Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:043/21.0BEFUN
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PERDA DE MANDATO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista do acórdão do TCA confirmativo da sentença do TAF que determinou a perda do mandato de uma vereadora de uma câmara municipal porque a temática de fundo colocada no objeto do recurso justifica, perante o seu melindre e a sua repercussão pública, a intervenção do Supremo.
Nº Convencional:JSTA000P28126
Nº do Documento:SA120210909043/21
Data de Entrada:08/09/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………… [doravante R.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 17.06.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 114/133 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso e que manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal [doravante TAF/FUN], de 07.05.2021 [cfr. fls. 66/72] que julgou procedente a ação para declaração de perda de mandato intentada ao abrigo e nos termos dos arts. 11.º e 15.º da Lei n.º 27/96, de 01.08 [vulgo Lei da Tutela Administrativa - com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30.11, e DL n.º 214-G/2015, de 02.11] pelo MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante A.] e que declarou a perda de mandato da R..

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 140/155] na relevância jurídica de questão que reputa como de importância fundamental [relativa aos pressupostos de aplicação da norma sancionatória prevista no art. 08.º, n.º 1, al. c), da Lei da Tutela Administrativa, mormente elementos objetivos e subjetivos (em especial, a culpa)] e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», fundada no erro de julgamento, dada a incorreta interpretação e aplicação, mormente do disposto nos arts. 08.º, n.º 1, al. c), da Lei de Tutela Administrativa, 05.º do Código de Processo Civil [CPC/2013] e 342.º do Código Civil [CC], bem como em alegada interpretação inconstitucional já que violadora dos arts. 02.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.ºs 2 e 10, 266.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa [CRP].

3. O A. devidamente notificado produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 160/166], nelas pugnando, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/FUN julgou totalmente procedente a ação administrativa sub specie para declaração de perda de mandato por haver entendido que a R., tendo integrado lista de coligação pela qual foi eleita para a Assembleia Municipal do Funchal enquanto membro de um partido político, ao filiar-se noutro partido que integrava aquela coligação violou o disposto nos arts. 08.º, n.º 1, al. c), e 10.º da Lei de Tutela Administrativa, e para tal declarou a perda do mandato.

7. O TCA/S manteve integralmente este juízo, negando provimento ao recurso quanto aos acometidos erros de julgamento.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

10. E a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

11. Esta Formação [cfr., entre outros, os Acs. de 27.09.2013 - Proc. n.º 01260/13, de 12.07.2016 - Procs. n.ºs 0868/16 e 0869/16, de 25.11.2016 - Proc. n.º 01299/16, de 21.09.2017 - Proc. n.º 0946/17, de 12.11.2019 - Proc. n.º 0163/19.1BEPRT, de 23.01.2020 - Proc. n.º 0396/18.8BECTB, de 02.04.2020 - Proc. n.º 069/19.4BEMDL, de 18.06.2020 - Proc. n.º 0163/19.1BEPRT todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta»] vem afirmando e reconhecendo assumirem de «manifesta relevância social» ou situarem-se no «patamar de importância fundamental» as questões debatidas e decididas neste tipo de ações, dado «não só por ter fortes possibilidades de replicação», mas, também, pelo facto de que a «problemática da perda de mandato de titulares de órgãos autárquicos releva da organização democrática do Estado, sendo a perda de mandato uma medida de natureza grave», para além de que as «punições poderem atentar com o exercício democrático das funções para que se foi eleito».

12. No caso, sem prejuízo de questões que, eventualmente e em sede própria, se possam suscitar quanto ao que deva ser o objeto e abrangência da pronúncia a ser firmada e do que em decorrência se entenda constituir o objeto e amplitude desta revista, temos que, pese embora o entendimento convergente das instâncias, aqui se justifica, por idênticas razões, manter o entendimento conducente à admissão da revista.

13. Assim, tudo conflui para a conclusão pela necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal e de se receber o recurso de revista, presente que a questão colocada e cuja resolução se mostra peticionada releva de complexidade jurídica.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas. D.N..
Lisboa, 09 de setembro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e o Conselheiro José Augusto de Araújo Veloso] Carlos Luís Medeiros de Carvalho