que, a Autoridade Tributária não podia ter emitido as notas de liquidação que suportam os processos de execução fiscal em causa nos presentes autos, visto que não existe nenhuma lei que suportasse tal imputação do imposto, tendo o Tribunal a quo andando mal ao ter improcedido a oposição à execução fiscal;
14-As alegações de (i) existência de ilegalidade e (ii) inconstitucionalidade da lei com base na qual foram emitidas as liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1), no ano de 2014, cuja falta de pagamento originou as execuções fiscais em causa nos presentes autos, (iii) bem como de impossibilidade de emissão das liquidações com base na letra da lei, ínsita na oposição à execução fiscal, consubstanciam fundamento de oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT;
15-Salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal a quo deveria de ter analisado os fundamentos apresentados pela Recorrente, na sua oposição à execução fiscal, em virtude de os mesmos poderem ser abarcados na al. a), do n.º 1, do artigo 204.º, do CPPT.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, através de decisão sumária, este julgou-se incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, por o mesmo ter por fundamento matéria exclusivamente de direito, mais declarando competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo, através da Secção do Contencioso Tributário, atento o disposto nos artºs.26, nº.1, al.b), e 38, al.a), do E.T.A.F., e no artº.280, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.decisão exarada a fls.161 a 165 do processo físico).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.173 e 174 do processo físico), no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.176 e 177 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.140 a 142 do processo físico):
1-A Oponente é proprietária de 4 bens imóveis cujos valores patrimoniais individuais são superiores a € 1.000.000,00 (um milhão de euros);
2-Os bens imóveis identificados em 1 consubstanciam-se em “terrenos para construção”;
3-A Administração Tributária procedeu à emissão de 8 notas de cobrança, referentes a 4 liquidações, com os números 2014 49000363510, 2014 49000363511, 2014 49000363512 e 2014 49000351991 quanto aos referidos prédios em sede de Imposto de Selo, referentes ao ano de 2014, as quais deram origem às certidões de dívida com os números 2015.3767140, 2015.3772717, 2015.3772718, 2015.3772719, 2015.3772720, 2015.3772721 e 2015.3772722, que deram lugar à instauração dos processos de execução fiscal 3190201501277634 e apensos (3190201501277642, 3190201501277774, 3190201501277782, 3190201501277790, 3190201501277804, 3190201501277812 e 3190201501277820) contra a Oponente, por dívida proveniente do Imposto de Selo - verba 28, relativo ao ano de 2014, com o valor global de € 61 859. 86;
4-A Oponente foi citada em 22.09.2015 – cf. teor da informação elaborada pelo Serviço de Finanças e constante de fls. 30 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
5-A presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças de Porto 5 em 20.10.2015 - cf. teor da informação constante de fls. 30 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Factos não provados. Inexistem, com relevância para a decisão a proferir …”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes. Concretamente, a matéria de facto dada como provada em 1 e 2, supra, resulta provada atento o declarado pela Oponente nos artigos 1º e 7º do seu articulado inicial, não tendo sido tal factualidade posta em crise pela Fazenda Pública. Já a factualidade vertida nos pontos 3 resulta provada pelo conteúdo dos documentos juntos a fls. 23 e seguintes dos autos, cópias das certidões de dívida, bem como os Processos de Execução Fiscal identificados na Petição Inicial e as liquidações referidas na contestação…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu:
1-Que não se enquadra no fundamento de oposição a execução fiscal constante do artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., a causa de pedir identificada no articulado inicial pela sociedade opoente e que se reconduz à discussão da ilegalidade concreta das liquidações de Imposto de Selo que consubstanciam a dívida exequenda em cobrança no processo de execução fiscal nº.3190-2015/127763.4 e apensos (cfr.nº.3 do probatório supra);
2-Julgar a presente oposição improcedente no que se refere ao fundamento de ilegalidade das mesmas liquidações de Imposto de Selo, em virtude de terem sido estruturadas ao abrigo de norma inconstitucional, a verba 28.1, da T.G.I.S., aprovada pela Lei 55-A/2012, de 29/10, após a alteração introduzida pela Lei 83-C/2013, de 31/12.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que tratando-se meramente de uma expectativa jurídica, e não de um facto tributário, andou mal o legislador quando incluiu no nº.1, da verba 28, da T.G.I.S., a expressão “terrenos para construção”. Que a referida norma viola o disposto no artº.103, nº.2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que é inconstitucional, visto que a incidência do imposto não pode ser determinada pela existência de uma mera expectativa jurídica, pois apenas pode ser determinada pela ocorrência de factos tributários devidamente concretizados. Que tal matéria consubstancia um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T. Que a decisão recorrida devia ter apreciado tal fundamento da oposição (cfr.conclusões 1 a 15 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Do exame da sentença recorrida e contrariamente ao defendido pelo apelante, deve concluir-se que o Tribunal “a quo” examinou a alegada inconstitucionalidade da norma constante da verba 28.1, da T.G.I.S., aprovada pela Lei 55-A/2012, de 29/10, após a alteração introduzida pela Lei 83-C/2013, de 31/12, chamando à colação o parecer exarado pelo Sr. Procurador da República, em 1ª. Instância e a fls.103 a 105 do processo físico (no qual se faz expressa menção à jurisprudência do Tribunal Constitucional que conclui pela constitucionalidade de tal norma), assim arrematando pela improcedência de tal fundamento da oposição, tudo conforme aludido supra.
