Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0713/11
Data do Acordão:12/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRS
SUBSÍDIO DE COMPENSAÇÃO
CONSERVADOR
NOTÁRIO
REGIÃO AUTÓNOMA
AJUDAS DE CUSTO
Sumário:I - O subsídio de compensação previsto no art. 29, n. 2, da Lei 21/85, de 30 de Outubro, visa compensar os magistrados a quem não é atribuída casa, dos encargos com a manutenção de casa adequada ao prestígio das funções, que continua a ser-lhes exigida pelo que tal atribuição patrimonial atenta a sua natureza compensatória e não remuneratória, não está abrangida no âmbito de incidência do I.R.S..
II - A equiparação deste subsídio a ajudas de custo, explicitada pela Lei n° 143/99, de 31 de Agosto, vem apenas confirmar a sua natureza compensatória e não remuneratória, não estando abrangido pela limitação decorrente do art° 12° do DL. 106/98 de 24/04.
III - Os conservadores e notários, em exercício de funções nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, têm direito, ao abrigo do DL. 66/88 de 01/03, à atribuição de um subsídio de compensação, nos termos ali definidos, o qual, analogamente, ao que é auferido por magistrados não está abrangido, na sua totalidade, no âmbito de incidência do IRS.
Nº Convencional:JSTA00067294
Nº do Documento:SA2201112070713
Data de Entrada:07/15/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PONTA DELGADA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:CIRS01 ART2 N3 C
DL 106/98 DE 1998/04/24 ART12
L 21/85 DE 1985/10/30 ART27 ART29 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC021842 DE 1997/10/29; AC STA PROC022076 DE 1997/12/17; AC STA PROC022683 DE 1999/01/13; AC STA PROC019513 DE 1999/05/19; AC STA PROC020901 DE 1998/02/18; AC STA PROC01063/07 DE 2008/03/06; AC STA PROC024568 DE 2000/04/05
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 - RELATÓRIO
A……… e B………, residentes na Rua ………, Bloco ……… — ………, .............. vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 96°, n° 1, 97°, n° 1, a), e 99° do CPPT, deduzir impugnação judicial da liquidação de IRS relativa ao ano de 2008, questionando a inclusão do subsidio de compensação no valor de € 3.538,15, em virtude da impugnante ora recorrida A……… estar a exercer funções de Conservadora na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ………, na Região Autónoma dos Açores.
Por sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, em 10 de Dezembro de 2010, foi julgada a impugnação procedente anulando a impugnação liquidada, tendo reagido a FAZENDA PÚBLICA com a interposição de recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul, que por decisão de 7 de Junho de 2011, se declarou incompetente, em razão da hierarquia entendendo ser competente este Supremo Tribunal Administrativo para onde os autos foram remetidos.
A alegação de recurso integra as seguintes conclusões:
Face ao exposto não se põe em causa o montante total do subsídio, mas o excedente relativamente ao imposto na lei de acordo com a circular 18/2002 de 19 de Junho, tendo a Administração Tributária agido de conformidade com o articulado entre o Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares e a referida circular.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, requer-se a Vª Ex.ª se digne julgar procedente o recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e julgada improcedente a impugnação, tudo com as devidas consequências legais.
Os recorridos não contra-alegaram.
O EMMP neste Supremo Tribunal não se pronunciou.
2- FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
A impugnante A……… é conservadora a exercer funções na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ……….
Apresentou a sua declaração de rendimentos do ano de 2008 conjuntamente com o impugnante B………, seu marido, para efeitos de IRS.
Na respectiva liquidação, foi sujeito a tributação o montante de 2.355,13 €, parte do que a impugnante A……… tinha recebido nesse período a título de subsídio de compensação.
Os impugnantes reclamaram dessa liquidação, reclamação que foi indeferida.
3- DO DIREITO
Nos presentes autos levanta-se a questão de saber se o subsídio de compensação análogo ao dos magistrados judiciais, previsto no Decreto-Lei n° 66/88 de 1 de Março, para os conservadores e notários, em serviço nas regiões autónomas, está ou não sujeito a IRS na parte em que excede o montante máximo de ajuda de custo diária multiplicado por noventa vezes. É pois, apenas de direito a questão a decidir.
Assente e aceite por todas as partes está o reconhecimento do direito da impugnante mulher a beneficiar da não sujeição para efeitos de IRS, do subsídio de compensação que aufere por ter a qualidade profissional de Conservadora da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ……… e por a lei (D. L. 68/88 de 1 de Março) estabelecer um paralelismo entre a situação desta impugnante atenta a sua qualidade profissional e o direito que assiste aos Magistrados Judiciais de auferirem um subsídio de compensação nos casos em que não usufruem de casa de habitação na comarca onde desempenham funções direito que lhes assiste estatutariamente.
Em dúvida e em causa está o limite de tal não sujeição.
