Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0736/21.2BEAVR |
Data do Acordão: | 02/01/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | ADRIANO CUNHA |
Descritores: | ACIDENTE DE SERVIÇO DESPESAS COM O FUNERAL SUBSÍDIO POR MORTE |
Sumário: | I – De acordo com o disposto no nº 3 do art. 5º (epígrafe: “Responsabilidade pela reparação”) do DL nº 503/99, de 20/11 (“Regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública”), «nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma». II – Desta regra geral, os nºs 1, 3 e 5 do art. 18º do mesmo diploma (epígrafe: “Despesas de funeral e subsídio por morte”), excecionam as despesas de funeral e o subsídio por morte, que colocam a cargo do “serviço ou organismo” do trabalhador acidentado (a menos que este já se encontre, aquando do acidente, na situação de aposentação, caso em que «são pagas pela Caixa Geral de Aposentações»). |
Nº Convencional: | JSTA000P31867 |
Nº do Documento: | SA1202402010736/21 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | AA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO 1. “A..., S.A.”, co-Ré na presente ação administrativa, interpôs recurso de revista do Acórdão proferido em 22/9/2023 pelo Tribunal Central Administrativo Norte/TCAN (cfr. fls. 745 e segs. SITAF), que lhe negou provimento ao recurso de apelação e confirmou a sentença proferida pelo TAF/Aveiro em 6/6/2023 (cfr. fls. 616 e segs. SITAF), que julgara procedente a ação, contra a mesma (e contra o “Município de Oliveira de Azeméis”) instaurada pela Autora AA, na sequência de acidente de trabalho sofrido por BB, funcionário do co-Réu “Município”, de que resultou a sua morte, condenando os Réus a, solidariamente, pagarem à Autora as quantias de 5.673,30€, a título de subsídio por morte, e de 2.113,00€, a título de despesas de funeral - acrescidas de juros de mora. 2. A Recorrente (“A...”) concluiu do seguinte modo as suas alegações no presente recurso de revista (cfr. fls. 780 e segs. SITAF): «a) Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 25.09.2023 que manteve, ainda que por fundamento jurídico diverso, a decisão de primeira instância e a condenação da aqui Recorrente e da Ré nestes autos ao pagamento das seguintes quantias: b) A questão central sub judice e que constitui o objecto do presente recurso é essencialmente a violação da aplicação da lei substantiva e processual no caso concreto, nomeadamente a aplicação à situação objecto dos presentes autos do artigo 18o do DL 503/99, de 20 de Novembro, em detrimento da aplicação do n° 3 do artigo 5o e da alínea f), do n° 4 do art. 4o do DL n.° 503/99, de 20 de Novembro: norma que deveria ser aplicada, no entendimento da Recorrente, devido à equiparação legal e jurídica da Caixa Geral de Aposentações ao Instituto de Segurança Social para efeitos do art. 70.° da Lei n.° 4/2007 de 16 de Janeiro. c) No caso em apreço, tendo o tribunal “a quo” apresentado fundamento jurídico diverso da sentença da primeira instância para a aplicação do art. 18° do DL n.° 503/99, de 20 de Novembro e não conferindo uma fundamentação completa, idónea e plausível para a não aplicação do preceito constante no n° 3 do artigo 5o e da alínea f), do n° 4 do art. 4o do DL n.° 503/99, de 20 de Novembro, não tendo em consideração a especificidade de aplicação dos referidos preceitos nem a equiparação da Caixa Geral de Aposentações ao Instituto de Segurança Social, salvo o devido respeito, impulsiona a aqui Recorrente para um novo processo judicial para defesa dos seus interesses, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20° da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no n° 4 do artigo 268° da CRP. d) Nessa medida, a questão em apreço assume uma elevada importância jurídica e social uma vez que se discute, no caso em apreço, a concretização de um direito, liberdade e garantia essencial como é o direito a uma tutela jurisdicional efectiva e por isso, estarmos perante uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se reviste de importância fundamental, pelo que deverá o presente recurso ser admitido por preenchimento deste requisito. e) No caso sub judice, existem já decisões que condenam a Caixa Geral de Aposentações solidariamente ao pagamento do subsídio por morte e das despesas de funeral de funcionário público, existindo de igual forma decisões judiciais que equiparam a Caixa Geral de Aposentações ao Instituto de Segurança Social pelo que urge tomar uma decisão