Apesar disso, defende o recorrente que o Tribunal “a quo” não examinou a alegada inconstitucionalidade da norma constante da verba 28.1, da T.G.I.S., na vertente em que a expressão “terrenos para construção”, utilizada pelo legislador no mesmo preceito, se reporta a uma mera expectativa jurídica, que não a um verdadeiro facto tributário, assim sendo inconstitucional por violação do artº.103, nº.2, da Constituição da República Portuguesa, visto que a incidência do imposto não pode ser determinada pela existência de meras expectativas jurídicas.
O artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., tem a seguinte redacção:
ARTIGO 204.º
(Fundamentos da oposição à execução)

1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
b) (…)

No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, a qual se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.590 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.443 e seg.; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.787; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.67 e seg.).
Concluindo, deve considerar-se que cabem no citado conceito de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal, tal como normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares (cfr.ac.S.T.A.-Plenário, 7/04/2005, rec.1108/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/07/2007, rec.129/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/02/2012, rec.956/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.446).
Por último, sempre se dirá que a "inexistência de imposto" a que faz menção a norma sob exegese se refere à inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos, a qual, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a aplicação ao caso concreto (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/07/2007, rec.129/07).
Já a segunda parte da alínea a), do nº.1, deste artº.204, se refere à falta de autorização de cobrança na data em que ocorreu a liquidação, visando concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (cfr.artº. 105, da C.R.P.). Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição constitui um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, consagrados na primeira parte da mesma norma (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/09/2012, rec.1159/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.451).
Revertendo ao caso "sub judice", a alegada inconstitucionalidade do preceito constante da verba 28.1, da T.G.I.S., na vertente em que a expressão “terrenos para construção”, utilizada pelo legislador, se reporta a uma mera expectativa jurídica, que não a um verdadeiro facto tributário, assim violando o artº.103, nº.2, da C.R.P., enquadra-se no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, enquanto fundamento de oposição a execução fiscal (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/03/2019, rec. 2595/15.5BEPRT).
O apelante chama à colação o princípio da legalidade tributária. É o artº.103, da C.R.P., que consagra o princípio da legalidade tributária (principalmente os seus nºs.2 e 3), como um dos elementos estruturantes do Estado de direito constitucional. Especificamente o artº.103, nº.2, da C.R.P., garante um dos elementos essenciais do Estado de direito constitucional, o qual se traduz na regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, não podendo estes deixar de constar de diploma legislativo. A reserva de lei deve abranger não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (cfr.criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.1646/13.2BELRA; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1090 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.115 e seg.).
Quanto ao geral princípio da legalidade, a universalidade da doutrina assinala dois corolários ao mesmo: o princípio da preeminência de lei e o princípio da reserva de lei parlamentar (cfr.artº.8, da L.G.T.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1090 e seg.; Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal, Tipicidade, Conceitos Jurídicos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação, Almedina, 2007, pág.103 e seg.).
"In casu", contrariamente ao defendido pelo recorrente, não vislumbra este Tribunal que a norma constante da verba 28.1, da T.G.I.S., na versão resultante da Lei 83-C/2013, de 31/12, na parcela em que se refere a "…terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação…", viole o artº.103, nº.2, da C.R.P., assim padecendo do vício de inconstitucionalidade (violação de lei), vício este que se transmite às liquidações de imposto de selo que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3190-2015/127763.4 e apensos (cfr.nº.3 do probatório supra).
Para assim concluir, desde logo, nos devemos socorrer da jurisprudência oriunda do Tribunal Constitucional, o qual tem vindo a decidir, reiteradamente, no sentido de não ocorrer a inconstitucionalidade da citada norma, em diversas dimensões e por referência a distintos princípios constitucionais, de que são exemplo os acórdãos nºs.378/2018, do Plenário, datado de 4/07/2018, 493/2018, datado de 10/10/2018, 605/2018, datado de 14/11/2018, 22/2019, datado de 9/01/2019, e 105/2019, datado de 19/02/2019. A corrente jurisprudencial acabada de identificar deve ser ponderada nos termos e para os efeitos do artº.8, nº.3, do C.Civil, visando uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Do citado acórdão nº.378/2018, do Plenário do T. Constitucional, se pode extractar o seguinte trecho fundamentador, com o qual se concorda, mais sendo aplicável ao caso "sub judice":
“(…)
Finalmente, também não impõe tal conclusão a circunstância, invocada no mesmo aresto, de a tributação dos terrenos para construção se basear na possibilidade futura de neles se virem a construir habitações sem considerar a respetiva tipologia edificatória e estrutura jurídica.