Escuda-se a Administração Tributária no disposto no art° 12° do D.L. n° 106/98 de 24 de Abril para defender a existência de um limite à dita não sujeição que quantifica nos noventa dias referidos no preceito, aludindo à circular n° 18 de 19/06/2002 da Direcção de Serviços de IRS, defendendo que no caso por o subsídio auferido pela impugnante exceder o montante máximo de ajuda de custo diário vezes noventa, o mesmo deve ser tributado no excedente.
Será assim?
Não perfilhamos desta interpretação. Vejamos:
A lei 143/99 de 31/08 que alterou o Estatuto dos Magistrados Judiciais (lei 21/85 de 30/07) teve a fundamentá-la dúvidas antigas sobre a natureza do referido subsídio de compensação por não atribuição de residência a Magistrado judicial. Discutia-se então se estávamos perante um subsídio com natureza remuneratória (caso em que seria tributado) ou compensatória (caso em que não seria tributado. A Jurisprudência do STA já há muito que considerava ter natureza compensatória a atribuição do mencionado subsídio. Vide a título de exemplo os Acórdão tirados nos recursos números 021842; 022076; 022683; 019513 e 020901 prolatados respectivamente em 29/10/1997; 17/12/1997; 13/01/1999; 19/05/1999 e 18/02/1998, todos sumariados e disponíveis no site da DGSI.
O último dos arestos mencionado sintetizou assim o tema objecto de decisão:
I - A atribuição de casas a magistrados judiciais visa possibilitar-lhe sem ónus, cumprirem o dever estatutário de assegurarem a manutenção de uma casa de habitação adequada à sua condição social.
II - A exigência de manutenção de tal habitação, mesmo que o magistrado não a habite, é imposta pela necessidade de dignificar a função dos magistrados, como membros de órgãos de soberania, dignificação essa que, reflexamente, dignifica a própria imagem do Estado perante os cidadãos.
III - Por tal exigência ter a ver com o prestígio da função de magistrado, ela é imposta também aos magistrados jubilados, pois estes mantêm todos os deveres estatutários dos magistrados no activo.
IV - O subsidio de compensação previsto no art. 29, n. 2, da Lei 21/85, de 30 de Outubro, visa compensar os magistrados a quem não é atribuída casa, dos encargos com a manutenção de casa adequada ao prestígio das funções, que continua a ser-lhes exigida. V - Todas as atribuições patrimoniais feitas a trabalhadores por conta de outrem que tenham carácter compensatório e não remuneratório, não estão abrangidas no âmbito de incidência do I.R.S..
VI - O art. 2, n. 3, alínea c) do C.I.R.S., na redacção inicial, seria organicamente inconstitucional, por desconformidade com a lei de autorização legislativa em que se baseou a emissão do Código pelo Governo, se fosse interpretado como alargando a base de incidência do I.R.S. a atribuições patrimoniais feitas com o objectivo de compensar os trabalhadores por conta de outrem de despesas provocadas pelo exercício das suas funções.
VII - A mesma norma, se fosse interpretada dessa forma, seria também materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio constitucional da igualdade, ao não fazer distinção, para efeitos de tributação entre atribuições patrimoniais remuneratórias e compensatórias.
Para esclarecer quaisquer dúvidas e porque entendia que tal subsídio tinha natureza compensatória o legislador equiparou-o para todos os efeitos a ajudas de custo relativamente às quais nunca se pôs em dúvida a sua eminente natureza compensatória, dentro dos limites admitidos por lei (por todos vide o Ac. do STA de 06/03/2008 tirado no recurso n° 01063/07- disponível no site da DGSI). E, assim a lei 143/99 de 31 de Agosto dispôs: “2- Os magistrados que não disponham de casa ou habitação nos termos referidos no número anterior ou não a habitem, conforme o disposto no nº 2 do artigo 8º., têm direito a um subsídio de compensação fixado pelo Ministro da Justiça, para todos os efeitos equiparado a ajudas de custo, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura e as organizações representativas dos magistrados, tendo em conta os preços correntes no mercado local de habitação.”
Ora, sendo a própria lei que refere a forma de calcular o montante desse subsídio “ouvidos o Conselho Superior da Magistratura e as organizações representativas dos magistrados, tendo em conta os preços correntes no mercado local de habitação.”
Não faria sentido limitá-lo, agora, nos termos pretendidos pela recorrente Fazenda Pública, para efeitos de não sujeição a tributação em IRS, na interpretação de que tal é imposto pelo disposto no art° 12° do D. L. 106/98 de 24 de Abril até porque noutro passo do estatuto dos Magistrados Judiciais está previsto o auferimento de ajudas de custo (art° 27°) essas sim, as quais poderão, eventualmente, ser consideradas, para efeitos de não sujeição a tributação como devendo enquadrar-se dentro dos limites previstos no diploma acabado de referir. Se assim não fosse de entender então poderia ocorrer descriminação dos Magistrados beneficiários do subsídio de compensação, relativamente aos demais servidores do Estado, com manifesta violação do princípio da igualdade de direitos estabelecido na Constituição da República, pois que as ajudas de custo que viessem a auferir por deslocações em serviço para fora da comarca onde se encontre sediado o seu tribunal ou serviço habitual, estariam sempre sujeitas a tributação mesmo antes de atingido o limite de noventa dias previsto no citado diploma.
