Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01686/13
Data do Acordão:12/11/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se a questão suscitada se reconduz, no essencial, à de apreciar se a compensação importa a prática de acto administrativo tributário que a ordene e só pode operar depois de aquele acto ter sido notificado ao executado e em que a singularidade da mesma resulta, até, da circunstância de a decisão recorrida assentar, em termos de factualidade, na não satisfação de um específico ónus probatório por parte da AT.
Nº Convencional:JSTA000P16727
Nº do Documento:SA22013121101686
Data de Entrada:11/01/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 23/8/2013, que, dando provimento ao recurso que aí correu termos sob o nº 299/13.2BEAVR, julgou procedente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal (PEF nº 0051200101002503) deduzida pela A………, SA., com os demais sinais dos autos, e, consequentemente, anulado o acto de compensação de créditos aí em causa.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. O presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito no que respeita ao tema da compensação de créditos prevista no art. 89º do C.P.P.T.
B. Com efeito, a jurisprudência do TCAN que separa e distingue o ato administrativo da compensação da operação material de compensação é francamente errada e não pode manter-se, existindo, aliás, pronúncia do STA em sentido diverso.
C. Acresce que é previsível a ocorrência de outros casos idênticos aos dos autos, uma vez que este configura um tipo susceptível de repetição e novas e idênticas situações.
D. Mostram-se, assim, preenchidos os requisitos do art. 150º do C.P.T.A.
E. O ato administrativo de compensação é um ato que declara e opera, em simultâneo, a compensação, extinguindo os créditos e débitos compensados.
F. É, portanto, um ato constitutivo, na medida em que a sua emanação altera, sem mais, a posição jurídica do particular perante a AT, alteração consubstanciada na extinção da sua posição de credor e devedor.
G. E é também um ato praticamente inexequível porque os seus efeitos se obtêm plenamente com a emissão do ato, não se mostrando necessária qualquer operação material para a sua execução.
H. Enfim é um ato informático, o que não desnatura a sua natureza de ato administrativo, uma vez que o Diretor Geral dos Impostos assumiu o apuramento efetuado eletronicamente, reconhecendo-o como seu.
I. Finalmente o ato é plenamente eficaz porque foi regularmente notificado ao contribuinte.
J. A jurisprudência do TCAN, que não reconheceu as especiais características do ato de compensação e fez errada interpretação e aplicação do art. 89º do C.P.P.T e do art. 40º da LGT, deve ser rejeitada com as legais consequências.
Termina pedindo que seja admitido e provido o presente recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido.

1.3. Contra-alegou a recorrida A…….., S.A. formulando, a final, as conclusões seguintes:
a) O recurso de revista tem carácter absolutamente excepcional, restringindo-se o seu campo de aplicação às questões jurídicas (de direito substantivo ou adjectivo) de especial complexidade.
b) A admissibilidade do recurso de revista para uma melhor aplicação do direito pressupõe o erro manifesto da decisão recorrida, ou a circunstância de, relativamente à mesma, se suscitarem dúvidas fundadas em virtude de existir uma manifesta divisão em termos jurisprudenciais ou doutrinais, gerando-se assim incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
c) Nessas situações, afigura-se útil, com vista à boa administração da justiça, a intervenção do STA na veste de órgão de regulação do sistema.
d) No caso sub judice, conforme resulta do teor das próprias alegações do Fazenda Pública, o Acórdão recorrido reproduz a jurisprudência já anteriormente adoptada pelo TCAN, desconhecendo-se qualquer aresto em que tenha sido propugnado um entendimento distinto daquele que resulta dessa mesma jurisprudência.
e) Em virtude dessa uniformidade jurisprudencial e doutrinal, entende a Recorrida que, naturalmente, também não será possível a admissão do presente recurso pela via do erro manifesto do Acórdão recorrido.
f) Termos em que, por o presente recurso não preencher os pressupostos plasmados no art. 150º-1 do CPTA, deve ser proferida decisão no sentido da sua não admissão.
Sem conceder,
g) A Autoridade Tributária, no caso em apreço, limitou-se a comunicar à ora Recorrida a afectação de uma determinada quantia ao pagamento de uma dívida fiscal, pelo que está em causa uma situação em que se verifica a mera aparência de um acto administrativo.
h) Para que a Autoridade Tributária pudesse dar um destino diferente à referida quantia que estava em seu poder e que devia ser entregue à ora Recorrida, tinha de, previamente, praticar um acto administrativo, isto é, um acto através do qual fosse efectivamente ordenada a compensação.
i) Para além disso, uma vez praticado esse acto administrativo, a Autoridade Tributária só o podia ter executado depois de o mesmo se ter tornado eficaz mediante notificação à ora Recorrida, o que não sucedeu.
j) Contrariamente ao alegado nos arts. 28º e 31º das alegações da Fazenda Pública, do teor dos documentos notificados à Recorrida não consta qualquer declaração, por parte do Director-Geral dos Impostos, de que se encontravam preenchidos os pressupostos da compensação, nem os concretos fundamentos da decisão de compensação.
k) Pelo exposto, uma vez que a compensação foi efectuada sem que tivesse sido previamente praticado o referido acto administrativo que declarasse o direito da Autoridade Tributária a efectuá-la, verifica-se uma situação de compensação ilegal.
Termos em que deverá ser mantido o douto Acórdão recorrido, assim sendo feita Justiça.