Neste plano de abordagem, sustenta o Acórdão n.º 250/2017, no essencial, que a desconsideração, pela norma sindicada, das diferenças existentes, tanto no plano físico como jurídico, entre terrenos para construção e edifícios ou construções já existentes, leva a que se sujeite a tributação, tanto «um terreno para construção destinado à construção de uma ou mais casas de luxo» ou, mesmo, «uma casa de luxo já construída» - leia-se: de valor igual ou superior a um milhão de euros - como «um terreno para construção com um valor patrimonial superior [a esse valor], mas destinado à construção de um edifício de habitação colectiva (…) constituído por fracções autónomas de pequena ou média dimensão, todas elas de valor muito inferior a um milhão de euros», situação que não é de modo algum materialmente comparável a qualquer das duas primeiras hipóteses.
A causa da inconstitucionalidade residiria, pois, de acordo com a posição adotada, no facto de a norma tributar a propriedade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, prevista ou autorizada, sendo para habitação, inclui frações autónomas com valor inferior àquele, situação que, por ser desigual àquelas outras, mereceria distinto tratamento tributário.
Mas não se afigura que assim seja.
Como se acentuou na Decisão Sumária n.º 214/2017, que analisou e refutou argumentação equivalente, «a conexão entre as regras de incidência objectiva e subjectiva aplicáveis à situação jurídica prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e as regras contidas no Código do IMI tem como consequência que o conceito de prédio relevante para efeitos do Código do Imposto do Selo seja, nos termos do respectivo artigo 1.º, n.º 6, o conceito homónimo definido no CIMI; e que o sujeito passivo do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral, seja, conforme estatuído no artigo 2.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, quem, em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar, for proprietário de um prédio com um VPT [valor patrimonial tributário], apurado nos termos do CIMI, igual ou superior a €1.000.000,00».
Considerando uma tal homogenia de conceitos jurídico-tributários, é claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins, tal como se afirma da decisão recorrida. Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.
Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.
As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 uma edificação constituída por frações autónomas de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência, deixarão de ser aplicáveis.
O único dado certo que, no enquadramento legal aplicável, pode e deve ser ajuizado, no plano constitucional, é a titularidade, no momento do vencimento da obrigação tributária em causa, de direitos reais de gozo sobre um terreno para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, se destina a habitação.
Ora, na perspetiva juridicamente relevante da demonstração de riqueza, os terrenos destinados à construção de habitações, independentemente da estrutura jurídica e tipologia que estas últimas vierem a assumir, não são equiparáveis a prédios constituídos em frações autónomas.
No primeiro caso, está em causa, de acordo com as definições acolhidas pelo Código do Imposto do Selo, um único prédio, cujo VPT, determinado nos termos do Código do IMI, não pode deixar de ser considerado para aferir da incidência do Imposto do Selo; no segundo caso, sendo cada uma das frações autónomas havidas como constituindo um único prédio (artigo 2.º, n.º 4, do CIMI, aplicável), há tantos prédios quantas frações autónomas, valendo, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, o VPT de cada uma delas.
Ora, enquanto o valor do terreno para construção revela necessariamente a capacidade contributiva do seu único titular, o mesmo não ocorre com um prédio constituído em propriedade horizontal, «uma vez que, sendo cada uma das fracções susceptíveis de uma situação jurídica real própria, só o valor de cada uma delas é idóneo a revelar a capacidade contributiva do seu titular» (Acórdão n.º 620/15; neste sentido, cfr. Decisão Sumária n.º 214/2017).
Considerando a globalidade do enquadramento jurídico aplicável e, em particular, o plano de incidência da norma constante da Verba 28.1 da TGIS – a titularidade de um prédio habitacional ou de um terreno para construção de habitações com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 –, o proprietário de um terreno destinado à construção revela, à data da verificação do facto tributário, uma capacidade contributiva superior ao titular de cada uma das frações autónomas cujo valor patrimonial tributário não ultrapassa aquela quantia, ainda que o edifício que se prevê construir venha também a integrar frações de valor inferior a €1.000.000,00.
É que, relevando, para efeitos tributários, apenas o VPT de cada fração autónoma - que, como se viu, constitui uma unidade económico-jurídica legalmente qualificada como constituindo um único prédio – não vale comparar a situação patrimonial do titular de um prédio para habitação já construído, cujas frações sejam de valor patrimonial tributário inferior a €1.000.000,00, com a do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a esse montante, ainda que este tenha autorização para nele construir um prédio com tais características.