jurídica de relevo quanto à complexidade da questão. f) No que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha a possibilidade do caso concreto ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, para os quais é necessária uma decisão bem fundamentada, tendo a presente situação relevância suficiente para que se considere preenchido o requisito da clara necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito. g) Tendo o tribunal a quo aplicado ao caso sub judiceo art. 18° do DL 503/99, de 20 de Novembro, em detrimento da aplicação do n° 3 do artigo 5o e da alínea f), do n° 4 do art.4o do DL n,° 503/99, de 20 de Novembro, norma que deveria ser aplicada por remissão à equiparação legal e jurídica da Caixa Geral de Aposentações ao Instituto de Segurança Social para efeitos do art. 70.° da Lei n.° 4/2007 de 16 de Janeiro, encontra-se a violar tal preceito, e preenchendo assim o nº 2 do artigo 150° do CPTA. h) O tribunal a quo, pela aplicação do art. 18° viola o disposto normativo do art. 5°/3 e art. 4°/4, alínea f) que deveria ser alvo de interpretação extensiva à equiparação da Caixa Geral de Aposentações ao Instituto de Segurança Social e consequente regime jurídico que o tutela, configurando também uma interpretação inconstitucional do art. 18° e do n° 3 do art. 5º e alínea f) do nº 4 do art. 4° do DL 503/99, de 20 de Novembro, pelo que deve o presente recurso ser admitido por preencher os requisitos do n° 1 e 2 do art. 150° do CPTA, o que desde já se requer. i) A Caixa Geral de Aposentações é considerada como uma “instituição de segurança social” para efeitos do art. 70.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, sendo certo que é a entidade responsável pela gestão do sistema especial de protecção social convergente, tal como previsto na Lei n.º 4/2009, de 28 de Janeiro. j) Sendo equiparada ao Instituto de Segurança Social, não se concebe que o seu regime relativamente à responsabilidade pelo pagamento do subsídio por morte e as despesas pelo funeral de trabalhador, sejam antagónicas quando analisado o teor do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro. k) É aplicado pelo tribunal a quo, por forma a manter a condenação da Recorrente e da Ré, ainda que por fundamento jurídico diverso, o artigo 18° do DL 503/99, de 20 de Novembro, justificando o tribunal “a quo” por ser esta uma norma específica e por isso prevalecer sobre o art. 5º. l) A norma prevista no nº 3 do art. 5 refere expressa e especificamente que: “Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma”. m) Já a alínea f) do n° 4 do art. 4º define que: “O direito à reparação em dinheiro compreende: f) Despesas de funeral e subsídio por morte". n) A lei é clara quando assume que o direito à reparação, do qual a responsabilidade é imputada à Caixa Geral de Aposentações compreende as despesas de funeral e subsídio por morte naqueles dispositivos legais. o) Pelo que, dado que a jurisprudência já considera a Caixa Geral de Aposentações como uma entidade equiparada ao Instituto de Segurança Social - cujo regime aplicável é o de responsabilidade pelo pagamento do subsídio por morte bem como das despesas do funeral - não é concebível que o legislador tenha criado normas também elas específicas (n° 3 do art. 5° e alínea f) do n° 4 do art. 4º do DL 503/99, de 20 de Novembro) e que directamente mencionam que a Caixa Geral de Aposentações é responsável pela reparação em caso de morte pelo subsídio por morte e despesas do funeral, julgando que o intérprete iria fazer outra interpretação díspar das mesmas. p) Ao contrário do alegado na decisão do tribunal “a quo”, não existe apenas o artigo 18° como norma específica, o n° 3 do art. 5° e alínea f) do nº 4 do art. 4° do DL 503/99, de 20 de Novembro, também são consideradas normas específicas a aplicar à presente situação. Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão: 3. A Autora apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 819 e segs. SITAF): «a. Colocada a questão de Direito da qual presentemente a Recorrente apresenta recurso à apreciação do Tribunal de 1ª Instância e do Tribunal de Recurso, ambas as decisões foram consentâneas, ao considerar que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de funeral e do subsídio por morte pertence à Recorrente; b. Por este motivo, estamos indubitavelmente perante uma situação de dupla conforme, uma vez que a decisão proferida pela 1.ª Instância, foi confirmada pelos tribunais de 2.