1.4. O MP emite Parecer, nos termos seguintes:
«Vem interposto recurso de revista, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do douto Acórdão do TCANorte de 23.08.2013 que, concedendo provimento ao recurso interposto pela A…….., SA, revogou a sentença recorrida e, julgando procedente a reclamação que a mesma havia interposto junto do TAF de Aveiro, anulou o acto de compensação reclamado.
O recurso de revista previsto no nº 1, do art. 150º do CPTA, consagrando um duplo grau de recurso jurisdicional fundado em critérios qualitativos, tem natureza excepcional, apenas sendo admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr., também, o art. 672º, nº 1 do novo C.P.Civil).
Como salienta António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, p. 297, «As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excepcionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excepcional a mera discordância quanto ao decidido (...). Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador».
Ora, salvo melhor entendimento, não se vê que a questão jurídica em causa, que unicamente se prende com o saber se a compensação só pode realizar-se com a prática de um acto tributário anterior que a ordene, assuma especial complexidade e importância, interesse social significativo ou possua a relevância jurídica exigível para a admissão da revista excepcional do art. 150º do CPTA, sendo certo que esta “não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes, antes a protecção do interesse geral na boa aplicação do direito (Ac. do STJ de 12.07.12, citado por Abrantes Geraldes, ob. cit. p. 298).
Com efeito, é jurisprudência corrente deste Tribunal, e também do STJ, que o requisito da “relevância jurídica” só se verifica quando a questão de direito implique, pela sua complexidade e novidade, assinalável exercício exegético na sua resolução, susceptível de gerar viva controvérsia na doutrina e de conduzir a decisões contraditórias, o que se entende não ser o caso uma vez que a questão suscitada, para além de não ser nova, não apresenta peculiar interesse do ponto vista doutrinal ou dogmático, nem a mesma reveste complexidade ou dificuldade susceptível de gerar acentuadas dissonâncias interpretativas no plano da doutrina e da jurisprudência.
Não se vê, portanto, que a questão que vem suscitada no presente recurso possua a excepcional relevância jurídica que leve à necessidade do seu reexame em sede de recurso excepcional de revista, em ordem a uma melhor aplicação do direito. Cabe a este propósito referir que a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito apenas tem tido lugar «relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, isto é, que o recurso não visa primariamente a correcção de erros judiciários» ((1) Cfr. O recente douto Acórdão da Secção do CA deste Supremo Tribunal de 31.10.2013 – 01625/13).
Acresce dizer que, ao invés do que sustenta a recorrente, também não se vê que o douto Acórdão recorrido tenha tratado a matéria em causa de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável ((2) Cfr. O recente douto o recente Ac do STA de 11.09.13 – P. 764/13-30).
Aliás, o douto Acórdão recorrido, para além de se louvar em reputada doutrina que, de resto, transcreve ((3) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, nota 12 ao art. 89º do CPPT, In “Código do Procedimento e Processo Tributário, Anotado e comentado, vol. I, 6ª edição, p. 731 e 732), limita-se a reeditar, como a própria recorrente o reconhece, jurisprudência já existente sobre a matéria, não indicando a recorrente nem se conhecendo jurisprudência que expressamente a contradiga.
Nesta conformidade, por considerar que não se mostram preenchidos, no caso, os pressupostos da revista excepcional a que alude o nº 1 do art. 150º do CPTA, sou de parecer que o recurso não deverá ser admitido.»