De acordo com os critérios legalmente aplicáveis, cuja constitucionalidade não vem questionada, o proprietário de um prédio já construído, constituído em propriedade horizontal, não é tido como titular, para efeitos tributários, da globalidade das frações autónomas dele integrantes, considerando precisamente a autonomia económico-jurídica destas últimas em relação ao edifício de que fazem parte. Por isso, não tendo qualquer dessas frações um VPT ou superior a €1.000.000,00, não está o mesmo sujeito ao pagamento do imposto do selo.
Diferentemente, o proprietário de um terreno para construção de edifício para habitação é já havido, para esses mesmos efeitos, como titular do correspondente valor patrimonial, pela razão evidente de que, apesar da possibilidade futura da divisão económico-jurídica desse edifício, esta ainda se não concretizou. Daí que, tendo o terreno um VPT de €1.000.000,00 ou mais, lhe seja exigido o pagamento do imposto, imposto este que, por compatível com o nível de riqueza demonstrado pelo contribuinte no momento do vencimento da correspondente obrigação tributária, não pode ser considerado infundado ou arbitrário.
Como impressivamente se afirma em declaração de voto constante do Acórdão n.º 250/2017:

«(..) não é a circunstância de a construção prevista num dado terreno se reconduzir a uma habitação de luxo ou a prédio em propriedade horizontal com diversas fracções de reduzido ou médio valor que permite questionar a efectiva concretização do propósito de tributação de específicas manifestações de riqueza. Quer o correspondente titular deseje edificar uma habitação dotada de todo o género de ostentação, um imóvel em propriedade horizontal com dezenas de fracções ou uma singela vivenda, a realidade é que, no momento da verificação do facto tributário, estamos invariavelmente em face de terreno cuja edificação prevista se dirige a habitação e que assume um VPT superior a €1.000.000,00. E é a titularidade de tal terreno – e já não a específica habitação que se deseja edificar – que permite referenciar o respectivo proprietário como dotado de particular abastança.
Se, não obstante as múltiplas possibilidades que tem ao seu dispor, o proprietário se decide pela implementação de construção que não ascenda a tal grandeza - nomeadamente por esta se apresentar em propriedade horizontal, a importar uma tributação das fracções autónomas e já não do edifício global - tal não invalida a constatação de que, enquanto terreno, aquele imóvel se apresentava, por si só, como especial manifestação de riqueza».

E assim sendo, também não oferece dúvidas que, contrariamente ao que se defende na decisão recorrida, a diferenciação introduzida entre os contribuintes que se encontram em tal situação e os que não estão, incluindo os titulares de prédios urbanos constituídos por frações urbanas de VPT inferior a €1.000.000,00, é adequada à realização do fim visado pela norma da Verba 28.1, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de mais valor em termos ajustados à satisfação do «princípio da equidade social na austeridade.
(…)”
No mesmo sentido, vai, igualmente, a jurisprudência emitida por este Tribunal, de que se pode dar como exemplos os acórdãos exarados nos recursos nºs.835/17, datado de 20/06/2018, 829/15.5BELLE, datado de 28/11/2018, e 2595/15.5BEPRT, datado de 20/03/2019.
Por último, sempre se dirá que a dicotomia entre expectativa jurídica (sobre o conceito de expectativa jurídica, enquanto figura dependente de um facto jurídico complexo de produção sucessiva, vide Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Universidade Católica Editora, 2017, 5ª. Edição, II, pág.640 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1989, 3ª. Edição, pág.180 e seg.). e facto tributário nenhum relevo tem no exame da alegada inconstitucionalidade da norma constante da verba 28.1, da T.G.I.S., na versão resultante da Lei 83-C/2013, de 31/12, dado que, no caso de terrenos para construção, o facto tributário em causa se reconduz, invariavelmente, a um terreno cuja edificação prevista se dirige a habitação e que assume um VPT superior a € 1.000.000,00. E é a titularidade de tal terreno - e já não a específica habitação que se deseja edificar no mesmo - que permite referenciar o respectivo proprietário como dotado de particular abastança (especial manifestação de riqueza).
Concluindo, não padece a norma constante da verba 28.1, da T.G.I.S., na versão resultante da Lei 83-C/2013, de 31/12, na parcela em que se refere a "…terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação…", do vício de inconstitucionalidade devido a violação do princípio da legalidade tributária, previsto no examinado artº.103, nº.2, da C.R.P. Por consequência, igualmente não padecem de qualquer ilegalidade as liquidações de imposto de selo que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3190-2015/127763.4 e apensos (cfr.nº.3 do probatório supra).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas em ambas as instâncias.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 16 de Janeiro de 2020.- Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – José Gomes Correia – Francisco Rothes.