ª Instância; c. Foi assegurado à Recorrente um duplo grau de jurisdição, não podendo a mesma continuar a fazer uso, indevido, de figuras jurídicas de aplicação indubitavelmente excecional, para protelar a decisão definitiva dos presentes autos, como é o caso do recurso excecional de revista, previsto no art.° 150,° do CPTA; d. Ao inscrever no CPTA esta possibilidade, não foi intenção do legislador ao criar “3ª via de recurso”, de uso habitual, mas sim prever, para situações de fim de linha, uma válvula de segurança do sistema; e. É entendimento doutrinal dominante o sustentado pelo Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida, segundo o qual “não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema”; f. Daqui resulta que a apreciação dos fundamentos de cuja verificação depende a admissão do recurso de revista excecional - “a importância fundamental da questão” e a “melhor aplicação do Direito” - deverão ser sujeitos a um fino e exigente crivo, por ser precisamente a uma luz fortemente restritiva que esta instância de recurso deve ser avaliada; g. A Recorrente invoca como fundamento de admissibilidade do seu articulado recursivo, o facto de, alegadamente, estar em causa a discussão à cerca da “concretização do Direito à tutela jurisdicional efectiva, isto é, em que medida é que este direito impõe que a parte seja obrigada a recorrer a novo processo judicial para ver fixada a responsabilidade nestes moldes e em consequência das questões jurídicas arguidas”; h. Todavia, não é, nem nunca foi esse o cerne da presente questão, não sendo essa a causa de pedir nos presentes autos, nem nunca tendo a Recorrente invocado tal facto, apenas o fazendo agora, por saber estarem esgotadas as vias de recurso que lhe assistem; i. O thema decidendo, é, outrossim, in extremis, a questão de saber a quem incumbe o dever de pagar à Recorrida os valores às despesas de funeral e ao subsídio por morte do seu marido em consequência de acidente de trabalho ao serviço da segurada da Recorrente; j. Aquilo que resulta das Alegações apresentadas pela Recorrente, é à tentativa desesperada desta de enxertar no seu articulado uma questão completamente lateral àquela que é aqui discutida, e que constitui o cerne de todo o processo, como forma de tentar trazer algum cariz de admissibilidade ao recurso apresentado, k. Tentando fazer perpetuar, para lá do razoável, uma situação de manifesta injustiça para com a Recorrida, a qual, para além de ter tido de lidar emocional, social e financeiramente com a arrebatadora perda do seu companheiro, continuam a discutir, em 2023, sobre quem impende o ónus de lhe pagar as quantias relativas às despesas de funeral e de subsídio por morte; l. Assim, atenta a literalidade dos artigos 5.º e 18.° do DL n.° 503/99, bem como a posição sustentada nos Acórdãos que antecedem, não se vislumbra a existência de qualquer questão de importância fundamental por virtude da sua relevância jurídica ou social ou, sequer, que esteja em causa melhor aplicação do direito, devendo por isso o recurso apresentado pela Recorrente ser liminarmente rejeitado, por falta de fundamentos para a sua interposição, com as demais consequências daí resultantes; m. Caso assim não se entenda, e se considere que o recurso apresentado pela Recorrente deverá ser admitido, o que por mera cautela e dever de patrocínio se equaciona, o mesmo deverá improceder, também quanto às questões de Direito que são suscitadas, pois razão não assiste à Recorrente; o. Tal decisão não merece qualquer reparo, quer porque a única conclusão lógica e fiel à letra da lei que se pode retirar do n,° 3 do art.° 5.° do diploma em apreço é que as prestações relativas às despesas de funeral e subsídio por morte (as prestações previstas precisamente no art.° 18.°) apenas serão pagas pela Caixa Geral de Aposentações, se o falecimento do sinistrado, em consequência de acidente de trabalho, ocorrer na situação de aposentação, p. Sendo, nos restantes casos, da responsabilidade da entidade empregadora, e concomitante e subsidiariamente, da ora Recorrente, fruto da celebração de seguro de acidentes de trabalho em serviço facultativo; q. É, pois, meramente aparente o conflito de normas aplicáveis aos presentes autos, bem como é apenas aparente a responsabilidade concorrente entre a Caixa Geral de Aposentações e a Entidade Empregadora no pagamento deste tipo de despesas; r. Concorrente, porque de facto tanto a Caixa Geral de Aposentações, como a entidade empregadora para quem a vítima do acidente de trabalho prestava funções poderão ser chamadas a responder pelo pagamento de tais valores; t. Nestes termos, e atento todo o supra descrito, é a Recorrente responsável pelo pagamento das quantias peticionadas pela Autora, devendo, por tudo quanto se expôs, o recurso improceder em absoluto, mantendo-se na íntegra o Acórdão recorrido. Nestes termos e nos melhores de Direito, cujo experimentado e proficiente juízo dos Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo doutamente suprirá, deve: 4. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 7/12/2023 (cfr. fls. 848/849 SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150° do CPTA, designadamente nos seguintes termos: «(...) O acórdão recorrido, para negar provimento à apelação, entendeu que era sobre a R. Seguradora, e não sobre a Caixa Geral de Aposentações, que recaía a responsabilidade pelo pagamento das despesas de funeral e do subsídio por morte respeitantes ao funcionário que veio a falecer em consequência de um acidente de serviço, dado que a aplicação da norma geral do art.° 5., n.º 3, do DL n. ° 503/99, de 20/11, era afastada pelo n.° 1 do art.° 18.° do mesmo diploma que se referia especificamente a estas prestações. 6. Sem vistos prévios, atento o disposto nos arts. 36° n°s 1 e 2 e 147° do CPTA e 48° n° 1 do DL n° 503/99, de 20/11, vem o processo submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir. * II - DAS QUESTÕES A DECIDIR 7. Constitui objeto do presente recurso de revista saber, como resulta dos autos - designadamente, dos articulados, e como se expressou no Acórdão deste STA que admitiu a revista -, saber se o Acórdão do TCAN recorrido, confirmativo da decisão de 1ª instância do TAF/Aveiro, procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação interposto, concretamente: se o pagamento do subsídio por morte e das despesas de funeral é da responsabilidade da Seguradora Recorrente - como as instâncias decidiram - por o serviço onde trabalhava o sinistrado ter transferido para esta, mediante contrato de seguro, a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, ou se, diversamente, como a Recorrente defende nas suas alegações, é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações. * III - FUNDAMENTAÇÃO III. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 8. De entre os factos dados como provados nas instâncias, interessam, direta ou indiretamente, à questão a dirimir no presente recurso de revista, os seguintes: «1) BB era funcionário do Município de Oliveira de Azeméis, onde prestava funções em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na categoria profissional de assistente operacional, no ..., auferindo a remuneração base mensal ilíquida de 719,17 € * III. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 9. Como resulta do acima exposto, a Seguradora Recorrente “A...” contesta, neste seu recurso de revista, o julgamento efetuado pelo TCAN, no Acórdão impugnado, em que, confirmando a sentença de 1ª instância, do TAF/Aveiro, a condenou (solidariamente com o Segurado, Município de Oliveira de Azeméis) a pagar à Autora as peticionadas quantias correspondentes ao subsídio por morte e às despesas de funeral do funcionário municipal, vítima mortal de acidente de trabalho, com quem a Autora vivia em união de facto. O TAF/Aveiro, depois de referir que o pagamento das despesas de funeral e do subsídio por morte vem regulado nos arts. 4o n° 4 f) e 18° do DL 503/99, de 20/11, concluiu que a Autora tem direito às correspondentes quantias, peticionadas, cujos pagamentos são da responsabilidade do Município (e da ora Recorrente, por via do contrato de seguro celebrado), como decorre dos n°s 1 e 6 (este, “a contrario”) daquele art. 18°. O TCAN confirmou este julgamento, pois que, ainda que o n° 3 do art. 5o do DL 503/99 estipule que, nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte (como aqui sucede), compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma, a responsabilidade pelo pagamento quer das despesas com o funeral quer do subsídio por morte é atribuída pelo art. 18° do mesmo DL 503/99 ao serviço ou organismo em que o funcionário exercia funções. E o TCAN, contrariando a alegação da ora Recorrente, assenta esta conclusão em dois argumentos que expressa: por um lado, porque a «responsabilidade pela reparação» atribuída à CGA pelo n° 3 do art. 5o não abarca as despesas com o funeral ou o