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


FUNDAMENTOS
2. Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Em 28-2-2001 foi autuado no Serviço de Finanças de Aveiro 1 o Processo de Execução Fiscal nº 0051 2001 01002503, para cobrança de IRC de 1995, no valor de € 403.615,36 – fls. 119 e 120 dos autos;
2. O referido processo de execução fiscal, juntamente com os PEF’s 0051 2001 01003070 e 0051 2001 01017632 foram apensados ao PEF 0051 2000 01502352 – fls. 36 dos autos;
3. No PEF 0051 2000 01502352 foram efectuadas diversas penhoras – fls. 72 a 75 dos autos
4. Em 9-4-2012, a agora Reclamante apresentou impugnação judicial da liquidação do IRC referido em 1 e da decisão de improcedência do respectivo recurso hierárquico relativo a reclamação graciosa da mesma dívida – fls. 10 a 33 dos autos;
5. A AT apurou um crédito a favor da agora Reclamante no valor de € 100.000,00 e através da “demonstração da compensação nº 2012 01011968070”, de 28-12-2012, fez a “aplicação do crédito em dívidas Ex. Fiscal” de igual montante, conforme “Demonstração da aplicação do crédito” da mesma data – fls. 9 e 9-vº dos autos;
6. A referida aplicação do crédito foi feita na dívida de IRC de 1995 em cobrança no processo de execução fiscal nº 0051 2001 01002503 – acordo das partes;

3.1. Aceitando-se que o recurso excepcional de revista previsto no art. 150º do CPTA é também aplicável no processo judicial tributário, importa, antes de mais, apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.2. Interpretando o nº 1 deste normativo, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que:
- (i) só se verifica aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.3. No caso presente a recorrida deduziu reclamação (nos termos do disposto no art. 276º do CPPT) do acto praticado pelo OEF invocando que o crédito não poderia ter sido aplicado no PEF nº 0051200101002503, mas noutro, porque a dívida de IRC de 1995 que originou a execução se encontra impugnada (no proc. 429/12.1.BEAVR, ainda pendente).
Na sentença proferida em 1ª instância, veio a julgar-se improcedente a reclamação, no entendimento de que «o nº 1 do art. 89º do CPPT admite que a AT use a “compensação” como específica forma de pagamento da dívida em execução, ainda que se encontre pendente qualquer meio impugnatório da mesma, sempre que não tenha sido prestada “garantia nos termos do artigo 169º”, isto é, se não existir garantia com efeito suspensivo da execução fiscal», sendo que, «No caso dos autos, foi apresentada impugnação da dívida exequenda, mas não está provado que o processo de execução fiscal se encontre suspenso nos termos do artigo 169º do CPPT ou que exista qualquer litígio acerca da validade de garantia ou acerca da sua dispensa». E, além disso, «no artigo 1º do requerimento inicial da reclamação refere-se expressamente que houve uma “decisão de aplicação do crédito, no valor de € 100.000,00 que foi notificada à ora Reclamante”. O que equivale ao reconhecimento que a compensação em causa nos autos não se consubstancia numa mera operação material e que houve um acto administrativo reclamável, notificado e reclamado.»
Tendo a reclamante interposto recurso da sentença para o TCA Norte, veio ali a ser proferido o acórdão ora recorrido, onde se considerou, em suma o seguinte:
a) ─ O recurso improcede na parte em que se imputa à sentença erro de julgamento de direito ao considerar verificado os pressupostos para operar a compensação: esta compensação de dívidas objecto da presente reclamação, no momento em que se realizou, obedecia aos requisitos mencionados acima, pois que, apesar de a reclamante ter deduzido impugnação judicial tendo por objecto a liquidação que constitui a dívida exequenda, a execução fiscal nº 0051200101002503 não se encontrava suspensa em virtude de prestação de garantia pela reclamante ou penhora levada a cabo, com tal fim até à data em que o mencionado mecanismo foi accionado. E por isso encontravam-se reunidos todos os pressupostos da aludida compensação de dívidas por iniciativa da Fazenda Pública, a qual reveste características obrigatórias (cfr. art. 89º, nº 1, do CPPT).
b) ─ Mas procede, porém (o recurso) com fundamento no invocado erro de julgamento de direito atinente ao fundamento da ilegalidade da compensação por inexistência de acto de declaração de compensação, pois que a compensação só pode operar-se com a prática de um a acto administrativo tributário que a ordene, e também só pode ter lugar depois de aquele acto ter sido notificado ao executado, ou seja, a execução dos actos materiais de compensação sem que haja um acto administrativo tributário que a ordene e determine é ilegal e, no caso, a AT não fez prova, que lhe competia, da ocorrência desse acto.

