Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:07/19.4BCPRT
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROCESSO ARBITRAL
ERRO DE FACTO
ERRO DE DIREITO
Sumário:Não é de admitir a revista relativa a acórdão do tribunal judicial de segunda instância que negou a anulação parcial de um acórdão arbitral, se aparentemente o acórdão judicial recorrido decidiu bem e não se descortina nas questões colocadas uma importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P31033
Nº do Documento:SA12023052507/19
Data de Entrada:07/22/2022
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, E.P.E.
Recorrido 1:A..., S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo nº7/19.4BCPRT

Na sequência do despacho datado de 16.12.2022, proferido na Secção de Contencioso Administrativo, e pelo qual foi declarada nulidade processual - nos termos do disposto no nº2 do artigo 195º do CPC - que implica a anulação de todos os actos processuais praticados após a mesma, onde se inclui - obviamente - o acórdão desta Formação, de 03.11.2022, que não admitiu a pretensão de revista do CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, E.P.E., importará que esta Formação de Apreciação Preliminar profira um novo acórdão sobre o mesmo assunto, ou seja, sobre o recurso de revista interposto a título subsidiário pelo referido recorrente.

O que se passa a fazer:

Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, E.P.E. - demandado nesta «acção de arbitragem» instaurada pelo consórcio constituído por «B..., S.A., C..., S.A., A..., S.A., e D..., S.A.» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCAN - de 08.04.2022 - que decidiu julgar improcedente a acção impugnatória de acórdão arbitral - proferido, em arbitragem «ad hoc», em 11.03.2019 -, pedindo a anulação parcial do mesmo.

Defende que a revista interposta - que pretende ver admitida - é necessária face à «relevância jurídica e social do caso» e à «necessidade de uma melhor aplicação do direito».

O consórcio recorrido - «B..., S.A., C..., S.A., A..., S.A., e D..., S.A.» - apresentou contra-alegações nas quais defende, além do mais, a não admissão do interposto recurso de revista, por não se verificarem no caso, em seu entender, os necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA. A título subsidiário - para o caso de admissão do recurso de revista - requer a sua «ampliação» à decisão proferida em matéria da excepção de «preclusão do direito de anulação».

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O tribunal arbitral condenou o demandado - CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, E.P.E. - a pagar ao consórcio demandante - B..., SA, C..., SA, A..., SA, e D..., SA - a quantia de 4.784.467,22€ referente a «sobrecustos» - com juros de mora, à taxa comercial, desde a data do respectivo acórdão - e a quantia de 7.432,56€ «referente a factura não liquidada» - com juros de mora, à taxa comercial, desde a data do vencimento da respectiva factura - absolvendo-o dos demais pedidos formulados, e absolveu o consórcio demandante do pedido reconvencional.

Interposta acção impugnatória deste acórdão arbitral, em que o demandado na acção arbitral - CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, EPE - pede a anulação parcial do mesmo - nas partes em que foi condenado a pagar ao consórcio: a) sobrecustos do subempreiteiro no valor de 823.691,00€; b) sobrecustos de mão- de-obra indirecta, instalações, equipamentos, seguros e garantias, relativos às prorrogações de prazo que constam dos «PT 9.5 e 9.6», no valor de 387.978,96€; e c) sobrecustos de estrutura central relativos a prorrogações de prazo, que constam dos «PT 9.5 e 9.6», no valor de 340,180,90€ -, o TCAN decidiu «julgar improcedente a acção impugnatória» e absolver o consórcio do pedido.

O autor da acção impugnatória - CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, EPE - vem pedir revista deste acórdão do TCAN, imputando-lhe vários erros de julgamento de facto - invocando diversos documentos juntos aos autos arbitrais [documentos ...3 a ...8, ...1 a ...5 e ...7] reclama a adição à factualidade provada de vários factos - e dois «erros de julgamento de direito». Relativamente a estes, alega que o acórdão arbitral deveria ser anulado porquanto se pronunciou acerca de «sobrecustos» pretensamente suportados por um subempreiteiro - no valor de 823.691,00€ - e acerca de outros «sobrecustos» - de mão-de-obra indirecta, instalações, equipamentos, seguros e garantias, relativos às prorrogações de prazo que constam dos «PT 9.5 e 9.6», no valor de 387.978,96€, e de estrutura central, relativos a prorrogações de prazo que constam dos «PT 9.5 e 9.6», no valor de 340,180,90€ -, ultrapassando, com isso, o âmbito da convenção de arbitragem, e desrespeitando o disposto no artigo 46º, nº3, alínea a), subalínea iii), da LAV [Lei da Arbitragem Voluntária], a cláusula 54º do Caderno de Encargos e artigo 28º do Contrato de Empreitada, motivo pelo qual o TCAN, ao assim não decidir, ou seja, ao não anular parcialmente o acórdão arbitral, nos termos do nº7 do artigo 46º da LAV, procedeu a um julgamento de direito errado.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. E que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias na jurisprudência ou na doutrina. Por seu lado, a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

A verdade é que, feita a apreciação sumária que nos compete, impõe-se concluir que a presente revista não deverá ser admitida em nome de qualquer dos pressupostos que justificariam a sua admissão. Por um lado, e desde logo, porque os diversos «erros de julgamento de facto» que são alegados pelo recorrente extravasam os limites estreitos que legitimam o tribunal de revista a deles conhecer - artigo 150º, nº4, CPTA - e, por outro lado, porque devidamente ponderado o julgamento de direito efectuado pelo tribunal judicial, ele não se apresenta como claramente carente de nova apreciação, em ordem a obter «uma melhor decisão de direito». Nesse acórdão concluiu-se que a condenação do CENTRO HOSPITALAR em causa a pagar uma parcela financeira, relativa a sobrecustos incorridos pelo subempreiteiro, e os demais sobrecustos identificados, não ultrapassa o âmbito da convenção arbitral, «nem subjectiva nem objectivamente», pelo que não há motivo para deferir o seu pedido de anulação parcial do acórdão arbitral. E este juízo mostra-se suficientemente fundamentado, patenteia-se como uma solução jurídica não só possível como aceitável, e razoável.

É claro que estão em causa quantias não despiciendas, e que se trata da administração de dinheiros públicos. Porém, estas constatações só por si não bastam para conferir às «questões» latentes nos erros de direito invocados uma «importância fundamental» sob a perspectiva social. É que elas estão, aparentemente, bem resolvidas, o que lhes retira «relevância jurídica e social», pois voltar a apreciá-las, no âmbito de recurso cuja admissão é excepcional, resultaria em desnecessário esbanjamento de tempo e meios.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25 de Maio de 2023. - José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.