subsidio por morte, já que não constituem, estes, específica «reparação dos danos emergentes do acidente» (cfr. n° 2), situando-se, diversamente, “para além desses danos, num momento legal e temporalmente posterior ao acidente e aos danos provocados direta e necessariamente pelo acidente”; por outro lado, o art. 18° ao atribuir concretamente a responsabilidade por estes encargos ao serviço ou organismo em que o funcionário exercia funções (só atribuindo esta responsabilidade à CGA nos casos em que a vítima se encontrava na situação de aposentação), sempre se erige como norma especial face à norma contida no n° 3 do art. 5o. 10. A Seguradora Recorrente alega, em suma, no presente recurso de revista, que houve erro de julgamento ao ter-se aplicado ao caso o disposto no art. 18° do DL 503/99, em detrimento da aplicação do n° 3 do art. 5° e da alínea f) do n° 4 do art. 4o do mesmo DL, sendo a aplicação destas normas devida - em seu entender - “em interpretação extensiva”, considerando “a equiparação legal e jurídica da CGA ao Instituto de Segurança Social para efeitos do art. 70° da Lei n° 4/2007, de 16 de janeiro”. Mais alega que a não aplicação do n° 3 do art. 5º do DL 503/99 decorre de uma interpretação inconstitucional destas normas (art. 18º, n° 3 do art. 5° e alínea f do n° 4 do art. 4o do DL 503/99), “o que impulsiona a aqui Recorrente para um novo processo judicial para defesa dos seus interesses, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20° da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no n°4 do artigo 268° da CRP". Invoca a Recorrente, em alegado suporte da sua tese, o Acórdão deste STA de 21/11/2019 (proc. 0751/15.BEVIS), que diz ter condenado a CGA solidariamente ao pagamento do subsídio por morte e das despesas de funeral de funcionário público; e o Acórdão do STJ de 11/5/2023 (proc. 1456/20.0T8VRL.GI.S), que diz ter equiparado a CGA ao Instituto de Segurança Social. 11. Está, pois, em causa, no presente recurso de revista, decidir quem é legalmente responsável (se a CGA ou se o Município (e a ora Recorrente, “ex vi” de celebrado contrato de seguro) pelo pagamento das despesas de funeral e do subsídio por morte, neste caso de óbito de um funcionário público, no ativo, em decorrência de acidente ocorrido no exercício das suas funções (acidente em serviço). Aplicando-se à ocorrência em questão o regime do DL n° 503/99, de 20/11 (“Regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública") - o que torna a presente ação, proposta pela interessada (que vivia em união de facto com o falecido), especial e urgente, nos termos do art. 48° daquele diploma, como foi, aliás, determinado no despacho de 9/11/2022, a fls. 312/313 SITAF -, verificamos que, nos termos dos n°s 1 e 4 do seu art. 4o (com a epígrafe “Reparação"), inserto no Capítulo I (“Disposições gerais”): Por seu lado, o n° 3 do seu art. 5o (ainda no âmbito do Capítulo I, “Disposições gerais”) estipula que: Por sua vez, o art 34° (com a epígrafe “Incapacidade permanente ou morte”), inserto no Capítulo IV (“Responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações”), determina: Das normas citadas e transcritas decorre que, nos casos de acidente em serviço de que tenha resultado a morte do funcionário - como é a situação em questão nos presentes autos -, a regra é a de que é responsabilidade da CGA a reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes do acidentes em serviço de que resultou a morte. E, se nenhuma outra norma se aplicasse ao caso, dúvidas não haveria que, por esta regra geral, a CGA seria responsável, no caso, por toda a devida reparação dos danos, em espécie e em dinheiro. Sucede, porém, que o DL 503/99 em questão prevê, no seu art. 18° (com a epígrafe “Despesas de funeral e subsídio por morte"), inserto no Capítulo II (“Acidentes em serviço"), Secção II (“Da reparação"), Subsecção II (“Prestações em dinheiro"), um regime específico quanto ao encargo com as “despesas de funeral” e com o “subsídio por morte”. Efetivamente, numa solução inversa à da regra geral sobre a responsabilidade pela reparação (em casos de incapacidade permanente ou morte), que, como vimos atribui à CGA o respetivo encargo, o n° 1 do art. 18° estipula que: Ora, da consideração das normas deste art. 18°, acabadas de transcrever, resulta claro que o legislador quis subtrair do regime geral da responsabilidade da CGA pelos encargos com a reparação em espécie e em dinheiro, o encargo especifico com a