Em suma; a equiparação do subsídio de compensação dos Magistrados pela não atribuição de casa de função às ajudas de custos deve entender-se como uma forma encontrada pelo legislador de esclarecer de uma vez por todas a natureza compensatória de tal subsídio.
Que assim é, expressa-o a jurisprudência posterior à citada lei de que é exemplo o acórdão de 05/04/2000 tirado no recurso n° 024568, o qual pela mão do Relator Jorge Lopes de Sousa reiterou as conclusões expressas no sumário supra destacado, a que acrescentou:
Sumário (...)
VIII - A equiparação destes subsídios a ajudas de custo explicitada pela Lei n° 143/99, de 31 de Agosto, vem confirmar a sua natureza compensatória e não remuneratória e, não tendo estes sofrido qualquer alteração com este diploma, conduz à conclusão que essa equiparação, derivada da sua finalidade, já se justificava anteriormente.
Com efeito, também a nosso ver, o subsídio de residência não tem natureza de remuneração do trabalho por conta de outrem ou auferido em razão dele, sendo antes mero substitutivo da obrigação estatal de prestação de residência aos magistrados.
O limite previsto no art° 12° do D. L. 106/98 de 24 de Abril aplica-se aos servidores do Estado quando desempenhem funções pelas quais aufiram ajudas de custo. Estas ajudas, diversamente do subsídio de compensação a que nos vimos referindo, têm um carácter temporário e localizado e daí que se compreenda que em relação à sua extensão tenham sido introduzidas limitações quanto à sua não sujeição a IRS.
Aqui chegados e resultando da lei 66/88 de 1 de Março que a impugnante — mulher, ora recorrida tem direito a um subsídio de compensação de montante igual ao fixado para os magistrados judiciais (n° 2 do art° 1°) em virtude do exercício das suas funções de conservadora na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ……… — Açores, o mesmo, por atenção à sua natureza compensatória, está excluído, na totalidade, do âmbito de incidência do art° 2º do CIRS.
Assim sendo, falece o recurso da Fazenda Pública sendo de confirmar a decisão recorrida.
4- DECISÃO:
Pelo exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Casimiro Gonçalves (voto a decisão com a declaração que segue em anexo).

1. Voto a decisão, mas não a respectiva fundamentação.
2. Com efeito, não subscrevo a fundamentação constante do acórdão na parte em que se pressupõe que estamos perante um subsídio análogo ao dos magistrados judiciais («Nos presentes autos levanta-se a questão de saber se o subsídio de compensação análogo ao dos magistrados judiciais, previsto no Decreto-Lei n° 66/88 de 1 de Março...»), pois que entendo que este subsídio de compensação aqui em questão apenas para efeitos do respectivo montante surge equiparado ao subsídio de compensação fixado para os magistrados judiciais («Os funcionários referidos no número anterior que não tenham residência nas localidades onde sejam colocados têm direito a casa mobilada ou, na sua falta, à atribuição de um subsídio de compensação de montante igual ao fixado para os magistrados judiciais.» - n° 2 do art. 1° do citado DL). Tanto que no Preâmbulo do diploma se refere tratar-se de «situação paralela à dos magistrados e oficiais de justiça» adoptando-se, embora, «uma solução análoga».
3. Por outro lado, exara-se no acórdão: «Assente e aceite por todas as partes está o reconhecimento do direito da impugnante mulher a beneficiar da não sujeição para efeitos de IRS, do subsídio de compensação que aufere por ter a qualidade profissional de Conservadora da Conservatória de (...) e por a lei (DL 68/88 de 1 de Março) estabelecer um paralelismo entre a situação desta impugnante atenta a sua qualidade profissional e o direito que assiste aos Magistrados Judiciais de auferirem um subsídio de compensação nos casos em que não usufruem de casa de habitação na comarca onde desempenham funções direito que lhes assiste estatutariamente. Em dúvida e em causa está o limite de tal não sujeição»
Ora, salvo o devido respeito, também não decorre do citado diploma que seja ele a estabelecer um «paralelismo entre a situação da impugnante atenta a sua qualidade profissional e o direito que assiste aos Magistrados Judiciais de auferirem um subsídio de compensação nos casos em que . . .».
4. Assim, e porque, de facto, entendo que, no caso, se trata de subsídio que tem tal natureza compensatória (e não remuneratória), seria por apelo apenas a esta fundamentação (e nem sequer à fundamentação retirada da jurisprudência do STA no que respeita ao subsídio de compensação dos magistrados judiciais) que negaria provimento ao recurso.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2011
Casimiro Gonçalves