3.4. A Fazenda Pública entende que se verificam os requisitos do recurso de revista excepcional, uma vez que o acórdão recorrido faz uma interpretação e aplicação erradas do disposto no art. 89º do CPPT, alegando ser também errada a jurisprudência do TCAN que separa e distingue o acto administrativo da compensação da operação material de compensação e argumentando, ainda, com a previsibilidade de ocorrência de outros casos idênticos, uma vez que este configura um tipo susceptível de repetição em novas e idênticas situações.

4. Não colhe, todavia, esta alegação.
Com efeito, estamos desde logo, por um lado, perante questão limitada e singular (saber se a compensação importa a prática de acto administrativo tributário que a ordene, e se só pode operar depois de aquele acto ter sido notificado ao executado) e em que a singularidade resulta, até, da circunstância de a decisão recorrida assentar (sendo que não está em causa, neste momento, a bondade do mérito dessa decisão), em termos de factualidade, na não satisfação de um específico ónus probatório (por parte da AT: segundo a decisão recorrida a AT não fez prova da ocorrência do dito acto administrativo tributário a ordenar a compensação). Não se verificando, portanto, neste contexto, a invocada capacidade de expansão da controvérsia que legitime a admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática, pois que, como se disse, se trata de uma situação pontual que não substancia uma questão «tipo» que possa vir a repetir-se em número indeterminado de situações futuras (aliás, a Fazenda Pública apenas em termos de generalidade alega a previsibilidade de ocorrência de outros casos idênticos).
E estamos, por outro lado, perante questão que nem sequer se reveste de elevada complexidade (em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, em razão de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, com necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos, em razão de análise que suscite dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina), acrescendo que também não vê, nem vem substancialmente alegada, relevância social fundamental na mesma questão, tendo em vista a utilidade de decisão que extravase os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos e com um interesse comunitário significativo na respectiva resolução.
Acresce que, ao invés do alegado pela recorrente, também não pode afirmar-se que o acórdão recorrido haja tratado da matéria em causa de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo que o mesmo, como salienta o MP, para além de se louvar em reputada doutrina que, de resto, transcreve, (Como seja, o entendimento consignado pelo sr. Cons. Jorge Lopes de Sousa, nota 12 ao art. 89º do CPPT, in Código do Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. I, 6ª edição, p. 731 e 732.) se limita a reeditar, como a própria recorrente o reconhece, jurisprudência do mesmo Tribunal (TCAN) já existente sobre a matéria, não indicando a recorrente, nem se conhecendo, jurisprudência que expressamente a contradiga. Aliás, embora referencie pronúncia do STA sobre a matéria, em acórdão recente, a recorrente não identifica nenhum acórdão, sendo que se, como presumimos, quer referir-se ao acórdão do STA, de 8/1/2013, no processo nº 0745/12 (onde, no entender da recorrente, se expressou o raciocínio de que a notificação da compensação corporiza uma decisão da AT, materializada após encontro de contas relativo a débitos e créditos, produzindo-se deste modo um acto jurídico contenciosamente impugnável), tal referência é inadequada, pois, como ela própria ressalva (no nº 8 do corpo das alegações de recurso) a questão apreciada em tal aresto tem contornos distintos da apreciada nos presentes autos.
De qualquer forma, ainda que existisse erro de julgamento sempre o mesmo ficaria afastado do âmbito deste recurso, que não visa - como acima se referiu – a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses. Nas palavras de Abrantes Geraldes,(In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, p. 297.) citado pelo MP, «As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excepcionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excepcional a mera discordância quanto ao decidido (...). Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador».
Em suma, perante o exposto e porque se consideram não verificados os requisitos do art. 150º do CPTA, concluímos que o presente recurso não pode ser admitido.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Valente Torrão.