reparação em dinheiro relativa às despesas de funeral e ao subsidio por morte, atribuindo-o, expressamente, ao “serviço ou organismo’’ (cfr. n° 1); mas, ainda assim, apenas quanto aos funcionários acidentados não aposentados, pois que, já serão da responsabilidade da CGA, se o falecimento, em consequência de acidente em serviço, ocorrer na situação de aposentação, as prestações previstas nos números anteriores (ou seja, as despesas com o funeral, previstas no anterior n° 1, e o subsídio por morte, previsto no anterior n° 3). Daqui se deve concluir que, ao subtrair da regra geral da responsabilidade da CGA pela devida reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço de que tenha resultado incapacidade permanente ou morte, os encargos com as despesas de funeral e com o subsídio por morte (desde que não se tratasse de funcionário já aposentado), este art. 18° do DL 503/99 erige-se - tal como as instâncias julgaram - em lei especial relativamente àquelas outras normas do mesmo diploma estipuladoras da regra geral da responsabilidade da CGA nos casos de incapacidade permanente ou morte. E daqui se deve, consequentemente, também concluir que bem andaram ao reconhecer, quanto às despesas de funeral e ao subsídio por morte em discussão, a responsabilidade do “serviço ou organismo” da vítima (e da Seguradora Recorrente, por via do contrato de seguro celebrado com o “serviço” Município de Oliveira de Azeméis). Mas não vemos como possa ter razão. É que o art. 18° do DL 503/99 é bem claro e explícito em atribuir ao “serviço ou organismo”, e não à CGA, a responsabilidade pelo pagamento das despesas do funeral e do subsídio por morte, exceto no caso de funcionários já aposentados. Assim, não vemos que se imponha, ou se admita, qualquer outra conclusão, eventualmente em consequência de uma alegada “interpretação extensiva”, cujo fundamento ou sentido não se alcança. A Recorrente apela a uma equiparação da CGA à Segurança Social para justificar uma inerente responsabilidade da CGA no caso. Mas, sendo o DL 503/99 o diploma que regula especificamente a matéria dos acidentes em serviço (e doenças profissionais) no âmbito da Administração Pública, são as normas constantes desse diploma que especificamente regulam as questões, como a colocada nos presentes autos, relativamente à responsabilidade pela reparação dos danos resultantes de acidentes em serviço, sendo, pois, indiferente, para o que aqui releva, a consideração da CGA como uma instituição da segurança social. Relevam, sim, as regras próprias do DL 503/99. E se é verdade que o DL 503/99 remete, em vários pontos, para o regime geral (isto é, para a Lei 98/2009, de 4/9 - “Regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais”), não podem deixar de aplicar-se as normas específicas do DL 503/99 regulamentadoras da matéria - como o disposto, designadamente, no seu art. 18° -, visto que se trata do diploma específico sobre os acidentes em serviço (e as doenças profissionais) no âmbito da Administração Pública. Não se vê, pois, fundamento para qualquer conclusão distinta da resultante do disposto nas normas do DL 503/99, nomeadamente no seu citado art. 18°, designadamente por via de uma invocada “interpretação extensiva” que, bem vistas as coisas, resultaria, seguindo-se o entender da Recorrente, numa solução precisamente contrária à estipulada em tal artigo (responsabilidade da CGA, em vez da responsabilidade do “serviço ou organismo” como ali se determina). E também não tem razão a Recorrente quando diz, nas suas alegações, que, ao contrário do julgado nas instâncias, “não existe apenas o art. 18° como norma específica (...), o n° 3 do art. 5° e alínea f) do n° 4 do art. 4° do DL 503/99, de 20 de novembro, também são consideradas normas específicas para a presente situação”. Como é evidente, esta afirmação não colhe. Normas específicas, no sentido de lei ou norma especial, existem em relação a outras - leis ou normas gerais. Como resulta do que atrás já se deixou dito, o art. 18°, ao prever a responsabilidade do “serviço ou organismo” pelo pagamento de despesas de funeral e de subsídio por morte (salvo em caso de funcionários já aposentados) exceciona-se da regra geral resultante das restantes normas, citadas, do DL 503/99, da responsabilidade da CGA pela reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço com a consequência de incapacidade permanente ou morte. Assim, se não existisse a previsão especial do art, 18° (com a solução diferente, da responsabilidade do “serviço ou organismo”), aplicar-se-ia - então, sim - a regra geral, da responsabilidade da CGA, uma vez que as despesas com o funeral e o subsídio por morte integram a reparação em dinheiro dos danos resultantes do acidente em serviço (cfr. art. 4°). Existindo, contudo, a norma especial do art. 18° para os casos específicos das despesas de funeral e do subsídio por morte (salvo o caso de funcionários que já fossem aposentados), tal norma especial do art. 18° tem de ser aplicada. 13. Alega, ainda, a Seguradora Recorrente, que a não aplicação do n° 3 do art. 5° do DL 503/99 decorre de uma interpretação inconstitucional destas normas (art. 18°, n° 3 do art. 5° e alínea f) do n° 4 do art. 4º do DL 503/99), “o que impulsiona a aqui Recorrente para um novo processo judicial para defesa dos seus interesses, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20° da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no n°4 do artigo 268° da CRP”. Mas - com o devido respeito o dizemos -, não se compreende de todo, das alegações da Recorrente, como pode a aplicação da norma do art. 18°, determinando a responsabilidade do “serviço ou organismo” da vítima - no caso, o Município de Oliveira de Azeméis (e a ora Recorrente, sua Seguradora) - pelo pagamento das despesas do funeral e do subsídio por morte, atentar contra a garantia constitucional do acesso ao direito ou à tutela jurisdicional efetiva. A norma em causa limita-se a estipular quem é responsável, nas circunstâncias dadas, por tal reparação específica (despesas de funeral e subsídio por morte), de nenhuma forma bulindo com o acesso ao direito ou com uma tutela jurisdicional efetiva. Porém, a situação subjacente ao referido Acórdão deste STA não era idêntica à dos presentes autos, nem o que ali se decidiu coincide com o aqui defendido pela Recorrente. Desde logo, ali a ação fora intentada pela interessada (viúva da vítima) contra o “serviço” (Município) e contra a CGA. Diversamente, a presente ação foi intentada apenas contra o “serviço” (Município) e sua Seguradora (a ora Recorrente). Chegou a ser requerida a intervenção principal da CGA, mas tal foi indeferido, por decisão transitada (cfr. despacho de 5/1/2023, a fls. 452 e segs. SITAF). O que ali se decidiu, em tal Acórdão do STA, foi a confirmação, na parte que para aqui releva, do Acórdão do TCAN, de 3/5/2019 (o qual, por sua vez, confirmara, na mesma parte, a sentença do TAF/Viseu de 18/1/2019), que havia julgado que “sendo solidária a responsabilidade da CGA, responderá pelo pagamento do subsídio por morte e despesas com o funeral, sem prejuízo, se for caso disso, do emergente exercício do direito de reembolso sobre o Município'’. Donde se conclui que o entendimento das instâncias nos presentes autos quanto à responsabilidade do Município (e da ora Recorrente, por via do celebrado contrato de seguro) não contradiz o julgado no citado Acórdão do STA de 21/11/2019. De igual forma, não há qualquer contradição com o também invocado Acórdão do STJ de 11/5/2023 (proc. 1456/20.0T8VRL.G1.S), o qual, equiparando a CGA a uma instituição de segurança social, tinha subjacente a discussão sobre a atribuição de uma pensão de sobrevivência fora do contexto de um acidente em serviço, pelo que nem sequer estava ali em causa - como aqui - a aplicação do DL 503/99 enquanto “regime jurídico dos acidentes em serviço no âmbito da Administração Pública”. 15. Em face de tudo o exposto, é de concluir que as instâncias julgaram acertadamente ao terem determinado a responsabilidade do “serviço ou organismo” da vítima (Município de Oliveira de Azeméis) e da ora Recorrente, por via de celebrado contrato de seguro, em face do estipulado no art. 18o do DL 503/99, de 20/11. Apenas se retifica o julgamento do TCAN no sentido de que esta conclusão resulta, conjugadamente, do disposto nos n°s 1, 3 e 6 (neste último, “a contrario”) desse art. 18° - como, aliás, entendido em 1ª instância - e não apenas no seu n° 1. * IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202° da Constituição da República Portuguesa, em: Negar provimento ao presente recurso de revista interposto pela Recorrente/co-Ré “A..., S.A.”, mantendo-se, assim, o Acórdão do TCAN recorrido, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente. Custas a cargo da Recorrente. D.N. Lisboa, 1 de fevereiro de 2024 - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Maria do Céu Dias Rosa das Neves. |